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Origens do Direito Comercial: dos atos de comércio ao direito de empresa

 

Analisa de forma breve o surgimento e a evolução do Direito Comercial, ramo do Direito Privado no mundo, com as principais legislações e características que lhe deram feição, bem como a evolução do direito nacional do sistema francês ao sistema italiano.

 

 

Thiago Pellegrini Valverde

 

 

BREVE INTRODUÇÃO

O Direito Comercial tem origem na Idade Média, principalmente na Europa Continental, com destaque para Alemanha, França e Itália.

Diferentemente de quase todos os ramos do Direito, como o Civil, por exemplo, o Direito Comercial teve pouca influência do Direito Romano. O Direito Comercial sempre foi extremamente célere e o Direito Romano muito formal, com costumes que se solidificavam no tempo.

No Império Romano, as atividades comerciais eram relegadas a um segundo plano. Conforme ensina Thomas Marky, a nobreza não se dedicava a tal atividade, que ficava a cargo dos estrangeiros (peregrins) e dos escravos libertos. Quem aplicava o Direito Comercial (constante do Ius Peregrim) eram os Pretores e não os Magistrados – era um Direito de “segundo plano”, para uma atividade também tida como de segundo plano.

O Direito Comercial surge com mais intensidade nas feiras realizadas pelos mercadores, que se instalavam ao lado das aldeias, mosteiros e castelos dos nobres feudais. Eram feiras de comércio periódicas que circulavam por toda a Europa. Os mercadores acabam se unindo em grupos, que receberam o nome de Corporações de Artes e Ofícios, em início para se protegerem. Nessas Corporações eram resolvidos os conflitos de interesses pelos Cônsules, aplicando os usos e costumes de cada praça e não o Direito Romano.

É no Direito Marítimo que surgem as primeiras decisões acerca de comércio. Têm início as Leis de Rodes. A parte II do Código Comercial de 1850 (do Comércio Marítimo) ainda é válida, não tendo sido revogada pela vigência do Novo Código Civil.

O Direito Comercial costumeiro, que não era escrito, passa a integrar os Estatutos das cidades autônomas, quando elas surgem e se torna codificado. Com o surgimento do Estado de Direito e a divisão tripartite dos poderes, surgem os Tribunais que aplicam o Direito Civil e o Direito Comercial. Os Tribunais que aplicam o Direito Comercial são especiais e só quem é matriculado na sua Corporação respectiva era considerado comerciante, podendo invocar a tutela e a aplicação das leis comerciais. Chama-se de subjetivo o direito comercial de então porque as normas comerciais só se aplicam à classe dos comerciantes. Com o tempo, de classe relegada, passam os comerciantes a pertencer a uma nova classe, que detinha poder na economia das nações.


1. SISTEMA FRANCÊS: ATOS DE COMÉRCIO:

Com a vitória da Revolução Francesa, o conceito subjetivo de direito comercial classista e corporativo, não se compatibiliza com os ideários e princípios libertários dos revolucionários franceses: liberdade, igualdade e fraternidade.

A principal meta dos revolucionários franceses era a de acabar com qualquer tipo de privilégio. Na época da Tomada da
Bastilha, os comerciantes eram os representantes da burguesia.

O Direito Comercial passa a cuidar de algo objetivo, os atos de comércio, e não mais de algo subjetivo, que era o direito de uma pessoa, de uma classe. Aboliram-se as corporaçõesLEI DE CHAPEULIER. Precisava-se, somente, provar que praticou atos de comércio, não mais precisando ser comerciante.

É editado em 1808 o Código Mercantil Napoleônico, que não mais prevê a matricula dos comerciantes e os definem como aqueles que praticam atos de comércio, de forma profissional.

