INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA:
SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA E LICITAÇÃO
JANILSON BEZERRA DE SIQUEIRA - Juiz Federal
SUMÁRIO: Introdução. 2. A intervenção do Estado na economia. 3. O constitucionalismo brasileiro e a intervenção. 4. A sociedade de economia mista. 5. Normas gerais de licitação. 6. Submissão das estatais ao princípios da licitação. 7. Uma investigação de hipótese. 8. Conclusões
INTRODUÇÃO
Um dos grandes problemas que afligem boa parte dos países
do mundo, nesse âmbito, é o que diz respeito à forma
de intervenção do Estado no domínio econômico,
especialmente naqueles de perfil e tradição pouco democráticos,
como é o caso brasileiro. Numa época de intensos e contraditórios
interesses, sob o influxo de novas (ou renovadas) correntes de pensamento
que não mais estão a admitir o gigantismo estatal há
até bem pouco tempo em moda nas nações do terceiro
mundo, proveitoso se torna rediscutir algumas questões pertinentes
ao comportamento dos entes de que se serve o Estado para o melhor aproveitamento
de suas potencialidades, em especial daqueles sujeitos a regimes jurídicos
mais consentâneos com a modernidade, como as sociedades de economia
mista, empresas públicas e outros. Até porque, como dito,
o assunto tem sido objeto de inúmeras controvérsias no âmbito
do direito econômico, do direito administrativo e de outros ramos
da ciência jurídica, despertando interesses nacionais e estrangeiros,
sem que se tenha chegado até hoje a consenso.
No limite a que nos permitimos neste estudo, ou seja, no enfrentamento
da questão da obrigatoriedade de licitação que envolve
as sociedades de economia mista, vista sob o prisma da intervenção
estatal, procuramos explorar a contradição, ou, pelo menos
a forte aparência de contradição, entre o discurso
descentralizador patrocinado pelos agentes estatais, com respaldo na Constituição,
e a realidade concreta dos fatos, dos controles, com riscos de inviabilização
de muitas das entidades descentralizadas, sem qualquer justificativa positiva
ou filosófica. Este é verdadeiramente um dos principais problemas
pertinentes à organização das chamadas estatais no
direito administrativo, bem assim no direito econômico.
É certo que algumas posturas governamentais, administrações
de empresas e de sociedades mistas têm violado muitos dos princípios
que fundamentam a utilização da espécie empresarial
em estudo e se utilizado do instrumento da flexibilização
para fins inconfessáveis ou escusos. Não se ignora, por outro
lado, que a implantação de processos desburocratizados para
a contratação de serviços, realização
de obras ou aquisição de material necessário ao funcionamento
dos órgão do Estado tem sofrido desvirtuamentos marcantes
por quem deveria justamente velar pelo seu bom desenvolvimento.
Mas essas violações jamais poderiam servir de pretexto
para a mudança na filosofia que animou o nascimento dessas entidades,
a ponto de provocar a sua “autarquização”, referência
feita à burocratização das autarquias. Tal modificação
desfigurou a intenção inicial que serviu de esteio à
criação desses entes. Na verdade, poderia o Estado valer-se
sempre das normas legais para o enquadramento dos agentes das violações
à lei e ao objeto de tais entidades, sem incorrer em qualquer alteração
da sua natureza administrativa. Isso, porém, não foi feito,
provocando reflexos negativos para o sucesso de diversos empreendimentos,
e mesmo com o sacrifício do modelo de funcionamento a que estão
submetidas as descentralizadas no País.
Trataremos, pois, na medida do possível, dessa matéria,
com a certeza de não produzir nenhuma inovação a respeito,
mas buscando rediscutir um tema sempre presente na atualidade e oferecer
subsídios para o fortalecimento do debate e a assunção
de posicionamentos claros e consonantes com as orientações
constitucionais, visando também o aperfeiçoamento desse valiosíssimo
instrumento de ação governamental que são as sociedades
e empresas estatais. São estas, basicamente, as questões
trazidas à discussão, é este o singular objeto do
estudo, o objetivo do trabalho, restando por a “mão na massa”, e
pedir inspiração a Deus para a sua realização.
A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA
Não constitui nenhuma novidade o fato de ter o Estado sido
chamado a intervir na economia a partir da crescente complexidade das relações
sociais e, especialmente, no pós guerra, com o alvorecer do chamado
Estado Social. Na verdade, essa intervenção já se
delineava mesmo antes disso, com a precarização avassaladora
das condições de vida no período imediatamente anterior,
um dos fatores relevantes para o advento das revoluções,
como a americana e, em especial, a francesa de 1789. Essa situação
se agravou com a complexidade crescente das relações sociais
que se agitava nesse período, e particularmente as relações
de trabalho, geradas no seio da revolução industrial de fins
do século XVIX. Já se disseminava, então, a idéia
de direitos do homem e do cidadão, com a introdução
desse ideário na consciência popular através, v.g.,
de declarações como a da Virgínia, na América,
e a de direitos da Revolução Francesa, e nas constituições
em processo de elaboração, como prova a nossa Carta Imperial
de 1824.
