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Matheus de Abreu Chagas*
1. Breve evolução
jurisprudencial sobre o tema.
A
constitucionalidade ou legalidade da contribuição ao INCRA já foi objeto de
diversos debates ao longo dos anos perante os tribunais brasileiros.
Primeiramente, no
fim da década de 90, mais precisamente em 1998 e 1999, vigorava o
posicionamento de que a contribuição ao INCRA encontrava-se plenamente
exigível, quer das empresas urbanas, quer das empresas rurais, conforme os
seguintes julgados do Egrégio STJ:
FUNRURAL -
EMPRESAS URBANAS - PRORURAL - FONTE DE CUSTEIO - CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA.
1. Todas as
empresas, urbanas ou rurais, estão obrigadas a recolher anualmente as
contribuições de 2,4% para o INSS e 0,2% para o INCRA, sobre o valor de sua
folha de pagamento.
2. Somente a
contribuição de 2,4% foi destinada ao FUNRURAL e é fonte de custeio do
PRORURAL. A contribuição de 0,2% do INCRA nunca foi fonte de custeio do
PRORURAL, e o art. 3º, § 1º da Lei nº 7787/89 não a suprimiu.
(STJ, REsp nº
173.588 / DF, Rel. Min. Garcia Vieira, 01ª Turma, DJ 21.09.1998)
CONTRIBUIÇÃO
SOCIAL (ART. 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL) DESTINADA A FINANCIAR O INCRA E O
FUNRURAL. NATUREZA UNIVERSAL DA CONTRIBUIÇÃO QUE DEVE SER SUPORTADA, TAMBÉM,
PELAS EMPRESAS URBANAS.
(...)
1. A contribuição
social, segundo a Constituição Federal, será financiada por toda a sociedade. E
se a contribuição (ou a seguridade social) tem o caráter de universalidade, a
sua incidência não está condicionada a que a empresa (contribuinte) exerça
atividade exclusivamente rural. A contribuição não é um tributo (ou uma taxa)
de fundo corporativista a ser suportada por uma determinada classe (grupo ou
categoria) (art. 176, III, do Decreto nº 83.080/79).
(STJ, REsp nº
165.075 / SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, 01ª Turma, DJ 02.08.1999)
A questão, assim,
chegou ao Supremo Tribunal Federal o qual sedimentou o entendimento de que não
havia qualquer óbice constitucional à cobrança das contribuições ao INCRA e ao
FUNRURAL, conforme o julgado abaixo:
EMENTA:
Contribuição para o FUNRURAL: empresas urbanas: acórdão recorrido que se
harmoniza com o entendimento do STF, no sentido de não haver óbice a que seja
cobrada, de empresa urbana, a referida contribuição, destinada a cobrir os
riscos a que se sujeita toda a coletividade de trabalhadores: precedentes.
(STF, AI-AgRg nº
334.360 / SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 01ª Turma, DJ 25.02.2005)
Mesmo após essa
aparente "pacificação" da matéria, o STJ vinha entendendo, a partir
de 2003, que a contribuição ao INCRA, mesmo constitucional, seria ilegal, não
podendo ser exigida das empresas urbanas, em razão da superposição
contributiva. Ou seja, o entendimento (empresas urbanas) outrora utilizado para
justificar a incidência da exação em debate agora revestia-se de argumento
favorável aos contribuintes. Vejamos:
TRIBUTÁRIO.
CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNRURAL E PARA O INCRA. EMPRESA PRIVADA. PREVIDÊNCIA
URBANA. IMPOSSIBILIDADE DE SUPERPOSIÇÃO CONTRIBUTIVA. COMPENSAÇÃO DOS VALORES
PAGOS INDEVIDAMENTE A PARTIR DO ADVENTO DAS LEIS 7.787/89 E 8.212/91.
1. As
contribuições para o FUNRURAL e para o INCRA são indevidas pela empresa
vinculada exclusivamente à Previdência Urbana, por força da vedação da
superposição contributiva. Precedentes das Turmas de Direito Público.
(...)
