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ANOTAÇÕES SOBRE A CPMF – TESES CONTRA E A FAVOR DA CONTRIBUIÇÃO

(Seminário apresentado pelos alunos da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional da Universidade Federal de Sergipe – UFS, em 22/7/99)
 

I - A metodologia do trabalho: após uma exposição rápida do que venha a ser a CPMF e da sua origem legal, os componentes da equipe discorrerão, em linhas gerais, sobre quais são as principais teses que buscam impedir judicialmente a cobrança da contribuição.

II - Uma visão geral:

A CPMF em datas: possibilidade de instituição inicialmente trazida pela EC 12, de 15/8/96; contribuição criada pela Lei 9311, de 24/10/96; modificada pela Lei 9539, de 12/12/97, que vigorou até 23/1/99, sendo esta prorrogada por 36 meses pela Emenda 21 (de 18/3/99).
A sigla "CPMF": trata-se de um acrônimo para Contribuição Provisória sobre Movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza Financeira, ou Contribuição com Prorrogação Mal Feita, como jocosamente sugere Gabriel Lacerda Troianelli (A CPMF e a Emenda Constitucional nº 21/99, in Revista Dialética de Direito Tributário, v. 46, Julho/99, p. 30)
As Alíquotas: 0,38% nos 12 primeiros meses e 0,30% por 24 últimos meses.
III - As teses abordadas em Mandado de Segurança impetrado na Justiça Federal – SE (localizado via Internet) e outras divulgadas pela imprensa:

Da impossibilidade de prorrogação: defende-se que a EC 21 não poderia ter prorrogado a lei que instituiu a CPMF, visto que a mesma já tinha perdido sua vigência em 23/1/99. Na decisão analisada, o juiz não acata a tese sob a fundamentação de que, quando disse prorrogar, na verdade, o legislador quis dizer repristinar, o que não é vedado pelo ordenamento jurídico em vigor, desde que a repristinação seja expressa.
Da falha no processo legislativo: em ação noticiada pela imprensa, entre outras teses a OAB acusa a existência de falha no processo legislativo que gerou a EC 21. Sustenta que tendo sido a proposta de emenda modificada na Casa revisora, não voltou para Casa de origem a fim de que as alterações fossem votadas, vindo a ser aprovada tal qual saiu do colegiado revisor.
Da ofensa à limitação do poder de reformar a CF, contido no art. 74 do ADCT: sustenta-se que, como o art. 74 do ADCT estabeleceu que a CPMF seria provisória, vigorando no prazo indicado, estaria restringindo o poder reformador, de tal forma que não poderia outra emenda alterar aquele interregno. Em contrapartida, o magistrado do caso em estudo entende que as limitações ao poder reformador, contidas no art. 60, §4º, da CF, não podem ser estendidas pelo constituinte derivado.
Da cumulatividade: acusa-se a CPMF de tributo cumulativo pelo fato de o valor pago em uma etapa da cadeia produtiva não poder ser compensado na etapa posterior (como acontece com o IPI – art. 153, §3º, II – e ICMS – art. 155, §2º, I) (José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª edição, Malheiros, p. 606). Difícil se refutar tal tese visto que, de fato, no desenrolar da cadeira produtiva, a CPMF incide várias vezes, não podendo ser compensada na fase posterior. Além do que, a vedação contida no art. 154, I, é clara, vedando que novos impostos sejam cumulativos, e aplica-se também às contribuições por força do art. 195, §4º.
Da bitributação: acusa-se a CPMF de violar o dispositivo constitucional que veda a criação, pela União, de novos impostos que tenham fato gerador (seria melhor, hipótese de incidência) ou base de cálculo própria dos demais impostos discriminados pela CF (art. 195, §4º c/c art. 154, I). Acontece que, na realidade, não há imposto na Carta que incida sobre a mesma base de cálculo da CPMF, qual seja, a quantia movimentada financeiramente.
Do efeito inflacionário: sustenta-se que o valor agregado aos produtos, por conta do pagamento da CPMF, implicaria num aumento da inflação. Rebate-se dizendo que a inflação tem razões outras, de natureza econômica, não decorrendo da aplicação de um determinado imposto. Além do que, indica-se como fato incontroverso a não redução da inflação nos períodos em que tanto o IPMF quanto a CPMF deixaram de ser cobrados.
Da violação à igualdade tributária: argumenta o autor da ação estudada que, ao colocar num mesmo plano de obrigação tributária pessoas sem qualquer vínculo entre si, a CPMF estaria violando o princípio em epígrafe. Este princípio, estabelecido no art. 150, II, da CF, veda que se institua tributo que apresente um tratamento desigual entre contribuintes desde que estes se encontrem em situação equivalente. Como a CPMF incide sobre todos os contribuintes que realizem uma movimentação financeira, não prospera a tese de violação ao princípio constitucional.
Da não observância da capacidade contributiva: sustenta-se que, por não se auferir qualquer ganho na movimentação financeira, a CPMF não estaria levando em conta a capacidade contributiva, cujo respeito encontra-se positivado no art. 145, §1º, da CF. Segundo este princípio, o ônus tributário deve ser distribuído na medida da capacidade do contribuinte suportar o encargo (J. Afonso, ob. cit. p. 603). Acontece que, na sistemática da CPMF, quanto mais dinheiro se movimenta, mais imposto se paga. O que não há é uma progressividade da alíquota, mas isto já é outra coisa.
Do efeito confiscatório da CPMF: argúi-se que, por não se estar auferindo lucro na movimentação financeira e por quase que inviabilizar as aplicações de curto prazo, a CPMF estaria tendo efeito confiscatório. Difícil se sustentar que um tributo que incide na ordem de 0,38% venha pôr em risco o direito à propriedade, garantido pela CF, funcionando, assim, como confisco.
Da violação ao sigilo bancário: acusa-se a sistemática da CPMF de violadora do sigilo bancário. Rebate-se sustentando que, além do sigilo bancário não se encontrar garantido na Constituição, a lei que institui a CPMF (Lei 9331, prorrogada pela EC 21) não viola tal segredo, visto que para obter-se informações junto a rede bancária, a autoridade fiscalizadora deverá solicitar autorização judicial.
IV - As Teses abordadas pela doutrina consultada:

