CONTRATOS DE LEASING
Natureza jurídica - Ações revisionais
Angélica Carro
advogada em Presidente Prudente (SP)
INTRODUÇÃO
Os contratos de Arrendamento Mercantil — "leasing", muito utilizado
nos
tempos atuais, tem causado grandes problemas de ordem financeiras
àqueles que celebraram um contrato dessa natureza. Com
o decorrer do
tempo, a estabilidade da moeda brasileira, trouxe a tona da grande
desvantagem de tais contratos, que demonstram em série
os abusos do
poder econômico, estabelecendo cláusulas repelidas
pelo Código de
Proteção do Consumidor.
Sendo o contrato de "leasing" um contrato nominado, que envolve
vários
institutos contratuais, sua natureza jurídica tem sofrido
grande distorção
quanto ao seu conteúdo, chegando a descaracterizar a estrutura
do
contrato.
As ações revisionais terão caráter
essencial na idealização dos contornos
dos contratos de "leasing", visando precipuamente a limitar as
práticas
abusivas e estruturar os contratos na órbita de sua natureza.
Ainda sob este contexto, necessário de faz adaptar os contratos
bancários, neste caso, especificamente os de "leasing",
nos moldes do
Código de Proteção do Consumidor, que prevê
tratamento especial,
tratando dos direitos básicos do consumidor que tem sido
levado a
situações de extrema insignificância diante
da Instituição Financeira. Além
disso, o mesmo Código rejeita as práticas abusivas,
dando total proteção
contratual ao consumidor que diante da necessidade, e sem opção
de
escolha se vê na necessidade de depender de negócios
bancários para
conseguir sobreviver em seu negócio, assinando contratos
que não
suportam o mínimo de respeito ao consumidor e distorcem
a função social
das Instituições Financeiras, como prevê
a Constituição Federal.
Diante das imposições dos contratos de adesão,
a mora torna-se provável
e diante disso, os valores pagos até então, serão
levados através de uma
liminar de reintegração de posse, deixando o patrimônio
do arrendante
desprovido do bem, não bastando a inadimplência
que irá negativá-lo junto
às instituições de crédito, impedindo
a sobrevivência dos negócios.
Outro fator importante que deve ser levado em consideração
são as taxas
de juros cobradas, impraticáveis diante da economia atual,
onde em
qualquer negócio que se pratique, os preços não
tem tido aumento
proporcional aos índices aplicados. A dissonância
entre a prática comercial
ou industrial e os índices aplicados é absurda,
além dos juros capitalizados
que também merecem análise.
Esses motivos e outras tantas cláusulas que compõem
cada contrato,
serão analisandos em conjunto, como um só todo
que irá compor um
negócio jurídico . Ao analisar um contrato de "leasing",
deve-se analisar as
cláusulas tendo em vista as determinações
do Código de Proteção do
Consumidor e o fim social das Instituições financeiras,
determinados na
Constituição Federal.
Vale lembrar que os direitos do arrendante devem ser mantidos
e
defendidos em juízo, por esse motivo, necessário
se faz o estudo, visando
atingir a viabilidade das Ações Revisionais. O
Código de Proteção do
Consumidor deve ser colocado em prática e fazer valer
sobre outros
interesses.
Para tanto, é necessário inicialmente um estudo
sobre o tema analisando o
seu conteúdo e prática, no propósito de
estabelecer as diretrizes da sua
formação, para a sua revisão pelo judiciário.
1. FORMAÇÃO HISTÓRICA
A formação histórica dos contratos de "leasing"
busca inspiração em
operações realizadas na antigüidade, praticadas
por centenas de anos.
Tais operações eram difundidas nas operações
utilizadas pelo governo
ateniense sobre as minas de propriedade do Estado, onde os indivíduos
pagavam ao Estado, determinada quantia em dinheiro como garantia
de
exploração e uma renda anual era fixada com percentagem
dos lucros. Ao
arrendatário cabia duas opções: vender o
minério ou subarrendar o direito
à exploração.
Segundo a doutrina, os contratos de "leasing" surgiram no Direito
Contemporâneo, nos Estados Unidos da América, na
década de 50,
recebendo sua estruturação e aplicação.
O "leasing" progrediu devidos a
três fatores, segundo anota Arnaldo Rizzardo ("Leasing",
2ª ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1996) em alusão à
José Wilson Nogueira de
Queiroz: "a) restrição e inacessibilidade do mercado
de capitais a prazo
médio; b) fiscalização demasiadamente severa
com taxas de lucro
substancial; c) economia em franca prosperidade com taxas de
lucro
substancial; d) empresas compelidas a uma renovação
rápida de seus
equipamentos, em face do célere progresso científico".
Essas foram as razões que acentuaram o grande crescimento
do negócio
do "leasing", em outras palavras citados por Arnoldo Wald ("A
introdução
do "leasing" no Brasil", in RT 415/10): "os motivos do sucesso
do "leasing"
nos Estados Unidos foram a ausência no país de um
mercado de capitais
para o crédito a médio prazo, uma tributação
muito severa no tocante às
depreciações, uma economia geralmente próspera
com altas percentagens
de lucro e a existência de empresas obrigadas a uma renovação
contínua
e rápida dos seus equipamentos diante do progresso tecnológico".
O instituto do "leasing", assim se tornou em operador de crédito
em médio
prazo, necessidade das empresa que eram vítimas da depreciação
contínua e exagerada, amparada pela legislação
rígida que se
fundamentava.
Depois de se expandir em todo território americano, o "leasing"
surtiu
interesse pelos países europeus, que na França
foi instituído em 1963,
devido à escassez de recursos financeiros concedidos pelas
instituições
bancárias, e a impossibilidade de aplicação
nos investimentos. Na
Inglaterra, o "leasing" já tinha seus traços conhecidos
na modalidade de
locação-compra, em negócios realizados diretamente
entre as indústrias,
especificamente de máquinas de costura e vagões
para locomotivas. O
negócio abrangia o aluguel dos bens, e a opção
de compra do mesmo que
poderia ser exercida livremente. Com o aumento de demandas de
investimentos, as instituições financeiras foram
conquistando espaço e
colaboraram para o grande desenvolvimento do instituto, que na
década
de 60, através da introdução de companhias
americanas, denominou-se
"leasing", com regulamentação em 1965.
Assim, seguindo os mesmos caminhos dos Estados Unidos e Inglaterra,
os
demais continentes foram adaptando-se à nova espécie,
e a incorporaram
às suas leis.
No Brasil, a sua implantação não tem data
definida, mas acredita-se que
em 1967 as primeiras operações foram realizadas.
A regulamentação
ocorreu em 1974, através da Lei 6099, apesar de saber-se
que nos
grandes centros industriais, como São Paulo e Rio de Janeiro,
contratos do
tipo "leasing", desde a década de 60, já estavam
sendo praticados. A
primeira companhia de "leasing" fundada no Brasil foi a "Rent
a Maq" em
1967, e mesmo antes da sistematização legal, foi
fundada a Associação
Brasileira de Empresas de "leasing" - ABEL, visando a regulamentação
do
instituto e interesses peculiares.