Ainda não se introduzira nelas o elemento econômico,
bem assim o administrativo que viria a surgir logo depois, no princípio
do século XIX. O nascimento de novas relações
políticas, sociais e econômicas, privilegiando a implementação
da universalidade da troca mercantil, logo viria a provocar desenganos
em parte da população entusiástica que apoiara decisivamente
a revolução burguesa e estimular novos modelos de organização
do Estado, com especial destaque para os temas de interesse econômico.
O que se pode constatar é que nem o Estado substituído
com o alvorecer da nova ordem, ou seja, o Estado Absoluto, nem o seu sucedâneo
propiciavam condições seguras para resolução
dos problemas que a realidade estava a exigir, nem ofereciam saída
para as dificuldades sociais crescentes, especialmente em razão
do seu completo afastamento da economia e das questões sociais.
A revolução industrial pôs tudo isso a mostra e as
duas grandes guerras serviram para aprofundar o sentimento de insatisfação
quanto à ação do Estado e tornar patente que aquele
modelo de Estado, após a perda de milhões de vidas humanas,
não merecia o sacrifício. Essa compreensão, aliada
a outros fatores, desencadeou um movimento intervencionista, com investimentos
pesados na busca de solução para os graves problemas que
afligiam a sociedade.
Mas havia ainda controvérsias, como ainda hoje as há,
quanto ao modelo interventivo nas questões econômicas e as
formas e instrumentos dessa intervenção. Negava-se, como
efeito, e ainda hoje há quem negue, a possibilidade de coexistência
de interesses estatais e privados numa mesma sociedade, conhecida como
de economia mista. Segundo essa orientação, ou o setor público
obedece às indicações do mercado, mediante a descentralização
através da intervenção, ou não o faz, e tem-se
o modelo centralizado. Foi nesse caldo de cultura que surgiram os
grandes planos governamentais do pós guerra, durante o governo Roosevelt
nos Estados Unidos, bem como, no Brasil, os primeiros passos nessa direção,
dados por Getúlio Vargas, nos anos trinta. Mas também foi
por aí que se iniciaram as modificações na forma de
gerenciamento estatal brasileiro, com o início da intervenção
do Estado no domínio econômico. Criaram-se, então,
empresas importantíssimas para a economia nacional — sociedades
de economia mista e empresas públicas federais, como, v.g., a Petrobrás
— e modernizaram-se as relações de trabalho na iniciativa
privada e na Administração Pública, e em especial
a forma de vínculo envolvendo esses novos entes.
Sem sombra de dúvida, o Estado que surgia no período
entre as duas grandes guerras já não era o mesmo. A sua participação
na economia de forma direta ou indireta, ou seja, mediante o processo de
criação, intervenção mediante nacionalização,
desapropriação ou encampação de empresas serviam
como a indicação insofismável de um destino que não
mais admitia retorno. Pelo menos nos termos do modelo anterior de atuação
estatal. Todo esse processo trouxe inumeráveis conseqüências,
benéficas e maléficas para o País, no que pertine
à melhoria das condições de vida da população,
até então majoritariamente rural. Mudava-se, também,
o perfil da sociedade, de um ruralismo predominante para quase que exclusivamente
urbano, com os benefícios da modernidade atingindo quase que exclusivamente
esta parte da população. Mas a experiência gerada no
interior dos entes novos, nascidos das exigências de novas responsabilidades
do Estado, também se desenvolvia através de intensa batalha
para consolidar os seus sistemas de organização e funcionamento,
ameaçado pela tendência burocratizante que sempre caracterizou
o Estado brasileiro, e que, justamente por essa razão, necessitava
dramaticamente das modificações que se realizavam naquele
momento.
O CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO E A INTERVENÇÃO
As constituições brasileiras somente passaram a
tratar da questão econômica da maneira como a entendemos a
partir da Carta de 1934, havendo antes apenas referência a direitos
individuais que poder-se-iam dizer de natureza econômica (direito
de indústria, de propriedade etc.). No texto dessa Constituição,
consagrou o constituinte alguns dos princípios que viriam a se perpetuar
em todas as demais cartas posteriores, destacando-se a instituição
de título próprio — o Título IV, arts. 115 a 143 —
para disciplinar ainda timidamente as questões pertinentes à
ordem econômica e social, com ênfase especial para a liberdade.
Na Constituição de 1937, pois, ficara registrado que “A intervenção
do Estado no domínio econômico só se legitima para
suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores
da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos
e introduzir no jogo das competições individuais o
pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado.
