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O PERFIL DO CADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO E OS ASPECTOS DECORRENTES DE SUA ATUAÇÃO


 


                                                                                                        Leonardo Ayres Santiago*       


Sumário: Introdução. A Defesa da Livre Concorrência. As Infrações da Ordem Econômica. A Atuação do CADE. O MPF e o CADE na Lei Antitruste. As Agências Reguladoras e o CADE. O CADE e o Contrato Administrativo. Conclusão. Referências Bibliográficas.



I) INTRODUÇÃO     



A mais fácil visualização do estabelecimento de procedimentos especiais para a garantia da efetividade das normas de Direito Econômico no que toca ao instituto da circulação situa-se, sem sombra de dúvidas, no campo da defesa da concorrência.



Nas palavras de João Bosco Leopoldino da Fonseca,[1] ex-Conselheiro do CADE, “será preciso compreender que o Estado não tem mais uma postura de dirigente ou impulsionador da economia, mas incumbe-lhe assumir o papel de facilitador da atuação da empresa. Incumbe-lhe, antes de mais nada, estar ao serviço da sociedade, em vez de procurar assumir a direção de seus rumos. Incumbe-lhe viabilizar e compatibilizar a primordial atividade e iniciativas individuais.” 



A contenda entre os agentes econômicos, como salientado por quantos se debruçam sobre este tema, é tendente à autofagia, no sentido da busca pela vitória por cada um deles, contendores, de sorte a se tornar o único a atuar no mercado[2]. Daí, a necessidade de um órgão fiscalizador eficiente correspondente ao desafio de atender ao interesse da sociedade como um todo, consubstanciado na livre concorrência: o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).       



O Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, órgão judicante com jurisdição em todo o território nacional, criado pela Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, passou a ser Autarquia Federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, a partir de 13 de junho de 1994, com a publicação da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e atribuições previstas no referido diploma legal.



O Plenário do CADE, de acordo com o disposto na Lei nº 8.884/94, é composto por um Presidente e seis Conselheiros, nomeados pelo Presidente da República depois de aprovados pelo Senado Federal, com mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução.



Junto ao CADE funciona uma Procuradoria, chefiada pelo Procurador-Geral, indicado pelo Ministro da Justiça e nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovado pelo Senado Federal, com mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução.



As finalidades essenciais da Autarquia estão estabelecidas na Lei nº 8.884/94, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.



O Regimento Interno do Conselho, aprovado pela Resolução nº 12, de 31 de março de 1998, publicada no Diário Oficial da União de 23 de abril de 1998, estabelece as normas de funcionamento processual, incluindo os aspectos relativos a sigilo, instrução do processo, julgamento, realização de sessões reservadas para julgamento de recursos de ofício em Averiguações Preliminares, execução e disposições gerais.



O art. 49 da Lei nº 8.884/94 dispõe que as decisões do CADE serão tomadas por maioria absoluta, com a presença mínima de 5 (cinco) membros do Colegiado.



O item principal do plano de trabalho do CADE envolve a instrução de atos de concentração, processos administrativos e consultas[3] e, principalmente, seu julgamento. Dentre os processos administrativos, verifica-se uma subdivisão em matérias a serem apreciadas pelo Colegiado: são os processos administrativos propriamente ditos, os recursos voluntários[4], pedidos de reconsideração e impugnações em autos de infração[5], averiguações preliminares[6] e representações.





II) A DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA



Dentre as imperfeições do capitalismo liberal, a concentração econômica coloca em risco a base do sistema, na medida em que importa na eliminação, ainda que parcial, da concorrência, afetando a liberdade de iniciativa de modo auto-destrutivo.



Com a decadência das idéias liberais clássicas, origina-se o Estado intervencionista, com a finalidade, sobretudo, de regular e equilibrar a atividade econômica na busca de promover o bem-estar social.



Ponto de partida foi a publicação do Sherman Act (EUA-1890), na defesa da livre concorrência. Agregue-se o caráter instrumental, cada vez mais nítido na legislação antitruste, direcionado para a implementação de políticas econômicas.



Destarte, a Lei n.º 8.884/94 juntamente com as normas que a complementam são instrumentos fundamentais para a política de concorrência, deles se valendo o Poder Público para preservar e promover a livre concorrência nos mercados. Através da aplicação legal, busca-se a preservação do jogo competitivo, inibindo ou coibindo certos tipos indesejáveis de condutas dos agentes econômicos, atuando preventivamente na estrutura dos mercados e acentuando as pressões sobre as empresas para que operem com maior eficiência, de forma a assegurar à coletividade os “benefícios econômicos” que a livre concorrência pode trazer:



· ao consumidor, variedade de escolha, melhor qualidade e menores preços; aos agentes econômicos, a liberdade de atuação e de crescimento por seus próprios méritos, sem os óbices criados por empresas dominantes ou por ações conjuntas de empresas no mercado;



· à coletividade, o desenvolvimento econômico do País, que gozará de um parque industrial moderno, melhorando a vida quotidiana.



Aplica-se o dispositivo em comento a todos os setores da economia nacional, abrangendo a indústria, o comércio e os serviços, atingindo todos os agentes econômicos (de caráter público ou privado, de fato ou de direito, pessoas físicas ou jurídicas) que possam praticar atos caracterizáveis como infringentes à ordem econômica.



O bem juridicamente protegido é a preservação dos valores ligados ao funcionamento do sistema de mercado, ou seja, a manutenção do ambiente concorrencial propiciador da auto-regulação do mercado através do livre confronto das forças da oferta e da demanda.



Nesse prisma, as normas antitruste se caracterizam por certa flexibilidade, que Paula A. Forgioni[7] reconhece como “válvulas de escape”: a) – a tolerância de certas práticas restritivas da concorrência quando tragam outros efeitos mais benéficos – sob a forma de rule of reason (regra da razão), própria do sistema anglo-saxão; de isenção, presente no direito comunitário; ou de autorização, como no caso brasileiro (art. 54 da Lei 8.884/94); b) – a elasticidade do “mercado relevante”; c) – o jogo do interesse protegido.



