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Introdução
à teoria econômica dos "property rights"
Rodrigo Leite Prado *
Conquanto ainda seja praticamente desconhecida no Brasil, há mais de três
décadas a Análise Econômica do Direito - AED tem ocupado posição proeminente no
cenário acadêmico e jurisprudencial norte-americano. Poucos movimentos teóricos
despertaram tantos opositores, especialmente a partir do início dos anos
oitenta, quando sua incorporação definitiva à cultura da Europa continental
trouxe novamente à pauta acadêmica internacional antigas discussões sobre o
fundamento, o objeto e a pureza da Ciência Jurídica. Mas uma coisa é certa: o
Direito nunca foi o mesmo, nem menos "puro" do que após o surgimento
da Law & Economics, nome pelo qual é conhecida no Direito
anglo-saxônico.
Em suma, a AED constitui um movimento que prega a substituição do ideal
de justiça, já fluido e desgastado através dos tempos, pelo ideal
"racional" da eficiência econômica. Nesse encalço, seus precursores
propõem a aplicação do instrumental da microeconomia clássica na formulação de
políticas legislativas, na avaliação do custo do Direito e do seu impacto sobre
os indivíduos, e, principalmente, na busca da exegese mais eficiente da lei, a
fim de orientar sua aplicação jurisprudencial. Mais do que uma retórica
jurídica utilitarista, a AED inaugura uma nova concepção sobre a natureza da
norma, bem como de seu papel no meio social.
Os postulados e estudos de casos da AED abarcam todos ramos do Direito,
incluindo o Penal, o Constitucional, o Eleitoral, o Processual e até o de
Família. Não obstante, seu marco inicial foi lançado no Direito Civil, a partir
do reconhecimento, pelos fundadores da Escola dos Property Rights, da
importante função do ordenamento jurídico na alocação e distribuição dos
recursos escassos.
O presente trabalho possui o objetivo de propiciar ao leitor leigo - com
isenção, tanto quanto possível, de qualquer apreciação crítica - um primeiro
contato com o vasto universo da AED, através do esboço dos principais
lineamentos da Teoria Econômica dos Property Rights.
1. Antecedentes
O instituto da propriedade sempre foi encarado como uma das premissas
inerentes à própria existência da Ciência Econômica. No entanto, até o final do
Séc. XIX, a importância conferida por esse ramo do saber ao estudo da
apropriação limitava-se ao reconhecimento do fenômeno como realidade
naturalística e exógena, nos exatos termos da doutrina apregoada por Adam Smith
e admitida de maneira inconteste por seus seguidores.
Assim é que, segundo a escola clássica, a maximização da riqueza
constituiria resultado natural da troca de recursos escassos entre compradores
e vendedores racionais, numerosos e bem informados, sob a égide do mecanismo
auto-regulativo do mercado. A dedução das regras
desse mecanismo decorria da aplicação da engenharia social emergente à
intenção presumível dos agentes econômicos, ensejando conclusões pretensamente
científicas e independentes das instituições político-jurídicas em cujo cenário
operava o mercado.
Nesse panorama, o domínio parecia ser uma idéia autoevidente.
Pressupunha-o toda a Ciência Econômica, sob influência da doutrina
jusnaturalista e da ascensão histórica da classe burguesa, que o proclamavam
como fenômeno universal, contemporâneo ao próprio homem e intercambiável por
excelência.
O advento da Teoria Econômica do Bem-Estar Social, já no presente século,
marcou o reconhecimento da irrealidade das presunções e construções cetera
pariba da escola clássica. Demonstrou-se a insustentabilidade do modelo de
concorrência perfeita perante o mundo dos fatos e a impotência da Ciência
Econômica dos sécs. XVIII e XIX para explicar a existência de bens públicos e
monopólios, dentre outros. O mercado, por sua vez, foi despido do emblema de
panacéia da alocação e distribuição eficiente de riqueza entre os agentes
econômicos, para assumir a posição de sistema insubstituível, mas inapto, por
si só, a lidar com as falhas ínsitas ao seu funcionamento.