A intervenção no domínio econômico poderá
ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo
ou da gestão direta.” Esse panorama formal não mudou
muito desde essa época até a Carta de 1988, embora a realidade
econômica nesse período tenha se tornado incrivelmente complexa.
Na atual Constituição, então, mantendo-se
a tradição inaugurada em 1937, de tratamento da questão
econômica em título próprio, ficou estabelecido que
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios...”, seguindo-se uma relação de que inclui
como princípio dessa nova ordem a soberania nacional, propriedade
privada e sua função social, livre concorrência, defesa
do consumidor, do meio ambiente, redução das desigualdades
regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para
empresas constituídas sob as leis brasileiras.
Relativamente à forma de atuação do Estado na
economia, dispôs o constituinte de 1988 que “Ressalvados os casos
previstos nesta Constituição, a exploração
direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida
quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou
a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.” Estabelecia
ainda a mesma Carta que “A empresa pública, a sociedade de economia
mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se
ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.”
A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA NA CONSTITUIÇÃO
A questão econômica, contudo, não estava contida
simplesmente no Título VII da Constituição de 1988,
em particular no que pertine às chamadas empresas estatais. Com
efeito, tratou a Carta nos capítulos pertinentes à competência
legislativa e à organização do Estado, das entidades
que seriam os veículos dessa intervenção, dispondo
que competiria privativamente à União legislar sobre “normas
gerais de licitação e contratação, em todas
as modalidades, para a administração pública, direta
e indireta, incluídas as fundações instituídas
e mantidas pelo Poder Pública, nas diversas esferas de governo,
e empresas sob seu controle”. Estabeleceu, por outro lado, que “ressalvados
os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo
de licitação pública que assegure igualdade de condições
a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações
de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta,
nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências
de qualificação técnica e econômica indispensáveis
à garantia do cumprimento das obrigações.”
É importante considerar que a disciplina constitucional
dada às sociedades de economia mista fornece elementos e características
de ambas as formas de administração de negócios e
propriedades, a pública e a privada, como já se mencionou
anteriormente. Há, nesse sentido, uma confluência de interesses
para a realização dos objetivos dessas entidades, que envolve
necessariamente a supremacia pública sem descurar dos interesses
privados dos acionistas conforme previsto legalmente. Visam elas,
em primeiro lugar, a realização de um interesse público
em ambiente econômico destinado à iniciativa privada e, por
esta razão, são subordinadas às regras próprias
a este regime. Daí porque a Constituição e as leis
de regência, sem descaracterizá-las, derrogam certas qualificações
próprias do regime privado para adaptá-las ao regime administrativo
público, através de limitações como, v.g.,
contratação de empregados mediante concurso, licitação,
prestação de contas etc.
Fica clara, portanto, a subordinação desses entes
a certos princípios de ordem pública, particularmente a sua
submissão aos princípios da licitação, regulamentados
na vigência da nova Carta pela Lei n.º 8.666, de 21 de junho
de 1993 e alterações posteriores e, antes disso, pelo Decreto-Lei
n.º 2.300/86. Não resta dúvida sobre a relevância
dessa disciplina em termos econômicos, bem assim das conseqüências
da subordinação de toda a Administração Pública
direta e indireta ao processo licitatório. Com efeito, o volume
de negócios realizados anualmente pelos órgãos e entidades
governamentais e a iniciativa privada gera uma movimentação
de riquezas de significativa monta, com repercussão no nível
de empregos e no recolhimento de tributos e na movimentação
de toda uma máquina que necessita de constante manutenção,
regulamentação etc.
AS NORMAS GERAIS DE LICITAÇÃO
Como foi visto acima, quando da transcrição de parte
do texto constitucional referente à obrigatoriedade de submissão
das empresas estatais aos princípios da licitação,
tal subordinação se efetiva sob o regime próprio das
empresas privadas, inclusive quanto às obrigações
trabalhistas e tributárias, com as derrogações previstas
na Constituição. Isto significa que a natureza jurídica
própria das empresas públicas e sociedades de economia mista
é de empresa privada, com limitações referentes à
forma de contratação de seus empregados, sujeitos ao princípio
do concurso público, e de obras, serviços, compras e alienações,
vinculadas à realização de processo licitatório.
Haveria, no caso, uma espécie de discricionariedade, entendida como
o ato que “a Administração pratica dispondo de certa margem
de liberdade para decidir-se, pois a lei regulou a matéria de modo
a deixar campo para uma apreciação que comporta certo subjetivismo.”
Essa discricionariedade seria, no dizer de Eros Grau, citando
Bullinguer, visualizada como modo de conduta que instrumentaliza a otimização
flexível das funções do Estado, uma das vertentes
desde as quais se propõe a tese da administração criadora.
O que não se confunde, evidentemente, com ato de governo, na formulação
de Odete Medauar.