A partir da sistematização do "leasing" em nosso
ordenamento jurídico, as
regulamentações fizeram aperfeiçoar o tratamento,
editando leis e
resoluções que travaram do assunto, incrementando
as operações. Porém,
cerca de 1975, as operações mantiveram-se estagnadas
até 1978. E em
1982 o país chegou ao auge das operações,
computando um saldo de dois
bilhões e meio de dólares de investimentos. E em
1984, as operações
foram ampliadas, admitindo-se então o "leasing" para pessoas
físicas, para
investimentos em setores agropecuários, agro-industriais,
e demais
atividades rurais, além de firmas individuais e trabalhadores
autônomos e
profissionais liberais. Com a universalização do
instituto, uma comissão tem
estudado a possibilidade de adoção de regras uniformes
internacionais
para os contratos de "leasing".
2. CONCEITO
O Contrato de "leasing" trazido à nossa legislação
pela Res. 980/84, é, sem
dúvida, um negócio jurídico realizado entre
instituição financeira e cliente,
no propósito de oferecer recursos para aquisição
de bens, sem que o
arrendatário tenha que dispor de capital.
A denominação "leasing", trazida dos países
onde teve origem, mas
precisamente dos Estados Unidos, como bem recorda Arnaldo Rizzardo
(Ob. cit. pág. 12), é composto do sufixo ing que
significa continuidade
(gerúndio), e o verbo to lease traduzido como alugar ou
arrendar.
Sua aplicação é iniciado quando a Instituição
financeira, denominada
arrendante, adquire o bem indicado pelo arrendatário,
e lhe dá em locação
por determinado tempo, com opção de compra do mesmo
ao término da
operação locativa. Assim ocorre nos contratos de
"leasing" financeiro.
Em outros casos, nos chamados contratos de lease-back, a instituição
financeira adquire o bem do próprio arrendatário,
que passa a alugar o
mesmo com as mesmas opções do contrato de "leasing"
financeiro. Nestes
casos, a propriedade do bem, que antes era do arrendatário,
passa a ser
do arrendante e este o dá em locação ao
primeiro. É uma forma de obter
capital sem se desfazer do bem.
Outra modalidade é o "leasing" operacional, que ocorre
quando o
arrendante é o próprio fabricante do bem, assim
como ocorria na Inglaterra
como citado na evolução histórica do instituto.
A modalidade prática mais encontrada é o "leasing"
financeiro e o
lease-back, que serão os institutos estudados nesta oportunidade,
sem
grandes referências ao "leasing" operacional que não
possui grande
aplicabilidade nos dias atuais.
Arnaldo Rizzardo , identifica o conceito no Direito universal
como sendo um
contrato de natureza econômica e financeira, pelo qual
uma empresa cede
em locação a outrem um bem móvel ou imóvel,
mediante o pagamento de
determinado preço. Para Arnoldo Wald (Ob. cit. pág.
12) trata-se:
de um contrato pelo qual uma empresa, desejando utilizar determinado
equipamento,
ou um certo imóvel, consegue que uma instituição
financeira adquira o referido bem,
alugando-o ao interessado por prazo certo, admitindo-se que,
terminado o prazo
locativo, o locatário possa optar entre a devolução
do bem, a renovação da locação ou a
compra pelo preço residual fixado no momento inicial do
contrato.
Ainda, de forma didática, Carlos Alberto Di Agustini ("Leasing",
1ª ed. São
Paulo: Atlas, 1995), descreve:
O "leasing" pode ainda ser definido, de maneira mais prática,
como um contrato através
do qual a empresa de ""leasing"" confere à empresa arrendatária
o direito de usar um
bem por determinado período de tempo, mediante o pagamento
de prestações, sendo
regido por cláusulas e tratamento legal específico.
A definição legal trazida pelo artigo 1º da
Lei nº 6.099/74 e o artigo 1º da
Lei nº 7.132/83 definem o "leasing" como:
Considera-se arrendamento mercantil a operação jurídica
realizada entre pessoas
jurídicas, que tenham por objeto o arrendamento de bens
adquiridos a terceiros pela
arrendadora, para fins de uso próprio da arrendatária
e não atendam as especificações
desta. (Lei 6.099/74)
Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei,
o negócio jurídico
realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendatária,
e que tenha por objeto o
arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo as
especificações da
arrendatária e para uso próprio desta. (Lei 7.132/83)
3. NATUREZA JURÍDICA
A natureza jurídica dos contratos de "leasing" é
muito discutida entre os
doutrinadores brasileiros pois não há determinação
legal que o conceitue.
Para a maioria dos autores, o contrato de "leasing" é um
contrato atípico,
reunindo elementos da locação, do financiamento
e da compra e venda.
Outros autores, no entanto, o consideram como contrato complexo,
e
outros ainda, como contratos misto.
No entendimento de Aramy Dornelles da Luz (Negócios jurídicos
bancários.
1ª ed. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais):
O contrato de "leasing" é em linhas gerais, um negócio
jurídico de financiamento, que
toma a forma de uma locação de bens móveis
ou imóveis, onde o locador atribui ao
locatário direito de opção entre renovar
a locação, devolver o bem ou comprá-lo,
pagando então apenas o valor residual nele previsto, findo
o prazo contratual.
Segundo ainda, Orlando Gomes (Contratos. 13ª ed. Rio de Janeiro:
Forense), a modalidade contratual do "leasing" não trata
da locação e sim
de uma figura bem próxima à locação,
cujas regras se lhe aplicam se não
há próprias. Da relação locativa
distingue-se fundamentalmente,
entretanto, pela causa; no conteúdo, apresenta, porém,
muitas
semelhanças.
Jorge Pereira Andrade (Contratos nominados - doutrina e jurisprudência.
Coord. Yussef Said Cahali. Editora Saraiva), em sua obra sobre
contratos,
traz as posições de alguns doutrinadores pátrios:
Fran Martins: O arrendamento Mercantil é de natureza complexa,
compreendendo uma
locação, uma promessa unilateral de venda (em virtude
de dar o arrendador opção de
aquisição do bem pelo arrendatário) e ás
vezes um mandato quando é o próprio
arrendatário quem trata com o vendedor na escolha do bem.
(...) (apud Contratos e
obrigações comerciais, 1981)
Waldirio Bulgarelli: Para a empresa ""leasing"", no ""leasing""
financeiro trata-se de
operação normal decorrente de seu objeto de atividade,
ou seja, a prática de
arrendamento com tríplice opção. (...) Conclui
que, estruturalmente, a seqüência das
obrigações decorrentes do contrato de ""leasing""
caracteriza-o muito mais como misto
do que como complexo.(...) (apud Contratos de "leasing". Revista
dos Tribunais, São
Paulo: nº 13, 1968)
Philomeno Joaquim da Costa: O ""leasing"" é um contrato
complexo e não um contrato
coligado onde as figuras jurídicas que concorrem para
sua formação têm uma causa
comum, afunilando-se para um fim determinado. (apud Simpósio
Nacional sobre
"leasing" - IDORT, 1973)
Assim sendo, passamos a analisar separadamente os institutos jurídicos
que envolvem a formação dos contratos de "leasing".