Capitaneando essa orientação, Pigou, em The Economics of Welfare
(1920) (1), propôs a distinção entre o custo privado e o custo
social de toda atividade econômica, a fim de afirmar que, em diversas
circunstâncias, o custo social (entendido como o custo privado da atividade +
aquele que recai sobre terceiros) é superior ao custo privado, acarretando ônus
ilegítimos sobre a esfera patrimonial ou pessoal de terceiros. Tal constatação,
ao demonstrar a eventual influência nefasta de um empreendimento lícito sobre
os bens ou a integridade física de pessoas não envolvidas, representava, ao ver
do estudioso, a prova cabal da ineficiência do mercado em assegurar o
equilíbrio das relações econômicas e o bem-estar social.
A diferença entre o custo privado e o custo social dos atos econômicos,
alcunhada por Pigou de "externalidade", constitui a principal
justificativa da Teoria Econômica do Bem-Estar para a autorizar a intervenção
do Estado no domínio econômico. Segundo o autor, a solução do problema dos
efeitos externos somente poderia provir do Poder Público, entidade estranha à
realidade do mercado, cujos mecanismos próprios teriam fracassado no
equacionamento da questão. Propunha, assim, a aplicação de uma solução
heterônoma aos sujeitos envolvidos no conflito, consistente a) na promulgação
de um estatuto normativo hábil a identificar os efeitos externos relevantes
("ilícitos") e b) na imposição de gravames ou benefícios extrafiscais
ao seu causador, com o objetivo de "internalizar as externalidades".
Se, por um lado, a Economia do Bem-Estar representa o reconhecimento
explícito de que cabe ao Direito a função de distribuir as utilidades escassas,
pouco se fez para que fosse alterado o tratamento conferido à propriedade pelos
economistas clássicos. De fato, embora considerada indispensável à promoção da
eficiência social, a intervenção do Welfare State no mercado continuava
a ser tratada como instrumento externo à Ciência Econômica, pertinente apenas à
alçada de políticos e juristas. Além disso, a difusão das técnicas
marginalistas entre os economistas concentrou toda sua atenção sobre a
aplicação do novo instrumental à esfera microeconômica, relegando a escritos
ocasionais a discussão acadêmica a respeito das variadas formas de propriedade
dos meios de produção. (2)
2. Ronald Coase e o mito do custo social
Coincide com a publicação do artigo The Problem of Social Cost (1960)
(3), de autoria do norte-americano Ronald Coase, o impulso inaugural
da comunidade científica no sentido da endogeneização da propriedade como
variável própria à Ciência Econômica.
A análise de Coase representa uma crítica ferrenha à linha teórica
trilhada pela Teoria Econômica do Bem-Estar, e, em particular, à intervenção
extrafiscal advogada por Pigou no intento de solucionar a questão da produção
de efeitos externos. Seus argumentos, consoante sistemática sugerida por Pedro
Mercado Pacheco (1994) (4), podem ser reunidos em dois grupos,
adiante descritos.
Em primeiro lugar, argúi-se a inveracidade da premissa causal adotada
pela Economia de Bem-Estar, ao afirmar que alguém "provoca" a
externalidade, e, por isso, deve responder por sua cessação ou recomposição.
Segundo o estudioso, o fenômeno dos efeitos externos é sempre recíproco, de
modo que apenas seu cotejamento com o ordenamento jurídico em vigor permitiria
dizer se é a parte ativa "A", no exercício de sua atividade, que
causa prejuízos a "B", ou se, ao revés, é a imposição de custos
adicionais à indústria de "A", em defesa de "B", que
acarreta danos àquela. Em sua perspectiva, portanto, o verdadeiro problema
econômico a ser enfrentado consistiria em decidir, à luz do objetivo de
maximização da eficiência, qual seria o prejuízo mais grave a ser evitado: o de
"A" ou o de "B".
Coase também critica o "otimismo institucional" que permeia as
conclusões de Pigou sobre a estrutura ideal à condução do processo de internalização
das externalidades. Segundo o autor, o uso da máquina administrativa estatal,
titular do monopólio da regulação extrafiscal, poderia gerar custos superiores
àqueles produzidos pela externalidade combatida. Nessa linha, sugere que o
desate da questão parta de análise comparativa entre as prováveis performances
do Estado e do mercado na internalização dos efeitos externos, acabando por
concluir que, em regra, a negociação privada é menos custosa.