Ocorre que a lei editada para regulamentar o processo licitatório
no âmbito federal, estadual e municipal, foi além da atribuição
prevista constitucionalmente e, em vez de estabelecer quanto aos entes
estatais apenas e tão somente “normas gerais” de licitação
e contratação, como estabelecido na Carta de 1988, preferiu
dispor minuciosa e detalhadamente sobre todos os passos a serem dados para
a realização daquelas finalidades, burocratizando e, por
via de conseqüência, inviabilizando a livre concorrência
que constitui um dos pilares da ordem econômica. Isso resta claro
pela leitura do primeiro artigo da referida Lei, que ao estabelecer “normas
gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes
a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações
e locações no âmbito dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, subordinou logo
a seguir, ao seu regime — e não às suas normas gerais — “além
dos órgãos da administração direta, os fundos
especiais, as autarquias, as fundações públicas, as
empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades
controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios.”
Merece questionar-se aqui, pois, a constitucionalidade da própria
Lei de Licitações (Lei n.º 8.666, de 21 de junho de
1993), no tocante ao caráter particularista de suas normas, em relação
às empresas públicas e sociedades de economia mista. De fato,
enquanto o Texto constitucional autoriza apenas a edição
de “normas gerais de licitação e contratação”,
aplicáveis à Administração direta e indireta
e empresas sob seu controle (Art. 21, inciso XXVII), o Diploma legal impugnado
trata específica e detalhadamente de todo o procedimento licitatório,
sujeitando as entidades não só ao seu regime, mas, também,
a todas as suas “disposições” (art. 1º, parágrafo
único e art. 119, caput).
Ninguém ignora que a Constituição Federal estabeleceu
a sujeição das empresas públicas e sociedades de economia
mista ao regime jurídico privado, inclusive quantos às obrigações
trabalhistas e tributárias. A dicção constitucional
é claríssima a esse respeito e equipara aquelas empresas,
em todas as suas operações privadas, às pessoas jurídicas
de direito comum. E tanto quis ser explícito o legislador constituinte,
que acrescentou, para dirimir quaisquer dúvidas, que a sujeição
ao regime privado se estendia, inclusive, às obrigações
trabalhistas e tributárias. Se se entender, como é lógico,
que a regra restritiva de privilégios se estendeu a tais âmbitos
— trabalhistas e tributários — com muito mais razão haver-se-á
de entender estendidas às contratações de natureza
negocial comum. Repugna, assim, entender-se aplicáveis às
entidades da espécie todas as disposições da Lei n.º
8.666/93, em especial aquelas referentes a “procedimento e julgamento”
(art. 38), “contratos administrativos” (art. 54), e, na Seção
II, sob o título “formalização dos contratos” (art.
60), aos contratos e seus aditamentos pelas “repartições
interessadas”, cujos princípios são eminentemente de direito
administrativo, inaplicáveis na esfera das relações
de direito privado.
Essa disposição conflita claramente com o texto
constitucional porque engessa de maneira inopinada as entidades estatais
na sua mais profunda realidade, de empresas sujeitas ao regime privado
por expressa disposição da Carta de 1988, mas principalmente
pela incompatibilidade de procedimentos. Na verdade, o legislador constituinte
ao sujeitar tais entidades ao regime privado apenas e tão somente
prestou reconhecimento à natureza jurídica que lhes era própria
e que nenhuma lei jamais poderia modificar, sob pena de comprometer os
motivos para os quais foram essas entidades criadas. Nesse sentido, o magistério
de Maria Sylvia Zannella di Pietro, segundo quem “se a própria Constituição
estabelece o regime jurídico de direito privado, as derrogações
a esse regime somente são admissíveis quando dela decorram
implícita ou explicitamente. A lei ordinária não pode
derrogar direito comum senão quando admitida essa possibilidade
pela Constituição”.
SUBMISSÃO DAS ESTATAIS AOS PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO
Não resta dúvida de que as empresas públicas
e sociedades de economia mista se submetem aos princípios jurídicos
da licitação. Segundo Adilson Abreu Dalari, ainda que não
houvesse específico mandamento no sentido da necessidade de realizar
licitação, esta seria imperativa por implícito fundamento
constitucional, independentemente de sua expressa inscrição
na Carta, indicando que Administração Pública, em
hipótese alguma, poderia contratar livremente, prescindindo da licitação.
Sem querer rediscutir a questão da existência de incompatibilidade
entre as normas do Estatuto das Licitações em vigor e as
disposições da Constituição (art. 37, inciso
XXI e art. 173, § 1º), assunto já estudado anteriormente,
não podemos deixar de reiterar a completa desarmonia que ocorre
entre as normas infraconstitucionais e as regras de competência estabelecidas
pela Lei Maior.
