Execução específica e
eficácia dos acordos de acionistas na sociedade anônima
Rafael
Lopes Lorenzoni *
Lei das Sociedades por Ações prevê expressamente a
execução específica (art. 118, § 3º e § 9º), que pode ser por via judicial,
pela declaração de vontade da parte prejudicada, nos casos de ausência do
acordante ou sua abstenção de voto, ou ainda pela cláusula arbitral, via juízo
arbitral, a qual pode perfeitamente substituir a via judicial, desde que se
trate de voto de acionista convenente e não de voto de administrador eleito pelo
acordo, vinculando, neste caso, a cláusula apenas a sociedade e aqueles
acionistas formalmente compromissados e envolvidos no conflito em torno da
execução do acordo respectivo.
Se um dos acionistas contratantes deixa de cumprir com uma
das obrigações assumidas no pacto, tornando-se inadimplente, a parte
prejudicada poderá exigir judicialmente, não a resolução do acordo mais perdas
e danos, mas a execução forçada da obrigação (de fazer ou não fazer)
estabelecida no acordo.
Todavia, diverge a doutrina acerca da condição de tipo
executivo ou não dos acordos de acionistas.
Para Celso Barbi Filho,
"o acordo de acionista não é título executivo, por
duas razões. Em primeiro lugar, porque a lei processual exigiria sempre uma sentença
para o suprimento da vontade não manifestada; em segundo, pela absoluta
ausência de liquidez, dada a necessidade de interpretação de suas
cláusulas". [01]
Já Fábio Ulhoa Coelho, diferentemente, entende da seguinte
forma:
"o acordo de acionista pode, ou não, ser título
executivo extrajudicial. Depende da análise do instrumento que o celebra. Se,
feito por documento particular, ostenta a assinatura dos acionistas e de duas
testemunhas, ou o referendum dos advogados das partes, está preenchido o
requisito formal (CPC, art. 585, II). Se, ademais, as cláuuslas delimitadoras
da extensão das obrigações dos acionistas encontram-se claramente redigidas, e
não há condições resolutivas ou suspensivas, ou outro pacto que possa
prejudicar o direito do exeqüente, atendem-se também os requisitos de liquidez,
certeza e exigibilidade (CPC, art. 586). Claro que, na hipótese de ausência do
atendimento de um ou outro requisito da lei processual – o que apenas o exame
casuístico pode determinar -, o acionista credor está obrigado a promover,
antes a ação de conhecimento (CPC, art. 641)". [02]
De qualquer sorte, é certo que o acordo faz lei entre os
acionistas pactuantes, sendo que o cumprimento das obrigações estabelecidas
contratualmente é um dos pilares do direito privado. Diante das explanações dos
ilustres doutrinadores acima citados, podemos concluir que não havendo o acordo
eficácia de título executivo extrajudicial, o interessado deverá ingressar com
ação ordinária e, se for o caso, o juiz antecipará os efeitos da tutela, desde
que no pedido específico reste preenchidos os requisitos do CPC, art. 273, ou
executar o contrato, conforme o rito processual das obrigações de fazer (CPC,
art. 641 e seguintes). [03]
Ou, diante do inadimplemento absoluto, analisado sob uma
ótica objetiva do direito do credor, este poderá pleitear ação visando a
resolução do acordo de acionistas, mais perdas e danos.
Cabe aqui um parênteses. Suponha-se que o acordo, embora
lícito e materialmente completo, pronto para ser executado, não tenha sido
arquivado e publicado na sede da companhia como determina o art. 118. Ora,
trata-se de um vicio insanável para a validade do acordo de acionistas:
trata-se da falta do pressuposto formal de validade jurídica do ato que
desautoriza sua execução. Daí um exemplo de que somente caberá a parte
prejudicada utilizar-se do direito público subjetivo e requerer prestação de
tutela jurisdicional, pleiteando a resolução contratual para que, com os
efeitos da sentença, advenha os consectários do inadimplemento absoluto.