4. DA CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO DE "LEASING"
4.1 Contrato Misto ou Complexo
Conforme exposto, os contratos de "leasing" são compostos
por diversos
elementos, que associados, dão origem à um novo
contrato nominado
"arrendamento mercantil". Tal denominação, não
define o conteúdo do
contrato de "leasing", tornando assim indefinidas as regras a
serem
aplicadas à este instituto.
A jurisprudência tem sido diversa quanto à classificação
do contrato de
"leasing".
O "leasing" financeiro é um contrato complexo, que, não
sendo mera locação,
assemelha-se à compra e venda com reserva de domínio,
ou mesmo ao contrato com
cláusulas de alienação fiduciária.
Isto leva à aplicação analógica da legislação
pertinente
a estes institutos. (2ª Câmara do Primeiro Tribunal
de Alçada Civil de São paulo, 7.2.90,
RT, 653:117)
O "leasing" é contrato complexo, consistindo fundamentalmente
num arrendamento
mercantil com promessa de venda do bem após o término
do prazo contratual, servindo
então as prestações, como pagamento antecipado
da maior parte do preço. (4ª Turma
do Superior Tribunal de Justiça, 23.3.93, Revista do STJ,
50:217, e Repertório IOB de
Jurisprudência, 3:8657)
Arnaldo Rizzardo (ob. cit., p. 12) defende o mesmo posicionamento
da
jurisprudência acima:
O instituto mereceu, por conseguinte, tratamento legal, sendo
suas operações típicas, e
constituindo um contrato complexo pela combinação
de dois ou mais elementos
próprios, ou subcontratos, que vêm a formar uma
unidade nova, pela sua fusão, na
criação de um relacionamento mais complexo e extenso
do que resultaria da união de
vontades através dos elementos integrantes.
O contrato de "leasing", apesar de trazer aspectos de outros contratos
típicos, como já citado acima, é um contrato
autônomo, que segundo
Orlando Gomes (ob. cit., p. 16), resulta da combinação
de elementos de
diferentes contratos, formando nova espécie contratual
não
esquematizada na lei.
Dessa forma, essa corrente doutrinária afirma que o contrato
de "leasing"
é um contrato misto, composto de elementos e aspectos
de outros
contratos, tornando-os inseparáveis, tendo uma função
comum, que é
assegurar o resultado do negócio jurídico. O descumprimento
ou a
inexistência de um desses elementos, descaracterizam o
contrato de
"leasing", frustando seu resultado.
4.2 Do Contrato de Adesão
O contrato de adesão se caracteriza pela forma de sua constituição.
Nesse tipo de contrato somente uma das partes elabora as cláusulas
contratuais, e a parte aderente, fica condicionada à aceitação
de sua
totalidade, sem participação e discussão
de cláusulas. As cláusulas
contratuais são impostas ao aderente, que tem como faculdade,
aceitá-las ou recusar-se a celebrar o contrato.
Essas cláusulas, pré-elaboradas, para prevalecer
uma das partes, têm sido
muito questionadas na doutrina, e foram limitadas pelo Código
de Defesa
do Consumidor, conforme veremos adiante.
Não nos restam dúvidas que os contratos de "leasing"
são de adesão, pois
como todos os outros contratos bancários, a Instituição
Financeira, os
elabora em impressos próprios e os aplicam a qualquer
pessoa que queira
celebrar um contrato de mesma natureza. Não há
ajustamento de
particular para particular. As cláusulas contratuais são
uniformes e
aplicáveis em qualquer hipótese.
Para tanto, a interpretação de cláusulas
de um contrato de adesão
necessita ser feita com muito cuidado, vez que não houve
participação
bilateral em sua formação, e isso pode causar dúvidas
ao aderente, que
teve boa-fé e as aceitou em bloco, desconhecendo o conteúdo
pragmático das cláusulas. Orlando Gomes observa
bem (ob. cit., p. 16):
Mas, mesmo que possua natureza contratual, a singularidade da
sua estruturação não
permite seja interpretado do mesmo modo que os contratos comuns,
porque é relação
jurídica em que há predomínio categórico
da vontade de uma das partes. É de se
aceitar, como diretriz hermenêutica, a regra segundo a
qual, em caso de dúvida, as
cláusulas do contrato de adesão devem ser interpretadas
contra a parte que as ditou.
Silvio Rodrigues, elenca algumas regras de hermenêutica,
que devem ser
aplicadas na interpretação dos contratos. A primeira
delas, já citada
acima, determina que em caso de dúvidas, a interpretação
deverá ser
feita em favor de quem aderiu ao contrato; as cláusulas
devem ser
diferenciadas entre principais e acessórias para determinar
a força
vinculante daquelas que chamaram a atenção do aderente,
e finalmente,
deve-se dar maior valia às cláusulas escritas,
que tendem a revogar o
conteúdo das impressas.
Dessa forma, é clara a adaptação dos contratos
de "leasing" dentro dos
contratos de adesão, pois o arrendante ao assinar um contrato
de
"leasing" está mais preocupado com o negócio que
se está celebrando do
que com o conteúdo de um contrato que lhe é imposto
em cláusulas
impressas que não despertam qualquer interesse na leitura,
pois, além de
serem pré-dispostas, são impressas de modo que
dificultam a leitura, não
sendo inteligíveis à primeira vista, necessitando
de maior esforço, e quem
sabe, de auxilio profissional para sua total compreensão.
O Dr. Roberto W. Amarante em seu brilhante artigo (Contratos bancários,
de quem é a culpa? in Revista Jurídica nº
226) constata que:
neste passo, imperioso lembrar que a maioria dos contratos bancários
constituem-se
em pactos de adesão, não havendo possibilidade
de uma ampla discussão das
cláusulas no momento da contratação, restando
ao mutuário apenas a possibilidade de
aderir ao que já está previamente estabelecido
pelo conglomerado econômico.
Os ensinamentos de Nelson Nery Junior (Código de Defesa
do Consumidor,
Ed. Forense Universitária, 4ª ed., 1995, págs.
300 e 302), de valioso
conteúdo, eleva que:
Os contratos de adesão são a concretização
das cláusulas contratuais gerais, que
enquanto não aceitas pelo aderente são abstratas
e estáticas, e, portanto, não se
configuram ainda como contrato. As cláusulas gerais de
contratação tornar-se-ão
contrato de adesão, dinâmicas, portanto, se e quando
forem aceitas pelo aderente.
