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Duplicata sem aceite: título de crédito que está perdendo seu valor
Eduardo Dorfmann Aranovich
Professor de Direito Comercial e advogado em Porto Alegre/RS
I
De há muito venho observando as
atrocidades cometidas contra o instituto da duplicata, esse massacrado
instituto de direito mercantil.
Preocupado em efetuar anotações mais
aproximadas da realidade do mundo negocial e querendo perfectibilizar as
observações, sempre fui adiando essa empreitada.
Com efeito, estamos vivendo a plena era
da informatização e da virtualidade. A duplicata não poderia deixar de sofrer
as agruras de tal evolução.
Nos dias de hoje, várias são as
sociedades mercantis e mesmo civis (às quais é facultado também o saque desse
título cambiariforme) que não sacam duplicatas de suas faturas na forma e
cumprindo com os ditames da Lei de Duplicatas: inexiste duplicata.
O comerciante, via sistema informatizado,
informa ao banco que certa pessoa jurídica ou física lhe deve determinada
quantia, a qual deverá ser paga na(s) data(s) que menciona. O banco, por sua
vez, através dos mesmos meios de informatização, ou por carta ou outro meio
assemelhado, comunica ao sacado que deve pagar tal quantia ao banco que é
detentor do título: é bom anotar que não se sabe a natureza do
“endosso-virtual” ao banco, se a título pleno ou de mandato.
Emergem daí problemas cuja solução é dada
por advogados, demonstrando-a aos julgadores, que, por sua vez, adotam uma
forma de tratar casos dessa natureza.
Podemos resumir o problema da falta de
executividade do título por não preencher as condições da Lei de Duplicatas: a
impossibilidade do protesto por qualquer de suas formas, haja vista a
inexistência do saque do título cambiariforme; a impossibilidade do pedido de
falência em face da falta do aceite ficto, a que se refere Pontes de Miranda.
E, dentre os casos que trazem embutidos a injustiça, é aquele que diz com a
sustação do protesto promovida contra o apresentante do título, o banco. Com
vigor, o banco, em tais situações, diz ser mero mandatário e parte ilegítima
para residir no feito: o autor da demanda, injustiçado pelo saque irregular de
título sem origem em negócio jurídico subjacente, vê-se condenando nas penas da
sucumbência em favor do banco.
Em face da crescente falta de obediência
à Lei Das Duplicatas, urge que ela seja revista para se adaptar aos novos
tempos, mas não se abandonando o saque do título para circulação como efeito
móvel, pois, como ensinou Vivante, “o título de crédito é o instrumento
necessário ao exercício de direito literal e autônomo nele mencionado”.
Urge, portanto, expressar as observações
que seguem, sem ter a pretensão de esgotar o tema.
II
Na conformidade do art. 2º da Lei n.
5.474, de 18 de julho de 1968, em todo contrato de compra e venda mercantil
(art. 191 do Código Comercial), o único título que poderá ser sacado para
permitir a circulação do crédito com efeito comercial é a duplicata. Trata-se
de título cambiário, de criação do legislador brasileiro, que somente poderá
ser sacado com base em uma fatura, que, por sua vez, é o instrumento a
permitir-lhe o saque como fonte direta e imediata a sua criação.
A fatura, por sua vez, só poderá ser
emitida com base em uma nota, que, ao nosso sentir, é a fiscal, originada esta,
por sua vez, de um negócio jurídico de compra e venda mercantil.
Entendo, no que se refere a este ilustre
e maltratado título de crédito, criado pelo legislador pátrio, que, quando
aceito, nada existe a ser-lhe acrescentado além do que já se contém nos
princípios que orientam, em sua generalidade, os títulos de crédito (muito
embora entre ele em dissensão com a natureza do vero título de crédito, por
sempre estar vinculado a um negócio jurídico subjacente).
A matéria toma vulto e cresce em
interesse quando se trata de duplicata sem aceite.
III
Porém, antes de adentrar nos aspectos que
envolvem a duplicata sem aceite, creio que é necessário retroceder no
tempo para proceder ao exame sobre o nascedouro desse título cambiariforme.
Penso que, de um lado, esse título –
duplicata sem aceite – ainda está preso aos dispositivos editados para a Letra
de Câmbio no Código Napoleônico, de onde se extraem os princípios referentes à
apresentação do título ao protesto e, em especial, ao hoje chamado aceite
ficto.
De outro lado, o legislador pátrio
amalgamou do sistema francês as concepções oriundas da ordenança germânica de
1848, tendo estas sido introduzidas no sistema positivo brasileiro através do
Decreto n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908.