Não é outra a posição de Fábio Ulhoa Coelho, o qual traz
outro exemplo típico:
"O direito societário, para disciplinar os acordos de
acionistas, distingue duas hipóteses. De um lado, trata dos acordos que versam
sobre determinados objetos (compra e venda de ações, preferência para as
adquirir, exercício do direito de voto ou poder de controle) e se encontram
revestidos de uma específica formalidade (arquivamento dna sede da companhia),
e, de outro, aqueles aos quais falta qualquer desses pressupostos. Os primeiros
sujeitam-se à disciplina do art. 118 da LSA, ao passo que os últimos têm as
suas obrigações resolvidas exclusivamente em perdas e danos. Em outros termos,
os acordos de acionistas que têm por objeto a compra e venda de ações,
preferência para as adquirir, exercício do direito do voto ou poder de controle
(pressuposto material) e que se encontrem arquivados na companhia (pressuposto
formal), por atenderem aos requisitos do art. 118 da LSA, conferem aos seus
partícipes duas garantias não contempladas aos demais. As garantias liberadas
pelo direito societário para esses acordos de acionistas são duas: a proibição
de a companhia praticar atos contrários ao contratado pelas partes e execução
judicial específica das obrigações nele pactuadas". [04]
Cumpre-nos acrescentar ainda que a Lei 10.303/01 trouxe
maior segurança aos acordos, notadamente aqueles que possuem direcionamento de
voto em assembléia.
Diz o parágrafo oitavo do artigo 118 que "o
presidente da assembléia ou órgão colegiado de deliberação da companhia não
computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente
arquivado".
Este dispositivo, com certeza, tornou o acordo de
acionistas um instrumento mais eficaz na composição dos interesses dos sócios,
vez que, mesmo que pretenda infringir acordo de voto, o acionista não poderá,
já que seu voto neste sentido não será computado.
Modesto Carvalhosa, em excerto doutrinário apropriado,
ensina:
"A eficácia maior do acordo está em que a lei obriga
a companhia a observa-lo, se arquivado na sede. Dessa forma, deverá a mesa da
assembléia proceder em conformidade com as cláusulas da convenção, no tocante
ao voto dos seus participantes, seja quanto às matérias, seja ainda quanto às diretrizes
a serem observadas, no exercício do voto, quando previstas. Em conseqüência,
pode assembléia geral, por proposta da mesa ou de qualquer acionista,
contratante ou não, declarar nulo o voto dado em desconformidade com o acordo
de acionistas". [05]
No mesmo sentido, o parágrafo 9º também acrescentado pela
Lei 10.303/01 dispõe que caso o acionista vinculado por acordo de voto se
ausente de assembléia, ou, estando presente, se abstenha de votar em
deliberação contemplada pelo acordo, a parte que se sentir prejudicada poderá
votar em seu nome, utilizando para tanto as ações do acionista ausente ou
abstêmio.
A propósito, sobre o tema, Paulo Cezer Aragão discorre:
"(...) Admite o novo § 9º do art. 118 um caminho
alternativo de execução direta, por assim, dizer, das obrigações assumidas,
mediante o exercício pela parte prejudicada – à qual se conferiu um mandato
legal por assim dizer – do direito de voto próprio às ações de acionista
ausente ou omisso para proferir voto contra ou a favor de deliberações determinadas,
hipótese em que a abstenção não resultará em perda da efetividade do acordo.