Na matéria objeto deste estudo, verificamos que as leis
e regulamentos restritivos não atingem indistintamente pessoas jurídicas
privadas e públicas, caso em que se poderia admitir a harmonia da
norma com o princípio da isonomia, mas apenas e tão-somente
estas últimas, relativamente a serviço de capital importância
para o cumprimento de seu objeto social, especialmente quando sujeitas
à concorrência livre de um mercado altamente competitivo,
como se constitui a atividade econômica de natureza privada. Incidindo
em relação às estatais sem atingir as demais empresas
privadas, violam tais Diplomas o princípio da isonomia e a regra
de sujeição do Estado ao regime privado quando na exploração
de atividades econômicas, insculpidas no texto da Lei Maior.
Nesse sentido, o magistério de Celso Ribeiro Bastos, em
obra elaborada conjuntamente com Ives Gandra da Silva Martins, segundo
quem a sujeição das empresas governamentais ao regime jurídico
das pessoas jurídicas privadas tem o propósito de “desvencilhar
o Estado dos freios administrativos” em face das “deficiência do
seu método burocrático administrativo”. Assim, a necessidade
de tomada de decisões rápidas demandariam uma “flexibilidade
operacional e um dinamismo de atuação pouco encontráveis
na Administração centralizada”. Esposando opinião
semelhante, veja-se José Cretella Júnior. Este autor
tem ainda posicionamento mais contundente sobre o assunto, ao defender
que “Pode ocorrer ainda que a empresa pública e a sociedade de economia
mista ‘por aberração’, anomalamente, deixem de desempenhar
atividades econômicas — industriais e comerciais — para, por exceção,
exercerem serviços públicos, quando resultem da transformação
de antiga autarquia. Nesses casos, serão entidades da Administração
Indireta. Só, porém, nesses casos. “... Não importa
que a lei batize a empresa pública e a sociedade de economia mista
de entidades da Administração Indireta. O texto legal não
tem o condão mágico de alterar a natureza das coisas. O mundo
jurídico trabalha com objetos do mundo, seu suporte fático.
Vestindo-os com a roupagem do mundo jurídico, o direito os juridiciza.”
Há ponderáveis razões, portanto, para suspeitar-se
da constitucionalidade de leis estabelecedoras de distinções
entre empresas estatais e aquelas de capital exclusivamente privado. Significa
dizer: inexiste regra constitucional ou lógica jurídica que
empreste fundamento à controles distintivos não sufragados
constitucionalmente. Estes, se efetivamente ao Poder Executivo interessa
exercê-los, poderá ser feito pelo seu representante nas entidades
respectivas, através das instâncias próprias, na forma
da lei comum.
Talvez por isso o ex-Consultor-Geral da República, José
de Castro Ferreira. Tenha opinado no sentido de que “A Lei n.º 7.733/89,
não comporta interpretação ampla, para aplicá-la
aos empregados ou administradores dessas empresas, embora não se
negue que a União pode legitimamente interferir, sob determinadas
condições, no regime jurídico das empresas de economia
mista, quer através de lei, quer através de atos administrativos
ordinatórios. Mas esse poder não é ilimitado, nem
sem critérios. Deve exercer-se com respeito ao princípio
da legalidade, principalmente da legalidade constitucional. A vontade do
administrador, aí, se equipara à vontade da lei. E
deve expressar-se sempre através de atos ou decisões das
instâncias formalmente competentes para tal: a) Se é matéria
normativa, de caráter geral, que se tenha demonstrado conveniente
e adequada a todas as empresas, e só puder ser implementada através
de lei, deverá materializar-se por decisão do órgão
legislativo, o Congresso Nacional. Serão casos pouco freqüentes;
b) Se é matéria administrativa ou de caráter gerencial,
que esteja na competência legal da Assembléia Geral ou do
Conselho de Administração, deverá implementar-se através
desses órgãos, atuando o Governo aí como acionista
controlador e não como Governo.”
Na verdade, segundo ainda o mesmo jurista, como Governo, poderá
“expedir ato administrativo ordinatório, ou prescrever recomendação
aos representantes da União, para que, na Assembléia Geral,
assumam tal ou qual posição, ou proponham tal ou qual política
em nome do acionista controlador. Mas deverá respeitar-se o foro
próprio para a discussão e deliberação da matéria,
evitando-se a deliberação baixada de cima para baixo, como
ato de Governo, porque a ordem econômica se baseia em princípios
privatistas, e as sociedades de economia mista, por disposição
constitucional, devem ater-se, em tudo que for possível, aos processos
usuais da iniciativa privada. ... 53. Saliente-se, uma vez mais, que a
razão única pela qual o Estado descentraliza atividades e
utiliza a administração indireta para executar certas atividades
é a flexibilidade, é a necessidade de, no mundo da indústria
e dos negócios atuar livre das amarras e empeços próprios
da burocracia estatal. E seria um contra-senso despir-se o Estado de sua
condição de Governo e transformar-se em acionista controlador
de empresas, pela necessidade que tem de agir com flexibilidade, agilidade
e buscar a produtividade, e, a seguir, desvestir-se da condição
de acionista e vestir de novo a pesada armadura burocrática, e engessar
a estrutura gerencial de suas empresas, sob pretexto de exercer melhor
o controle delas”.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em artigo publicado sob o título
“Normas Gerais Sobre Licitações e Contratos Administrativos
— Natureza e Identificação no Estatuto Jurídico Federal
Vigente — Perspectivas de Novos Projetos Modernizadores” (RDA 189/39),
tratando, embora, da aplicabilidade dessas normas gerais aos entes de direito
público interno — Estados, Distrito Federal e Municípios,
excluída a União — ainda ao tempo do Decreto-Lei n.º
2.300/86, posiciona-se, no sentido de não ser possível a
imposição de regras específicas pela Lei de Licitações,
em face da autonomia conferida pela Carta a esses entes, pois “A respeito
desse último aspecto, é preciso insistir que as exceções
devem ser interpretadas restritivamente.