No que se refere ao mercado relevante, não se tem uma formulação pré-concebida, dependendo a sua delimitação de uma análise casuística, para a identificação de onde se travam as relações de concorrência em que atua o agente econômico cujo comportamento de quer aferir, tanto sob o aspecto geográfico (espacial) quanto o material (do produto).



Alguns elementos servem de indicativos para se alcançar a noção concreta de mercado relevante: os hábitos do consumidor, a qualidade/necessidade do produto, o custo do transporte, a existência de barreiras econômicas, o incentivo concedido pelas autoridades.



Neste diapasão, trazemos à baila a lição da Profª Lucia Helena Salgado[8], Conselheira do CADE, acerca dos aspectos definidores de mercado relevante:



“A determinação seqüencial adequada a ser seguida na prática compreende:



a) a delimitação do mercado - em suas dimensões produto e geográfica;

b) a identificação das barreiras à entrada, assim como as condições de entrada;

c) a descrição da estrutura do mercado (tanto da oferta quanto da demanda);

d) a identificação do padrão de competição e, finalmente,

e) os competidores ou entrantes potenciais.”



Diante de cada situação concreta, tais elementos se combinam, tornando mais ou menos amplo o mercado competitivo, dependendo de se verificar se o consumidor se propõe ao deslocamento para obter o produto, ou se está disposto a substitui-lo ou não, facilmente, por outro (fungibilidade do produto), daí a marcante elasticidade da noção de mercado relevante.



De uma maneira geral, podemos dizer que nosso ordenamento jurídico permite a existência de quatro formas de concentração econômica e repudia outras quatro formas de concentração econômica. Dentre as formas de concentração econômica permitidas (desde que observados os requisitos de validade do Art. 54 da Lei 8.884/94), enumeramos:



a. Incorporação – Ocorre quando uma empresa adquire a outra; a incorporadora (adquirente) substitui a incorporada (adquirida) em todos os direitos e obrigações, permanecendo a primeira viva e íntegra, aumentando seu capital social, com o ingresso de novos sócios ou não, e impondo, via de conseqüência, a extinção da empresa incorporada;



b. Fusão – Dar-se-á quando duas ou mais empresas se extinguem reciprocamente, fazendo nascer uma nova Pessoa Jurídica, que sucederá as empresas extintas em todos os direitos e obrigações;



c. Conglomeração ou Holding – Decorre do fato de atividades diversas, e às vezes, aparentemente, desconexas, serem conduzidas por um único centro decisório;



d. Joint Venture ou Coalizão – Conhecida no Brasil como consórcio. Funciona como uma espécie de fusão, porém sem o caráter de definitividade. Geralmente, duas ou mais empresas se reúnem no objetivo de se dedicarem a um grande empreendimento, como por exemplo, a construção de uma hidrelétrica.



No que tange aos modos de concentração econômica proibidas, encontramos:



A) Monopólio Privado – Exprime o regime em que uma empresa, com exclusividade, produz e vende certas espécies de mercadorias; decorre, via de regra, de situações de fato, e sua forma mais usual é o Açambarcamento de mercadorias para serem vendidas a preço que a empresa desejar;



B) Oligopólios – É o tipo de estrutura econômica no qual poucas empresas detêm a maior parcela do mercado de um determinado serviço ou produto e controlam os preços e a demanda de um grande número de consumidores. Cada uma das empresas envolvidas nesta prática de concentração é bastante forte para influenciar o mercado, mas não o é para desprezar a reação de seus competidores;



C) Truste – Configura-se no tipo de estrutura econômica em que várias empresas, que já detêm a maior parte do mercado, fundem-se para assegurar este controle, estabelecer preços elevados e garantir altas margens de lucro;



D) Cartel – Exprime forma de concentração de empresas com o objetivo de monopolizar o mercado e afastar a concorrência. Tem como principais características a pluralidade de empresas privadas independentes entre si, a existência de acordo voluntário para a exploração conjunta de certos produtos e serviços, a possibilidade de dissolução prática e teórica do vínculo jurídico e a fixação prévia dos objetivos gerais e da função de cada um de seus componentes. Os cartéis podem ser:



D.1) de preços, quando se impõe preços iguais;

D.2) de cotas, quando há uma distribuição no mercado entre eles.





A doutrina ainda faz a distinção entre concentração econômica vertical e concentração econômica horizontal.



A concentração econômica vertical se apura quando uma empresa no desdobramento da atividade adquire outra, – a “montante” ou a “jusante” – ao longo da cadeia produtiva (mercado “alvo”), como, por exemplo, as cervejarias (AMBEV) e seus respectivos distribuidores. Já a concentração econômica horizontal importa na aquisição de empresas na mesma atividade econômica, porém com centros de decisão independentes.



Os atos que decorrem da concentração econômica vertical e horizontal produzem efeitos diversos, a saber[9]:

A) No caso das práticas horizontais, o principal efeito anticoncorrencial é o de reduzir ou eliminar a concorrência no mercado relevante, seja a curto prazo (cartéis e outros acordos entre empresas, tabelamentos de associações de profissionais), seja a médio ou longo prazos (preços predatórios);

B) No caso das práticas verticais, os principais efeitos anticoncorrenciais são: a facilitação da implementação de práticas concertadas (cartéis, etc.), ou o reforço unilateral de poder de mercado de uma empresa dominante, no mercado relevante “de origem” (comum a todas as práticas); o “bloqueio” do mercado relevante “alvo” da prática para concorrentes efetivos ou potenciais (aumento das barreiras à entrada), inclusive por aumento de custos de rivais; a exploração monopolista dos usuários de serviços pós-venda; e a atenuação da concorrência entre ou intra-marcas.





III) AS INFRAÇÕES DA ORDEM ECONÔMICA





A repressão ao abuso do poder econômico encontra-se prevista no art. 173, §4º, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei 8.884/94.



A infração à ordem econômica se revela em função do resultado potencial ou efetivo em prejuízo à livre concorrência, que importe em “dominação de mercados, eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros” nos termos daquele dispositivo constitucional.



Esse trinômio vem reproduzido no art. 20 da Lei 8.884/94, que acrescenta “abuso de posição dominante”. Na verdade, dominação de mercados e abuso de posição dominante se confundem, na medida em que somente estão configurados enquanto afetarem a livre concorrência.