Vale o mesmo, mutatis mutandis, no caso de membro do conselho de administração,
no tocante ao exercício do direito de voto, pelo conselheiro eleito. Dir-se-á
que, se malgrado o mandato, o acionista mandante lançar voto contrário ao
acordado, perder-se-á a efetividade do contratado, mas a conclusão não é
correta, já que – havendo mandatário indicado e presente – o presidente deverá
abster-se de computar, ao amparo do § 8º, o voto do acionista mandante
inadimplente e computar o voto do mandatário, no sentido convencionado". [06]
Por óbvio, o mandatário não poderá exercer o mandato em
desconformidade com o acordo de acionistas, previamente firmado por seu
mandante. Neste sentido é o trecho jurisprudencial do Egrégio Tribunal de
Justiça do Distrito Federal, em voto do Emérito Desembargador J. J. Costa
Carvalho, o qual fundamentou que "se é certa a possibilidade de outorga de
procuração é certo também que o voto não pode destoar da orientação firmada no
acordo de acionistas". [07]
Esta disposição também é válida para as deliberações do
conselho de administração: caso conselheiro eleito nos termos de acordos de
acionistas se ausente ou se abstenha de votar em deliberação contemplada no
acordo, o conselheiro eleito com os votos da partes prejudicada poderá votar
pelo conselheiro que não votou. Assim, nem mesmo a ausência ou abstenção do
signatário do acordo, ou de conselheiro eleito segundo suas disposições pode
prejudicar o fiel cumprimento do quanto disposto no acordo.
Ainda com o intuito de se fazer cumprir as disposições dos
acordos de acionistas, o legislador excluiu da regra geral de limitação de
prazo para as procurações para representação em assembléia. As procurações outorgadas
nos termos de acordo de acionistas para votar, contra ou a favor determinado
tema poderão ter prazo superior a doze meses, que é o limite estabelecido em
lei para este tipo de mandato. [08]
Este tipo de procuração é, de acordo com Código Civil
brasileiro, irrevogável, pois visa o cumprimento de uma obrigação contratual. [09]
Ainda quanto à eficácia do acordo, segundo o caput do
artigo 118, uma vez que os acordos de acionistas sobre compra e venda de suas
ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito de voto, ou do poder
de controle sejam arquivados na sede da companhia, esta se obriga a observar
suas disposições.
Igualmente as regras de qualquer ato jurídico privado, os
acordos de acionistas podem dispor sobre outros assuntos, que não os especificamente
listados na lei, mas, neste caso, somente as disposições sobre as matérias
legalmente previstas serão vinculantes para a companhia. As demais obrigariam
os sócios signatários, mas não a companhia.
Fábio Ulhoa Coelho lembra:
"Em princípio, os acionistas podem contratar sobre
quaisquer assuntos relativos aos interesses comuns que os unem, havendo a
rigor, um único tema excluído do campo da contratação válida: a venda de voto.
É nula a clausula de acordo de acionista que estabeleça, por exemplo, a
obrigação de votar sempre pela aprovação das contas da administração, das
demonstrações financeiras ou do laudo de avaliação de bens ofertados à
integralização do capital social. Também é nula a estipulação de um acionista
votar segundo a determinação de outro". [10]
A lei determina que no ato de arquivamento do acordo
deve-se indicar um representante para comunicar-se com a companhia, sendo este
responsável por receber e prestar informações a respeito do acordo, sempre que
necessário. Em uma interpretação histórica da norma, o legislador estabeleceu
esta hipótese para evitar mal entendidos quanto à interpretação dos acordos, e
de forma que a companhia possa dar fiel cumprimento às suas disposições, no que
a esta tocar. [11]
Conforme estabelece o parágrafo 1º do artigo 118, as
obrigações e ônus decorrentes de acordos de acionistas somente serão oponíveis
a terceiros depois que forem averbados nos livros de registros das ações
sujeitas ao acordo ou nos respectivos certificados, se houver. [12]
A regra geral dos contratos é que eles só vinculam aqueles
que os assinam. No caso dos acordos de acionistas, para que as disposições do
acordo de acionistas obrigue também a terceiros, é necessário que seja dada
publicidade a tais acordos, segundo a forma das ações: no caso de ações
representadas por certificados, o acordo deve estar averbado tanto nos livros
de registro de ações quanto nos certificados. No caso de ações escriturais, a
averbação no livro já é suficiente. Assim, ao presenciar a inscrição nos
livros, o novo proprietário da ação toma ciência do acordo a que as ações estão
vinculadas.
