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Tribunal mostra como CC5 são usadas para evasão de divisas

 

Tribunal Regional Federal da 4ª Região mantém a condenação de um casal que utilizou “laranjas” e contas CC5 no Paraná para remeter dinheiro ao Paraguai sem pagar impostos. Em seu voto, o relator mostrou como as CC5 são usadas

 


Marco Aurélio Weissheimer

A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, manteve, no último dia 29 de abril, a condenação de um casal paraense (Adamor Dias Bitencourt e Telma Bararuá Rodrigues) por sonegação fiscal e evasão de divisas por meio de contas CC5. Por unanimidade, a 7ª Turma acompanhou o voto do relator, desembargador federal Vladimir Passos de Freitas, que reduziu a duração das penas. Os réus, moradores do município paraense de Ananindeua, foram acusados pelo Ministério Público Federal de remeter ao Paraguai, em 1997, juntamente com outras pessoas não identificadas, R$ 78 milhões sem pagar impostos. Em seu voto, o desembargador apresentou uma didática explicação do uso das contas CC5 para enviar irregularmente dinheiro ao exterior. Segundo ele, esse esquema é utilizado diariamente na cidade de Foz do Iguaçu (PR).

O dinheiro foi depositado em contas correntes abertas por três "laranjas" em agências bancárias de Foz do Iguaçu, Cascavel, Santa Terezinha do Itaipu e Francisco Beltrão, todas elas cidades do Paraná. Os "laranjas" eram uma zeladora, uma vendedora ambulante e um vendedor autônomo. A partir desses depósitos, os valores foram transferidos para as chamadas contas CC5 mantidas em bancos de Foz pelas instituições financeiras paraguaias Câmbios Plata, Real Câmbios e Tupy Câmbios, ficando disponíveis para movimentação naquele país.

Conforme foi apurado nas investigações, os nomes dos reais proprietários das quantias foram omitidos do Banco Central e da Receita Federal. Segundo avaliação da Receita, a sonegação tributária relativa à movimentação nas contas dos três "laranjas" chegou a R$ 35 milhões. Em 15 de abril e 13 de maio de 1997, Bitencourt e Telma repassaram um total de R$ 92.491,00 de suas contas em Abaetetuba (PA) para as "laranjas" no Paraná, mas não declararam esse valor ao Imposto de Renda.

Em 2001, a 1ª Vara Federal de Cascavel (PR), em 2001, condenou os dois réus a 11 anos de reclusão e multa de 150 salários mínimos cada um. Ambos apelaram ao TRF4, mas Freitas decidiu manter a condenação. O desembargador, porém, decidiu diminuir o período da pena para sete anos e três meses de prisão e multa de cem salários mínimos, levando em conta, entre outros pontos, a atenuante da confissão. A redução para menos de oito anos modificou o regime prisional para o semi-aberto (cumprimento em colônia penal, agrícola ou industrial), pois eles não são reincidentes.

A sistemática das contas CC5

O desembargador Vladimir Passos de Freitas incluiu no seu voto uma didática explicação sobre a sistemática de funcionamento das contas CC5 e o complexo esquema que utiliza esse instrumento legal para retirar dinheiro do país irregularmente. Freitas fez o seguinte relato sobre o funcionamento do esquema, disponível no site do TRF4 (www.trf4.gov.br):

"A nomenclatura CC5 decorre da Carta-Circular/BACEN nº 05, de 1969, que, hoje já revogada, no passado normatizou esse procedimento de débito/crédito aos estrangeiros que estavam no Brasil, embora não fossem aqui domiciliados. Nessa linha, veja-se que há três espécies de contas CC5 (Circular/BACEN nº 2.677, de 10.4.96, art. 3º): (a) as provenientes de Vendas de Câmbio; (b) de Outras Origens; e, (c) de Instituições Financeiras. E os artigos 6º e 8º dessa Circular assim prevêem:

Art. 6º. Podem ser livremente convertidos em moeda estrangeira, para remessa ao exterior, no mercado de câmbio de taxas flutuantes, os saldos existentes nos subtítulos de Instituições Financeiras e Provenientes de Vendas de Câmbio.

