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Lei de Falências

É preciso retirar legislação de atual estado falimentar

 

Marcelo Gilioli

 

Advogado em São Paulo e MBA em Direito Empresarial

 

 

O bom senso está demonstrando a falência da vigente Lei de Falências. Lei instituída logo após a Segunda Grande Guerra, num período marcado pelo Estado intervencionista e como tal marcado por uma burocracia também impressa na Lei, a qual acorrentada ao formalismo processual, resume seu principal objetivo na simples liquidação do patrimônio do devedor e, assim, distancia-se diametralmente da premente necessidade de manutenção do conjunto produtivo da empresa e o conseqüente cumprimento de sua função social, que estampada nos art. 1o; art. 5o, inciso XXIII e art. 170, inciso IV da Carta de 1988, tem na preservação de empregos e garantia da geração de tributos, a ambição de permitir o desenvolvimento continuo e global do país.

 
Os problemas que decorrem da atual sistemática legal atribuída ao instituto da falência, não são poucos, sendo certo que sua aplicação na praticidade da visão do credor, que na vigente Lei inclusive é o próprio gestor da massa falida, e como tal tem o único interesse de ver recuperado o seu crédito tem em grande parte das vezes sido resumido a um mero instrumento para compelir o devedor a pagar sua dívida, fato esse inclusive que as decisões de nossas Cortes têm sabiamente procurado repelir.

 
Mas dentre as questões que indicam a falência da Lei, o ponto chave reside no fato de que pela presente sistemática tanto a gerência do processo falimentar quanto a administração do negócio falido concentram-se na figura do Síndico, o qual afundado no emaranhado técnico do burocrático rito procedimental, pouco ou quase nenhum tempo resta para cuidar do conjunto produtivo da massa falida não tendo outra opção senão cuidar do processo de liquidação do conjunto de bens remanescentes, isoladamente considerados.

 
O fascinante contorno da economia no início desse novo século, caracterizado por países na busca frenética de novos mercados, enormes mudanças no âmbito político-social, surgimento de novos Estados e poderosos impérios econômicos capitaneados pelo trilionário Produto Interno Bruto Americano, numa inimaginável globalização e constantes descobertas tecnológicas e científicas, reclamam de nossos legisladores uma aguerrida batalha contra a morosidade do rito legislativo ordinário no sentido de além de aprovar o já decano Projeto de Lei n. 4.376 de 1993, aprimorá-lo de maneira a efetivamente possibilitar a reconstrução da empresa em prol da sociedade, separando-se a figura do devedor que deu causa à falência e que indiscutivelmente deve ser alcançado pelo braço da justiça, da empresa enquanto ente gerador de Bem estar coletivo.

 
Reconstrução essa, é bom que se diga, desvinculada da concepção de simples proteção da empresa, cuja referência se associa apenas ao seu aspecto físico (equipamentos e dispositivos para a fabricação de mercadorias), devendo caracterizar-se sim pelo complexo de conhecimento e atividades ordenadas com o objetivo de atender à seus clientes.

 
Urge encontrar-se uma definição legal que permita eficazmente a separação da administração do negócio, entregando-se o seu comando obrigatoriamente a uma pessoa notadamente capaz e totalmente voltada para o objetivo de reativação e sucesso da atividade produtiva que produz riquezas e benefícios para a sociedade, da iniciativa da condução do processo realizada pelo síndico, como também da administração do processo realizada pelo magistrado.

 
Certamente não é por outra razão que a jornalista Nely Caixeta, da revista Exame(1), noticiou que durante a concorrida cerimônia de posse no auditório do Banco Central em que o novo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, falando sobre a necessidade de propiciar condições para uma economia saudável, com a criação de um ambiente propício à retomada do crescimento, a geração de mais empregos e a redução das desigualdades sociais, não deixou de mencionar entre as medidas sérias que pretende tomar em sua administração a necessidade de modernizar a Lei de Falências e Concordatas.

Estamos, portanto, diante de um momento histórico para o País, que após a eleição de um novo Presidente, oriundo da classe trabalhadora brasileira e ex-líder sindical tem o cacife político obtido pelo resultado legítimo das urnas necessário para realizar as reformas que tem sido bloqueada pelos interesses antagônicos de um Parlamento fragmentado em uma colcha de retalhos de Partidos Políticos.

 
É exatamente neste contexto que, mais do que nunca, parece possível a implementação no Brasil dos avanços observados através do Direito Comparado, que na França, por exemplo, como sustentou Leon Frejda Szklarowsky, que parafraseando Roger Houin, menciona o inesquecível comunicado que este último adicionou ao relatório preparado por juristas daquele país, no qual prega a manutenção da empresa dentro da falência, haja vista que a sua continuidade não traz benefícios somente aos empregados, como também para os seus sócios e numa última análise ao próprio país, retirando-se finalmente a Lei de Falência de seu atual estado falimentar e tornando-a num efetivo instrumento para o benefício da sociedade.

 
Nota de rodapé:

 
1- CAIXETA, Nely. O jogo começou. Portal EXAME, jan. 2003. Disponível em: < http://portalexame.abril.com.br/pgMain.jhtml?ch=ch03&sc=sc0301&pg=pgart_0301_100103_44470.html >. Acesso em 21 jan. 2003

 
Bibliografia:

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Projeto de Lei de Falências: sugestões ao substitutivo. Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 8, mar. 1997. Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2003.

THOMÉ, Georgina Maria; MARCO, Carla Fernanda de et al. Falência e sua evolução: da quebra à reorganização da empresa. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 41, mai. 2000. Disponível em: Acesso em: 23 jan. 2003.

 
ZOLET, Airton. Direito Falimentar e Recuperação de Empresas, 1. ed. Rio de Janeiro; FGV Management

 
Revista Consultor Jurídico, 10 de junho de 2003.

 

Retirado de: www.conjur.com.br