Responsabilidade Civil da Instituição
Financeira, pela indevida inclusão de nomes em cadastros restritivos
de
crédito
FLÁVIA BEZERRA, Advogada, OAB/RN 3266.
Sumário: 1.- Introdução. 2.- Natureza da
responsabilidade civil. 3.-
Denunciação da lide. 4- Danos a serem ressarcidos.
5.- Conclusão.
1.-INTRODUÇÃO:
O assunto tratado neste trabalho veio à baila por ocasião
de uma pesquisa
realizada para aplicação a um caso concreto.
Buscou-se, com o presente artigo, analisar diversos aspectos alvos
de
divergências no que pertine às conseqüências
da indevida inclusão de
nomes, por parte de instituição financeira, em
cadastros restritivos de
crédito, a fim de encontrar a melhor solução
para as diversas questões
levantadas.
É que, durante a realização da referida pesquisa,
chamou atenção o fato
de que, com relação ao assunto, existem inúmeras
divergências, tanto
doutrinárias quanto jurisprudenciais, especialmente no
tocante à
admissibilidade da denunciação da lide de funcionário
de instituição
financeira, a quem esta atribui dolo ou culpa pelo fato lesivo.
O estudo principia com a definição da natureza da
responsabilidade a que
está sujeita a instituição financeira: se
objetiva ou subjetiva — decorrente
de dolo ou culpa.
Ao depois, e em decorrência desta definição,
avalia-se a necessidade, ou
não, de que seja denunciado à lide, preposto da
instituição, possível
causador do dano.
Ao final, busca-se verificar a possibilidade da existência
de danos morais e
danos materiais, a possibilidade de cumulação de
uns com os outros, bem
como os meios hábeis a prová-los e quantificá-los.
2.- NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL:
Questão importante e primordial para o presente estudo
é a definição da
natureza da responsabilidade civil da instituição
financeira. É ela objetiva,
independente de culpa em sentido amplo por parte de seus prepostos;
ou
subjetiva, necessitando, pois, da comprovação de
dolo ou culpa, para, só
então, obrigar-se à reparação do
dano causado?
Convém, em primeiro lugar, consignar que se trata de responsabilidade
pelo fornecimento de serviços, que, segundo a Lei nº
8.078/90 (Código de
Defesa do Consumidor), é objetiva. Tal ilação
decorre de disposições
claras da referida lei, como é o caso do art. 14, que
estatui que o
"fornecedor de serviços responde, independentemente da
existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos
relativos à prestação de serviços,
bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição
ou riscos".
E para tornar mais claro que tal disposição é
aplicável às instituições
financeiras, observe-se o parágrafo 2º do art. 3º
da mesma lei, que define
serviço como "qualquer atividade fornecida no mercado
de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter
trabalhista".
Configurado está, portanto, que nosso ordenamento jurídico,
em sua Lei
de Proteção ao Consumidor, adota a teoria da responsabilidade
objetiva do
fornecedor de serviços, sob a modalidade de risco profissional,
aí se
inserindo a atividade das instituições financeiras.
3.- DENUNCIAÇÃO DA LIDE:
Definido o tipo de responsabilidade a que estão sujeitas
as instituições
financeiras, convém analisar a obrigatoriedade, ou não,
de ser denunciado
à lide, preposto da instituição, suposto
causador do dano.
Suponha-se que a indevida inscrição de nome em cadastro
restritivo de
crédito tenha se dado em decorrência de ato doloso
ou culposo cometido
por empregado dos quadros da instituição.
Que, com base nisto, venha a requerer sua denunciação
da lide, com
fundamento no art. 70, inciso III, do Código de Processo
Civil, que dispõe
ser ela obrigatória àquele que estiver obrigado,
pela lei ou pelo contrato, a
indenizar, em ação regressiva, o prejuízo
do que perder a demanda,
visando, com isto, que, ao final, caso seja condenada, seja-lhe
reconhecido o direito de ser indenizada, regressivamente, pelo
denunciado.