No mesmo artigo, traz a posição da Dra. Helena Cunha
Vieira: são os
primeiros (contratos bancários) como facilmente se constata,
tipicamente
de adesão, com cláusulas impostas e até
incompreensíveis, assinando o
aderente o contrato muitas vezes sem que tenha condições
de saber com
segurança o conteúdo da avença.
Em apelação civil da 5ª Câmara do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do
Sul, decidiu-se: ... O apelante está esquecido de que
tais regras devem
ser atenuadas quando se trata de contratos de adesão,
cujas cláusulas
gerais diminuem sensivelmente a aplicação e o respeito
ao enunciado da
autonomia da vontade e aos que dele derivam, em razão
das
peculiaridades destes contratos de massa.
Por esses motivos, o Judiciário tem amenizado a soberania
de cláusulas
que prejudicam o arrendatário em favor do arrendante,
detentor do poder
econômico, através de lides que discutem a aplicação
do Código de Defesa
do Consumidor bem como nulidade e abusividade de cláusulas
contratuais.
5. DOS ELEMENTOS JURÍDICOS
5.1 DA LOCAÇÃO
A locação tem sua essência nos contratos de
"leasing", porém não é capaz
de defini-lo como tal. O caráter locativo está
na composição do contrato,
pois a propriedade do bem é do arrendante, com a posse
ao arrendatário,
mediante pagamento de renda mensal.
A posição da doutrina é unânime ao
localizar a locação na essência do
contrato de "leasing". Porém, faz-se necessário
lembrar que, as parcelas
cobradas como contraprestação nos contratos não
estão compostas
exclusivamente de caráter locativo.
Seu valor é sempre além do que se poderia considerar
como justo nos
casos de locação. Nas contraprestação,
em muitas vezes, estão
embutidos parcelas de juros, depreciação, lucros
da instituição e
prestação de serviços, que fogem do âmbito
da locação. Se fossemos
considerar uma locação pura e simples, o valor
dado em contraprestação
deveria conter apenas o aluguel do bem.
Dessa forma, não nos parece muito viável considerar
que os valores pagos
a título de contraprestação são aluguéis
do bem. A locação apenas se
insinua, mas não se concretiza, existe uma aproximação
contratual mas
não uma incorporação elementar.
Paulo Restiffe (Locação - Questões Processuais,
3ª ed., p. 7) argumenta
muito bem sobre o contrato de "leasing":
tem na locação a médio prazo a sua essência,
com a eventualidade de transformar-se
ao final em venda, em que as importâncias pagas a título
de aluguel passam a
constituir parte do pagamento do preço estimado, segundo
as conveniências do
empresário-locatário, isto é, o aluguel
converte-se em amortização da dívida que, ao
final, pode surgir da efetivação da compra e venda
desde o início possibilitada na opção
franqueada do locatário.
É certo que a primeira vista, pode-se perceber o caráter
locativo, mas ao
analisar o contrato e ser surpreendido com a opção
de compra do bem
mediante pagamento de valor residual garantido fixado em quantia
ínfima,
nada mais coerente do que atribuir aos pagamentos mensais o caráter
de
locação em simbiose com o financiamento cumulado
com o interesse da
instituição, ou seja, lucros, custos administrativos
e financeiros e
depreciação do bem, pois não se poderia
explicar a aquisição do bem
mediante pagamento tão somente irrisório. São
por esses motivos que
podemos perceber que a locação não tem caráter
predominante nos
contratos de "leasing". O que se procura é disfarçar
o financiamento
através de prestações que são denominadas
alugueis.
Arnaldo Rizzardo (ob. cit., p. 12) comenta: Em suma, é
a figura em exame
uma alternativa de financiamento para aquisição
de qualquer tipo de
veículo, máquina ou equipamento de fabricação
nacional ou estrangeira,
novo ou usado, incluindo também, financiamento de imóveis.
(Grifo nosso).
E continua adiante:
Mas é sabido que, no "leasing" financeiro e no "lease back",
as prestações não se
equiparam a simples aluguéis. Mais que isso, significam
a própria satisfação do preço
do bem, tanto que, no final, para dar-se a transferência
de propriedade a favor do
usuário, basta exercer o direito à opção
e depositar a quantia residual prevista, que é
insignificante em comparação do preço real
do material locado.
Ainda em sua obra (ob. cit., p. 12), Arnaldo Rizzardo confirma
nosso
posicionamento trazendo parecer de José Wilson Nogueira
de Queiroz:
engloba integralmente o total dos custos, que a operação
deverá supor, bem como o
acréscimo do lucro, o que poderia dificultar a consideração
do ""leasing"" como uma
locação pura e simples, de vez que o uso da coisa
não é dado ao locatário mediante a
contraprestação equivalente ao uso da coisa. (apud
Arrendamento Mercantil ("leasing").
2ª ed., Rio, Forense, 1983.)
Diante de tais considerações, podemos crer que as
contraprestações não
são pagamentos de aluguel mensal, mas sim, o conjunto:
locação mais as
figuras do financiamento. O caráter locatício está
envolto por outros
elementos estranhos à sua natureza, portanto não
podemos considerar o
contrato de ""leasing"" como uma locação, com promessa
de compra e
venda, e sim, locação com caráter de financiamento,
ou seja: parcela de
aluguel, mais parcela de amortização do valor do
bem, diante disto,
podemos dizer que a compra e venda já se efetivou através
de parcelas
mensais. É o que passamos a analisar.
5.2 DA COMPRA E VENDA
Mediante o pagamento das parcelas do contrato de ""leasing"",
está se
consumando a compra e venda do bem, pois, como já exposto,
em cada
contraprestação, tem-se o valor da amortização
do bem, portanto, as
parcelas pagas significam em parte, o pagamento do preço
do bem,
caracterizando superficialmente a compra e venda a prazo.
Na compra e venda a prazo, o preço é pago em prestações,
e a
propriedade somente se transfere ao comprador depois do pagamento
total. Assim como ocorre nos contratos de ""leasing"" onde o
valor residual
garantido foi fixado em quantia ínfima, ao final do tempo
determinado,
quitando-se as contraprestações, a instituição
arrendante dá a opção ao
arrendatário de "adquirir" o bem mediante pagamento do
valor residual
garantido.
Nos casos em que o arrendatário opta pelo pagamento do
valor residual
garantido, ele está nada mais do que consumando a compra
e venda
através do pagamento da última parcela, momento
pelo qual estará
recebendo a propriedade do referido bem. No entanto, se o arrendatário
optar pela devolução do bem, ele perderá
os valores pagos
"obscuramente" a título de preço diluído
nas prestações, sofrendo grandes
prejuízos.
Vale lembrar que estes argumentos devem ser levados em consideração
em tratando-se de contratos de "leasing" quando o valor residual
garantido
foi fixado conforme já exposto, em valor simbólico,
como acontece na
maioria dos casos.
Se a propriedade somente se transfere depois de pagas as
contraprestações e o valor residual garantido,
encontramos um figura bem
próxima à venda a prazo com reserva de domínio.