Com efeito, posição dominante se consubstancia quando do controle de “parcela substancial de mercado relevante” (§2º do Art. 20, Lei 8.884/94), pelo comportamento do agente econômico que possa influenciar o mercado, em termos de preço, de oferta ou do comportamento dos demais agentes concorrentes, sem que estes exerçam, em contrapartida, pressão sobre aquele, que age com independência e autonomia. Porém, não há que se confundir posição dominante com abuso de posição dominante.



Neste tocante, trazemos a opinião da Profª Paula A. Forgioni[10] em excelente monografia acerca da configuração de posição dominante:



“Já se disse há muito que, no Brasil, não se pune a posição dominante em si[11]. Efetivamente, nos termos do art. 20, § 1º, da Lei n. 8.884, de 1994[12], a posição dominante resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inc. II do caput do mesmo dispositivo[13]. Consagra-se assim, como não poderia deixar de ser, a vantagem competitiva (competitive advantage) do agente econômico: se há maior eficiência, nada se deve punir[14].”



Não se confunde, portanto, com a hipótese de eliminação dos concorrentes por processo natural, segundo possa-se revelar a empresa mais capacitada e eficiente na conquista dos consumidores.



Em outras palavras, a mera posição dominante não é punida por si só, porém, apenas, quando haja prejuízo à livre concorrência, de maneira que nem sempre o elevado percentual do mercado (Market Share) configura posição dominante para efeito de caracterizar a infração, sendo que o percentual de 20% (§3º do Art. 20, Lei 8.884/94), indica mera presunção relativa a esse respeito, admitindo-se, pois, prova em contrário, de que não ter sido atingida a livre concorrência.



Assim, nem sempre toda restrição à livre concorrência significa domínio de mercado ou abuso de posição dominante, mas, em contraposição, inexiste um ou outro sem que haja restrição à livre concorrência.



No que se refere ao aumento arbitrário do lucro, não há qualquer referência a eventual posição dominante, até porque o lucro é fator atrativo, portanto, não inibe, em princípio, a livre concorrência, daí porque o inciso III, do art. 20 da Lei 8.884/94 estaria a tutelar o consumidor, antes, de que propriamente em defesa da livre concorrência.



Essa interpretação não é tranqüila, valendo citar, por outro lado, as lições de Fábio Ulhôa Coelho:



“Pressupõe-se que as práticas empresariais que implicam lucros sem justificação dessa ordem são arbitrários porque podem chegar a comprometer as estruturas do livre mercado. Por essa razão, tais condutas são refutadas inconstitucionais.”[15]



A questão tem relevância para fins de se considerar ocorrida a infração pelo aumento arbitrário dos lucros, tão-somente, ou, desde que se verifique a eliminação da livre concorrência, não havendo uniformidade nem mesmo no âmbito do CADE, conforme se infere das seguintes decisões:



“AUMENTO ABUSIVO DE PREÇOS- PRETENDIDA INFRAÇÃO PER SE – REJEIÇÃO.



O aumento abusivo de preços não é senão um sintoma de uma prática restritiva da concorrência. Não cabe ao CADE punir o aumento abusivo em si, senão quando representa um abuso de posição dominante, o resultado de conluio ou outra forma de conduta antijurídica.”[16]



“COMPETÊNCIA – AUMENTO ABUSIVO DE PREÇOS PÚBLICOS – TARIFA DE TRANSPORTE PÚBLICO FIXADA POR MUNICIPALIDADE – COMPETÊNCIA DO CADE RECONHECIDA.



A Lei 8.884/94 confere ao CADE competência para conhecer e julgar não apenas de matéria ligada à concorrência. Assim, tem o Conselho competência para apreciar eventual abusividade de aumento de preços públicos e de tarifas de serviços públicos.”[17]



Em que pese esta última opinião proferida, adotamos o posicionamento segundo o qual refuga a competência do CADE em hipóteses envolvendo matérias relacionadas a aumento de tarifas e preços públicos, sobretudo, porque citado como referência o contrato de concessão de serviço de transporte de determinada municipalidade, regido por regulamento próprio (Lei 8.666/93), que prevê prévio certame licitatório. Este ponto será abordado de forma mais aprofundada em capítulo próprio dada a sua relevância e os seus diversos aspectos decorrentes.



Ressalte-se que a Lei 8.884/94 pune segundo os efeitos que certa conduta possa produzir ou produza efetivamente, independentemente do elemento subjetivo. Em seguida, prevê, exemplificativamente, fatos que somente configuram infração enquanto subsumidos em um dos incisos do art. 21 da Lei 8.884/94.



De todo modo, o enquadramento de qualquer conduta às hipóteses tipificadas depende da delimitação prévia do “mercado relevante”.







IV) A ATUAÇÃO DO CADE           

A defesa da concorrência permite a atuação preventiva das autoridades antitruste sobre as estruturas do mercado (grau de concentração) - nos moldes do Art. 54 da Lei 8.884/94 – e repressiva sobre as condutas de mercado (quando já ocorrida a infração).


Releva destacar o papel do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que a Lei 8.884/94 elevou a autarquia federal, com atribuição para decidir sobre a prática de infração da ordem econômica e aplicar penalidade, além de apreciar atos de concentração econômica, aprovando-os ou não.        


A Lei 8.884/94 prevê, em seu Art. 53, o chamado compromisso de cessação, sem implicar na confissão quanto à matéria de fato, podendo ser celebrado em qualquer fase do processo administrativo, livrando o agente da aplicação da penalidade.



No comentário de Carla Lobão Barroso de Souza,[18] “o compromisso de cessação é um instrumento de composição de conflitos concorrenciais, conferindo a lei que o adotou, além de uma orientação repressiva do abuso do poder econômico, uma posição de proteção à concorrência, revelando que a concorrência efetiva e prontamente restaurada é tão importante para o mercado quanto à repressão, uma vez que a cessação espontânea traz benefícios imediatos para o mercado. O objetivo desse instrumento é a imediata restauração da concorrência”.           