No período em que, em matéria cambiária,
vigorou o sistema francês no direito brasileiro, o que chama a atenção do
pesquisador é a figura do aceite virtual ou tácito de que nos fala José
da Silva Lisboa – Visconde de Cayru: Ainda que por via de regra os aceites das
letras devam ser expressos ou por escrito, contudo casos há em que por geral
estilo são havidos por obrigatórios e do mesmo efeito certos atos do sacado,
como se expressamente declarasse na letra o consentimento e admissão da mesma:
tais atos se chamam “aceites virtuais”, presumidos, ou interpretativos; porque
se considerarão subentendidos, ainda que o sacado não manifestasse
explicitamente a sua intenção de cumprir o saque1.
Do sistema germânico, o que se nos
apresenta de relevante diz com as figuras da incorporação e abstração. E mais,
que a vinculação cambiária só acontece mediante o aceite no título
correspondente. Neste passo, nunca é demais referir a lição de Vivante que,
alterando o conceito anteriormente emitido por Brunner, afirmou ser o título
de crédito o instrumento necessário ao exercício do direito literal e autônomo
nele mencionado. Portanto, o direito só vale pelo que nele próprio se
contém e não pelo que dele está fora. Daí o curioso da duplicata sem aceite.
Ora, quando o sacado não apõe no título
seu aceite, a vinculação cambiária – entre sacado e sacador – é provada através
de elementos que estão fora do título. Os elementos para configurar tal aceite
ficto estão na Lei das Duplicatas em seu art. 15, alterado pela Lei n. 6.458,
de 1º de novembro de 1977.
IV
Pouco após a edição da Lei n. 6.458/77, o
Professor Lélio Candiota de Campos teve publicado no Jornal do
Comércio2 trabalho a respeito de duplicata sem aceite,
com vistas à interpretação da lei. No citado trabalho, encontramos os
fundamentos necessários à exposição que mais adiante faremos sobre o tema em
questão.
Assim, de forma destacada, trataremos a
seguir das obrigações legais após o saque da duplicata.
Guarde-se, em primeiro lugar, que, para
haver a literalidade, deverá a duplicata preencher os requisitos enumerados no
§ 1º do art. 2º da Lei n. 5.474/68. Segue-se que, logo após seu saque, deverá
a duplicata ser apresentada, ao devedor, no prazo de 30 dias, podendo tal apresentação
ser realizada diretamente pelo vendedor ou por seus representantes ou por
intermédio de instituição financeira ou, ainda, por procuradores ou
correspondentes. Frise-se, igualmente, que, se não feita pelo vendedor, as
pessoas referidas terão o prazo de 10 dias, tão logo recebam o papel, para a
realização do ato de apresentação.
Tudo isso, sem sombra de dúvida, como
decorrência lógica do que está disposto no art. 6º e seus parágrafos,
levando-se a afirmar que na duplicata só poderá constar uma praça de pagamento,
e esta sempre será a do sacado (ao propósito da apresentação da letra de
câmbio, veja-se o art. 21, Anexo I do Dec. n. 57.663, de 24 de janeiro de
1966). Recebida a cártula, deverá o sacado, dentro de 10 dias, contados da data
da apresentação, devolver o título aceito ou remetê-lo até a data do
vencimento, comunicando tal retenção e o aceite ao apresentante. Ou, por
último, devolver o título com a declaração por escrito dos motivos da falta de
aceite (art. 7º) que, de forma exemplificativa, vêm enumerados na lei (art.
8º).
Tenha-se, pois, que a apresentação do
título é obrigatória. Porém, à primeira vista, parece que, em face do
mandamento do art. 6º, só se está a permitir que a apresentação do título seja
efetuada pelas pessoas nele mencionadas, descartada, assim, a possibilidade de
o título ser endossado antes da apresentação. Essa idéia não é correta,
especialmente ante a circunstância de ser a duplicata um título à ordem e de o
instituto do endosso relativamente às letras de câmbio do Decreto n. 57.663, de
24 de janeiro de 1966, ser, em toda a sua extensão, aplicável às duplicatas por
força do que se contém no art. 25 da Lei das Duplicatas.