Orlando Gomes define (ob. cit., p. 16): A reserva de domínio
é o pacto
adjeto ao contrato de compra e venda pelo qual o comprador só
adquire a
propriedade da coisa ao integralizar o pagamento do preço,
não obstante
investir-se em sua posse desde o momento da celebração
do contrato.
Porém, o mesmo autor afasta a hipótese de aplicação
de venda a prazo
com reserva de domínio pois na venda com reserva o concedente
se
obriga a transferir a propriedade do bem, depois de pagas as
prestações,
já no contrato de "leasing" não existe a obrigação
e sim uma faculdade do
arrendatário de optar pela compra no final do contrato.
Assim sendo, como encontra-se nas prestações um
aparência de locação,
encontramos uma figura bem próxima à venda a prazo
com reserva de
domínio, mas não podemos defini-la como tal.
A compra e venda é instituto que se demonstra nos contratos
de "leasing",
mas o pacto adjeto da reserva de domínio não pode
estar explícito na sua
natureza jurídica. A compra e venda, apesar de, como já
vimos, estar
presente nas prestações, somente se consuma no
pagamento por opção
do valor residual garantido.
5.3 DO FINANCIAMENTO
Outra figura citada por autores na natureza jurídica dos
contratos de
"leasing" é o financiamento.
O financiamento é o meio pelo qual a instituição
financeira concede crédito
à terceiro, para aquisição de bens, recebendo
deste o crédito que lhe
cedeu, mediante pagamento de taxa de juros fixada, capaz de sustentar
os lucros da instituição e custos administrativos
e financeiros.
Assim como no financiamento estão incluídas no valor
final da operação,
lucros e custos, os contratos de "leasing" também estão
compostos por
tais elementos.
Para o pagamento das prestações, como já
explanado alhures, tem-se o
valor do aluguel, a depreciação do bem e a essência
do financiamento:
lucros e custos, pois as prestações são
fixadas bem além do valor ideal
para locação.
Carlos Alberto Di Agustini (ob. cit., p. 16) faz a distinção
entre o
financiamento e o "leasing": no financiamento, o usuário
(adquirente)
adquire o bem com recursos provenientes de terceiros, passando
a ter o
direito de posse e uso do mesmo. E continua: Nesse caso, o bem
é
registrado no ativo permanente do adquirente e o financiamento
gera uma
passível exigível. Em determinados contratos, o
adquirente pode alienar o
bem como garantia da dívida contraída, pela figura
jurídica denominada de
"alienação fiduciária".
Como se pode perceber, são duas figuras bem distintas,
mas bem
próximas. No financiamento, há a transferência
de propriedade, apesar da
alienação, e no "leasing" a transferência
somente se efetivará depois da
opção de compra pelo arrendatário.
6. DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O art. 3º define o conceito de fornecedor, incluindo nestes
os de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária.
Deixa, portanto, bem claro o
interesse do legislador em incluir os usuários de serviços
de tais
instituições na Defesa legal do Código de
Defesa do Consumidor.
Toshio Mukai (Comentários ao código de proteção
do consumidor. 1ª ed.
São Paulo: Saraiva, 1991) analisa o parágrafo segundo
deste artigo: Já o
art. 2º deste artigo define o que seja serviço, fazendo-o
também de modo
amplo. É sempre atividade que seja fornecida no mercado
de consumo
mediante remuneração. Assim se considerando, é
perfeitamente admissível
a aplicação das normas do Código de Defesa
do Consumidor aos contratos
de "leasing".
Esse mesmo Código veda a prática abusiva nos contratos
de crédito e
similares. Além disso, dispõe em capítulo
específico sobre os contratos de
adesão. Portanto, os contratos de "leasing", especificamente,
estão
duplamente amparados pelo Código de Defesa do Consumidor.
A jurisprudência tem se mostrado indefinida quanto à
aplicabilidade do
Código de Defesa do Consumidor aos contrato de "leasing"
. O Tribunal de
Alçada Civil tem entendido:
Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos
contratos de arrendamento
mercantil, sendo amplamente admitido o foro de eleição
no contrato. (2[ Câmara do
Tribunal de Alçada Civil do Rio de Janeiro, Apelação
5.304/93, 27.5.93, Repertório IOB
de Jurisprudência, 3:9165)
Clóvis V. do Couto e Silva traz que no termo genérico,
consumidor estão
todos os que se utilizam de bens e serviços, incluindo-se,
também, os
serviços financeiros ou de crédito (no simpósio
sobre As Condições Gerais
dos Contratos Bancários e a Ordem Pública Econômica,
realizado em
Curitiba, nos dias 24, 25 e 26 de agosto de 1988, por iniciativa
do Tribunal
de Alçada do Paraná).
Não nos resta dúvida que o Código de Defesa
do Consumidor deve ser
aplicado nos contratos de "leasing", seja por efeito do art.
4º do referido
estatuto, seja por tratar-se de contrato de adesão.
Sendo assim, as cláusulas do contrato de "leasing" devem
estar de acordo
com as normas estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor,
evitando-se a lesão contratual em desfavorecimento do
arrendatário.
6.1 DA LESÃO CONTRATUAL
Depois de verificados os elementos que compõem a natureza
jurídica dos
contratos de "leasing", sua classificação como
contrato de adesão e
Defesa face ao Código de Defesa do Consumidor, devemos
estabelecer
argumentos sobre as lesões contratuais, tendo em vista
o referido Código
e a Constituição Federal.
A lesão contratual que mais nos oferece argumentos são
as cláusulas
abusivas. A abusividade de uma cláusula é de fácil
detectação. Deve-se
levar em consideração a boa-fé contratual,
de modo que as cláusulas que
contiverem exagerados benefícios para uma das partes,
e levando-se em
consideração os objetivos contratuais, pode ser
percebido o desequilíbrio
das partes, como por exemplo, nos casos de eleição
de foro que limita a
atuação jurisdicional provocada pelo aderente,
em comarca da sede da
instituição, e permite à esta, a faculdade
de eleger o foro que melhor lhe
convier. Isso é uma cláusula abusiva que deve ser
limitada pelo poder
judiciário, pois dificulta o acesso ao mesmo para o aderente
e o facilita
para a Instituição financeira.
O Dr. Marcio Mello Casado (Considerações sobre a
lesão nos contratos.
Revista Jurídica nº 226) explica: O lesado vê-se
minorizado perante a
outra parte, pois esta é que "dita as regras", é
ela que determina as
condições do contrato, normalmente por deter o
poder econômico.
Não se pode considerar contrato lesionário comparado
a um mau contrato,
o mau contrato trata de um negócio mau feito, enquanto
que o contrato
lesionário, cuida de um contrato perfeito, que em fator
de algumas
cláusulas contratuais o tornam lesivo.