Cabe aqui, portanto, fazer um estudo acerca deste instituto processual,
de modo a analisar o objetivo para o qual foi criado, bem como
os
benefícios e os malefícios que o seu deferimento
trariam ao processo e às
partes, para, enfim, opinar acerca da atitude mais correta a
ser tomada
pelo julgador: se deve acatar ou rejeitar a denunciação
da lide.
Como se sabe, a denunciação da lide é um
instituto processual posto à
disposição da parte (no caso, a instituição
financeira), permitindo-lhe
chamar ao processo terceiro (denunciado) que com ela mantém
vínculo
direto, para que, caso o denunciante seja vencido, possa utilizar-se
do
direito de regresso. Trata-se, pois, de uma outra ação,
ajuizada no mesmo
processo, na qual o juiz profere uma sentença acerca da
responsabilidade
do terceiro denunciado, em face do denunciante, caso saia este
vencido
na demanda.
Pela sistemática do nosso Código de Processo Civil,
a denunciação da lide
é medida obrigatória nos casos elencados nos incisos
I a III do art. 70. No
entanto, a despeito da letra da lei poder levar a uma interpretação
literal,
no sentido de que a denunciação da lide é
obrigatória em todos os casos
em que estiver um terceiro obrigado, por lei ou por contrato,
a indenizar,
em ação regressiva, o prejuízo do que perder
a demanda, várias opiniões
aquilatadas têm sido manifestadas no sentido de que tal
interpretação, em
determinados casos, pode levar a um desvirtuamento do instituto,
imprimindo-lhe efeito totalmente oposto ao objetivo por ele visado,
que é
o de homenagear o Princípio da Economia Processual.
Não é, entretanto, uma questão pacífica.
Reina, ainda, na jurisprudência e
na doutrina, divergências quanto ao alcance do plasmado
no art. 70 III, do
Ordenamento Processual Civil.
É o que mostra com elevada clareza o Juiz e Professor Edilson
Pereira
Nobre Júnior, em excelente artigo intitulado "Responsabilidade
Civil do
Estado e Denunciação da Lide", publicado na Revista
CEJRN - Centro de
Estudos Jurídicos JF/RN, V. 1., n.1, jul/dez, 1994, Natal-RN.
Tal artigo não
trata especificamente da responsabilidade civil das instituições
financeiras,
mas suas observações podem perfeitamente ser aplicadas
ao estudo ora
desenvolvido uma vez que a responsabilidade do prestador de serviços,
segundo o Código de Defesa do Consumidor, assim como a
responsabilidade civil do Estado é objetiva. O ínclito
juiz federal assim
sumaria as posições defendidas pelos doutrinadores
patrícios:
Hely Lopes Meirelles: "Este doutrinador era categórico
em negar tal
possibilidade ao Poder Público. Advogava a tese de que
os fundamentos
das pretensões do particular frente ao Estado, e deste
com relação ao
agente causador do dano, são diversos, pois enquanto o
primeiro deles
repousa na responsabilidade objetiva, o segundo centra-se na
exigência
de culpa lato sensu" (fls. 56).
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: "... pelo cabimento irrestrito
da
denunciação. (...) a ação regressiva
fora instituída em favor do Poder
Público, ficando com este a opção soberana
de suprimi-la pela
denunciação, de modo a abreviar a fixação
da responsabilidade do seu
servidor pelo que pagou ao indivíduo." (fls. 56/57). Este
é também o
entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello - embora
depois tenha
mudado de opinião - Carlos Mário da Silva Velloso
e Humberto Theodoro
Júnior.
Yussef Said Cahali: "... admite a denunciação da
lide desde que o
particular, ao ingressar em juízo contra a Administração,
tenha imputado
comportamento culposo a agente desta." (fls. 57/58). Comungam
com
esse pensamento Arruda Alvim e Maria Sylvia Zanella di Pietro.
