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É necessário equivalência contratual
A Súmula 596 do STF mostra o comprometimento
do Poder Judiciário, embora involuntário, com poder econômico.
A Carta Maior inaugura sua seção de entrevistas
com o desembargador Arnaldo Rizzardo, autor de doze livros nas áreas
Civil, de Direito Bancário e de Responsabilidade Civil. Professor
da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, o desembargador
atua na Segunda Câmara Cível do Tribunal de justiça
gaúcho. Nesta entrevista, Rizzardo conta como a lesão no
Direito ocorre no dia-a-dia das empresas e quais são os instrumentos
jurídicos disponíveis para a sua defesa.
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A CARTA MAIOR - 0 senhor afirma em um de seus livros que
numa época de desigualdade econômica é importante que
se reintroduza, em nosso Direito, o instituto da lesão. Qual o motivo
dessa afirmação?
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Rizzardo - A idéia de lesão no Direito é
muito antiga e com o liberalismo econômico no País sempre
existiram distorções com o capital. Por isso, é preciso
diminuir o distanciamento entre o capital e aqueles que necessitam dele.
Entre as instituições financeiras e os que precisam do dinheiro.
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CM - Quais os instrumentos que permitem essa aproximação?
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Rizzardo - Alei n° 1.521/51,
nesse sentido, é um divisor de águas. Ela discrimina até
onde pode ir o poder daquele que detém o poder financeiro. 0 Código
Civil, também procurou limitar a especulação. Seus
artigos 1.062 e 1.262 conjugados com o artigo 1°
do Decreto-lei n° 22.626/33 determinam que
os juros não podem ser superiores a 12% ao ano. Estes dispositivos
e mais o artigo 192 parágrafo 3°
da Constituição, que fixam as taxas de juros anuais em 12%,
fazem com que o Brasil tenha um regime jurídico suficiente para
coibir o distanciamento entre as captações dos bancos e as
exigências deles.
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CM - E por que a legislação não é
colocada em prática?
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Rizazardo - É do próprio gênero humano
querer ganhar, progredir, enriquecer. Mas, do outro lado, a humanidade
deveria combinar sua conduta com o bem social. A partir da década
de 70, quando começou um forte movimento da inflação,
passou a existir um encadeamento entre o Poder Judiciário e o capital.
A lei n° 4.595/64, por exemplo, que regulamenta
o Sistema Financeiro, mostrou-se bastante aperfeiçoada, mas muitos
de seus dispositivos receberam uma interpretação truncada
e direcionada para o poder do capital.
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Rizzardo - " É o caso do artigo 4°
e seu inciso IX, que dá poder ao CMN de fixar as taxas de juros,
mas dentro do limite legal. Não há autorização
para que ele aumente os juros. 0 Supremo Tribunal Federal convergiu para
a interpretação de que os bancos estariam fora do Decreto-lei
n° 22.626/33 e que o CMN poderia jogar com
as taxas de juros. Através da Súmula 596 o STF disse que
os bancos estão livres para estabelecer as taxas de juros ou adotar
aquelas que o CMN fixar. É uma interpretação equivocada.
Mostra o comprometimento do Poder Judiciário, embora involuntário,
com o poder econômico.
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CM - E como ocorre a lesão, nesse contexto?
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Rizzardo – Quando há grande proveito de uma parte
e alto grau de lesão de outra. É o oposto da comutatividade,
em que o valor de um bem deve corresponder ao serviço prestado.
Deve haver equivalência contratual. A lesão se manifesta na
capitalização de juros, nos contratos de alienação
fiduciária, de desconto bancário, de empréstimo de
capital de giro e outros. Quando uma das partes não tem opção
de discussão, sofre lesão porque os instrumentos contratuais
não permitem a plena liberdade de se contratar.
Retirado de: http://www.cartamaior.com.br