Devido a preponderância dos interesses do poder econômico
sobre os
interesses do particular, faz-se necessário que o Judiciário
interfira nessas
relação, fazendo valer o equilíbrio e a
boa-fé entre as partes. Com o
advento do Código de Defesa do Consumidor, a teoria da
lesão ganhou
força, afastando a teoria da intangibilidade da vontade
contratual: "pacta
sunt servanda", limitando o princípio de que o contrato
somente poderá
ser modificado através da vontade das partes. Ao judiciário
agora é
permitido a revisão contratual, conforme § 4º
do art. 51 do Código de
Defesa do Consumidor:
Art. 51, § 4º: É facultado a qualquer consumidor
ou entidade que o represente requerer
ao Ministério Público que ajuíze a competente
ação para ser declarada a nulidade de
cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código
ou de qualquer forma não
assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações
das partes.
Em comentários ao Código de Defesa do Consumidor,
Alberto do Amaral
Junior trata do assunto (Toshio Mukai et al. ob. cit., p. 32):
O controle das cláusulas contratuais abusivas, tal como
instituído pelo Código de Defesa
do Consumidor, em absoluto se choca com o princípio da
liberdade contratual, pela
simples razão de que este princípio não
pode ser invocado pela parte que se encontra
em condições de exercer o monopólio de produção
das cláusulas contratuais , a ponto
de tornar difícil ou mesmo impossível a liberdade
contratual do aderente.
6.2 DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS
O art. 39 do Código de Defesa do Consumidor é exaustivo
ao determinar as
práticas abusivas. Elenca nove práticas que são
consideradas lesivas ao
consumidor, enquanto que o art. 51 do mesmo estatuto estabelece
o que
são consideradas cláusulas abusivas, declarando-as
nulas de pleno direito.
A primeira delas, trata da responsabilidade do fornecedor pelos
produtos
colocados no mercado. Nos casos dos contratos de "leasing", essa
cláusula é de importância, visto que, o bem
adquirido pela arrendante,
para uso da arrendatária, conforme disposição
contratual verificada na
maioria dos casos, prevêem que a responsabilidade por vícios
de qualquer
natureza é do fornecedor do bem, ou seja, a empresa da
qual a instituição
adquiriu o bem para oferecê-lo em arrendamento mercantil
ao arrendatário,
e que caberá a este, reclamar pela reparação
dos vícios.
Esse inciso deve ser analisado juntamente com o inciso III do
mesmo
artigo.
Nesse aspecto, verifica-se a abusividade das cláusulas,
pois, o
arrendatário, faz a opção pelo bem que necessita,
e a arrendante se
incumbe de adquiri-lo para o uso daquele. Ora, se ocorrer algum
vício
oculto nesse bem, a responsabilidade deveria ser da arrendante,
senão
vejamos:
a) Levando-se em consideração o caráter locativo
do "leasing", os vícios
sobre o bem locado são de responsabilidade do locador.
Se, por exemplo,
alguém loca uma residência e dado algum tempo, essa
residência
apresenta rachaduras que impedem o seu uso (vícios ocultos),
o locatário
desocupa o imóvel e tem o contrato rescindido, conforme
dispõe o art. 22,
IV da Lei 8.245/1991. Dessa forma, nada mais justo que responder
o
arrendante pelos vícios ocultos do bem, objeto do contrato
de "leasing",
suspendendo-se o pagamento das prestações até
que o vício seja sanado.
b) considerando ainda, o caráter de compra e venda, ainda
assim, a
responsabilidade pelos vícios são da arrendante.
Ao adquirir, mesmo que
mediante pagamento parcelado (valor residual garantido diluído
nas
prestações) o bem, o fornecedor (antigo proprietário)
é a instituição
financeira, e é ela a responsável pelo bem alienado.
O inciso segundo não merece menor atenção.
A opção de reembolso de
que trata esse dispositivo também é indiferente
nos contratos de "leasing".
Em falando-se em maioria de contratos já analisados, podemos
perceber a
freqüência com que esta cláusula é infringida
nestes tipos de contrato.
Determinam os contratos de "leasing" que se na vigência
do referido
contrato, a arrendatária optar pela devolução
do bem, perderá as quantias
pagas e além disso, deverá reembolsar a arrendante
em verificando-se
diferença entre o produto do bem vendido e a soma das
parcelas
vincendas.
É de total abusividade as cláusulas que tratam desse
conteúdo, ainda
mais, naqueles casos em que o valor residual garantido é
pago diluído nas
contraprestações. Conforme já explanado,
as contraprestações estão
compostas por aluguel, amortização do bem, lucros
da instituição e taxas
de administração. Dessa forma, após o pagamento
de parcelas
contratuais, o arrendatário vem quitando parcialmente
o valor do bem.
Neste caso, se resolver pela devolução do mesmo,
não terá de volta os
valores pagos a título de amortização, pois,
propositadamente, essas
parcelas estão identificadas somente como aluguel.
A cláusula IV trata das obrigações consideradas
iníquas, abusivas,
incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, que colocam
o consumidor em
grande desvantagem. Aqui trataremos da onerosidade dos contratos
de
"leasing".
As taxas de juros aplicadas nos contratos de "leasing" têm
sido analisadas
por economistas como taxas inaplicáveis, que colocam o
consumidor-arrendatário em situação de inadimplemento
previsível. As
taxas aplicadas nos percentuais de 10, 15, ou 20% é inadimplível
pois, na
realidade econômica, com inflação praticamente
estável, oscilando em
12% ao ano, é inaceitável que algumas instituições
insistam na utilização
de tais taxas (lato sensu).
Dr. Roberto W. Amarante (ob. cit., p. 23) pondera que:
Ocorre que pagar taxas de juros ("lato sensu") de 10%, 15%, 18%
ou mais, é suicídio
administrativo. Não há atividade lícita
atualmente que proporcione o lucro suficiente para
cobrir o pagamento de tal encargo financeiro, e a tendência
de todo aquele que se lança
na senda dos pagadores de juros culmina por ser a bancarrota,
a quebra total, com a
inevitável inadimplência. ...
O lucro - "spread"- do banco e demais instituições
financeiras, hoje, é perfeitamente
viável num patamar de 3,0% a.m. ... Quando o adimplemento
torna-se impossível por
força da excessiva onerosidade imposta, que exige da outra
parte, gasto absurdo, que
o sacrifica inteiramente, sujeitando-o a perda material intolerável,
não ocorre mora por
parte do devedor.
Devemos ainda considerar, que por tratar-se de contratos de "leasing",
o
prazo para pagamento é estendido a 2, 3 anos, não
podendo o
arrendatário antever a economia diante das cláusulas
expressas em
fórmulas inteligíveis ao homem médio.
Além das taxas de juros, há a correção
monetária, muitas vezes
mascarada por índices que não revelam a verdadeira
correção da moeda, e
sim que espelham os interesses das instituições
e que são ditadas por
elas, conforme seus recursos de captação de lucros.
É o caso da TR (Taxa
Referencial). Além da Taxa Referencial, outras têm
sido usadas e
denominadas por correção monetária, mas
que devem estar sempre sob os
olhares do Poder Judiciário, evitando a abusividade contratual.