(STJ, REsp nº
418.596 / RS, Rel. Min. Luiz Fux, 01ª Turma,
DJ 02.06.2003)
Surpreendentemente,
em agosto de 2004, reunidas a primeira e segunda turma do STJ (01ª Seção), foi
publicado um acórdão referente ao julgamento de um EREsp, no qual evidenciou-se
a plena exigibilidade da exação ao INCRA, nesses termos:
EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNRURAL E PARA O INCRA. EMPRESA
URBANA. EXIGIBILIDADE.
1. É legítimo o
recolhimento da contribuição previdenciária para custeio do FUNRURAL e do INCRA
por empresas urbanas, já que a lei não exige a vinculação da empresa a
atividades rurais.
2. Precedentes do
Supremo Tribunal Federal e desta Seção.
3. Embargos de
divergência acolhidos.
(STJ, EREsp nº
412.923 / PR, Rel. Min. Castro Meira, 01ª Seção, DJ 09.08.2004)
A partir de 2005,
no entanto, o STJ voltou atrás e novamente considerou que a exação ao INCRA não
encontrava guarida na legislação federal, tendo sido revogada pela Lei nº
8.212/91. Vejamos:
TRIBUTÁRIO.
CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA. EMPRESAS URBANAS. LEGALIDADE. LIMITAÇÃO TEMPORAL.
VIGÊNCIA DA LEI Nº 8.212/91.
I - A Primeira
Seção tem entendido pela legalidade da cobrança da contribuição previdenciária
para o INCRA, por parte das empresas urbanas, até o advento da Lei nº 8.212, de
25 de julho de 1991, quando passou a ser inexigível. Precedentes: REsp nº
624.714/PR, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 13/09/04; REsp nº 443.496/PR, Relª
Minª ELIANA CALMON, DJ de 13/09/04; AGA nº 570.272/PR, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, DJ de 16/08/04; e EAG nº 470.011/SP, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de
01/07/04.
II - Agravo
regimental improvido.
(STJ, AgRg no REsp
nº 687.125 / PR, Rel. Min. Francisco Falcão, 01ª Turma, DJ 21.03.2005)
TRIBUTÁRIO E
PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA. EXTINÇÃO. LEI 8.212/91.
LEGITIMIDADE DO INSS.
1. Até a vigência
da Lei 8.212, de 24.07.1991, a contribuição social para o INCRA era devida
pelas empresas urbanas. O art. 18 da Lei n º 8.212/91 não relacionou aquela
instituição como entidade beneficiada pelo custeio da seguridade social.
Aplica-se aqui a máxima inclusio unius alterius exclusio, ou seja, o que a lei
não incluiu é porque desejou excluir, não devendo o intérprete incluí-la.
(STJ, REsp nº
712.127 / RS, Rel. Min. Castro Meira, 02ª Turma, DJ 01.07.2005)
Em 2006, ocorreu
nova alteração jurisprudencial. Dessa vez, felizmente, não quanto ao seu
mérito. O Superior Tribunal de Justiça solidificou o entendimento de que não
teria sido a Lei nº 8.212/91 que extinguiu a contribuição ao INCRA, mas sim a
Lei nº 7.787/89. Nesse sentido, vê-se os seguintes arestos: EREsp nº 503.287 /
PR, DJ 19.09.2005; AgRg no REsp nº 712.147, DJ 22.05.2006; AgRg no AgRg no REsp
nº 734.617, DJ 11.05.2006; AgRg no REsp nº 742.483, DJ 28.04.2006.
Finalmente, no fim
de 2006, a Nobre Ministra Eliana Calmon, acatando a tese de que a contribuição
ao INCRA se trataria de uma contribuição de intervenção no domínio econômico,
submetendo-se ao regime do art. 149 da CF/88, alterou toda a jurisprudência
mansa e pacífica da Corte a respeito dessa exação e decidiu pela plena
exigibilidade desta, não tendo as Leis nº 7.787/89, 8.212/91 e 8.213/91
qualquer influência sobre ela, à luz do seguinte precedente:
VIGÊNCIA DA
CONTRIBUIÇÃO AO INCRA. NATUREZA DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. LEIS Nº
7.789/89 E 8.212/91. DESTINAÇÃO DIVERSA. EMPRESAS URBANAS. ENQUADRAMENTO.