É certo que, normalmente, o próprio acordo de acionistas
já estabelece que os acionistas apenas podem alienar suas ações se o comprador
aderir a seus termos. Neste toar, a obrigação de informar ao comprador sobre a
existência e os termos do acordo seria do vendedor. Da mesma forma, para que se
possa opor o acordo a certas entidades, como Comissão de Valores Mobiliários,
bolsas de valores ou Banco Central, de modo a se eximir, por exemplo, de
obrigatoriedade de negociação ambiente de bolsa de valores ou mercado de
balcão, é necessária a averbação do acordo.
De qualquer maneira, a averbação do acordo de acionistas
nos livros de registros de ações da companhia é de extrema valia, pois só assim
esta será considerada uma informação acessível e oponível contra futuros
compradores.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ARAGÃO, Paulo Cezar. A Disciplina do Acordo de
Acionistas, in Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de
Janeiro: Editora Forense, 2002, 2ª edição, coord. Jorge Lobo.
BARBI FILHO, Celso. Acordo de acionista. Belo Horizonte: Del Rey, 1993,
p. 37.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário.
Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, 7ª Ed.
CANTIDIANO, Leonardo. Reforma da Lei das S.A. comentada,
São Paulo : Renovar, 2002,.
CARVALHOSA, Modesto e EIZIRIK, Nelson. A nova Lei das
S/A. São Paulo : Saraiva. 2002.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito civil, volume
3. Ed. São Paulo : Saraiva, 2005.
COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na
Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. Rio de
Janeiro : Forense, 2002.
Notas
01 Ob. cit. p. 109.
02 Ob. Cit. p. 321/322.
03 Apelação Civel. Execução das Obrigações de
não fazer. Pedido alternativo de anulação das decisões tomadas em assembléias
Gerais de acionistas. Acordo de acionistas. Natureza jurídica e eficácia. Tendo
o acordo de acionistas natureza de negócio jurídico plurilateral, submeter-se
às regras gerais da teoria dos contratos, tornando-se obrigatórias as condutas
ali disciplinadas. Seu descumprimento importa na anulação das decisões tomadas
ao seu arrepio. Provimento do recurso. (TJ-RJ. 10ª Cam Cível. Rel. Des. Sylvio
Capanema de Souza. Ap. cível nº 14.620/05. J em 20.12.2005).
04 Ob. cit. p. 316/317.
05 CARVALHOSA, Modesto e EIZIRIK, Nelson. A
nova Lei das S/A. São Paulo : Saraiva. 2002, p. 213.
06 Ob. cit. p. 475.
07 TJ-DF. 2ª Turma Cível. Ap. Cível nº
2001.01.1.0377702. J em 26.09.2005.
08 § 7o O mandato outorgado
nos termos de acordo de acionistas para proferir, em assembléia-geral ou
especial, voto contra ou a favor de determinada deliberação, poderá prever
prazo superior ao constante do § 1o do art. 126 desta Lei.(Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001) <../../../../../C:RAFAELLEISLEIS_2001L10303.htm>
09 Art. 686. A revogação do mandato, notificada
somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de
boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso
lhe possam caber contra o procurador. Parágrafo único. É irrevogável o mandato
que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados, aos
quais se ache vinculado.
10 Ob. Cit. p. 316.
11 Art. 118. §
10. Os acionistas vinculados a acordo de acionistas deverão indicar, no ato de
arquivamento, representante para comunicar-se com a companhia, para prestar ou
receber informações, quando solicitadas
12 Art. 118. § 1º As obrigações ou ônus
decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de
averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos.
* Advogado em Goiânia e Rio Verde (GO), pós-graduando
em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8504>. Acesso em: 12 jun. 2006.