“Ora — continua o conceituado autor — o que o art. 22, XXVII, estabeleceu,
como exceção a esse princípio foi o tratamento das
licitações, enquanto processo administrativo, e não
dos procedimentos, pois, deve tratar do geral (finalístico) e não
do particular (instrumental). E continua afirmando que “O procedimento
é constituído de normas específicas, de minudência
operativa, que devem, necessariamente, ser definidas conforme as possibilidades
de cada ente político, ao passo que o processo, este sim, comporta
normas gerais de aplicação uniforme em toda a Federação.
O processo licitatório se caracteriza pela seqüência
de atos de caráter decisório, que a União pretendeu
uniformizar, e não pela sucessão de atos secundários,
que são procedimentais. ... Em suma, toda norma procedimental do
Decreto-lei (sic) nº 2.300/86 não é, por ser incompatível
com o conceito adotado, uma norma geral de licitação.”
Mutatis mutandis, tem plena aplicação às
sociedades mistas o raciocínio do ilustrado autor. Jamais houve
dúvida quanto a esse entendimento. A garantia constitucional
que lhes assegura autonomia e tratamento idêntico ao dispensado às
pessoas jurídicas de direito privado não se compatibiliza
com a especificidade das “disposições” da nova Lei. Por isto,
sabiamente o Diploma anterior mandava as entidades em causa obedecer a
procedimentos seletivos simplificados, com observância apenas aos
“princípios básicos” da licitação, diversamente
do que pretende, hoje, inconstitucionalmente, a nosso ver, o novo Estatuto
(art. 119 e seu parágrafo único).
O Estatuto das Licitações fixou cinco modalidades de
licitação para obras, serviços e compras, a serem
praticadas no âmbito da Administração Pública
— concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão
—, admitindo apenas para as três primeiras os tipos “menor preço”,
“melhor técnica” e de “técnica e preço” (art. 22).
Nas licitações pelo tipo “menor preço”, dentre os
licitantes considerados habilitados, a classificação se fará
pela ordem crescente dos preços propostos e aceitáveis, prevalecendo,
no caso de empate, exclusivamente o critério de sorteio, fixado
por Lei (art. 45, § 3º). Para aquelas licitações
que adotem os tipos “melhor técnica” ou “técnica e preço”,
fixa a nova legislação exigências adicionais e procedimento
próprio, distinto daquele estabelecido para as de “menor preço”,
disciplinando-o no art. 46, § 1º, incisos I a IV.
UMA INVESTIGAÇÃO DE HIPÓTESE
A questão que trazemos a cotejo, para ilustração
do estudo, diz respeito à exigibilidade de licitação
por empresa estatal, na modalidade concorrência, para a contratação
de serviços de publicidade sob o tipo “melhor técnica”, de
acordo com o Sistema de Comunicação Social do Poder Executivo
Federal — SICOM. Esse Sistema previa a aplicação do Decreto
n.º 785, de 27 de março de 1993, alterado pelo Decreto n.º
2.004, de 11 de março de 1996, fazendo referência à
legislação disciplinadora da espécie, especialmente
ao art. 12 da Lei n.º 8.490, de 19 de novembro de 1992, que dispôs
sobre “a publicidade da Administração Pública Federal,
Direta e Indireta e das sociedades controladas pela União”, instituiu
o “Sistema Integrado de Comunicação Social” e deu outras
providências, com fundamento nos arts. 37, § 1º e 84, inciso
IV, da Constituição Federal.