Em suma, o novo approach proposto por R. Coase preconiza que o
"custo social" constituiria uma falsa premissa a justificar a
intervenção pouco profícua do Estado no domínio econômico. A solução eficiente
do problema das externalidades, a seu ver, residiria na auto-regulação do
mercado, através da negociação ótima dos efeitos externos entre os próprios
sujeitos enredados no conflito. A viabilidade de uma tal transação dependeria
do implemento de duas condições cumulativas, a saber: a delimitação precisa dos
direitos incidentes sobre os recursos envolvidos, a fim de determinar quais
seriam as partes do litígio e os usos permitidos e banidos pelo Direito; e a
inexistência ou insignificância dos "custos de transação", assim
compreendidos os entraves à negociação ilimitada dos efeitos externos nocivos
(despesas com a reunião dos contraentes e a discussão do problema, com a
contratação de consultoria jurídica e técnica, a ultimação da avença, o
cumprimento de suas cláusulas, etc).
A proposição obtida a partir dessas conclusões é hoje conhecida como
"Teorema de Coase". Reza o mesmo que se os custos de transação
forem nulos ou irrisórios, a alocação inicial de direitos efetuada pelo
ordenamento jurídico não influirá sobre o resultado da contenda armada em torno
da externalidade, pois os afetados acabarão por resolvê-la, através de um
processo de autocomposição, no sentido da distribuição mais eficiente dos
recursos negociados.
A título ilustrativo, imagine-se o exemplo (5) de uma linha de
trens que, em sua atividade normal, lança faíscas sobre as plantações marginais,
ostentando razoável potencial incendiário. A ocorrência de sinistros poderia
ser evitada de duas formas: mediante a aquisição pela linha férrea de
eliminadores de faíscas, a um custo de R$ 1.000,00, ou com o não-aproveitamento
da terra próxima aos trilhos, gerando prejuízos aos fazendeiros locais no
importe de R$ 1.200,00. A solução eficiente dos efeitos externos, obviamente,
consistiria na compra dos dispositivos de segurança pela ferrovia, por ser mais
barata. O que defende R. Coase é que, estivesse ou não a ferrovia obrigada
juridicamente a responder pelos custos da instalação, tal solução acabaria por
vingar, desde que a negociação privada entre os envolvidos não fosse obstada
por embaraços institucionais ou por custos adicionais.
Nesse diapasão, se, por exemplo, os donos da terra não estivessem
obrigados por lei a suportar os riscos de incêndio, intui-se que a ferrovia
optaria pela instalação dos eliminadores de faíscas, sob pena de ser condenada
a adquirir o instrumental de segurança e/ou a pagar indenização mínima de R$
1.200,00, sem mencionar os ônus sucumbenciais. Por outro lado, não pudesse a
empresa, por hipótese, ser responsabilizada juridicamente pelos riscos
inerentes à sua atividade, os agricultores certamente conjugariam forças para
adquirir os eliminadores de faíscas e negociar junto àquela primeira sua
instalação, situação em que amargariam prejuízos inferiores aos derivados do
recuo do cultivo. Prevaleceria sempre a solução ótima de mercado, ressalvada
somente a diferença na distribuição dos ônus entre os contendores.
Admitindo-se a existência de custos de transação proibitivos, alerta
Coase, a superação do problema dos efeitos externos passaria a depender
intrinsecamente da opção tomada pela norma jurídica aplicável, nem sempre
eficiente.
Assim, retomando-se o exemplo descrito, a opção provável dos litigantes
poderia não ser a mesma se as despesas inerentes à coordenação de esforços dos
campesinos (identificação das partes envolvidas, contratação de advogado, tempo
utilizado, etc) fossem, por exemplo, equivalentes a R$ 400,00. Caso o
ordenamento atribuísse à ferrovia a obrigação de minimizar os riscos de
incêndio, a empresa seguramente preferiria adquirir os eliminadores de faíscas
às suas expensas, pelas razões já expostas. Consagrado, porém, seu direito de
trafegar à margem de tais cuidados, os donos das terras vizinhas não teriam
outra saída senão abandonar o cultivo das margens dos trilhos, pois o preço dos
eliminadores de faíscas (R$ 1.000,00), acrescido dos custos de transação (R$
400,00), superaria as próprias perdas decorrentes do recuo do cultivo. Nessa
última situação, seria adotada, segundo Coase, uma solução ineficiente.
Em detrimento da efetiva aplicabilidade do Teorema, poder-se-ia
argumentar que toda transação concreta possui um custo, sendo, portanto,
impossível o implemento de uma de suas premissas (inexistência de custos de
transação).
