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BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO
Pedro Luiz PozzaA recente Medida Provisória nº 1.925, de 14.10.99, instituiu no direito pátrio a Cédula de Crédito Bancário. O instrumento tem em vista, precipuamente, assegurar às instituições financeiras a recuperação mais rápida dos capitais emprestados a seus clientes, diminuindo com isso a inadimplência e, consequentemente, permitindo (espera-se) a redução das taxas de juros cobradas atualmente.
Juiz de Direito e Professor da Escola Superior da Magistratura da AJURIS no Rio Grande do Sul
Guarda o instituto semelhança
com as cédulas de crédito rural, industrial e comercial,
instituídas, respectivamente, pelos Decretos-Lei nº 167/67,
413/69, 6.840/80. Tanto que é considerado (art. 20 da Medida provisória
em questão, título sujeito às normas de direito cambiário,
dispensado o protesto para o exercício do direito de regresso contra
endossantes, avalistas (Decreto-Lei nº 167/67, art. 60, caput;
e Decreto-Lei nº 413/69, art. 52) e terceiros garantidores.
Sendo título cambiariforme,
deveria circular por meio de endosso. Todavia, a Medida provisória
em comento dispôs, em seu art. 4º, § 1º, que a circulação
do título dá-se por meio de cessão, conforme as disposições
de direito comum, ou seja, de acordo com o disposto no Código Civil,
arts. 1.065/1.078.
É de estranhar-se essa restrição,
considerando que o endosso cambiário não tem a restrição
da cessão civil, que só tem eficácia perante terceiros
(Código Civil, art. 1.067) quando efetuada via instrumento público
ou particular, esse revestido das solenidades estatuídas pelo código
substantivo, art. 135, o que obriga inclusive o registro do instrumento
no Cartório de Registros Especiais de Títulos e Documentos.
Ademais, a cessão de crédito,
conforme o Código Civil, art. 1.069, só é eficaz perante
o devedor quando dela for notificado. Ou seja, não havendo notificação
do devedor, ainda que posterior à cessão, o cessionário,
não pode cobrar o crédito cedido.
Constata-se, assim, uma contradição
do legislador, na medida em que tipifica o título como sujeito às
normas de direito cambiário, mas impede seu endosso na forma do
direito cambial (que, é sabido, dá-se pela simples aposição
da assinatura do credor no verso do título), exigindo para a transferência
do crédito formalidades impensáveis e totalmente dispensáveis
no mundo moderno. Ainda mais quando o objetivo do instituto é, como
se disse alhures, facilitar a cobrança do crédito por parte
do credor.
Para reforçar a semelhança
com os títulos de crédito rural, industrial e comercial,
a Cédula de Crédito Bancário permite a capitalização
de juros sem qualquer restrição (note-se que a súmula
93 do Superior Tribunal de Justiça faculta a capitalização
mensal dos juros nos títulos já citados). Assim, podem os
juros ser capitalizados inclusive mensalmente.
Novidade do instituto é a
permissão de cobrança de honorários advocatícios
(no máximo 10%) em caso de cobrança extrajudicial, que, segundo
entendimento de alguns, seria vedada pelo Código de Proteção
e Defesa do Consumidor.
O novo título pode ter garantia
real ou fidejussória (art. 6º da Medida provisória).
No primeiro caso, qualquer forma de garantia é admitida, inclusive
de bens imateriais (por exemplo, direitos autorais), futuros (colheita
de determinado produto agrícola), fungíveis ou consumíveis
(por exemplo, o estoque de determinado produto vendido por um comerciante
- varejista ou atacadista).
E, como o instituto permite que a
garantia seja instrumentada via alienação fiduciária
em garantia (Decreto-Lei nº 911/69), abre-se uma exceção
para que tal seja constituída de bens fungíveis ou consumíveis,
que o Superior Tribunal de Justiça (2a Seção,
Embargos de Divergência no REsp nº 19.915-8-MG, Relator o Ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgados em 28.10.92, in DJU
17.12.92, pág. 24.207; RSTJ 65/444, entre outros) proclamou inadmissível.
Interessante é a disposição
do art. 9º da nova medida provisória, que dispõe integrar
a garantia todos os acessórios do bem, inclusive benfeitorias de
qualquer espécie, valorizações a qualquer título,
frutos e qualquer bem vinculado ao principal por acessão física,
intelectual, industrial ou natural. Assim, mesmo que nada conste do título,
se o bem dado em garantia for terra nua, qualquer construção
sobre ela edificada passa, automaticamente, a integrar garantia da cédula
de crédito bancário.
No art. 11 da Medida provisória,
dispõe-se que em sendo o bem dado em penhor ou alienado fiduciariamente
veículo automotor de qualquer espécie, a eficácia
perante terceiros dá-se tão-somente com o registro do instrumento
no órgão de trânsito onde o mesmo esteja emplacado,
dispensando-se expressamente, assim, o registro no Cartório de Registro
de Títulos e Documentos, exigido por alguns julgados. Para as demais
espécies de garantias, entretanto, o art. 18 erige o registro no
Cartório respectivo (por exemplo, Ofício Imobiliário,
sendo imóvel), como requisito para a eficácia perante terceiros.