I - A Primeira
Seção do STJ, na esteira de precedentes do STF, firmou entendimento no sentido
de que não existe qualquer óbice para a cobrança da contribuição destinada ao
INCRA também das empresas urbanas. Precedentes: EDcl no AgRg no REsp nº
716.387/CE, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJ de 31/08/06 e EDcl no REsp nº
780.280/MA, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 25/05/06.
II - Este Superior
Tribunal de Justiça, após diversos pronunciamentos, com base em ampla
discussão, reviu a jurisprudência sobre o assunto, chegando à conclusão que a
contribuição destinada ao INCRA não foi extinta, nem com a Lei nº 7.787/89, nem
pela Lei nº 8.212/91, ainda estando em vigor.
III - Tal
entendimento foi exarado com o julgamento proferido pela Colenda Primeira
Seção, nos ERESP nº 770.451/SC, Rel. p/ac. Min. CASTRO MEIRA, Sessão de
27/09/2006. Naquele julgado, restou definido que a contribuição ao INCRA é uma
contribuição especial de intervenção no domínio econômico, destinada aos
programas e projetos vinculados à reforma agrária e suas atividades
complementares. Assim, a supressão da exação para o FUNRURAL pela Lei nº
7.787/89 e a unificação do sistema de previdência através da Lei nº 8.212/91
não provocaram qualquer alteração na parcela destinada ao INCRA.
IV - Agravo
regimental improvido.
(STJ, AgRg no AgRg
no REsp nº 894.345 / SP, Rel. Min. Francisco Falcão, 01ª Turma, DJ 24.05.2007)
Destarte, após
tantas idas e vindas do Superior Tribunal de Justiça, o atual posicionamento da
Corte demonstra claramente que a contribuição ao INCRA tem natureza jurídica de
contribuição de intervenção no domínio econômico, com fulcro no art. 149 da
CF/88. Assim, para reacender o debate no tocante à natureza jurídica e ao
regime constitucional-tributário aplicável à exação em tela, obrigatoriamente
deve haver uma exegese do art. 149 da Carta Magna, o que inviabiliza o pleito
exclusivamente perante a legislação federal, merecendo uma declaração final do
Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela interpretação e harmonização
das normas constitucionais.
Assim é que
proceder-se-á a considerações sobre o regime constitucional-tributário das
contribuições a que alude o supracitado art. 149, concluindo que a contribuição
ao INCRA não se trata de uma CIDE, vez que não preenche os requisitos
necessários para caracterizá-la como tal.
2. das contribuições elencadas no art. 149 da CF/88.
Inconstitucionalidade da contribuição ao INCRA como CIDE.
O art. 149 da
Constituição Federal de 1988 possui a seguinte redação:
"Art. 149.
Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção
no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas,
como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos
arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, §6º,
relativamente às contribuições a que alude o dispositivo".
A partir de uma
leitura sistemática deste artigo com outros comandos constitucionais,
conjuntamente à análise do RE nº 138.284 / CE, pode-se perceber que o
constituinte originário concedeu prerrogativa à União de instituir
contribuições, quais sejam: sociais (seguridade social, outras de seguridade
social e gerais), de intervenção no domínio econômico, corporativas e de
melhoria (art. 145, III).
Particular
interesse teremos quanto às contribuições de intervenção no domínio econômico,
sua natureza constitucional-tributária, suas características e peculiaridades,
revelando os motivos pelos quais elas são justamente as mais conflituosas na
doutrina e na jurisprudência pátria.