De mais a mais, se assim não fosse, o
texto legal contém, pelo emprego da expressão poderá, uma faculdade, e
não uma imposição, e, assim, além daqueles lá mencionados, outros poderão
também recebê-la por endosso pleno, mas com a exigência de apresentá-la ao
sacado (aqui se contém o germe do aceite ficto). Primeiramente, a
obrigatoriedade se assentou em razões de ordem fiscal; com a transformação do
IVC em ICM, desapareceu o interesse fiscal. A obrigatoriedade passou, então, a
ser apenas no sentido de que é necessária para posterior configuração do aceite
ficto. Veja-se que, a teor da lei cambiária, a apresentação ao aceite é
facultativa, podendo até ser proibida (art. 22, Anexo I, do Dec. n. 57.663/66,
portanto, não há outra razão de ser da acima mencionada).
Crie-se a hipótese de que a compra e
venda que deu origem mediata ao título não tenha sido cumprida ou, se o foi,
não atendeu aos prazos e condições ajustados, ou, ainda, a mercadoria remetida
era defeituosa. A duplicata aí continua a ser um verdadeiro título de crédito a
incorporar o direito?
As relações cambiárias emergentes do
título entre endossante e endossatário, ou os possíveis avalistas existentes,
ou demais coobrigados, subsistem. E isso mesmo que uma ou mais assinaturas
contidas na cambial sejam falsas (ou porque o próprio título sacado não se
originou de uma compra e venda mercantil), na conformidade com o art. 7º do
Anexo I do Decreto n. 57.663/66, princípio que já constava, aliás, do art. 43
do Decreto n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908.
Temos, pois, que em qualquer caso
(endosso mandato, ou pleno): 1º) a duplicata, obrigatoriamente, deverá ser
apresentada ao sacado e somente poderá ter como praça de pagamento a do sacado
no título; 2º) a apresentação do título só poderá ser feita na praça do sacado;
3º) o sacador poderá aceitar, reter ou não aceitar o título, mesmo que este se
encontre endossado; e 4º) a recusa do sacado em aceitar o título não prejudica
as demais obrigações cambiárias dos demais signatários. Passemos ao exame da
ocorrência de inadimplemento da obrigação.
V
O art. 15 da Lei em exame emprestou à
duplicata ou triplicata sem aceite os mesmos efeitos de uma sentença judicial,
ao considerá-la título executivo extrajudicial, desde que,
cumulativamente, estiverem preenchidos certos requisitos, que, por sua vez,
conduzem à execução aparelhada.
Antes de examinarmos os requisitos supra
referidos, mister é que se explicite a respeito da necessidade, para ter-se a
execução aparelhada, de instruir o pedido inicial com uma duplicata ou
triplicata (além dos requisitos do inciso II do art. 15).
Diante do contido no § 2º do art. 15 – processar-se-á
também da mesma maneira a execução de duplicata ou triplicata não aceita e não
devolvida, desde que haja sido protestada mediante indicação do credor ou do
apresentante do título nos termos do art. 14, preenchidas as condições do
inciso II deste artigo –, é meridiano concluir que, para a execução
aparelhada (art. 614, I, do CPC), não é necessário instruir o pedido inicial
com a cártula, desde que o protesto tenha sido tirado por indicação do credor;
caso contrário, como é lógico deduzir, a duplicata ou triplicata deverá
acompanhar o pedido inicial, sob pena de o credor ver fulminada, apenas por
esse motivo, sua pretensão.
Examinemos, pois, um a um os requisitos
exigidos pelo art. 15, II, da Lei das Duplicatas para termos a execução
aparelhada, porém não na ordem lá colocada, mas naquela que entendemos ser a
melhor para o estudo proposto.
Iniciemos, portanto, a análise do contido
na alínea b do inciso II do art. 15, assim enunciado: esteja
acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da
mercadoria.
Ora, como já visto na exposição
introdutória, a duplicata somente poderá ser sacada com base em uma compra e
venda mercantil. Inexistindo esta, haverá a responsabilidade penal do sacador
do título (art. 26) e impossibilidade de querer-se fazer vincular cambialmente
o sacado: o título continua a gerar efeitos cambiais entre sacador e
endossatário e os demais que se obrigaram, porventura, no título, mas, jamais,
contra o sacado não aceitante.
Quis o legislador, pois, a prova não só
da remessa da mercadoria (pelo vendedor ao comprador), como, também, a prova de
que ela tenha, efetivamente, sido recebida.
Essa prova poderá ser feita através de
documento hábil, tal como o rodapé destacável da nota fiscal (ou nota
fiscal-fatura), ou do conhecimento de transporte (não só o que a transportadora
emite ao receber a mercadoria, mas, também, aquele que é assinado pelo
comprador, ao recebê-la).