Percebe-se, pelo resumo exposto, que, no aspecto dogmático,
tem-se
admitido a utilização, por parte da Administração,
do instrumento da
denunciação à lide, quando a parte autora
invocar ato de servidor público
eivado de culpa em sentido lato, ou seja, de dolo ou de culpa.
O Doutor Edilson Pereira Nobre Júnior, no entanto, em seu
vigoroso e
esclarecedor escrito, ataca esse entendimento, concebendo que,
a
despeito da expressão ‘obrigatória’ empregada pelo
citado artigo, "...a
obrigatoriedade da sua realização, pena de perda
do direito de regresso,
deflui de previsão expressa da lei substantiva, sendo
restrita à hipótese
do art. 70 I do CPC, relativa à evicção,
em face do conteúdo do art.
1.116 do Código Civil".
Entende ainda que: "... ainda que a ação do particular
se esteie em culpa
do funcionário, a irresignação da Administração
Pública contra suposta
decisão indeferitória de denunciação
à lide não terá o condão de provocar
a nulidade do processo. É que o nosso sistema processual
guiado pelo
aforismo pas de nulité sans grief (art. 249, §§
1º e 2º, do CPC), é infenso
à declaração de nulidade sem que o ato tenha
prejudicado qualquer das
partes. É justamente o que se verifica na situação
descrita, dado o
predomínio, na atualidade, do sentimento doutrinal e pretoriano
de a
denunciação da lide, fundada no art. 70, III, do
CPC, não mais ser
obrigatória, de sorte a nenhum prejuízo trazer
ao Estado, vez que este
não tem suprimido o direito à ação
regressiva." (fls. 60).
E, ao final, conclui, exaltando o Princípio da Celeridade
Processual: "A
despeito de ponderação pragmática, construída
a partir da pressuposição
de o art. 37, §6º da Norma Ápice, recomendar
ampla e expedita
reparação ao prejudicado pelo comportamento, jurídico
ou não, da
postedade estatal, torna inconciliável a denunciação
à lide em casos que
tais, pena de se delongar a satisfação do direito
do cidadão,
preocupação-mor do Constituinte".
Não há como negar razão ao preclaro juiz
federal. Sua posição, é, sem
dúvida, a melhor, uma vez que a permissibilidade de denunciação
à lide,
em casos de responsabilidade objetiva, colide frontalmente com
os
princípios da celeridade e economia processuais, além
de não se
apresentar como elemento imprescindível para resguardar
o direito de
regresso. Ora, se nenhum prejuízo o indeferimento da denunciação
da lide
traz ao denunciante, uma vez que este não tem suprimido
o direito à ação
regressiva, e se o seu deferimento gera a delongação
do direito do autor,
prejudicando a celeridade do processo, por acarretar empecilho
ao seu
desenvolvimento, não deverá ela ser admitida como
obrigatória.
Pelo contrário: às mais das vezes, deverá
ser indeferida pelo juiz, em prol
do princípio da celeridade processual.
Não deve, portanto, ser admitida a denunciação
da lide em casos que tais,
visto que os fundamentos das pretensões aduzidas frente
à denunciante,
e desta com relação a seu preposto causador do
dano, são diversos,
repousando o primeiro na responsabilidade objetiva do prestador
de serviço
defeituoso e o segundo, na existência de culpa ou dolo.
Admiti-la seria
delongar a satisfação do direito da vítima,
que não depende da verificação
da ocorrência de dolo ou culpa por parte de preposto da
instituição
financeira. Além do que, não obstante o indeferimento
do pedido de
denunciação da lide, para fazer valer seu direito
de regresso perante seu
funcionário, poderá a instituição
prosseguir contra ele, nos mesmos autos,
ou, se o preferir, poderá exercer tal direito em ação
própria. Somente se
poderia falar em perda do direito de regresso se assim fosse
estabelecido,
contratualmente ou por lei expressa a respeito.
Quanto ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça,
tem ele, em posições
recentes, denotado simpatia pela tese de que compete ao juiz,
na direção
do processo, sentir a razoabilidade da admissão da denunciação
da lide,
especialmente quando ela não é imprescindível
para resguardar o direito à
ação regressiva.