O Egrégio Superior
Tribunal de Justiça, ao determinar a contribuição ao INCRA como CIDE, durante o
julgamento do EREsp nº 770.451 / SC (acórdão ainda não publicado), utilizou os
seguintes argumentos:
a)a contribuição
do INCRA tem finalidade específica (elemento finalístico) constitucionalmente
determinada de promoção da reforma agrária e de colonização, visando atender
aos princípios da função social da propriedade e a diminuição das desigualdades
regionais e sociais (art. 170, III e VII, da CF/88);
b)a contribuição
destinada ao INCRA, desde sua concepção, caracteriza-se como contribuição
especial de intervenção no domínio econômico, classificada doutrinariamente
como contribuição especial atípica (CF/67, CF/69 e CF/88 - art. 149);
c)as contribuições
especiais atípicas (de intervenção no domínio econômico) são
constitucionalmente destinadas a finalidades não diretamente referidas ao
sujeito passivo, o qual não necessariamente é beneficiado com a atuação estatal
e nem a ela dá causa (referibilidade). Esse é o traço característico que as
distingue das contribuições de interesse de categorias profissionais e de
categorias econômicas;
d)o produto da sua
arrecadação destina-se especificamente aos programas e projetos vinculados à
reforma agrária e suas atividades complementares. Por isso, não se enquadra no
gênero Seguridade Social (Saúde, Previdência Social ou Assistência Social);
Os Nobres
Ministros do STJ, ao argumentarem nesse sentido, levaram em consideração, em
síntese, dois aspectos: um, baseado na atividade realizada pelo INCRA, como
sendo de promoção à reforma agrária e, portanto, não se aproximando da
Seguridade Social e, outro, no sentido de que a CIDE, por não exigir
referibilidade direta entre o sujeito passivo e a destinação das verbas
arrecadadas, estaria em total consonância com a contribuição ao INCRA.
Não verificaram,
assim, as características e peculiaridades da exação ao INCRA em sua plenitude.
Não analisaram o regime tributário-constitucional a que ela é submetida, muito
menos avaliaram, na totalidade, sua regra-matriz de incidência.
A incidência da
CIDE – contribuição de intervenção no domínio econômico – como o próprio nome
diz, deve respeitar uma estreita ligação com os princípios da atividade
econômica e com a própria ordem econômica vigente no Estado brasileiro, ou
seja, deve estar diretamente ligada aos conceitos, limites e objetivos
estampados nos arts. 170 e ss da Carta Magna de 1988.
A ordem econômica,
baseada, de um lado, na livre iniciativa e, por outro lado, na valorização do
trabalho humano, compreende diversas atuações de entes públicos e privados a
fim de que sejam atingidos os objetivos elencados nos incisos do art. 170.
Destarte, é dever do Estado (mediante atuação ou intervenção), bem como da
iniciativa privada realizar ações no intuito de cumprir os desígnios da ordem
econômica.
A livre
iniciativa, por sua vez, para que ocorra em sua plenitude, deve ser equilibrada
por dois valores extremamente relevantes: a defesa da livre concorrência,
consubstanciada na repressão ao abuso do poder econômico (art. 173, §4º) e a
proteção aos interesses e direitos do consumidor.
O Prof. Miguel
Reale, a propósito, esclarece:
"Livre
iniciativa e livre concorrência são conceitos complementares, mas
essencialmente distintos. A primeira não é senão a projeção da liberdade
individual no plano da produção, circulação e distribuição de riquezas,
assegurando não apenas a livre escolha nas profissões e das atividades
econômicas, mas também a autônoma eleição dos processos ou meios julgados mais
adequados à consecução fins visados. Liberdade de fins e meios informa o
princípio da livre iniciativa, conferindo-lhe um valor primordial, como resulta
da interpretação conjugada dos arts. 1º e 170".
"Já o
conceito de livre concorrência tem caráter instrumental, significando o
princípio econômico segundo o qual a fixação de preços das mercadorias e
serviços não deve resultar de atos de autoridade, mas sim do livre jogo das
forças em disputa de clientela na economia de mercado" [01].
A atuação (lato
sensu) do Estado na atividade econômica, no intuito de promover e estimular a
livre iniciativa e a livre concorrência, proteger o consumidor e inibir o abuso
do poder econômico, auxiliando na consecução dos ditames da justiça
sócio-econômica, tem sua base constitucional nos arts. 173, 174 e 175 da CF/88.
O primeiro deles
regula a intervenção direta do Estado na atividade econômica, usualmente
mediante a criação de pessoas jurídicas de direito privado, submetidas,
portanto, ao regime jurídico do direito privado (inciso II e o §2º do art.
173). Estabelece esse comando constitucional que, ressalvados os casos
previstos pela própria CF/88, a exploração direta da atividade econômica pelo
Estado somente será permitida quando for ameaçada a segurança nacional ou para
atender a relevante interesse coletivo.
A regra, destarte,
é a exploração da atividade econômica pela iniciativa privada – respeitando
assim a base constitucional do Estado liberal brasileiro – e a exceção, é a
estatal.