Na vertente da atuação preventiva, celebra-se o compromisso de desempenho (Art. 58), que permite o controle sobre o cumprimento das condições previstas no §1º do Art. 54. Além disso, a aprovação pelo CADE do ato pode ficar condicionada ao atendimento de outras condições especificadas no termo de desempenho. A principal vantagem desse dispositivo é formalizar a monitoração e a cobrança dos resultados efetivos dos alegados ganhos de eficiência, sob pena do seu descumprimento injustificado levar à revogação da autorização dada pelo CADE.



Emerge, portanto, o instituto do Compromisso de Desempenho, não só da necessidade de garantia da realização de eficiências para a compensação da redução do grau de concorrência do mercado, mas também, em contrapartida, da necessidade de assegurar-se às empresas requerentes a eficácia do ato apresentado ao exame do CADE. Assim, a autorização daqueles atos potencialmente prejudiciais à concorrência, fica condicionada à assinatura de um termo, pelo qual assegurar-se-á ao mercado e à coletividade a obtenção de benefícios compensatórios, e aos requerentes, por outro lado, a segurança de uma decisão emanada da autoridade competente, sem a qual a operação pretendida, como já dito acima, não logrará eficácia jurídica.          


Assim, caberá ao CADE sempre - na impossibilidade da regra do Art. 54 da Lei 8.884/94 antecipar-se à dinâmica dos fatos econômicos, singulares e específicos no contexto de cada mercado - a tarefa de aplicar a lei aos casos concretos, traduzindo o significado dos conceitos fluidos constantes do seu texto de forma a melhor atender ao fim nela contido.


É importante assinalar que as cláusulas do Termo de Compromisso devem ser factíveis e objetivas, não podendo ultrapassar o limite necessário para o alcance das eficiências e da preservação dos níveis de concorrência no mercado relevante. De outra forma, a ação das autoridades de defesa da concorrência assumiria um caráter regulatório, intervencionista, sobre as empresas, o que vem a contrapor-se ao espírito da Lei.


Acresce dizer, também, que as razões que justificam a aprovação de um ato potencialmente ou efetivamente danoso à concorrência e, por isso, condicionado ao Compromisso de Desempenho, devem identificar não só o dano a ser compensado, mas também os pontos básicos a serem contemplados nas negociações como forma de facilitar a definição das metas. A delimitação do campo de atuação contribuirá para maior segurança do processo, diminuindo o interregno entre a decisão do Colegiado e a efetivação do acordo. Aceleram-se os trâmites processuais, abreviando-se a fase de negociação.


Embora a Lei 8.884/94 defina-o como “órgão judicante”, suas decisões constituem atos administrativos, porquanto desprovidos do caráter de definitividade, podendo ser revistos pelo Poder Judiciário, de que não faz parte, sendo órgão do Poder Executivo. Entenda-se, pois, a expressão ligada à noção de contencioso administrativo.


A Secretaria de Direito Econômico – SDE/MJ, órgão desprovido de personalidade jurídica própria, vinculado ao Ministério da Justiça, tem atribuição, especialmente, para instaurar e instruir os processos administrativos visando reprimir as práticas anticoncorrenciais.


Ligado ao Ministério da Fazenda, a Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE/MF tem atribuição para emitir pareceres técnicos sobre aspectos econômicos referentes às práticas restritivas da livre concorrência.


Nos termos do Art. 10 da Lei 9021/95, permite-se que a SEAE/MF, diante da verificação de aumento injustificado de preços ou imposição de preço excessivo, convoque a empresa para esclarecimento, sob pena de incidir em multa no caso de demora das informações, assim como a possibilidade de investigar formação de cartel e concentração econômica. Estando caracterizada prática abusiva, a SEAE/MF representa à SDE/MJ para instauração de processo administrativo.         

Junto ao CADE funciona uma Procuradoria com atribuições elencadas no Art. 10, enquanto que a atuação do Ministério Público Federal está prevista no Art. 12 da Lei 8.884/94.


A responsabilidade pela conduta infracionária estende-se de forma solidária (Art. 17, Lei nº 8.884/94), podendo mesmo haver a desconsideração da personalidade jurídica (Art. 18). Além disso, a Lei 8884/94 aplica-se a qualquer ente, público ou privado.

Urge salientar que o Art. 18 praticamente reproduz o caput do Art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. Ocultando-se atrás da personalidade jurídica de uma sociedade, associação ou fundação, por vezes, pode o devedor frustrar a efetivação de sua responsabilidade ou, de qualquer forma, lesar interesses legítimos do credor. A fraude perpetrada com o uso da autonomia patrimonial de Pessoa Jurídica, em geral, resulta em imputar-lhe responsabilidade de um ato ou de atos praticados em seu nome como o objetivo de ocultar uma ilicitude.           


De acordo com a formulação mais corrente[19] da Teoria da Desconsideração[20], o Poder Judiciário fica autorizado a ignorar a existência da Pessoa Jurídica sempre que a sua autonomia for utilizada para a realização de fraude ou abuso de direito, mas não havendo invalidação ou dissolução da sociedade. Desse modo, o responsável pelo mau uso da personalidade jurídica da entidade fica comprometido, sem que se confunda com as hipóteses legais de responsabilidade pessoal no caso de abuso ou excesso de poder e infração ao estatuto ou à lei.

 

V) O MPF E O CADE NA LEI ANTITRUSTE        


A Lei nº 8.884 prevê atribuição ao Ministério Público Federal para oficiar nos processos junto ao CADE (Art. 12), bem como para promover a execução de seus julgados ou outras medidas judiciais (parágrafo único). Ressalte-se que a Procuradoria do CADE tem a mesma atribuição (Art. 10, incisos II a V), porém, enquanto esta atua por dever de ofício, o Ministério Público Federal pode, simplesmente, não adotar qualquer providência, caso assim considere pertinente.    



Isto porque no cumprimento do seu dever institucional, tendo em vista a proteção de interesses difusos e coletivos e a defesa da ordem econômica constitucionalmente estabelecida (Art. 129, IX, CRFB/88), faz com que possamos enquadrar o interesse coletivo a que se refere a Lei n° 8.884/94 na categoria dos interesses difusos.