Outro fator importante observado nos contratos de "leasing" é
a
capitalização de juros - anatocismo - combatido
pelo Judiciário, e
sumulada (Súm. 121 do STF), mas que tem sido ignorada
nos contratos
bancários em geral.
Os demais incisos do Art. 51, merecem análise aplicada
aos casos em
concreto, fazendo-se valer as regras do Código de Defesa
do Consumidor,
sobre os interesses manipuladores e inconseqüentes do Poder
Econômico.
Esse processo de concientização sobre os direitos
do consumidor e os
deveres das instituições Financeiras, na finalidade
de fazer valer os
princípios constitucionais, é dever do Judiciário,
e é através deles que a
sociedade poderá buscar saída às dificuldades
econômicas de quem
depende de crédito para ter seu negócio adiante.
Infelizmente, a instituição financeira, não
atende à expectativa para que
fora criado, conforme a Constituição Federal, senão
vejamos:
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma
a promover o
desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses
da coletividade, será
regulado e, lei complementar, que disporá, inclusive sobre:
...
É função social das instituições
financeiras a promoção do
desenvolvimento social equilibrado, e não promover a inadimplência
e
sacrifício de consumidores e empresas que geram recursos
sociais,
empregos, impostos, etc. Os interesses da coletividade estão
muito longe
de ser amparados pelo poder econômico, aliás, seus
interesses tem sido
cada vez mais abusar de contratos de crédito de modo que
proporcione
angariação de lucros inconcebíveis na sociedade
brasileira. É da
inadimplência e insolvência que as instituições
financeiras têm obtido
recursos (leia-se lucros). E são por essas razões
que o Poder Judiciário
deve intervir, através do pleito de revisões contratuais.
7. DAS AÇÕES REVISIONAIS
Conforme citado acima, os contratos que possuem cláusulas
leoninas,
devem ser revistos pelo judiciário considerando-se nulas
as cláusulas que
infringem o dispositivo no art. 51 do Código de Defesa
do Consumidor. O
acesso ao judiciário tem sido gradual e os consumidores
ainda têm
encontrado certa dificuldade de caracterizar os contratos de
"leasing"
como contratos lesivos que são repelidos pelo Código
de Defesa do
Consumidor. Muitos Juizes não tem aplicado as normas do
Código de
Defesa do Consumidor aos contratos bancários, entendendo
que as
normas do referido estatuto somente atingem as relações
de consumo, e a
relação do cliente com as instituições
financeiras não envolvem consumo.
Arnoldo Wald (Lei de Defesa do Consumidor, Cadernos IBCB 22) ratifica
esse posicionamento:
b) a nova lei também não se aplica às operações
de empréstimos e outras análogas
realizadas pelos Bancos, pois, o dinheiro e o crédito
não constituem produtos adquiridos
ou usados pelo destinatário final, sendo ao contrário,
instrumentos ou meios de
pagamentos, que circulam na sociedade e em relação
aos quais não há destinatário
final (a não ser os colecionadores de moeda e o Banco
Central, quando retira a moeda
de circulação).
As instituições financeiras, em suas operações,
ativas ou passivas, não podem ser
consideradas como produtoras ou fornecedoras de serviços.
À luz do Código de Defesa
do Consumidor, só se caracterizariam como fornecedoras
quando efetivamente
prestassem serviços (art. 3º, § 2º, da
L. 8.078/90)
Porém, a corrente doutrinária majoritária
é do posicionamento da
abrangência das instituições financeiras
pelo Código de Defesa do
Consumidor, como já exposto alhures.
As ações revisionais intentadas, tem vindo de encontro
com o princípio da
manifestação da vontade para alteração
contratual, em virtude da
aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Ao Judiciário agora é
permitido rever as cláusulas contratuais, controlando
supremacia de
interesses do poder economicamente mais forte (instituições
financeiras)
em face aos consumidores. Como bem posiciona-se Cláudia
Lima Marques
(Contratos no Código de Defesa do Consumidor. RT, 1992,
pág. 60):
É o intervencionismo estatal, que, ao editar leis específicas,
pode, por exemplo, inserir
no quadro das relações contratuais novas obrigações
(...), mesmo que as partes não as
queiram, não as tenham previsto "ou as tenham expressamente
excluído no
instrumento contratual".
(...) Assim também, a vontade das partes não é
mais a única fonte de interpretação
que possuem os juizes para interpretar um instrumento contratual.
A evolução
doutrinária do direito dos contratos já pleiteava
uma interpretação teleológica do
contrato, um respeito maios pelos interesses sociais envolvidos,
pelas expectativas
legítimas das partes, especialmente das partes que só
tiveram a liberdade de aderir ou
não aos termos pré-elaborados.
O Art. 52 do Código de Defesa do Consumidor, elenca os
requisitos
obrigatórios na celebração do contrato.
Tais requisitos devem ser de suma
importância na análise do contrato em ação
revisional, podendo a partir
desse momento estabelecer se houve má-fé. Havendo
supressão de um
desses requisitos, pode-se perceber a lesividade e a má-fé
contratual, que
deve rigorosamente ser repelida pelo judiciário.
Os contratos devem sempre elevar a vontade das partes, harmonizando
os
interesses, alcançando um acordo satisfatório para
ambas as partes. O
Projeto de Código Civil, prevê a intervenção
do judiciário nas relações
contratuais (Projeto de Lei nº 634-B/75) trazendo um artigo
sobre a
onerosidade excessiva nos contratos:
Seção IV Da resolução por onerosidade excessiva
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou
diferida, se a prestação de uma das
partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem
para a outra, em
virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis,
poderá o devedor pedir a
resolução do contratos.
Os efeitos da sentença, que a decretar, retroagirão à data da citação.
Como se pode perceber, a tendência é realmente a
intervenção do
judiciário nas relações contratuais. Nos
contratos de "leasing", enquadrado
em operação de crédito, as mesmas considerações
tem sido elevadas. O
tratamento diferenciado que é dado às instituições
financeiras, deixando
ao seu livre arbítrio as cláusulas contratuais,
bem como as taxas
aplicadas, não encontra respaldo na Constituição
Federal, pois, como já
citado, as instituições financeiras devem ter caráter
social, com finalidade
de promover o desenvolvimento equilibrado e atender aos interesses
da
coletividade. E ainda, a aplicação de juros superiores
a 12% ao ano é
literalmente proibida pela nossa Carta Magna.
Dr. Roberto W. Amarante discute (ob. cit., p. 23):
Com efeito não existe nenhum argumento plausível
para que se dê tratamento
diferenciado aos bancos, também discutível a posição
do STF, em negar aplicabilidade
ao art. 192, § 3º da CF, uma vez que o dispositivo
está tecnicamente perfeito e
resolvido, se alga há para regulamentar, certamente não
é o conceito de "taxas de
juros", "juros" ou "juros legais".
Neste sentido se manifestou com propriedade o então Min.