Da leitura do §4º
do art. 173, advém a segunda modalidade de atuação (lato sensu) estatal no
domínio econômico: o Estado intervirá, mediante legislação própria, a fim de
coibir o abuso do poder econômico que vise à dominação de mercados, ao aumento
arbitrário dos preços ou à eliminação da concorrência (art. 173, §4º).
O art. 174 da
Constituição Federal de 1988, por sua vez, regulamenta outra maneira do Estado
intervir na atividade econômica, dessa vez como agente normativo e regulador da
atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, planejamento, este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Nesse
ponto, grande parte da doutrina ressalta a ratificação da adoção do liberalismo
pelo Estado brasileiro.
Por fim, a atuação
do Estado no ramo econômico também pode se originar a partir da prestação de
serviços públicos, direta ou indiretamente, através de concessão ou permissão,
sempre obedecido o instituto da licitação. Esse é o teor do art. 175 da Carta
de 1988.
Em síntese, há
quatro formas de atuação (lato sensu)
do Estado na atividade econômica:
a)criação de
pessoas jurídicas de direito privado, em determinadas atividades (art. 173, caput);
b)inibição do
abuso do poder econômico, mediante legislação própria (art. 173, §4º)
c)atuação como
agente normativo e regulador, planejando e incentivando políticas (art. 174);
d)prestação de
serviços públicos, direta ou indiretamente (art. 175);
Note-se que
utilizamos a nomenclatura "atuação lato
sensu" para designar quaisquer formas de interferência estatal na
atividade econômica. A "atuação strictu
sensu" estaria precisamente delimitada pela hipótese descrita na
letra "d".
Assim é que
chegamos a conclusão de que as três primeiras formas de atuação é que, única e
exclusivamente, poderão ser consideradas como intervenção estatal no domínio
econômico, aptas a ensejar a incidência de possíveis contribuições de
intervenção no domínio econômico – CIDE.
Ou seja, a
imposição de uma CIDE somente se legitima caso ela incida sobre uma das três
hipóteses descritas nas letras "a", "b" e "c",
acima, pois nessas situações há, de fato, uma intervenção do Estado na
atividade econômica.
Temos portanto
dois grandes regimes de interferência estatal na atividade econômica: um
resultante da reunião das hipóteses "a", "b" e
"c"; e outro resultante da letra "d". Naquele, o Estado
atua como ser estranho, regido por normas de direito privado, pois está fora do
âmbito de suas funções. Nesse, o particular é que se submete ao regime de
direito público, prestando serviços originalmente delegados ao Estado. Para
corroborar essas palavras, cita-se o ilustre Ives Gandra da Silva Martins
[02]:
"Não há como
confundir os dois regimes. São distintos. No primeiro, o Estado atua como
agente vicário na exploração própria da atuação particular, regida por normas
que pertinem ao direito privado e, no segundo, o segmento privado pode atuar
como agente acólito do Estado na prestação de serviços públicos, que não se
confundem com os aspectos pertinentes ao art. 173".
E, neste ponto,
cabe a seguinte indagação: a atividade
de reforma agrária pode ser caracterizada como uma intervenção estatal no
domínio econômico (entendida esta como uma das hipóteses descritas nas letras
"a", "b" ou "c")?
Ademais, a reforma agrária é atividade naturalmente
destinada aos particulares? Seria ela submetida ao regime jurídico do direito
privado?
Para todos os
questionamentos acima, a resposta é negativa. A política estatal que tenha como
finalidade a reforma agrária nada mais é do que uma ação (strictu sensu – art. 175 da CF) do
Estado no seu próprio campo de atuação. E não há que se falar em intervenção no
domínio econômico quando o Estado atua no seu próprio campo de funções. E, por
decorrência lógica, se não há intervenção no domínio econômico, também não há
hipótese de incidência legítima para a instituição de CIDE, como pretensamente
quer-se caracterizar a contribuição ao INCRA.
O dicionário de
língua portuguesa Houaiss define a palavra intervenção como sendo a "ingerência de um indivíduo ou
instituição em negócios de outrem" ou, melhor ainda, como "interferência do Estado em domínio que
não seja de sua competência".