Mesmo que se dissesse que a atuação não fosse tão proveitosa e eficaz em determinado processo, há a necessidade da sua intimação para a prática do ato, até para afastar eventual alegação de irregularidade ou nulidade do processo.[21]    



Segundo entende Fábio Ulhôa Coelho, a Procuradoria do CADE e o Ministério Público da União têm idêntica competência no sentido de fiscalizar o cumprimento da legislação. Diferenciam-se, no entanto, pelos instrumentos de que dispõem cada uma delas diante da constatação de ilegalidades: a Procuradoria do CADE está limitada, em sua ação, à representação junto às instâncias internas da autarquia competentes para a coibição do ilícito, enquanto o membro do Ministério Público Federal pode valer-se amplamente de suas atribuições constitucionais no combate da ilegalidade, socorrendo-se quando cabível e necessário, do Judiciário.        



Outras diferenças são apontadas pelo mesmo autor:   



a) em relação à tramitação interna dos processos de responsabilização administrativa por infração contra a ordem econômica a Procuradoria do CADE participa de todos os processos, dando parecer prévio ao julgamento enquanto o parquet não tem função administrativa;


b) no que se refere às medidas e ações judiciais cabíveis para a tutela da estrutura do mercado ameaçada pelas práticas empresariais infracionais, a Procuradoria do CADE age por dever de ofício, não podendo recusar-se a promover a ação ou medida judicial determinada pelo Plenário, ao passo que o Ministério Público Federal age em atendimento ao requerido pelo CADE, podendo simplesmente não adotar qualquer providência, caso assim considere pertinente;

c) sobre a possibilidade de promover a responsabilização de quem de direito a Procuradoria do CADE, ao tomar conhecimento da ilegalidade, deve se limitar a representar ao Procurador-Geral, ao Presidente do CADE ou ao próprio representante do Ministério Público Federal, para que adotem as providências tendentes a coibi-la no âmbito das respectivas atribuições; de outro modo, o membro do Ministério Público Federal pode, com total independência, promover as medidas judiciais cabíveis, inclusive demandando contra o Presidente ou Conselheiro do CADE. [22]


VI) AS AGÊNCIAS REGULADORAS E O CADE 


No âmbito do estudo das Agências Reguladoras, encontramos as chamadas entidades similares, como o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), dentre outros.

Com a acuidade que lhe é peculiar, o Prof.º Alexandre Santos de Aragão[23], ao fazer referência às entidades similares das Agências Reguladoras, qualifica o CADE como agência independente.           

Em que pese a semelhança com algumas características que denotam as Agências Reguladoras, como a impossibilidade de seus membros serem exonerados ad nutum[24], a prévia aprovação dos mesmos pelo Senado Federal[25] após a nomeação pelo Presidente da República, o ingresso de recursos advindos de valores correspondentes ao seu aperfeiçoamento de taxas processuais relativos aos processos de sua competência (ARTS. 8º e 9º da Lei nº 9.781/99) e o não cabimento de recurso hierárquico impróprio (Art. 50 da Lei nº 8.444/94), o CADE não possui função reguladora no sentido de regulação por nós adotado.



Não obstante o posicionamento por nós já referido, há quem ainda considere possuir o CADE função reguladora: “Não obstante, muito antes, entre as décadas de 30 e de 70, surgiram alguns órgãos estatais com funções reguladoras, como por exemplo, o Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Estes órgãos resistiram ao longo do tempo, mas viram frustrada sua efetiva atuação reguladora porque, à exceção do CADE, nasceram subordinados, decisória e financeiramente, ao Poder Executivo, fosse à Presidência da República, ou mesmo a algum Ministério [26]. (grifo nosso). 



Isto porque, o conceito de regulação envolve a presença da função normativa, a qual não vislumbramos quando da atuação do CADE. Denota-se tão-somente a presença da competência do CADE para disciplinar sua própria organização e o seu próprio funcionamento, elaborando seu regimento interno (Art. 7º, XIX da Lei 8.884/94), bem como para expedir atos de efeitos concretos.        



Destarte, diferentemente não expôs o Conselheiro do CADE, Celso Campilongo: “As agências desempenham funções regulatórias de setores específicos da economia; o CADE lida com o mercado como um todo e, além disso, desempenha qualquer atividade regulatória. O que faz é a adjudicação no campo da concorrência – algo muito diferente da regulação”.[27] (grifo nosso)    



Não se pode deixar de mencionar a possibilidade de conflito de competência das agências entre si ou com outros entes, sobretudo com o CADE, pois que nada impede de uma agência estruturar o setor estabelecendo oligopólios ou monopólios ressalvando-se a atribuição do CADE sempre que houver infração da ordem econômica.



Nesse passo, o Prof. Marcos Juruena Villela Souto[28] defende a idéia com a qual compartilhamos de que o CADE não pode sobrepor seu juízo técnico a decisões de natureza política sobre a forma de desestatização da atividade. Ilustra o publicista que “a Lei que instituiu a ANATEL previu a competência do CADE para processar as infrações de abuso de poder econômico que forem comunicadas pela agência, o que, por óbvio, não a impede de estruturar o setor estabelecendo oligopólios e monopólios onde se justificarem.”



VII) O CADE E O CONTRATO ADMINISTRATIVO       



De acordo com o art. 15 da Lei nº 8.884/94, a Lei Antitruste se aplica às pessoas físicas e jurídicas de direito público ou privado.          



Diante dessa previsão, cabe a indagação: cabe ao CADE, fulcrado no aludido dispositivo adotar providências quando do aumento de tarifa pública (transporte urbano, água e esgoto etc.) ou intervir em procedimentos licitatórios, quando verificar eventual prejuízo à livre concorrência, configuradora de infração da ordem econômica?         



Tal discussão teve origem sobretudo a partir do voto paradigma e condutor do eminente Conselheiro Relator Edgard Lincon de Proença Rosa[29]: 



“...no mencionado ‘julgamento paradigma’ (Processo Administrativo n° 20/92, de início citado), encontro a seguinte passagem: ‘A lei n° 8.884/94, apesar da expressão genérica infrações contra a ordem econômica, nela utilizada, colhe apenas as práticas restritivas da concorrência, como se pode verificar da leitura do seu Capítulo II, que trata das infrações. Dessa leitura, que eu já fiz mais de mil vezes, não consigo chegar à mesma conclusão, isto é, não consigo interpretar restritivamente a Lei, como ela (Dra. Neide T. Malard) o faz.