Assim é que o Ministro Barros Monteiro, em julgamento do
Recurso Especial
2967/90 - RJ, publicado no Diário de Justiça da
União em 02/18/91, à pág.
01042, proferiu voto, acatado por unanimidade, no qual dispôs
que a
denunciação da lide
"só deve ser admitida quando o denunciado esteja obrigado,
por força de
lei ou contrato, a garantir o resultado da demanda, caso o denunciante
resulte vencido, vedada a intromissão de fundamento novo
não constante
da ação originária".
Na hipótese em apreço, o direito de regresso postulado
pelo denunciante
decorre de regra de responsabilidade civil geral, fundada em
culpa em
sentido amplo, que depende, inclusive, de prova, o que traduz
fundamento
novo e completamente diverso do que dá sustentação
à demanda
principal, que baseia-se na culpa objetiva.
No mesmo sentido, o Ministro Athos Carneiro, relator do Recurso
Especial
8698/91 - SP, publicado no Diário de Justiça da
União de 09/02/91, à pág.
11815, cujo voto, também acolhido por unanimidade, continha
o seguinte
trecho: "Denunciação da lide ao motorista culpado
pelo acidente, em
princípio, pode ser feita (CPC, art. 70, III); mas se
indeferida, ficará
resguardado o direito de regresso em ação autônoma.
A anulação de
todo o processo, desde a audiência, iria contra o princípio
da economia
processual, que a denunciação da lide, máxime
nos casos de 'garantia
imprópria', busca resguardar".
O mesmo Ministro, no Recurso Especial 9876/91 - SP, publicado
no Diário
de Justiça da União de 08/12/91, à pág.
10559, proferiu voto aprovado por
unanimidade onde manifestou entendimento no sentido de que, a
despeito
de "admitida exegese ampla ao disposto no artigo 70, III, do
CPC, não
está obrigado o magistrado a admitir sucessivas denunciações
da lide,
devendo indeferi-las (certamente que com resguardo de posterior
'ação
direta'), naqueles casos em que possa ocorrer demasiada demora
no
andamento do feito com manifesto prejuízo à parte
autora".
Theotonio Negrão, (Código de Processo Civil e legislação
processual em
vigor, 26 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 126), na nota
11a, ao artigo 70,
transcreve a seguinte decisão: "Na denunciação
da lide, ação incidental,
os fundamentos das demandas devem ser os mesmos. Cumpre, porém,
atender à finalidade do instituto, isto é, à
celeridade processual" (RSTJ
14/11440).
Ora, diante do exposto, fica claro que a admissão da denunciação
da lide,
onde discutir-se-ia culpa ou dolo, em demandas amparadas pelo
Código de
Defesa do Consumidor, por tratar-se de responsabilidade objetiva,
em que
não cabe discussão acerca destas questões,
estreme de dúvidas,
acarretaria entrave à solução mais rápida
do litígio, pois ensejaria
controvérsia paralela entre a denunciante e a denunciada,
o que em nada
interessa à parte autora, servindo apenas para dilargar
a contenda. Isso
porque a denunciação da lide, repita-se, manifesta-se
como espécie de
ação incidental ofertada dentro do processo principal,
em que o
denunciante propõe contra terceiro pretensão de
regresso, na hipótese de
vir a perder a demanda em que figura como réu.