Da violação ao princípio da reserva legal (CF, art. 150, I): o art. 48, da CF, estabelece que:
"Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49 , 51 e 52 [competências exclusiva do Congresso e privativas da Câmara e do Senado, respectivamente], dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: I - sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas; (...)".

Portanto, a Emenda Constitucional - EC não seria o meio cabível para instituir imposto, visto que não se submete à sanção do Presidente da República, sendo promulgada pelo Congresso Nacional. Logo, a EC poderia dar competência a uma entidade política para criar um determinado tributo, mas não criá-lo, ela mesma. Assim, a EC 21 seria inconstitucional por violar o art. 150, I. O autor lembra, ainda, que a EC 3 foi declarada inconstitucional pelo STF justamente por violar o art. 150, III – princípio da anterioridade. Sendo a contribuição social reconhecida pela doutrina e jurisprudência como uma modalidade de tributo, a ela aplica-se, seguramente, o art. 150, I, da CF. Além do que, havendo necessidade de lei, o prazo de 90 dias apenas começaria a correr da vigência desta lei, e não da EC (Nelson Monteiro Neto, A Restauração da CPMF e sua Entrada em Vigor, in Revista Dialética de Direito Tributário, v. 45, Junho/99, p. 75/76).

Note-se, ainda, que tanto a EC 3 (que versou sobre o IPMF) quanto a EC 12 (que previu a possibilidade de criação da CPMF em 1996) estabeleceram que lei instituiria os respetivos tributos (Gabriel Lacerda Troianelli, A CPMF e a Emenda Constitucional nº 21/99, in Revista Dialética de Direito Tributário, v. 46, Julho/99, p. 30).

