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A polêmica sobre a penhorabilidade dos bens particulares dos
sócios na sociedade por quotas de responsabilidade limitada
HELIA MARIA DE OLIVEIRA BETTERO
O escopo principal deste trabalho se encontra na
importância que este instituto, a penhora, recebe como ato expropriatório da
execução forçada por quantia certa, algumas modificações havidas, e as
divergências existentes em torno da penhorabilidade dos bens particulares dos
sócios na sociedade por quotas de responsabilidade limitada.
Podemos estudar a penhora, em sucinta análise,
como ato em que são apreendidos, materialmente, bens do devedor, isto é, a
primeira agressão que o devedor inadimplente sofre em seu patrimônio.
A maioria doutrinária localiza a natureza
jurídica da penhora como um ato executivo, ou seja, um ato processual cuja
função primordial é a fixação da responsabilidade executória acerca dos bens
por ela englobados.
Na lição do mestre Carnelutti, a penhora
"tem por finalidade a individuação e preservação dos bens a serem
submetidos ao processo de execução". Destarte, o Estado, valendo-se do seu
poder sancionatório, coage o devedor a nomear bens que garantam a satisfação de
sua dívida.
Os bens penhorados não sofrem alteração em sua
substância, conservando suas características inerentes, não sendo afetados, a
não ser quanto à restrição que lhes é imposta, relativa a não disposição
destes.
Os bens do devedor deverão ser descritos
pormenorizadamente, apreendidos e colocados em depósito, cuidando-se da sua
conservação, tendo por suprimida a disponibilidade do devedor, estando este
sujeito à expropriação, despontando para o credor a preferência.
Os efeitos da penhora podem ser percebidos em
relação ao devedor, onde este se priva da posse direta, quando não for
depositário fiel e, conseqüentemente, da disponibilidade dos bens penhorados.
No entanto, a inalienabilidade não é total pois se o devedor continuar na posse
dos bens e resolver transferi-lo a terceiro ocasionará apenas a ineficácia do
ato de transferência efetuada sobre os bens penhorados. Portanto, o terceiro
sofrerá a ineficácia do ato de transferência realizada sobre os bens penhorados
sendo prejudicado, por conta do direito de seqüela, haja vista que a
transmissão dos bens, ante a execução, será considerada ineficaz.
Tendo o terceiro a posse temporária dos bens,
obriga-se a escolher o gravame judicial, na posição de depositário,
restando-lhe como devedor efetivar a prestação judicialmente, pois caso não o
faça considera-se sem eficácia o pagamento direto feito ao devedor ou a outra
pessoa.
Ademais, o terceiro deve abster-se de negociar
com o devedor acerca do domínio do bem penhorado pois, se o fizer, tendo em
vista o efeito geral e erga omnes do ato de constrição, será ineficaz a
aquisição perante o processo e o gravame sobre o bem.
A Lei 8.953 trouxe importantes inovações ao
Código de Processo Civil na disciplina da penhora.
No § 1º do art. 655, houve a inclusão do inciso
V, incumbindo ao devedor "atribuir valor aos bens nomeados à
penhora". Com isso houve "complementação normativa reclamada há muito
pelos intérpretes e aplicadores do CPC", como leciona Antonio Cláudio da
Costa Machado. Dessa forma, com o conhecimento do valor dos bens nomeados à
penhora há uma visível facilitação no julgamento, inclusive quanto à sua
eficácia ou ineficácia. Outrossim, há interferência direta na necessidade ou
não de reforço da penhora, e a avaliação não se repetirá, salvo quando, de
acordo com o acréscimo do inciso III ao art. 683, "houver fundada dúvida
sobre o valor atribuído ao bem".
Ao art. 659 inseriu-se o § 4º em que "a
penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, e
inscrição no respectivo registro". Assim, aclaram-se os objetivos desta
nova redação, pois é demonstrada a forma do documento – termo, quando lavrado
pelo escrivão em cartório e, auto, lavrado pelo Oficial de Justiça -, além de
tornar necessária a inscrição da penhora no Cartório de Registro de Imóveis.
Quanto ao art. 669 suprimiram-se os dois
parágrafos, possuindo agora somente um parágrafo único, "recaindo a
penhora em bens imóveis será intimado também o cônjuge do devedor", o que
não modificou ontologicamente a redação do antigo parágrafo 1º, sendo esta
verificada em relação à palavra mulher, alterada para cônjuge, jogando por
terra o resquício de conservadorismo existente em nosso CPC, observando-se que
os bens penhorados podem pertencer a um ou a outro cônjuge indistintamente,
podendo cada um defender a sua parte na meação por meio de embargos de
terceiro, requerer a substituição do bem penhorado por dinheiro ou remir a
execução.
A penhora, instituto básico na execução forçada
por quantia certa, foi sutilmente afetada por meio de inserções que não
alteraram a sua estrutura, havendo apenas adequação desta às novas tendências
de atualização do CPC.