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“Para mim, a Lei nº 8.884/94 outorga ao CADE competências outras que não, exclusivamente, as que ele quer exercer. Vou repetir uma coisa que disse lá, por outras palavras: O Conselho não pode pretender ser somente, uma espécie de Tribunal Administrativo em matéria de concorrência. Só porque isto não me parece corresponder a abrangência maior – não muito maior, mas maior – com que aquela lei alberga a Autarquia”. (grifo nosso).     



Em que pese a importância do CADE na proteção na repressão ao abuso do poder econômico (Art. 173, §4º da CRFB/88), tal posicionamento se apresenta dissonante ao nosso, não se coadunando com os argumentos a que aduziremos.


Ab initio, há previsão expressa do Art. 36[30] da Lei nº 8.880/94 acerca da intervenção do Ministério da Fazenda, frise-se, (e não Ministério da Justiça, ao qual o CADE é vinculado – Art. 3º, Lei nº 8.884/94) nas hipóteses de aumentos abusivos de preços e tarifas de serviços públicos.

A própria natureza do contrato administrativo não enseja à interferência do CADE. Ora, o sistema de concessão e permissão de serviço público não é, ao menos no caso típico, compatível com o mercado, pois o Estado tudo regula: tarifas, qualidade do serviço e a própria entrada e saída do mercado. A concessão e a permissão são, via de regra, atribuídas a um só agente econômico, criando-se portanto um monopólio, cuja fiscalização e controle é responsabilidade do órgão permissionário ou concessionário. Nesse caso, portanto, a análise da extensão do poder regulamentar é suficiente para tornar inaplicáveis a essas atividades - até porque inúteis - os princípios concorrenciais.     



Destarte, sendo o mercado exercido pelo vencedor do certame licitatório, cabe ao poder concedente proceder à verificação, garantindo o equilíbrio financeiro e econômico dos contratos administrativos, com arrimo no Art. 37, inciso XXI da Constituição Federal de 1988.



Acresce-se que qualquer tipo de reclamação referente à cobrança de tarifas por parte dos usuários, atestando uma relação de consumo, refoge à competência do CADE, como o próprio já teve a oportunidade de apreciar.[31]  

Em reforço à tese exposta, trazemos à baila aresto de decisão pretoriana, que representa como se coloca uníssona a Jurisprudência dos Tribunais no que tange à hipótese de aumento de tarifa decorrente de permissão de serviço público de transporte coletivo, restando assegurado o princípio do equilíbrio econômico-financeiro do contrato:

“Permissionárias de transporte coletivo de passageiros. Insurgência contra cobrança instituída pela Resolução SMDU- 42, do Sr. Secretário de Habitação de Desenvolvimento Urbano do Estado de São Paulo. Taxa. Preço Público. Tarifa, Diferenciação. Poder de Polícia. Contrato Administrativo, observância ao princípio da equação econômica financeira.”[32]

Há, ainda, que se destacar que o simples aumento de tarifas públicas, de per se, não configura matéria afeta ao CADE, vez que não consubstancia abuso de poder econômico que demonstre a dominação de mercado, com o extermínio da concorrência, configurando aumento arbitrário dos lucros, conforme se infere de procedente do Conselho:

“O simples aumento de preços, por si, não configura matéria para exame do CADE. É preciso a tal desiderato que aquele configure lucro arbitrário ou obtido por meios artificiosos, como resultado da restrição à concorrência e abuso de posição dominante no mercado.”[33]

Por todas estes argumentos expostos, conclui-se que o CADE não possui competência para rever aumento de tarifa de serviço público, visto que nos termos do Art. 113, da Lei nº 8.666/93, “o controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente”.      



No tocante à interferência do CADE, também falece ao respectivo Conselho competência para apreciar e revogar regra editalícia de licitação pública conforme já ementado pelo respectivo Conselho:[34]    
“Queixa de ofensa a regra editalícia em licitação pública, sem absoluta implicação com a defesa da concorrência, escapa da esfera de atuação do CADE”. 



Todavia, compete ao Conselho juízo de valor[35] acerca de “abuso de poder econômico que crie a dominação dos mercados, à eliminação das concorrências e ao aumento arbitrário dos lucros” (Art. 173, §4º, CRFB/88), oficiando aos órgãos competentes, com a recomendação de que seja adotado determinado procedimento sanatório, com vistas ao implemento de salutar concorrência.    



Destarte, nos casos da apreciação de contratos administrativos e licitação pública, o CADE não possui poder de coerção, delimitando-se somente à função de opinar e recomendar quando verifique qualquer ato que revelem infração à ordem econômica.



VIII) CONCLUSÃO 

A defesa da ordem econômica, que por opção do sistema constitucional brasileiro implica numa ordem econômica fundada na liberdade de iniciativa e na valorização do trabalho humano a fim de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, aponta para a existência de um direito transindividual de natureza indivisível em que são titulares pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato.

Neste diapasão, a transformação do CADE em autarquia revela, seguramente, a intenção de dotá-lo de maior eficiência na repressão ao abuso do poder econômico, o que implica maior autonomia.

O elenco de fins descritos no art. 173, § 4º, da Constituição brasileira de 1988 é meramente exemplificativo e não taxativo, porquanto a repressão ao abuso do poder econômico nada mais significa, em termos positivos, que o reconhecimento da liceidade do exercício do poder econômico ocorre quando exercido de sorte a concretizar a sua função social.

No que tange à eventual hipótese de atuação concorrente das Procuradorias do CADE e do Ministério Público Federal, as mesmas não se confundem a teor do já explicitado. Mister que haja uma cooperação maior, tornando a proteção à livre concorrência mais eficiente.

O CADE não possui competência exclusiva para a repressão ao abuso do poder econômico, nem tampouco a competência de outros órgãos e entidades afasta a legitimidade de sua atuação quando configuradas as hipóteses de exercício abusivo do poder econômico.