Quanto às aquilatadas opiniões de boa parte dos
juristas nacionais, no
sentido de ser obrigatória a denunciação
à lide do preposto, sob pena de
perda do direito de regresso, em função de, no
ordenamento pátrio,
tratar-se a responsabilidade do Estado ou do fornecedor/prestador
de
serviços, não de uma responsabilidade objetiva
integral, mas baseada
respectivamente nos riscos administrativo e profissional, onde
cabe a
apreciação de culpa exclusiva ou recíproca
da vítima do ato em função do
qual se busca indenização, a fim de que, respectivamente,
sejam-lhes
excluídas ou diminuídas as responsabilidades, ouso
discordar. É que na
ação incidental da denunciação da
lide busca-se verificar culpa em sentido
amplo do preposto, e não da vítima. O fato, portanto,
de não ser admitida,
não impede a alegação e conseqüente
verificação pelo magistrado, de se
houve culpa recíproca ou exclusiva da vítima, para,
em caso positivo,
determinar a respectiva diminuição ou exclusão
da responsabilidade do
Estado ou do fornecedor/prestador de serviços. Assim sendo,
a não
denunciação da lide, em casos que tais, não
tem o condão de inadmitir a
ação de regresso. Ao contrário, repita-se,
apenas teria o maléfico efeito
de delongar a satisfação do direito de indenização
da vítima. Poderia até
ser admitida a presença do preposto como assistente, uma
vez que tem
ele interesse na solução do litígio, mas
não a sua denunciação à lide, uma
vez que a apreciação da existência de culpa
ou dolo de sua parte em nada
interessa para a solução da ação
principal.
Diante dessas considerações, torna-se óbvio
que o juiz, na qualidade de
dirigente do processo, pode, e até deve, com suporte nos
princípios de
economia e celeridade processuais, indeferir a denunciação
à lide de
preposto, feita pela instituição financeira, máxime
se nenhum prejuízo a
esta traz.
4.- DANOS A SEREM RESSARCIDOS:
Quanto à verificação dos danos que
a instituição está sujeita a reparar,
questiona-se: seriam somente os patrimoniais, somente os morais,
ou
ambos? Em qualquer caso, como se daria a comprovação
destes danos, e
como se estimar o quantum devido?
Não há qualquer dúvida de que, por uma questão
de justiça, todos os
danos sofridos devem ser indenizados pelo responsável.
O fato de ter
havido dano material não elide a possibilidade da existência
de dano moral
e vice versa.
Assim sendo, comprovada a ocorrência de ambos, fará
jus o lesado às
indenizações, cumulativamente. Aliás, a
indenização por danos morais é
garantia fundamental do indivíduo, assegurada pela Constituição
Federal,
em seu artigo 5º, incisos V e X.
Como então comprová-los e quantificá-los?
No que diz respeito aos danos morais, basta, para a sua caracterização,
que o nome da vítima tenha sido indevidamente incluído
em cadastro
restritivo de crédito, o que é de fácil
comprovação. Ou seja, os danos
morais são presumidos a partir da própria ofensa.
Trata-se, segundo a
maioria dos autores, do abalo de crédito, puro e simples,
sem repercussão
no patrimônio da vítima, que é o pressuposto
do dano moral que dele se
presume. Assim sendo, a caracterização dos danos
morais independe da
demonstração de prejuízo: é suficiente
que se comprove que existiu o ato
gravoso à honra da vítima para que se o presuma.
Além do que, como já foi dito, nas relações
de consumo a responsabilidade
do causador do dano é objetiva, ou seja, independe da
apuração da
ocorrência de dolo ou culpa por parte deste ou preposto
seu. Assim sendo,
deve-se apenas perquirir acerca do nexo de causalidade entre
a ação da
instituição financeira e o evento danoso. Evidenciado
o nexo, nada mais se
exige para que o agravado tenha assegurado o direito de ser indenizado.
A jurisprudência está repleta de decisões neste sentido:
Em julgamento da Apelação 36.177/95 pela Quarta
Turma do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal, a relatora, Desa. Carmelita
Brasil manifestou-se
no sentido de que o dano "simplesmente moral existe pela ofensa
e dela é
presumido. Basta a ofensa para justificar a indenização."
(Revista dos
Tribunais - Nº 733 - novembro/1996 - pág. 297).
Nesta mesma linha de pensamento, o Mestre Antônio Carlos
Amaral Leão,
em artigo no qual consignou a seguinte definição
de Arnold Wald:
"O mau funcionamento dos serviços bancários obriga
a instituição
financeira a ressarcir os prejuízos causados aos seus
clientes" e "o
banqueiro responde por dolo e culpa, inclusive leve, e até
pelo risco
profissional assumido de acordo com a jurisprudência do
STF". (Revista
dos Tribunais, vol. 689 ( março de 1993, pág. 11).