Há forte disceptação jurisprudencial acerca deste
assunto. O Superior Tribunal de Justiça, sobre a possibilidade de penhora de
cotas de sócio de sociedade de responsabilidade limitada por dívidas
particulares deste, em douto voto do Min. Sálvio de Figueiredo, obtemperou:
"A penhorabilidade das cotas pertencentes ao
sócio de sociedade de responsabilidade ltda., por dívida particular deste,
porque não vedada em lei, é de ser reconhecida. Os efeitos da penhora
incidentes sobre as cotas sociais hão de ser determinados em atenção aos
princípios societários, considerando-se haver, ou não, no contrato social,
proibição à livre alienação das mesmas. Havendo restrição contratual, deve ser
facultado à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução,
remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios, a preferência na
aquisição das cotas, a tanto por tanto (arts. 1117 a 1119 do CPC). Não havendo
limitação no ato constitutivo, nada impede que a cota seja arrematada com
inclusão de todos os direitos a ela concernentes, inclusive o status de
sócio.
Nesse diapasão, colhemos o seguinte julgado:
PROCESSO CIVIL - COTAS SOCIETÁRIAS DE
RESPONSABILIDADE LIMITADA - PENHORABILIDADE. A penhorabilidade de cotas
pertencentes ao sócio de sociedade de responsabilidade limitada, por dívida
particular, não é vedada em lei e nem pode ser proibida por restrição
contratual, porquanto o manto protetor abusivamente não poderá obstaculizar o
direito do credor ou o braço da justiça que atua para dar a cada um o que é
seu. Havendo essa restrição contratual, deve ser facultado à sociedade, na
qualidade de terceira interessada, conforme já decidiu no STJ, a remir a
execução, remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios a preferência na
aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC arts. 1.117,1.118 e 1.119).
Decisão: CONHECER E PROVER O RECURSO.UNÂNIME.
Em outra situação, o Min. Eduardo Ribeiro, do
STJ, demonstrou aspectos de alta relevância sobre o assunto, poderando as
opiniões divergentes e suas conseqüências, e ementando seu julgado desse modo:
SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA.
PENHORABILIDADE DAS COTAS DO CAPITAL SOCIAL.
O artigo 591 do CPC, dispondo que o devedor
responde, pelo cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens, ressalva
as restrições estabelecidas em lei. Entre elas se compreende a resultante do
disposto no artigo 64, I, do mesmo Código, que afirma impenhoráveis os bens
inalienáveis.
A proibição de alienar as cotas pode derivar do
contrato, seja em virtude de proibição expressa, seja quando se possa concluir,
de seu contexto, que a sociedade foi constituída intuitu personae.
Hipótese em que o contrato veda a cessão a estranhos, salvo consentimento
expresso de todos os demais sócios. Impenhorabilidade reconhecida.
Assim, o Min. Eduardo Ribeiro, decidiu que
"são impenhoráveis as quotas da Sociedade Comercial Limitada, por dívidas
de seus sócios, porque sua constituição é intuitu personae e não intuitu
pecuniae".
E, mais adiante, referindo-se a voto proferido
anteriormente, traz à colação o que segue: "... A questão relativa à
penhorabilidade das cotas de sócio de sociedade de responsabilidade limitada é
das mais controvertidas em nosso direito. Salientou-o o Ministro CLÁUDIO
SANTOS, colocando em relevo a multiplicidade de opiniões, a respeito do tema,
na doutrina e na jurisprudência.
Ultimamente, vem-se notando certa tendência,
embora longe de consolidada, no sentido de admitir-se a penhora. Valorizam-se,
para isso, argumentos de natureza processual, sem se levar em conta os que
derivem de normas de direito material. Certo que a penhora é instituto
processual e os dispositivos que a regulam aí encontram sua sede. Ocorre,
entretanto, que a possibilidade de o bem ser penhorado vincula-se à de ser
alienado e esta deve ser examinada em face do direito material.
Não empresto, com a devida vênia, importância
decisiva ao argumento tirado do artigo 591 do CPC, conjugado com a afirmação de
que não há lei excluindo as cotas sociais. Cumpre ter-se em conta que o artigo
649, I, do mesmo Código estatui que são absolutamente impenhoráveis os bens
inalienáveis. A questão está em saber se as cotas são alienáveis. Se não o
forem, incidirá a vedação legal, malgrado a inexistência de norma que
expressamente as excepcione de responderem pelas dívidas de quem delas seja
titular.
Observa, a propósito, ALMICAR DE CASTRO:
‘A alienação judicial está para a alienação
extrajudicial como a espécie para o gênero, e por isso mesmo o que é
inalienável é naturalmente impenhorável, seja qual for a força por que se
imponha a inalienabilidade’ (Comentários ao CPC, vol. VIII, p. 196, Rev. Trib., 1974).
A primeira indagação está, pois, em verificar se
as cotas sociais podem ser alienadas. A respeito do tema dissentem os
comercialistas. Negar de modo absoluto não parece adequado e nunca soube de
quem o fizesse. Muitos, entretanto, consideram que, incidindo o disposto no
artigo 334 do Código Comercial, será mister o consentimento de todos os sócios.
Como essa norma é de defesa dos interesses dos sócios, poderiam a isso
renunciar e estabelecer, no contrato, que bastaria a maioria do capital para
autorizar a cessão. Ou mesmo fazê-la inteiramente livre.