Entretanto, como lembra R. Posner (1992) (6), o Teorema
permitiria simples adaptação à realidade dos fatos, contanto que as transações
fossem juridicamente possíveis e seus custos, embora positivos, não excedessem
ao valor do negócio.
Seja como for, certo é que a contribuição científica de R. Coase
constituiu um passo revolucionário em direção ao reconhecimento, por juristas e
economistas, da enorme influência que a propriedade exerce sobre os resultados
de mercado. Ao pontuar que a alocação oficial de recursos traduz a solução
final da externalidade nas diversas situações em que são positivos os custos de
transação, Coase chamou a atenção da comunidade científica para duas propostas
teóricas de inegável relevância prática: a) que a propriedade sobre recursos
escassos deveria ser sempre alocada, nas situações em que a negociação é muito
dispendiosa, de acordo com a solução ótima preconizada pelo mercado (7);
e b) que o ordenamento jurídico contratual deveria estruturar-se de maneira a
minimizar os custos de transação, prestigiando mecanismos simples, acessíveis,
flexíveis e baratos de negociação privada. (8)
3. A Teoria Econômica dos Property Rights
Difundida por Coase a tese de que a solução das falhas de mercado estaria
preordenada
pelo sistema apropriativo consagrado no ordenamento jurídico, a
preocupação da comunidade econômica de criar um arcabouço científico voltado
para a alocação eficiente da propriedade seguiu-se-lhe de maneira intuitiva.
O artigo The Exchange and Enforcement of Property Rights (9),
publicado em 1964 por Harold Demsetz, é apontado como o primeiro estudo
direcionado especificamente à avaliação dos incentivos das diversas opções
legislativas de alocação do domínio sobre o comportamento econômico dos
indivíduos. Dado o passo inicial, outros escritores especializaram-se no estudo
do tema, mormente na década de 1970, merecendo ser citadas as valorosas
contribuições de A. Alchian, E. G. Furubotn, S. Pejovich, C. Dahlman e J.
Umbeck. Essa tendência consolidou-se com a adesão dos teóricos da AED, como R.
Posner, G. Calabresi e B. Ackerman, formando uma corrente acadêmica sólida,
bastante eclética e já relativamente madura, conhecida como "Escola dos
Property Rights" (10).
As propostas dos autores que compõem a Escola dos Property Rights
levam em conta a internalização da noção de domínio como variável inerente à
Ciência Econômica, com o fito de extrair, a partir do estudo de casos
concretos, os postulados ordenadores do endereçamento eficiente de bens
jurídicos escassos aos agentes econômicos.
Seu trabalho parte da própria reformulação do conceito de property
rights. Atribui-se a Furubotn e Pejovich, citados por Frank Stephen (1993),
a autoria da mais famosa definição do instituto, à qual aparentemente veio a
aderir toda a doutrina especializada. Segundo os autores, "... property
rights são as relações comportamentais, sancionadas entre homens, que se
originam da existência de coisas e são pertinentes a seu uso... ".
(11)
O novo enfoque proposto ultrapassa o mero giro retórico.
Observa-se, com efeito, que a noção clássica de propriedade, até então
entendida como a faculdade ilimitada de usar, gozar e dispor de um bem, foi aí substituída
pela concepção mais pragmática de "feixe de direitos socialmente
reconhecidos". O domínio foi reduzido a uma lista de ações permitidas, um
"pacote de interesses" cuja legitimidade decorreria somente da força
cogente do ordenamento jurídico.