Da violação ao princípio da anterioridade (CF, art. 150, III, b): já que a CPMF não faz parte do art. 195 da CF, não poderia se beneficiar da anterioridade reduzida prevista naquele dispositivo (90 dias – art. 195, §6º):
"... tendo a CPMF sede constitucional diversa [da do art. 195], qual seja, os arts. 74 e 75 do ADCT, não lhe pode ser aplicada a anterioridade mitigada prevista no art. 195, que, ao prever exceção ao princípio da anterioridade geral, constante no art. 150, III, b, deve ser interpretada como convém às normas excepcionais, de forma restrita e não de forma ampla, de modo a que nenhuma exação prevista em outro dispositivo constitucional que não o art. 195 submeta-se à anterioridade especial aplicável a este artigo.

Tanto a anterioridade prevista no § 6º do art. 195 aplica-se apenas às contribuições previstas neste mesmo artigo que a contribuição social do salário-educação, prevista no §5º do art. 212 da Constituição, apesar de ter mesmo fato gerador e base de cálculo da contribuição sobre folha de salários e ser arrecadado em conjunto com esta pelo mesmo órgão – o INSS –, tendo todos os elementos de incidência em comum com a contribuição sobre a folha prevista no art. 195, I, a, não se submete à anterioridade prevista no §6º deste artigo, uma vez que tem sede constitucional diversa – o art. 212" (Gabriel Lacerda Troianelli, A CPMF e a Emenda Constitucional nº 21/99, in Revista Dialética de Direito Tributário, v. 46, Julho/99, p. 28).

Logo, a EC 21 não poderia ter estabelecido que se aplica à CPMF o §6º do art. 195 da CF. A doutrina entende que apenas em casos de transição de um sistema constitucional para outro é que se admite que o próprio texto constitucional venha a prorrogar tributo e/ou aumentar sua alíquota (p. ex.: art. 56 do ADCT) (Gabriel Lacerda Troianelli, A CPMF e a Emenda Constitucional nº 21/99, in Revista Dialética de Direito Tributário, v. 46, Julho/99, p. 30). Detalha o princípio da legalidade (CF, art. 150, I) o art. 97 do CTN.

Inclusive, já existe decisão do Pleno do STF que, em ADIN, suspende dispositivo da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que fixava diretamente limites de multa tributária, bem como que igualmente retira do ordenamento jurídico dispositivo do ADCT da Constituição do Estado de Santa Catarina que reduzia e anistiava multa tributária. Em ambos os casos, entendeu-se que o constituinte derivado não tem competência sobre matéria que a própria constituição define como da esfera do legislador ordinário (Gabriel Lacerda Troianelli, A CPMF e a Emenda Constitucional nº 21/99, in Revista Dialética de Direito Tributário, v. 46, Julho/99, p. 31)

Da impossibilidade de regulamentação da CPMF via Medida Provisória (CF, art. 246, introduzido pela EC 6/95 e reiterado pela EC 7/95): assim se expressa o referido dispositivo constitucional:
"É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1995".

Ora, se no caso de artigos cuja redação tenha sido simplesmente alterada não é possível a regulamentação via a famigerada Medida Provisória, que dirá daqueles dispositivos que foram incluídos através de Emenda Constitucional posterior a 1995 (Gabriel Lacerda Troianelli, A CPMF e a Emenda Constitucional nº 21/99, in Revista Dialética de Direito Tributário, 46, Julho/99, p. 34).

O fim do art. 246 da Constituição seria, segundo Hugo de Brito Machado (Emendas Constitucionais e Medidas Provisórias, in Revista Dialética de Direito Tributário, v. 43, Abril/99, p. 89), evitar o somatório de duas situações de inconveniente flexibilidade: a Emenda Constitucional e a Medida Provisória, in Revista Dialética de Direito Tributário, 46, Julho/99, p. 34).

Mesmo que venha a ser regulamentada indevidamente por MP, e esta venha a ser convertida em lei, esta lei será inconstitucional, pois deriva de MP eivada do mesmo vício (Marcos Aurélio Greco. Medidas Provisórias, São Paulo : Revista dos Tribunais, 1991, p.46).

 
Retirado de: http://www.geocities.com/SoHo/Gallery/9566/poscpmf.html