Ressalva-se, porém, que o CADE, órgão do Estado exercendo um controle técnico em áreas sujeitas à livre iniciativa, o que não é o caso das concessões, sujeitas a um monopólio constitucional estatal, não tem atribuições para apreciar o controle de aumento de tarifas públicas, eis que afeta ao controle do Tribunal de Contas. Agrega-se a este fato que o reajuste da tarifa não materializa abuso de poder econômico que caracteriza a dominação de mercados, com o extermínio da concorrência.    



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[1] FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 2.ª ed. Editora Forense.

[2] SOUZA, Washington Peluso Albino de. “PRIMEIRAS LINHAS DE DIREITO ECONÔMICO”. 3ª ed.São Paulo: LTr, 1994. p. 199. Muito embora a previsão constitucional (1946) da repressão ao abuso do poder econômico, até 1962 os atos concentracionistas ou caíam na esfera de atuação do Decreto-lei 869, verificadas, dadas as circunstâncias, as alterações sobre o mercado (FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1961, v.5, p. 105-8) ou abriam, quando muito, a oportunidade para a anulação por terceiro credor que se visse prejudicado, no prazo decadencial de três meses (idem. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1961, v. 4, p. 552-3).         

[3] Na lei brasileira, apesar da revogação do artigo 59, da Lei 8.884/94, que regulava o procedimento das consultas ao CADE, ainda existe a possibilidade de sua realização, pois continua constando como uma de suas competências, arroladas no artigo 7º.

[4] Nos termos do art. 52 da Lei nº 8.884/94, em qualquer fase do processo administrativo poderá o Secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) ou o Conselheiro-Relator adotar medida preventiva, quando houver indício ou fundado receio de que o representado cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo. Da decisão que aplica tal medida preventiva, cabe Recurso Voluntário, com efeito meramente devolutivo (Resolução CADE nº 19, de 3 de fevereiro de 1999). Demais Recursos, também considerados voluntários, estão relacionados nos itens correspondentes às matérias a que deram causa.

[5] O procedimento para que seja feita a cobrança administrativa das penalidades pecuniárias tem início com a lavratura de Auto de Infração. O autuado deverá pagar a multa ou apresentar pedido de reconsideração ou impugnação, tendo direito à vista do processo originário do Auto, podendo coletar os dados que julgar necessários à ampla defesa (Resolução CADE nº 9, de 16 de julho de 1997).

[6] Estabelece a Lei nº 8.884/94, em seus arts. 30 e 31, que a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) promoverá Averiguações Preliminares, das quais não se fará qualquer divulgação, quando os indícios de infração da ordem econômica não forem suficientes para instauração imediata de processo administrativo e, caso determine seu arquivamento, deverá recorrer de ofício ao CADE. O julgamento desses recursos de ofício em Averiguações Preliminares é realizado em sessão reservada, conforme estabelecido na Resolução CADE nº 12, de 31 de março de 1998, que aprovou o Regimento Interno do órgão.   

[7] FORGIONI, Paula A. – “OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE”, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1998.           

[8] SALGADO LUCIA, HELENA. - “O CONCEITO DE MERCADO RELEVANTE”, in Revista de Direito Econômico nº 26, Brasília: Setembro/Dezembro de 1997. Editada pelo CADE, págs. 55/56.           

[9] LIMA, Ruy Afonso de Santacruz, ex- Conselheiro do CADE. Palestra proferida no Curso de Pós-Graduação em Direito da Administração Pública da UFF, Niterói, em 11.09.2002.

[10] FORGIONI, Paula A. “POSIÇÃO DOMINANTE E SEU ABUSO”, in Revista de Direito Econômico nº 26, Brasília: Setembro/Dezembro de 1997. Editada pelo CADE, págs. 111/112.  

[11] Ou seja, apenas o abuso (e não o uso) da posição dominante é vedado. Outra interpretação seria inconstitucional, tendo em vista o disposto no art. 170 da Constituição da República. Ainda comentando os dispositivos da Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda de 1969, esclarece Miguel Reale: “Dessarte, todo abuso de poder econômico redunda, no mais das vezes, em desvio de poder econômico, pois o poder econômico, em si mesmo, não é ilícito, enquanto instrumento normal ou natural de produção e circulação de riquezas numa sociedade, como a nossa, regida por normas constitucionais que consagram a ‘liberdade de iniciativa’, a ‘função social da propriedade’ a ‘harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção’ e a ‘expansão das oportunidades de emprego’ ” (“Abuso do poder econômico e garantias individuais”, in José Inácio Gonzaga Franceschini e José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini, Poder econômico: exercício e abuso, cit., p. 521). A doutrina é uníssona a esse respeito. Vale, apenas a título de complementação, a transcrição de parte do voto da Conselheira Relatora Neide Terezinha Malard, no caso Fiat x Transauto: “Diga-se, porém, que o princípio da livre concorrência não conduz à antijuridicidade do poder econômico. O sistema adotado pelo texto constitucional não é o da per se condemnationen, mas o da regra da razão, o que vale dizer que o poder econômico só pode ser reprimido quando orientado à dominação do mercado ou quando atua de forma lesiva à concorrência” (Revista do Ibrac, v. 2, n. 1, p. 82).

[12] Art. 20 - Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:        

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;   

III - aumentar arbitrariamente os lucros;          

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.      

§ 1 - A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II.          

§ 2 - Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.

§ 3 - A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.

* § 3 com redação dada pela Lei nº 9.069, de 29/06/1995 (DOU de 30/06/1995, em vigor desde a publicação).     

[13] A contrario sensu, há de se considerar ilícita a concorrência oferecida por agente econômico que não conquistou seu poder de mercado com base em uma vantagem competitiva. É o que ocorre nos casos em que um concorrente oferece preço inferior ao de mercado porque deixou de pagar os impostos e contribuições devidos. 