O Decreto em causa enumerou diversos princípios norteadores
da “publicidade dos órgãos e entidades da Administração
Pública federal, Direta e Indireta.” Dentre estes, constaram os
da sintonia com as questões sociais, ênfase nos sentimentos
à união, solidariedade e patriotismo, a regionalização
da comunicação e a adequação da mensagem ao
universo cultural do público alvo. Como objetivo, elencou os aspectos
educativo, informativo e de orientação social, agregando,
em harmonia com o Texto constitucional, a vedação à
promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Segundo o dispositivo constitucional invocado, “A publicidade
dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos
públicos deverá ter caráter educativo, informativo
ou de orientação social, dela não podendo constar
nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção
pessoal de autoridades ou servidores públicos”, competindo ao Presidente
da República “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis,
bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.”
A “Lei n.º 8.490, de 19 de novembro de 1992, por sua vez, outorgava
à Assessoria de Comunicação Institucional, “o controle,
a supervisão e coordenação da publicidade dos órgãos
e entidades da Administração Pública Federal direta
e indireta e de sociedades sob controle da União.”
Da leitura do artigos citados, verifica-se, de pronto, a natureza
eminentemente pública de tais declarações, que se
destinam aos órgãos e entidades do serviço público
e não às empresas sujeitas à livre competição
no mercado. Por outro lado, estabelece-se, em confronto com os princípios
adotados pela reforma administrativa de 1967 (Decreto-Lei n.º 200/67),
a centralização das contratações dos serviços
publicitários, para permitir tão somente a sua descentralização
operacional. Assim procedendo, subverte o Decreto todo o sistema administrativo
brasileiro, de longa construção doutrinária e jurisprudencial,
ao criar indevida subordinação hierárquica direta
entre as entidades descentralizadas e o Poder Executivo. Nesse aspecto,
pretendeu-se estabelecer esdrúxula dualidade hierárquica,
mediante a instituição de subordinação “exclusivamente
técnica” das unidades de publicidade dos órgãos e
entidades da Administração em relação à
Assessoria presidencial, sem prejuízo da vinculação
administrativa do Decreto-Lei n.º 200/67, que permaneceria nas bases
hoje praticadas.
Ocorre que a ACI não se limita a exercer controle “exclusivamente
técnico” estabelecido pelo Decreto em causa. Com a edição
da Instrução Normativa n.º 1, de 27 de abril de 1993,
um mês após a edição do Decreto, ela já
interferia “administrativamente” nas entidades privadas da Administração
para impor-lhes obrigatoriedade de implementação de medidas
na área da comunicação social. Foi mais além
e subordinou, através da Instrução Normativa nº
2, da mesma data, a “aprovação” das contratações
da espécie à apresentação de proposta detalhada
de campanha publicitária, peça conhecida no jargão
do meio como briefing. Posteriormente, fez editar ainda a IN n.º 3,
de 31 de maio de 1993, estabelecendo classificação das atividades
publicitárias, para efeito de operacionalização do
malsinado Sistema.
Mas a caracterização da interferência indevida
veio a ocorrer, de maneira mais explícita, com a edição
da Instrução Normativa nº 4, de 4 de junho de 1993.
Nesta IN, a derrogação da autonomia das entidades destinatárias
foi violenta, a começar pela sua finalidade — regular a licitação
dos serviços de publicidade —, que afrontou, até, o próprio
Decreto que lhe servira de justificativa. Como visto, o Decreto sob referência
prometeu subordinar as entidades de que se trata “apenas” no âmbito
técnico, enfatizando esse entendimento com a advertência de
que suas determinações não eximiriam de responsabilidade
as autoridades competentes (art. 13 do Dec. n.º 785/93). A IN n.º
4, todavia, foi impositiva ao enquadrar todas as atividades publicitárias
relacionadas à Administração e suas empresas, não
poupando nem mesmo a publicidade legal, excluída pela IN n.º
3, de 31 de maio de 1993.
Sobre o assunto, aliás, restava insofismável indicação
de desarmonia da referida Lei n.º 8.490/92 e, por conseqüência,
do Decreto n.º 785/93, com a Constituição, por abranger
nas suas normas específicas as sociedades de economia mista. De
qualquer forma, este não é, propriamente, o motivo da inconstitucionalidade
da Lei n.º 8.490/93 nesse ponto, posto que ela poderia estabelecer
regras gerais similares, atingindo empresas públicas e privadas,
indistintamente. Na hipótese, isso de fato não aconteceu,
atingidas que foram apenas e tão-somente as estatais sujeitas à
concorrência livre, numa economia capitalista. Incidindo em relação
às estatais sem atingir as demais empresas privadas, violou tal
Diploma, e o correspondente regulamento, o princípio da isonomia
e a regra de sujeição do Estado ao regime privado quando
na exploração de atividades econômicas, conforme a
Constituição.
A referência feita pelo Decreto n.º 785/93 ao art.