No que diz respeito à fixação do valor da
indenização por danos morais,
importa, antes de mais nada, consignar o que Rui Stoco define
como
sendo o direito à honra: "O direito à honra, como
todos sabem, se traduz
juridicamente em larga série de expressões compreendidas
como
princípio da dignidade humana: o bom nome, a fama, o prestígio,
a
reputação, a estima, o decoro, a consideração,
o respeito"
(Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial,
2ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 492).
Como se vê, a honra não é algo mensurável.
Assim sendo, torna-se
bastante difícil quantificar a indenização
por danos morais sofridos pela
vítima. Sobre o assunto, entende Clóvis do Couto
e Silva que: "Para dar
efetiva aplicação ao preceito, pode ser utilizada
a regra exposta pelo art.
1553 do Código Civil, segundo o qual, ‘nos casos não
previstos neste
capítulo, se fixará por arbitragem a indenização’.
Esta disposição permite
a indenização dos danos morais e constitui uma
cláusula geral dessa
matéria" (O Conceito de Dano no Direito Brasileiro Comparado,
Revista dos
Tribunais 667/7)."
Tal arbitragem, evidentemente, deve ser feita prudentemente pelo
julgador, de forma a que não se transforme, a indenização,
em fonte de
enriquecimento da vítima nem seja ínfimo ou simbólico.
E assim se tem decidido, como é o caso do julgamento da
apelação na
qual funcionou como relator o insigne Juiz Campos Mello (Stoco,
Rui.
Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial,
2 ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 492). Eis a ementa do
julgado:
"INDENIZAÇÃO — Responsabilidade Civil — Ato ilícito
— Dano moral —
Concretização da ofensa a um direito, apesar da
inocorrência de prejuízo
material — Recurso provido para esse fim.
Hoje em dia, a boa doutrina inclina-se no sentido de conferir
à
indenização do dano moral caráter dúplice,
tanto punitivo do agente,
quanto compensatório, em relação à
vítima (cf. Caio Mário da Silva
Pereira, ‘Responsabilidade Civil’, Ed. Forense, 1989, p. 67).
Assim, a vítima
de lesão a direitos de natureza não patrimonial
(CR, art. 5º, V e X) deve
receber uma soma que lhe compense a dor e a humilhação
sofridas, e
arbitrada segundo as circunstâncias. Não deve ser
fonte de
enriquecimento, nem ser inexpressiva (TJSP - 7ª C. - Ap.
- Rel. Campos
Mello - j. 30.10.1991 - RJTJESP 137/187)".
Deverá, pois, o juiz, determinar o valor da indenização,
segundo seu
prudente arbítrio. Wilson Melo da Silva, visando facilitar
tal arbitragem,
estabelece algumas regras orientadoras da fixação
do valor da reparação,
quais sejam: "1ª regra: que a satisfação pecuniária
não produza um
enriquecimento à custa do empobrecimento alheio; 2ª
regra: equilíbrio
entre o caso em exame e as normas gerais, de um caso ou equivalência,
tendo em vista: I - curva de sensibilidade: a) em relação
à pessoa que
reclama a indenização; b) em relação
ao nível comum, sobre o que possa
produzir, numa pessoa normal, tal ou qual incidente; c) grau
de educação
da vítima; d) seus princípios religiosos; II -
influência do meio,
considerando: a) repercussão pública; b) posição
social da vítima do
dano; 3ª regra: considerar-se a espécie do fato:
se é de ordem
puramente civil, se comercial, ou se envolve matéria criminal;
4ª regra:
que a extensão da repercussão seja em triplo à
repercussão da notícia de
que resultou o dano" (O Dano Moral e sua Reparação,
Tese, FDUFMG,
1949, p. 171 — RT 734/468)
No que atine aos danos materiais, que podem ocorrer na forma de
danos
emergentes e lucros cessantes, diferentemente dos danos morais,
que se
presumem a partir da agressão, devem eles ser comprovados,
demonstrando-se exatamente o desfalque sofrido no patrimônio
do
ofendido, para que possam ser indenizados por aquele que os causou.
