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Pirataria e o Reveillon do ano 2000

Autor: Paulo Marcos Rodrigues Brancher
Advogado associado à OPICE BLUM Advogados Associados.
pkb@mandic.com.br

Para quem não se interessa muito por informática, as maiores preocupações reservadas para o reveillon do ano 2000 podem estar concentradas somente nas reservas de vôos, cruzeiros, hotéis, passeios e tudo mais o que a festiva data sugere. Entretanto, os infomaníacos, ou simples interessados em computadores sabem que a hipótese de cruzar o milênio pode se tornar no maior ponto de interrogação já vivido na era da informática.

O autor da façanha já é conhecido de alguns: trata-se do bug do milênio. Na gíria americana, "bug" significa defeito. No "informatiquês", bug significa erro num programa de computador que o faz executar incorretamente. O problema é que na virada do milênio, na compreensão de diversos computadores que utilizam apenas dois dígitos para contar os anos, 1999 não precede o ano 2000, mas sim 1900, já que o número seguinte ao 99 é o 00. E como computador não raciocina, apenas executa ordens, aquilo que parece absurdo para nós, mortais, para a máquina não passa de uma simples e corriqueira obediência a um comando anteriormente programado.

Em um mundo cada vez mais informatizado, ninguém é capaz de prever ao certo quais serão as reais conseqüências que o bug do milênio poderá trazer. Alguns exemplos mais simples podem ser visualizados: multas que poderão ser corrigidas em 100 anos; presos que terão sua pena aumentada de 1 século. Outros, mais catastróficos, sugerem que até aviões poderão ter sua rota desviada e que países poderão entrar em recessão econômica.

Mas o maior inimigo talvez não seja o próprio bug e sim a escassez de tempo para corrigir o defeito. Afinal de contas, faltam apenas alguns meses para consertar os milhões de computadores espalhados pelo mundo. A conseqüência inevitável é de que o fantasma de uma nova onda de indenizações, talvez a maior já imaginada, ronda diversas empresas, principalmente as programadoras de software, que devem garantir ao usuário o correto funcionamento de seus programas.

Não é à toa que alguns escritórios de advocacia já vêm se especializando no assunto. Mas, ao contrário do que se vê nas lições sobre responsabilidade civil, não basta neste caso provar o nexo de causalidade entre o fato ocorrido e o dano ocasionado, para se gerar o direito à indenização. Há um certo detalhe que pode impedir muitas pessoas de reaver os prejuízos gerados pelo bug. Trata-se da pirataria de software.

Piratear um programa de computador no Brasil é prática comum. Observando os princípios estatuídos pela Lei de Gérson, de cada 100 programas aqui comercializados, 68 são reproduzidos ilegalmente. Como a fiscalização pelas empresas é praticamente inexistente, os que se enquadram nos 68% não se preocupam em ler as condições contratuais antes de instalar um software no computador.

Mas com a nova Lei do Software (n.º 9.610/98), o assunto deixou de interessar apenas às empresas programadoras e passou a fazer parte do direito penal e civil. A reprodução de um software sem a autorização de seu criador, ressalvados os casos de cópia de segurança, pode resultar na imputação de penas de detenção ou até reclusão, multa, sem prejuízo do pagamento de perdas e danos ao programador.

Ora, as empresas ou programadores que venderam seus produtos somente devem prestar satisfação aos seus consumidores de direito e não de fato. Isso significa que os pirateadores não têm legitimidade ativa para propor ações de indenização contra os programadores, visto que, apesar de se tratar de responsabilidade extracontratual, a utilização do software surgiu de um ato ilícito. E, por conseqüência, o ato ilícito não gera direito ao infrator.

Se considerarmos a extensão do problema, mesmo aquele consumidor que tiver efetuado a compra de apenas um software de prateleira, o tiver instalado nos cinco computadores de sua empresa, e vier a ser vítima do bug, só poderá ser indenizado pelos prejuízos gerados apenas em relação a uma das máquinas. Em compensação, o programador terá direito à indenização por quatro reproduções ilegais, afora as implicações penais que o consumidor poderá incorrer.

Em igual situação poderá estar a empresa que dependa de computadores para atender seus clientes, piratear um programa e, vítima do bug, vier a prejudicá-los. Além de ter de responder civilmente pelos danos ocasionados, não poderá exercer seu direito de regresso contra o programador, por não ter legitimidade ativa para acioná-lo.

Esses são apenas alguns exemplos que de certa forma servem de alerta para as nefastas conseqüências do sempre utilizado "jeitinho" brasileiro. Fica difícil dimensionar o tamanho do problema, ainda mais quando a maioria das pessoas pensa estar fora dos 68% de reprodutores ilegais.

Com esses ingredientes, a corrida contra o tempo se assemelha a uma espécie de bomba relógio. A preocupação não é só com a correção dos programas para evitar-se a ocorrência do bug. A pirataria de softwares também pode ser uma dupla dor de cabeça para aqueles que não procurarem regularizar seus programas de computador.

E como este é o país em que se deixa tudo para a última hora, ainda mais em ano de copa do mundo e eleições, o reveillon do ano 2000 reserva surpresas emocionantes. Não somente para os que se preocupam em reservar seus lugares em vôos e hotéis, mas também para todos aqueles que direta ou indiretamente dependam de computadores. É bom lembrar que incluem-se nesta categoria as empresas aéreas e também os hotéis.