O art. 12 autoriza ao credor exigir
que o bem dado em garantia seja segurado (às expensas do devedor,
obviamente), e nesse caso será indicado como beneficiário,
na apólice, para o recebimento da indenização em caso
de sinistro. Obviamente, se o bem tiver valor superior à dívida,
o credor deve entregar a diferença ao devedor.
O art. 15 assegura ao credor o direito
de exigir substituição ou reforço da garantia, em
caso de perda, deterioração ou diminuição de
seu valor, notificando para tanto o emitente (ou o terceiro, em sendo ele
o proprietário do bem garantidor). Não sendo atendido, poderá
considerar vencida antecipadamente a dívida.
Em que pese a desnecessidade de protesto
cambial da Cédula de Crédito Bancário, inclusive e
especialmente para o exercício do direito de regresso (art. 20,
já referido), o credor poderá optar por proceder no aponte
do título, para que seja protestado.
Nesse caso, conforme o art. 17, dispensa-se
a apresentação do original, podendo ser encaminhada ao Tabelião
de Protestos uma cópia, declarando a instituição credora
estar na posse do original. Em que pese não haja a exigência
no referido artigo 17, entendemos, pela gravidade da medida, que a cópia
encaminhada ao Tabelião de Protestos deve ser autenticada em cartório.
A maior novidade do instituto, entretanto,
é o fato de que o saldo devedor dos contratos de abertura de crédito
em conta-corrente, concedido pelas instituições financeiras
a seus clientes, e comumente denominados de contratos de cheque especial,
quando deferidos via emissão da Cédula de Crédito
Bancário, poderá ser cobrado via processo de execução.
Isso porque dispõe o art.
3º, caput, da medida provisória questionada, que a Cédula
de Crédito Bancário é título executivo
extrajudicial e representa dívida em dinheiro certa, líquida
e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor
demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta-corrente,
elaborados conforme previsto no § 2º (grifamos).
Supera-se, com isso, o entendimento
jurisprudencial, consolidado inclusive no Superior Tribunal de Justiça,
no sentido de que o contrato de abertura de crédito em conta-corrente
não é título executivo, pela ausência de liquidez
e certeza.
O § 2º do mesmo artigo
explicita quais os requisitos para que o contrato de abertura de crédito
caracterize título executivo líquido. No inciso I, refere
o legislador que os cálculos do credor deverão evidenciar
de modo claro, preciso e de fácil entendimento todos
os lançamentos efetuados, inclusive e especialmente os encargos
e despesas contratuais devidas.
Não basta, assim, a juntada
de extratos da conta-corrente, onde há simples menção
a códigos diversos, só conhecidos da instituição
financeira, ao lado dos respectivos valores. Há, no nosso entender,
exigência de que os extratos caracterizem (usando palavras ou expressões
facilmente entendíveis - por exemplo, cheque compensado, débito
de juros, depósito efetuado, etc.) um por um dos lançamentos
efetuados, as taxas de juros e atualização (monetária
ou cambial), de modo que qualquer pessoa possa, mediante simples cálculos,
chegar ao saldo devedor apresentado.
Do mesmo modo (inciso II), a planilha
de cálculo ou extrato deve discriminar as parcelas do crédito
aberto, os aumentos do limite de crédito, as eventuais amortizações
(depósitos efetuados pelo correntista) e a incidência
dos encargos nos vários períodos de utilização
do crédito aberto.
Aspecto importante é o disposto
no art. 3º, § 1º, inc. VII, da citada medida provisória,
onde consta que da Cédula de Crédito Bancário poderá
constar a obrigação do credor de emitir extratos da conta-corrente
ou planilhas de cálculo da dívida, ou de seu saldo devedor.
Aqui, entendemos que tal não
é apenas faculdade do credor, mas deve constituir-se em obrigação,
até porque dos lançamentos efetuados na conta-corrente é
que resultará o saldo devedor que, havendo inadimplemento, poderá
ser cobrado pela via executiva.
E, no caso, temos que o banco não
só deverá fornecer os extratos gratuitamente, mas também
remetê-los por qualquer meio (inclusive eletrônico) ao correntista,
para que ele possa acompanhar o movimento de sua conta, dispensando-o da
obrigação de obter pessoalmente tais extratos.
De salientar, por fim, que para os
que entendem aplicável ao crédito bancário (especialmente
aquele massificado) as disposições do Código de Proteção
e Defesa do Consumidor, obviamente que devem elas ser observadas no que
não colidirem com a nova medida provisória.
E, na medida em que o legislador
não liberou as taxas de juros cobradas, ainda que não se
entenda auto-aplicável a limitação do art. 192, §
3º, da Constituição Federal, nem aplicável o
Decreto nº 22.626/33 aos bancos, há como se limitar as taxas
cobradas, inclusive em caso de inadimplemento, quando forem abusivas ou
configurarem vantagem manifestamente excessiva em detrimento do correntista,
por força do art. 51, caput, IV e X, do Código de
Proteção e Defesa do Consumidor.
Retirado de: http://www.direitobancario.com.br/doutrina_acessolivre/1dez99_28.htm