Ausente a comprovação, indevida a indenização
por danos patrimoniais.
Ora, é evidente que se faz absolutamente necessário
que tenham sido eles
efetivamente suportados pela vítima, devendo, por conseqüência,
ser
devidamente comprovados. Saliente-se que casos há em que
a
comprovação somente poderá ocorrer por meio
de provas documentais.
Neste caso, via de regra, a prova testemunhal não as poderá
suprir, em
prol da segurança do direito.
Até mesmo a suplementação da prova documental,
por meio da
testemunhal, caso admitida pelo julgador, deverá ser por
ele analisada com
bastante cautela.
Quanto ao dispositivo do Código de Defesa do Consumidor,
que prevê a
inversão do ônus da prova, fazendo-o recair sobre
o fornecedor do
serviço, tendo em vista a presunção de que
o consumidor é
economicamente mais fraco na relação de consumo,
deverá ele ser
corretamente interpretado, a fim de evitar distorções.
É que, em inúmeros
casos, o fornecedor tem mais facilidade de acesso a certas informações,
as quais são, as mais das vezes, monopólio seu.
Nestes casos,
evidentemente, não seria justo impor o ônus da prova
à vítima, que nem
acesso tem às informações. Entretanto, quando
se tratar de informações,
sobre as quais a instituição financeira não
detém monopólio, nem lhe é
mais fácil consegui-las, logicamente que a inversão
do ônus da prova não
deverá ocorrer, máxime quando nenhum acesso tem
a elas.
O quantum da indenização por danos patrimoniais,
evidentemente, será o
dos prejuízos (danos emergentes e lucro cessante) efetivamente
suportados pela vítima.
5.- CONCLUSÃO:
A responsabilidade civil da instituição financeira,
pela indevida inclusão de
nomes em cadastros restritivos de crédito, é objetiva,
em função do
disposto no Código de Defesa do Consumidor, e baseia-se
no risco
profissional. Assim sendo, verificando-se a existência
do nexo de
causalidade entre o evento ( abalo de crédito da vítima
( e a conduta da
instituição financeira ( inclusão indevida
de seu nome em referidos
cadastros ( deverá esta ser condenada a arcar com indenização
pelos
danos decorrentes, sejam eles morais (que se presumem a partir
do ato
lesivo e são quantificados por arbitragem), sejam eles
patrimoniais (que
devem ser devidamente comprovados e são quantificados
pelo valor dos
danos efetivamente suportados), admitida a cumulatividade, se
restar
caracterizado que a vítima suportou ambos. Apenas se admite
a exclusão
ou diminuição desta responsabilidade se houver,
respectivamente, culpa
exclusiva ou recíproca por parte da vítima do ato
lesivo.
No caso, a denunciação da lide de preposto da instituição,
a quem esta
atribua culpa ou dolo pelo fato, se não deve ser sempre
e imediatamente
rejeitada pelo magistrado, ao menos deve ser vista com reservas,
sob
pena de desnaturar o instituto, que visa à celeridade
processual. Isto
porque são diversos os fundamentos das responsabilidades:
na ação
principal, do fornecedor de serviços em relação
ao particular, a simples
causação do dano (responsabilidade objetiva); na
denunciação da lide, do
funcionário em relação ao fornecedor de
serviços, a culpa subjetiva.
Admitir, em tal caso, a denunciação da lide, seria
embaraçar, inutilmente,
a pretensão dos autores, cujo êxito independe da
prova de culpa do
funcionário a quem se denuncia à lide, bastando
a culpa impessoal do
prestador de serviços.
FLÁVIA BEZERRA,
Advogada, OAB/RN 3266.
Extraído de : www.direitobancario.com.br