37, § 1º, da Constituição, portanto, é completamente
descabida. Destarte, o dispositivo mencionado impõe a observância
do preceito tão-somente em relação aos “órgãos
públicos”, coerentemente com o que dispõe o art. 173, §
1.º, da CF, e com a doutrina que entende não integrarem as
empresas públicas e as sociedades de economia mista a estrutura
orgânica do Estado, guardando sempre a sua condição
de entes jurídicos de direito privado. Há ponderáveis
razões, assim, para suspeitar-se da constitucionalidade da Lei n.º
8.490/92, e de seu decreto regulamentador. Significa dizer: inexiste regra
constitucional ou lógica jurídica que empreste fundamento
ao novo controle. Este, se efetivamente ao Poder Executivo interessasse
exercer, poderia ser realizado através do seu representante perante
as entidades respectivas, através das instâncias próprias,
na forma da lei comum.
Como se vê, maiores foram as inconstitucionalidades cometidas
pela edição das sucessivas instruções normativas,
fundadas no Decreto n.º 785/93, promovendo interferências diretas
nos assuntos negociais das entidades paraestatais. As recomendações
da ACI, no sentido da adoção do tipo “melhor técnica”
para os serviços de publicidade não se coaduna com o espírito
da legislação de regência. O Estatuto das Licitações,
com efeito, fixou cinco modalidades de licitação para obras,
serviços e compras, a serem praticadas no âmbito da Administração
Pública, sendo elas a concorrência, tomada de preços,
convite, concurso e leilão, admitindo apenas em relação
às três primeiras os tipos “menor preço”, “melhor técnica”
e “técnica e preço”. Nas licitações pelo tipo
“menor preço”, dentre os licitantes considerados habilitados, a
classificação se fará pela ordem crescente dos preços
propostos e aceitáveis, prevalecendo, no caso de empate, exclusivamente
o critério de sorteio. Para as licitações dos tipos
“melhor técnica” ou “técnica e preço”, fixa exigências
adicionais e procedimento próprio, distinto daquele estabelecido
para as de “menor preço”. A recomendação da ACI, porém,
não poderia ser determinante, embora se ajuste aos serviços
de publicidade, pela natureza predominantemente intelectual dessa atividade,
merecendo verificar-se outras questões suscitadas.
A regulamentação dos serviços de publicidade
estatal chega ao extremo de prever a indicação de componentes
externos para integrarem as comissões de abertura de licitações,
bem assim impõe a divulgação das informações
para a elaboração do briefing, caracterizando, ao nosso ver,
mais uma inconstitucionalidade do Decreto n.º 785/93, além
de prejudicar os interesses das empresas nessa situação.
Isso leva à conclusão de haver fundamento, sob o aspecto
eminentemente jurídico, para questionar-se a aplicabilidade integral
da Lei n.º 8.666/93, e não apenas de suas “normas gerais” às
empresas públicas e sociedades de economia mista, à luz do
texto constitucional, apesar da previsível resistência que
tese dessa natureza suscitará. Diga-se o mesmo, com muito maior
razão, do art. 12 da Lei n.º 8.490/92, que, estamos convencidos,
não faz o menor sentido, considerando-se os critérios de
autonomia e de sujeição dessas entidades ao regime jurídico
de direito privado, consagrados doutrinária, jurisprudencial e constitucionalmente.
CONCLUSÕES
Dentre as conclusões a que pudemos chegar com a realização
desse breve e despretensioso estudo, podemos enumerar:
a) a intervenção do Estado do domínio econômico
é fruto de uma doutrina de adaptação do capitalismo
a regras sociais de convivência solidária, agregados da experiência
social vividas por diversos países do mundo;
b) a sociedade de economia mista, assim como a empresa pública
e outros entes de descentralização estatal, constitui fator
de modernização dessa intervenção econômica,
pelo desenvolvimento de estratégias para enfrentamento das novas
tarefas e responsabilidades do Estado perante a sociedade;
c) o processo de compras e de contratação do Estado,
diretamente ou através das entidades estudadas, tem como finalidade
assegurar a isonomia e a defesa do interesse público, devendo se
restringir às providências absolutamente necessárias
a esse objetivo, sendo, nas descentralizadas, meramente indicação
de princípios ou normas gerais;
d) as chamadas estatais deverão estar sujeitas a tais
princípios e normas gerais, desenvolvendo regulamento interno específico
para a realização de compras e contratação
de serviços, da maneira mais adequada ao cumprimento de seus objetivos,
dentro de um regime privado.
Esta é a pequena contribuição que podemos propor
ao debate que se trava no sentido da desvinculação responsável
das empresas públicas e sociedades de economia mista das amarras
a que se vêem sujeitas, buscando cumprir justamente aquilo para o
qual sempre foram concebidas: o desenvolvimento de atividades econômicas
de interesse da sociedade e do Estado dentro de padrões modernos,
com o aproveitamento de todas as técnicas administrativas e tecnologias
hoje à disposição dos empreendedores, sem as quais
nenhuma empresa poderá sobreviver.
Retirado de: http://www.jfrn.gov.br/docs/doutrina80.doc