O Código Comercial Brasileiro de 1850 foi inspirado no Código Francês, com a marca da objetividade – temos, conforme o art. 4º daquele: “ninguém é reputado comerciante para o efeito de gozar de proteção que este código liberaliza em favor do comércio sem que se tenha matriculado em um dos tribunais do comércio do Império, e faça da mercancia profissão habitual”. O art. 4º do Código Comercial descreveu o que é comerciante regular.

O comerciante irregular era aquele que não estava matriculado, mas exercia a mercancia – até os dias atuais, o comerciante irregular está sujeito à falência, mas não pode pedir a falência de outrem, nem se usar da recuperação extrajudicial, a nova figura de que fala a também nova Lei de Falências, que ainda está em vacatio legis.

Quem pratica atos de comércio de forma isolada (não faz com habitualidade) não é comerciante, pois não faz da mercancia a sua profissão habitual.

O Regulamento 737/1850, em seu art. 19, relaciona as atividades classificadas como mercancia (foi a 1ª lei processual brasileira):

a. compra e venda de bens móveis e semoventes para revenda ou locação;

b. câmbio (troca de moeda estrangeira);

c. bancos (comerciante nato; surge junto com o comércio; bancos podem falir, como qualquer comerciante, além de sofrer liquidação extrajudicial ou intervenção extrajudicial pelo Banco Central; nestes dois últimos casos, não poderá falir, exceto se requerido pelo liquidante ou interventor;

d. transportes de mercadorias (atividade vinculada ao comércio);

e. fabricação, consignação e depósito de mercadorias (industrial em geral);

f. espetáculos públicos (teatro, cinema, etc.);

g. contratos marítimos em geral;

h. fretamento de navios;

i. títulos de créditos em geral (os títulos de créditos rurais eram reputados civis);


1.1 Atividades excluídas da Mercancia:

a. especulação imobiliária;

b. agricultura e pecuária (produtor rural);

c. prestação de serviços;

d. profissões intelectuais;


2. CÓDIGO CIVIL DE 2002: SISTEMA ITALIANO DA DISCIPLINA DA ATIVIDADE ECONÔMICA: TEORIA DA EMPRESA

O novel Código Civil revoga expressamente, em seu art. 2.045, a parte primeira do Código Comercial de 1850 (do art. 1º ao 456). O Código se filia ao sistema italiano da Teoria da Empresa, constante do Código Civil Italiano de 1942, adotando-a e abandonando o sistema francês dos Atos de Comércio, em definitivo, pois paulatinamente o sistema francês já não mais estava sendo utilizado.

Empresa é definida como a organização dos fatores de produção (natureza, capital e trabalho) para o exercício de uma atividade econômica consistente na produção e circulação de bens e serviços, conforme nos ensina Fábio Ulhôa Coelho.


3. O DIREITO BRASILEIRO E OS SISTEMAS FRANCÊS E ITALIANO

A Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 deu início à história Direito Comercial Brasileiro, segundo Fabio Ulhôa Coelho. O Brasil vivia uma época de grande expansão econômica, o que reclamava a elaboração de um diploma normativo para disciplinar as relaçõe4s comerciais. Em 1850, o então Imperador Dom Pedro II aprovou o Código Comercial Brasileiro, inspirado diretamente no Code de Commerce francês, adotando a Teoria dos Atos de Comércio.

A partir de 1960, o direito brasileiro, paulatinamente, inicia um processo de aproximação ao sistema italiano, conhecido como Teoria da Empresa. Conforme ensina Fabio Ulhôa Coelho, com a aprovação em 2002 do Novo Código Civil, que tramitou quase 27 anos no Congresso, o direito privado brasileiro conclui seu demorado processo de transição entre os sistemas francês e italiano. O Novo Código Civil brasileiro inspira-se, desta vez, no Codice Civile italiano, adotando expressamente a teoria da Empresa, uma exigência da economia globalizada.

 

 

 VALVERDE, Thiago Pellegrini.  Origens do Direito Comercial: dos atos de comércio ao direito de empresa. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/25/58/2558/>. Acessado em 02/06/06.