Outra corrente afirma que, em princípio, a cessão
é livre, podendo o contrato dispor de modo diferente. Nesse sentido JOÃO
EUNÁPIO BORGES, a meu ver com razão. Menciona que o contexto da lei isso
resulta, especificamente os artigos 5º, 6º e 7º, sendo certo que apenas na
hipótese de aquisição de cotas pela própria sociedade (art. 8º) exige-se o
consentimento dos demais sócios.
A proibição da cessão poderá resultar de
disposição expressa do contrato ou advir de seu contexto, quando se possa
concluir que a sociedade foi constituída intuitu personae.
Se decorre do contrato a proibição, não será
possível forçar os demais sócios a agir em desconformidade com o pactuado e
admitir um estranho. A cessão, pois, não será viável. Isso se verificando, não
se admitirá igualmente a penhora, pois se estará diante de caso de
inalienabilidade.
A principal razão que tem levado a que se admita
sempre a penhora está no receio de que o devedor, dispondo de vasto patrimônio,
representado por cota de sociedade próspera, ficasse imune à execução. A
questão não é bem assim. REQUIÃO, que chegou a classificar de imprópria e
lastimável decisão do Supremo Tribunal Federal tendo como possível a penhora,
salienta que aquele receio não se justifica. Indica a possibilidade de a
constrição incidir sobre os créditos que o sócio devedor tiver, relativamente à
sociedade. E salienta, que, havendo mau uso da pessoa jurídica, abrir-se-á
ensejo à aplicação da disregard doctrine (Curso de Direito Comercial -
Saraiva - 1º vol. - 1989 - ps. 349 e 351). A isso se acrescente outra
possibilidade, cogitada pelo Código de Processo Civil. Trata-se do usufruto que
pode recair sobre o quinhão de sócio na empresa (artigo 720).
Assinale-se que a solução contrária também
apresenta notáveis inconvenientes. Assim é que autores que admitem a penhora
com amplitude, afirmam que não poderá a arrematação levar a que o arrematante
se torne sócio, mas propiciará a dissolução e liquidação da sociedade (Humberto
Theodoro Jr. - Processo de Execução - 3ª ed. - Ed. Univers. de Dir. - p. 264).
Está o problema no fato de envolver-se terceiro. LIEBMAN salientou a propósito:
‘Observou-se com razão que fogem à execução os
direitos do executado cuja transferência não é possível sem o consentimento de
terceiro: por exemplo o direito do executado sobre imóvel que lhe foi alugado
não pode ser transferido a outrem sem o consentimento do locador e não pode,
portanto, formar objeto da execução.’
Processo de Execução - Saraiva - 1968 - ps.
78/79.
No caso em exame, o contrato não proibiu a
alienação, embora aparentemente o fizesse. Estabeleceu-se o direito de
preferência. Não exercido, as cotas poderão ser transferidas. Em tais
circunstâncias, considero não haver empecilho à penhora. O direito à aquisição,
os sócios poderão praticamente exercer, licitando, embora pagando valor algo
superior.
Releva que não se teve como indispensável o
consentimento, fazendo possível a cessão.
No caso em exame, como salientou a sentença, o
contrato veda a cessão a estranhos, salvo consentimento expresso de todos os demais
sócios. Em tais circunstâncias, tenho que correto o acórdão. Nego provimento.
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou
provimento ao recurso especial (em 29.06.93 - 3ª Turma)."
Nesse sentido, mutatis mutandis, dispõe a
ementa:
SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA.
PENHORA SOBRE BENS PARTICULARES DO SÓCIO-GERENTE POR DÍVIDA DA SOCIEDADE.
INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, PORQUE
NÃO COMPROVADA A CONDUTA LESIVA DA SOCIEDADE. A penhora de bem de sócio-gerente,
para satisfação de dívida da pessoa jurídica, só deve ser realizada quando
presentes as condições excepcionais justificadoras.
Decisão: CONHECER. NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME.
Como se depreende da polêmica questão, há que se
analisar a penhora de cotas sociais sob os aspectos da possibilidade de
alienação, da necessidade do consentimento de todos os sócios, da constituição
da sociedade ser intuitu personae ou intuitu pecuniae, do receio
quanto à evasão do patrimônio da sociedade e do sócio, da proibição contratual
de alienação das cotas sociais, etc. Portanto, podemos concluir que, dependendo
do caso e a complexidade de seus desdobramentos, a solução a ser dada, será a
análise minuciosa da situação e a sua adequação ao caso concreto, ante o enfoque
destes aspectos sobrelevados.
Dessarte, é o direito material que vai definir a questão
da impenhorabilidade, inexoravelmente cingida a da inalienabilidade. É a livre
cessibilidade das cotas sociais que irá definir a penhorabilidade das cotas em
questão.
BIBLIOGRAFIA
BARBI, Celso Agrícola – Comentários
ao Código de Processo Civil, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1983, v. 1
DINAMARCO, Cândido Rangel - A
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PAULA, Alexandre de - O Processo
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SANTOS, Moacyr Amaral - Primeiras
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TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo - O
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