Art. 8º. Nas movimentações de valor igual ou superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) é obrigatória a identificação da proveniência e destinação dos recursos, da natureza dos pagamentos e da identidade dos depositantes de valores nestas contas, bem como dos beneficiários das transferências efetuadas, devendo tais informações constar do dossiê da operação.

Além disso, créditos e débitos quando efetivados em tais contas são considerados como transferências internacionais em reais e, tratando-se de valores iguais ou superiores a R$ 10 mil, faz-se necessário o registro da operação no Sistema de Informações do Banco Central (SISBACEN). A fim de ter um maior controle sobre o fluxo de capitais, a autarquia federal determinou que os depósitos no montante da cifra antes mencionada fossem efetivados por meio de cheques nominais, cruzados, de emissão dos depositantes, ou seja, por meios que permitissem o rastreamento e a identificação dos recursos financeiros.

Entretanto, a inovação regulamentar gerou uma abrupta diminuição do fluxo de moeda que normalmente ocorria entre Foz do Iguaçu/Brasil e Cidade do Leste/Paraguai, fato que refletiu na taxa de câmbio flutuante do país, pressionando o ágio entre esse e o preço do dólar paralelo. A fim de solucionar tal problema, o BACEN autorizou determinadas instituições bancárias a receberem depósitos em espécie, a serem creditados nas contas de domiciliados no exterior. Dois eram os requisitos. Primeiro, que os bancos assumissem integral responsabilidade pela movimentação de tais contas e, ainda, que os depósitos, mesmo em cash, deveriam ser acompanhados da DPV, Declaração de Porte de Valores (Portaria MF 61/94, de 03.02.94).

Muito bem, restabelecida, mesmo que em uma área limitada, a possibilidade de depósitos em espécie diretamente nas contas CC5, descobriu-se que o volume transacionado era em muito superior às estimativas oficiais. Com efeito, dados do BACEN noticiaram que, em período não superior a três meses, foram movimentados cerca de R$ 1,4 bilhão por meio das CC5. Isso, à época, correspondeu a uma média de US$ 28 milhões/dia, sendo que as autoridades fiscais supunham que a movimentação não superava os US$ 10 milhões/dia.

Por tal motivo, iniciou-se uma delicada e detalhada investigação, principalmente em Foz do Iguaçu/PR, a fim de que fossem desvendados o exato montante, a origem, bem como quem eram os depositantes dessas vultosas quantias. Assim, percebeu-se que a referida DPV não estava sendo preenchida e entregue às autoridades fazendárias e, mais do que isso, o número de carros-forte que traziam dinheiro ao Banco do Brasil, agência em Foz do Iguaçu/PR, para que fosse creditado nas contas CC5, era em número muito superior àqueles que cruzavam a Ponte da Amizade vindos, portanto, de Cidade do Leste/Paraguai. Concluiu-se, portanto, não se tratar de quantia repatriada, mas sim de moeda nacional que estava sendo depositada em contas de domiciliados no exterior para, futuramente, ser convertida em moeda estrangeira, com posterior remessa a banco off shore. Tudo, evidentemente, sem os registros competentes, o que indicava o ilícito de evasão de divisas e, também, de sonegação fiscal, porquanto a ausência da DPV espelha possível origem espúria de recursos.

Daí se pergunta: como procedem essas pessoas, de que maneira o numerário deixa o país? A resposta é simples. Primeiramente, os interessados remetem quantias, por meio de cheques, de transferência bancária, de depósitos para pessoas que mantenham conta-corrente em bancos com agências em Foz do Iguaçu/PR. Em uma segunda etapa, esse correntista, normalmente um laranja, ou um preposto desse, movimenta os valores, sacando-os em espécie, geralmente da tesouraria do Banco do Brasil local. Feito isso, essa quantia é depositada, em espécie, em uma conta de domiciliado no exterior, a qual permite sua conversão para moeda estrangeira. Finalmente, a quantia convertida é remetida para o exterior, lá ficando à disposição do interessado, através da instituição financeira titular da CC5, para saque/redirecionamento. Guize-se que essa remessa, CC5-exterior, é mera operação contábil, não havendo no instante da conversão saída física de moeda estrangeira do território nacional".

Esse é, em rápida síntese, segundo o desembargador, o esquema de retirada de moeda do país operado diariamente em Foz do Iguaçu.

 

 

Fonte:http://www.cartamaior.com.br