A desintegração da visão unitária da propriedade pode ser explicada pela
necessidade da Ciência Econômica de adequar-se aos paradigmas da sociedade
pós-industrial, uma vez que a ótica jusnaturalista sobre a apropriação,
perfilhada por Adam Smith e jamais posta à prova por seus sucessores, já não
possuía paralelo nos ordenamentos jurídicos vigentes. Ela expressa também uma
resposta do meio acadêmico ao problema da externalidade, cuja existência sequer
podia ser concebida no cenário smithiano de direitos absolutos, posições
definidas e faculdades previamente asseguradas. A premência de ser revisada a
questão em termos mais realistas, a fim de viabilizar soluções eficientes, é
salientada na obra de Coase, que afirma, ao tratar sobre o conceito econômico
de fator de produção:
"A final reason for the failure to develop a
theory adequate to handle the problem of harmful effects stems from a faulty
concept of a factor of production. This is usually thought of as a physical
entity which the business-man acquires and uses (an acre of land, a ton of
fertilizer) instead of as a right to perform certain (physical) actions. We
may speak of a person owning land and using it as a factor of production but
what the land-owner in fact possesses is the right to carry out a circunscribed
list of actions." (12) ( Grifo de minha autoria. )
O exame do conceito sugerido por Furubotn e Pejovich revela também
a generalização do esquema apropriativo a todas pretensões aptas a alçar o status
de interesses juridicamente protegidos. O alargamento do espectro dos property
rights, a fim de abarcar o conjunto das relações econômicas e sociais que
estabelecem a posição de cada indivíduo perante a utilização de recursos
escassos, importa a sujeição de todas as utilidades disponíveis a um valor de
troca, a uma titularidade exclusiva e às leis de oferta e demanda. Dá-se,
assim, a mercantilização da posse, do domínio público, da informação, do tempo,
da saúde, do voto, do sexo, da liberdade, e, em última análise, do próprio
homem, mediante o intercâmbio de seu esforço laborativo.
Conclui-se, assim, que o conceito de property rights não coincide
com o que a Ciência Jurídica identifica sob a alcunha de "direitos de
propriedade". Trata-se, ao revés, de categoria bastante fluida, ora
equivalente à noção de direitos reais, ora à de posse, de direito subjetivo ou
mesmo de interesse material. A figura dos de facto property rights, como
são conhecidos os interesses sem caráter dominial tradicional, chega a ser
manejada pelos juseconomistas para descrever todo e qualquer dispositivo -
público ou privado, institucional ou contratual, legal ou costumeiro - mediante
o qual diferenças entre o custo privado e o social são potencialmente
minimizadas. (13)
Finalmente, um último desdobramento teórico do novo conceito de property
rights diz respeito ao sepultamento da visão neoclássica da propriedade
como uma relação estabelecida diretamente entre o titular da apropriação e a
coisa apropriada. Perfilhando os avanços havidos na teoria kantiana dos
direitos reais, os estudiosos da Escola dos Property Rights introduzem
na Teoria Econômica o entendimento de que a propriedade traduz uma porção
delimitada de direitos de uso e disposição de um recurso, cuja contrapartida
obrigacional, dotada de feição negativa, recai sobre todos os demais candidatos
ao domínio (sujeito passivo universal). Esse câmbio conceitual faz com que o
instituto seja encarado como uma relação estatuída "homem-homem",
cujo objeto abrangeria qualquer utilidade dotada de possível expressão
econômica.
As conseqüências da desintegração da concepção unitária de propriedade em
um feixe de direitos oponíveis erga omnes possui como corolário a
negação da neutralidade do Estado como "garante dos mecanismos de direito
privado". Sustenta-se, assim, que o sancionamento normativo de uma
determinada estrutura apropriativa implica sempre uma decisão política de
alocação e distribuição de recursos escassos, na medida em que privilegia
apenas um dentre seus possíveis usos incompatíveis. Tal enfoque identifica a
eleição pelo Estado de um(ns) entre vários interesses contrapostos como o
próprio momento do conflito intersubjetivo, deslocando o cerne do problema
econômico para a definição normativa dos property rights, enquanto fator
vinculativo da eficiência de todo o intercâmbio futuro de bens.
Pode-se dizer, em suma, que a abordagem proposta pela Escola dos Property
Rights é eminentemente positivista. Ela parte do reconhecimento da
insofismável contingencialidade dos property rights para perquirir, à
luz de critérios econômicos previamente traçados, a eficiência dos mecanismos
alocativos eleitos pelo ordenamento jurídico vigente, assim como o custo das
diversas alternativas de tutela posta à disposição do legislador.
4. Bibliografia consultada
BARZEL, Yoram. Economic
Analysis of Property Rights. New York: Cambridge University Press, 1989.
COASE, Ronald, "The
Problem of Social Cost", The Journal of Law and Economics, v. III,
oct. 1960, pp. 01-44.
MERCADO PACHECO, Pedro. El Análisis Económico del Derecho: una Reconstrucción Teórica. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,
1994.
MUNZER, Stephen R. A
Theory of Property. New York: Cambridge University Press, 1992.
PASTOR, Santos. Sistema
Jurídico y Economía: una Introducción al Análisis Económico del Derecho. Madrid: Tecnos, 1989.