Nas sábias
palavras do Mestre Tércio Sampaio Ferraz Júnior [03], percebe-se a
seguinte conclusão, idêntica à acima demonstrada:
"É evidente
que a falta de critérios do que seja intervenção e domínio econômico impede a
identificação adequada dessa figura (CIDE). Tal ausência de critérios abre um
largo campo para que os poderes públicos possam invadir competências alheias ou
provocar um bis in idem a pretexto de instituir tributo de sua própria área,
infringindo, como já posto, limitações constitucionais próprias dos impostos
além de lesar interesses de estados e municípios no produto da arrecadação de
impostos. Portanto, a correta análise de que e quando seja possível a
intervenção é essencial ao deslinde do tema das contribuições".
(...)
"Portanto,
domínio econômico é aquele reservado à iniciativa privada e a intervenção pode
dar-se com fundamento no caput do art. 173, no §4º do mesmo art. 173 e com base
no art. 174 da CF/88".
Destarte, é
pressuposto fundamental e condição sine
qua non que, para a legítima criação de uma CIDE, o Estado esteja
atuando fora do campo naturalmente destinado à sua participação.
Aliás, a própria
Constituição Federal, em seu art. 184, §4º determina expressamente que "o orçamento fixará anualmente o volume
total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para
atender ao programa de reforma agrária no exercício". Ratifica-se
isso com o disposto no art. 25, caput
e §1º da Lei nº 8.629/93 [04]. Nesse sentido, é tarefa e dever do
Estado a promoção e o planejamento da reforma agrária, como instrumento da
política agrícola estatal.
Portanto, não
sendo atribuição dos particulares o planejamento e execução da reforma agrária,
não é possível imaginar que o Estado intervenha nessa seara, sendo ilegítima a
CIDE que tenha como elemento finalístico a promoção da reforma agrária, posto
ser atividade inerente ao âmbito estatal.
Assim é que
chegamos à conclusão de que para a instituição de contribuição de intervenção
no domínio econômico devem ser observados, obrigatoriamente, os seguintes
requisitos:
a)efetiva
intervenção do Estado no domínio econômico, nos limites das possibilidades
constitucionalmente previstas;
b)atividade
originalmente reservada ao setor privado ou que tenha a este sido transferida
por autorização, concessão ou permissão;
c)obediência a um
critério finalístico;
Fácil concluir que
a contribuição ao INCRA não preenche esses requisitos em sua completude. Não se
trata de intervenção no domínio econômico, tendo em vista que essa área
(reforma agrária) é de competência do Estado. Logicamente, não se trata de
atividade originalmente exercida pela iniciativa privada (calcada na livre
iniciativa e na livre concorrência), muito menos foi transferida ao setor
privado, por meio de concessão, permissão ou autorização.
Nesse norte, a
reforma agrária é atividade essencialmente estatal, pelo que a contribuição de
intervenção no domínio econômico – contribuição ao INCRA – instituída com o fim
de promovê-la é inconstitucional, por não preencher os requisitos necessários à
sua legitimação, decorrentes da interpretação sistemática dos arts. 149, 170,
173, 174 e 175 da Constituição Federal.
Assim é que, não
sendo contribuição de intervenção no domínio econômico, trata-se a contribuição
ao INCRA de uma típica contribuição social destinada ao financiamento da
Seguridade Social, conforme antiga jurisprudência do STJ, tendo sido extinta
pelas Leis nº 8.212/91 e 8.213/91 que unificaram o regime da Seguridade Social.
Notas
1.
REALE, Miguel. Aplicações da Constituição de 1988, Forense, 1990, p. 14
2.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Contribuições de Intervenção no Domínio
Econômico, ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 43
3.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Contribuições de Intervenção no Domínio
Econômico, ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 65 a 68.
4.
Art. 25. O orçamento da União fixará, anualmente, o volume de títulos da
dívida agrária e dos recursos destinados, no exercício, ao atendimento do
Programa de Reforma Agrária.
§ 1º Os recursos
destinados à execução do Plano Nacional de Reforma Agrária deverão constar do
orçamento do ministério responsável por sua implementação e do órgão executor
da política de colonização e reforma agrária, salvo aqueles que, por sua
natureza, exijam instituições especializadas para a sua aplicação.
* Advogado tributarista e pós-graduando em
Direito Tributário no IBMEC/SP (L.LM)
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11631
Acesso em: 22 ago.
2008.