[14] Os autores de língua inglesa costumam utilizar a expressão “anticompetitive advantages” para os casos em que o agente econômico conquista (ou tenta consquistar) parcela de mercado utilizando-se de um meio “fraudulento”, porque não embasado apenas na sua superioridade. Por exemplo, a prática da Microsoft de divulgar falsos pré-lançamentos de produtos, bem como de criar, propositadamente, incompatibilidades entre os produtos que fabrica e aqueles de concorrentes teriam dado origem a “anticompetitive advantages”, ou vantagens não competitivas (cf.
“United States v. Microsoft Corporation Civ. N. 94-1564 (SS) (D.D.C.); Response of the United States to Public Comments Concerning the Proposed Final Judgment and Notice of Hearing”, Federal Registrer, v. 59, n. 221, 17-11-1994, p. 426).   

[15] COELHO, Fábio Ulhôa – “DIREITO ANTITRUSTE BRASILEIRO. Comentários à Lei 8.884/94”. São Paulo, Editora Saraiva, 1995.

[16] FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga – “LEI DA CONCORRÊNCIA CONFORME INTERPRETADA PELO CADE”. São Paulo: Editora Singular, 1998.

[17] CADE - Averiguação Preliminar nº 08000.011794/94-75, de 16 de fevereiro de 1996, Relator Conselheiro Edgard Lincon de Proença Rosa, representante: Departamento de Produção e Defesa Econômica – DPDE, representado: Município do Rio de Janeiro, DOU de 11.03.96, conforme consulta realizada no site http://www.cade.gov.br, em 10/03/2001.



[18] BARROSO DE SOUZA, Carla Lobão in Estudo da Evolução da Legislação Brasileira de Defesa da Concorrência, apud KLAJMIC, MAGALI. “POLÍTICA LEGAL DA CONCORRÊNCIA”, in Revista de Direito Econômico nº 27, Brasília: Janeiro/Julho de 1998. Editada pelo CADE, págs.84.



[19] COELHO, Fábio Ulhôa. “CURSO DE DIREITO COMERCIAL.” São Paulo: Saraiva, 1ª Edição.1998.

[20] Também conhecida como Teoria da Superação, Teoria da Penetração, Disregard of Legal EntityI (EUA) e Lifting the veil (Inglaterra).

[21] LAZZARINI, Alexandre Alves. “O PAPEL DO REPRESENTANTE, DO PROCURADOR E DO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS PROCEDIMENTOS DA LEI 8.884/94”. Revista de Processo, São Paulo, ª 24, n. 95, jul/set. 1999, pág. 224.

[22] Idem – “DIREITO ANTITRUSTE BRASILEIRO. Comentários à Lei 8.884/94”. São Paulo, Editora Saraiva, 1995, pág. 34.

[23] ARAGÃO, Alexandre Santos de. “AGÊNCIAS REGULADORAS E A EVOLUÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO”. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002, pág. 304/305.

[24] A perda do mandato do Presidente ou dos Conselheiros do CADE só poderá ocorrer em virtude de decisão do Senado Federal após iniciativa do Presidente da República (Art. 5º, Lei nº 8.884/94).

[25] Vide Art. 4º, caput, Lei nº 8.884/94, na redação dada pela Lei nº 9.021, de 30 de março de 1995.

[26] DUTRA, Pedro. “ÓRGÃOS REGULADORES: FUTURO E PASSADO”, in Revista de Direito Econômico nº 24, Brasília: Julho/Dezembro de 1996. Editada pelo CADE, pág.60. Tal autor também é citado em Artigo do Profº BARROSO, Luís Roberto. “AGÊNCIAS REGULADORAS. CONSTITUIÇÃO, TRANSFORMAÇÕES DO ESTADO E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA.” Jus Navigandi, a. 6, n. 59, out.2002. Disponível em: . Acesso em: 06 nov. 2002.

[27] Entrevista constante do Boletim Informativo da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP, abril 2001, apud ARAGÃO, Alexandre Santos de, op. cit.

[28] SOUTO, MARCOS JURUENA VILLELA. “AGÊNCIAS REGULADORAS”, in Revista de Direito Administrativo nº 216, abr/jun 1999, pág. 136.

[29] A Ementa do Acórdão correspondente se encontra neste presente Trabalho, já referido, Vide Nota 17. CADE - Averiguação Preliminar nº 08000.011794/94-75, de 16 de fevereiro de 1996, Relator Conselheiro Edgard Lincon de Proença Rosa, representante: Departamento de Produção e Defesa Econômica – DPDE, representado: Município do Rio de Janeiro, DOU de 11.03.96 apud MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. “O CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA- CADE E O CONTRATO ADMINISTRATIVO”, in Revista de Direito Administrativo, nº 224, abr./jun. 2001, pág.309.

[30] Lei nº 8.880/94, “Art. 36. O Poder Executivo, por intermédio do Ministério da Fazenda, poderá exigir que, em prazo máximo de 5 dias úteis, sejam justificadas as distorções apuradas quanto a aumentos abusivos de preços em setores de alta concentração econômica, de preços públicos e de tarifas de preços de serviços públicos.”

[31] Representação nº 104/93, Relator Conselheiro Paulo Dyrceu Pinheiro, Diário Oficial de 10.10.96, p. 20.296: “As matérias afetas ao Código de Defesa do Consumidor refogem à competência do CADE”.

[32] STJ, Rel. Min. Américo Luiz, 2ª Turma, RMS nº 582-SP, in Revista de Direito Administrativo nº 186, pág. 133.

[33] CADE, Representação nº 79/92, de 18.12.96, Rel. Conselheira Lúcia Helena Salgado.

[34] CADE, voto na Averiguação Preliminar nº 0800.025366-95/95-16, de 25 de setembro de 1996, Rel. Conselheiro Antônio Fonseca, DO de 10.11.96, p. 20.296. apud MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. “O CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA- CADE E O CONTRATO ADMINISTRATIVO”, in Revista de Direito Administrativo, nº 224, abr./jun. 2001, pág.309.

[35] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Op. cit, pág. 313.

 

 

*Advogado no Estado do Rio de Janeiro; Pós-graduado em Direito da Administração Pública pela UFF; Bacharel em Direito pela UFRJ; Bacharelando em Ciências
Econômicas pela UERJ.          

 

 

SANTIAGO, Leonardo Ayres. O perfil do cade no ordenamento jurídico pátrio e os aspectos decorrentes de sua atuação. Disponível em < http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=442>. Acesso em 04 de agosto de 2006.