POSNER, Richard A. Economic
Analysis of Law. 4th. ed. Boston and Toronto: Little, Brown and Company,
1992.
STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. São Paulo: Makron
Books, 1993. Trad. por Neusa Vitale.
5.notas
1,. Apud COASE, Ronald, "The Problem
of Social Cost", in The Journal of Law and Economics, v.
III, oct.1960, p. 1.
2. SCHWARTZ, P. e
CARBAJO, A., "Teoría Económica de los Derechos de Propiedad", apud
PACHECO, Pedro Mercado. El Análisis Económico del Derecho: una
Reconstrucción Teórica. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1994, p. 133.
3. COASE, Ronald, "The
Problem of Social Cost", in The Journal of Law and Economics,
v. III, oct. 1960, p. 1.
4. op. cit., p. 139.
5. A situação corresponde a um caso real ocorrido na Inglaterra,
comentado por A. C. Pigou em The Economics of Welfare e posteriormente
reexaminado por R. Coase ( op. cit., pp. 29 e ss. ).
6. POSNER, Richard. Economic
Analysis of Law. 4 ed. Boston: Little, Brown and Company, 1992, p. 51.
7. Ou seja: no exemplo dado, dever-se-ia instituir em desfavor da empresa
ferroviária o dever de prevenir os riscos de incêndio, a fim de que a aquisição
dos eliminadores de faíscas constituísse, tal como em um mercado sem custos de
transação, o desate da externalidade.
8. Richard Posner (op. cit., p. 31) acresce que, sendo os custos
de transação absolutamente proibitivos, caberia a um Direito de
Responsabilidade Civil substituir o controle jurídico-privado da externalidade,
de forma a ensejar a transferência de recursos entre os patrimônios dos
envolvidos, e, com isso, a conseqüente alocação eficiente dos bens disponíveis.
9. DEMSETZ, Harold,
"The Exchange and Enforcement of Property Rights", in Journal
of Law and Economics, 1964.
10. Dentre os inúmeros
trabalhos produzidos no âmbito da Escola dos Property Rights, podem ser
citadas, em razão de seu pioneirismo ou de sua repercussão no meio científico,
as seguintes obras, por ordem cronológica: ALCHIAN, A., "Some Economics
of Property Rights", in Il Politico, v. 30, n. 4, 1965;
DEMSETZ, H., "Toward a Theory of Property Rights", in American
Economic Review, n. LVIII, 1967; FURUBOTN, E. G., PEJOVICH, S. "Property
Rights and Economic Theory: a Survey of Recent Literature", in Journal
of Economic Literature, v. 10, n. 4, 1972; ALCHIAN, A., DEMSETZ,
H., "The Property Rights Paradigm", in Journal of
Economic History, v. 33, n. 1, 1973; DAHLMAN, C. Jr. The Open
Field System and Beyond: A Property Right Analysis of Economic Institutions.
Cambridge: Cambridge University Press, 1980; UMBECK, J., "Might Makes
Right: a Theory of the Formation and Initial Distribution of Property Rights",
in Economic Inquiry, v. 19, n. 1, 1981; e BARZEL, Yoram. Economic
Analysis of Property Rights. Cambridge: Cambridge University Press,
1989.
11. FURUBOTN, E. G.,
PEJOVICH, S. "Property Rights and Economic Theory: a Survey of Recent
Literature", in Journal of Economic Literature, v. 10,
n. 4, 1972 apud STEPHEN, Frank H.. Teoria Econômica do Direito.
São Paulo: Makron Books, 1993.
12. "Uma última razão para o fracasso no desenvolvimento de uma
teoria apta a lidar com o problema dos efeitos externos decorre do equivocado
conceito de fato de produção. Este é geralmente definido como um ente físico
que o empresário adquire e utiliza (um acre de terra, uma tonelada de fertilizante),
ao invés de um direito à prática de certas ações (físicas). Podemos falar que
uma pessoa possui terra e a utiliza como fato de produção, mas o que ela defato
possui é o direito de desenvolver uma lista circunscrita de ações"
(tradução livre). Op. cit., p. 44.
13. POSNER (op. cit., pp. 46-47), remetendo-se ao exemplo das
freqüências de radiofusão, ilustra com maestria a aplicação da categoria de de
facto property rights ao cotidiano norte-americano.
* advogado da
União.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3206>. Acesso em: 30 mai. 2006.