Paulo Brossard, que também
entende serem auto-aplicáveis as disposições
constitucionais proibitivas, não sendo
necessário norma que regulamente o que nelas já
está contido.
Dessa forma, é necessário que o Poder Judiciário
lance mão de todos os
meios que possa ter para promover o equilíbrio nas relações
que envolvem
instituições financeiras e consumidores. Seria
ferir o princípio do acesso ao
Judiciário, negar provimento as ações revisionais,
pois trata-se de direito
de cidadania. Brilhante e sensível a posição
do Dr. Eugênio Facchini Neto,
Juiz de Direito da 3º Vara Cível de Passo Fundo,
concluindo que:
(...) o exercício de um direito por parte do autor (direito
de acesso ao Judiciário para ver
discutidas e revisadas algumas cláusulas do seu contrato),
não pode acarretar prejuízos
ao mesmo, o que ocorreria se, para evitar o desapossamento do
bem, tivesse que
efetuar o pagamento das importâncias exigidas pela requerida
(Proc. nº 21196001800)
O ilustre Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Presidente
Prudente Dr.
Eduardo Gesse, com brilhantismo tem entendido a aplicação
do Código de
Defesa do Consumidor nas ações revisionais de "leasing":
(...) Pois bem, a requerente não se conforme com algumas
condições estabelecidas no
contrato firmado entre os demandantes e almeja anulá-las.
É evidente que ela não
poderia alterar unilateralmente o contrato. Necessita, portanto,
da intervenção judicial. A
via eleita pela requerente, inegavelmente, é adequada.
Não há pois que se falar em
falta de interesse de agir.
(...) A vulnerabilidade do arrendatário em contratos dessa
natureza é marcante, bom
como não se pode negar que ele ostenta a condição
de destinatário final e o arrendador
pode e deve ser equiparado como fornecedor do bem arrendado,
de modo que pode ser
aplicado o Código de Defesa do Consumidor para anular
cláusulas que geram
obrigações sem vantagens para o arrendatário,
ou que para este sejam excessivamente
onerosas.
Dessa forma, podemos concluir indubitavelmente que as ações
revisionais
de contrato de "leasing" é o meio adequado para requerer
provimento
jurisdicional no sentido de ver-se valer as normas do Código
de Defesa do
Consumidor, limitando assim, a soberania e ostentação
de poder
econômico ante os institutos contratuais, como o contrato
de "leasing". A
prestação jurisdicional é imprescindível
à equiparação das partes e
igualdade de condições suprimidas nos contratos
atuais, onde o poder dita
as regras e o economicamente mais fraco e dependente de crédito
as
adere em bloco e se submete ao rigorismo e abusividade de suas
cláusulas.
8. CONCLUSÃO
O contrato de "leasing", trata do negócio realizado entre
a instituição
financeira e o cliente, no propósito de oferecer recursos
para utilização de
bens, sem a necessidade de sua aquisição.
A natureza jurídica dos contratos de leasing, muito discutida
doureinariamente traz a posição de grandes doutrinadores,
das quais
podemos destacar a classificação contratual desse
instituto como
contrato misto, conforme posição de Orlando Gomes.
Tratando-se de
contrato misto, sua composição é assemelhada
a alguns institutos
jurídicos contatuais, como a locação, a
compra e venda e o
financiamento. O contrato de leasing é insituto autônomo,
tem sua própria
definição, mas está composto por características
diversas, que juntas
asseguram o resultado do negócio.
A essência de locação é marcante na
natureza do contrato de leasing. O
pagamento de contraprestações mensais, figuram
como alugueres, mas
assim não podem ser consideradas, pois estão compostas
de outros
elementos, como taxa de depreciação do bem, juros,
lucros da instituição
e prestação de serviços. Dessa forma, o
caráter locativo apenas se
insinua nos contratos de leasing.
Os aspectos da compra e venda a prazo, também surgem nos
contratos
de leasing, mas de forma superficial, eis que as parcelas pagas
mensalmente, são consideradas como alugueis, e a opção
de compra do
bem somente se consumará com o pagamento do valor residual
garantido.
A compra e venda a prazo não é aplicadas aos contratos
de leasing
porque no final do contrato, o arrendatário não
está obrigado à adquirir o
bem. Trata-se de uma faculdade que poderá ser exercida
ou não. Em
exercendo-a, tem-se consumada a compra e venda, caso contrário,
o bem
é devolvido e os valores pagos nas parcelas, passam a
ter caráter
exclusivamente de locação, pois o contrato não
prevê a devolução de
valores pagos a título de amortização do
bem quando da devolução.
Outra característica importante dos contratos de leasing
é a do
financiamento. Nestes contratos, no valor final da operação,
estão
incluídos os lucros e custos da instituição,
como no financimento, sendo
que a trsnferência da propriedade do bem somente se transferirá
ao
término do contrato, mediante a vontade do arrendatário.
Além de suas características peculiares, o contrato
de leasing é contrato
de adesão, pois suas cláusulas já se apresentam
elaboradas para a
aceitação integral pelo aderente. Não há
a possibilidade de participação do
arrendatário na elaboração das cláusulas
contratuais, tendo que acitá-las
em bloco. Para tanto, a interpretação desses contratos
merece cuidado,
para evitar a prática de cláusulas abusivas, repelidas
pelo Código de
Defesa do Consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor enquadra os contatos de
natureza
bancária, financeira e de crédito como fornecedores
de serviços,
protegendo os usuários desses serviços, conforme
suas normas, repelindoa
lesão contratual, muito praticada nos contratos de crédito,
onde o
consumidor não possui escolha, e sim é levado a
procurar crédito junto às
instituições e submete-se aos interesses destas.
As cláusulas abusivas devem ser consideradas nulas pelo
judiciiário através
de ações revisionais propostas, tendo como fundamento
a Constituição
Federal e o Código de Defesa do Consumidor. Somente através
da
intervenção judicial, as instituições
financeiras farão a adaptação de seus
contratos às normas vigentes, facilitando a aplicação
da equidade e
justiça social, para ao final fazer valer os preceitos
constitucionais sobre o
sistema financeiro nacional.
As ações revisionais são de suma importância
na aplicação das normas de
proteção ao consumidor, e devem ser analisadas
pelo Judiciário com base
na lesão contratual e fragilidade de participação
do aderente na
elaboração do contrato, assim como, a supremacia
economica das
instituições financeiras e intocabilidade de suas
operações até pouco
tempo amparadas pelo princípio do pacta sunt servanda.
Trabalho monográfico apresentado ao curso de Pós-Graduação
em Direito
Civil e Processo Civil mantido pela Instituição
Toledo de Ensino de
Presidente Prudente em convênio com o INBRAPE - Instituto
Brasileiro de
Pesquisa e Estudo Sócio-Econômico, para obtenção
de título de
especialista. Orientadora: Prof. Dra. Jussara Susi Assis Borges
Nasser
Ferreira.
E-mail da autora: legis@prudenet.com.br
Extraído de : www.direitobancario.com.br