Com isso, entendeu o legislador, ficam
provados o mandamento do art. 1º da Lei das Duplicatas (existência de uma real
compra e venda de mercadorias) e a presunção de inexistência de vícios ou
defeitos na mercadoria, o que oportunizaria a sua devolução dentro de 10 dias a
contar de seu recebimento, conforme o art. 211 do Código Comercial.
Esta última assertiva abre-nos o caminho
para o exame do conteúdo da alínea c do inciso II do art. 15 em
comentário, que está assim redigido: O sacado não tenha, comprovadamente,
recusado o aceite, no prazo, nas condições e pelos motivos previstos nos arts.
7º e 8º desta Lei.
Assente ficou, também, na parte
introdutória, que o vendedor ou endossatário tem a obrigação de apresentar o
título, ao comprador, nos 30 dias seguintes a sua criação (art. 6º e seus
parágrafos) e que este último poderá recusá-lo no prazo de 10 dias (art. 7º).
Com efeito, no ato de apresentação da
cártula, oportuniza-se ao comprador a recusa do aceite, tendo em vista que, no
prazo do art. 211 do Código Comercial, devolveu a mercadoria por vício,
defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade (art. 8º, II). Também,
no prazo de dez dias, poderá recusar o aceite no título, pelos motivos
constantes dos incisos I e II do art. 8º, o primeiro dizendo respeito ao
negócio jurídico subjacente, em si, e o segundo, ao propósito da liquidez e
exigibilidade do documento cartular (diferença nos preços e prazos ajustados).
“Daí – diz o Professor Lélio Candiota de
Campos – a importância, agora irrecusável, de exigir do sacado recibo da
tempestiva devolução do título ao apresentante da duplicata contra ele
irregularmente sacada, nela fazendo mencionar expressamente o fato da recusa do
aceite, para futuramente poder estar em condições de comprovar a inexistência
do terceiro requisito da execução judicial, e poder assim livrar-se dela, se
acaso lhe for movida”3.
E prossegue o ilustre comercialista:
“Relevante também é o cuidado que, à sua vez, deve ter o apresentante ao fazer
entrega da duplicata para aceite do sacado, a fim de ficar em condições de
comprovar a correta apresentação do título e o dia em que isso ocorreu”4.
Eis, pois, mais uma prova que incumbe ao
credor realizar, no aparelhamento de sua ação de execução, ou seja, deverá
provar que apresentou a duplicata para aceite e que este não foi recusado.
Das maneiras de comprovar-se a
apresentação do título sobressaem-se aquelas traduzidas pelo "protocolo
bancário" ou qualquer outro documento utilizado pelo credor (livro de
protocolo, recibo ou segunda via de carta etc.).
A prova da recusa do aceite é matéria a
ser apreciada no exame que segue sobre a alínea a do inciso II do art.
15: “...haja sido protestada”.
As formas de protesto da duplicata sem
aceite estão mencionadas no art. 13 e seus parágrafos e são elas: por falta de
aceite e de devolução (propositadamente deixamos de mencionar o protesto por
falta de pagamento, matéria que examinaremos em tópico à parte).
Uma vez apresentado o título, e devolvido
sem justa causa pela falta de aceite, cumpre ao portador da cambial
mandar tirar o protesto por falta de aceite, posto que, assim, estará
concretizando não só o preenchimento de mais um requisito da alínea
anteriormente sob comentário, ou seja, que o aceite não foi recusado.
De outro lado, se o título apresentado
não for devolvido, não se extrairá outro (observe o parágrafo abaixo), mas,
isso sim, indicar-se-á, em requerimento ao Oficial do Ofício de Protestos de
Títulos Cambiários, todos os elementos mencionados no § 1º do art. 2º,
solicitando o protesto por falta de devolução da duplicata, conforme o caso,
bem como o protesto pela falta de aceite (este último para configurar a
existência do requisito de inexistência de recusa do aceite).
A triplicata somente poderá
e deverá ser sacada ocorrendo as hipóteses de perda ou extravio da duplicata.
Havendo o saque da triplicata, deverá obedecer às mesmas formalidades da
duplicata, isto é, percorrer os caminhos que venho apresentando, até o
parágrafo supra: é contrário aos ditames da Lei efetuar o saque de uma
triplicata e fazê-la circular sem que se tenha percorrido os mesmos caminhos
obrigatórios à duplicata.
Assim, diante do que acima ficou
assentado, em outras palavras, diante da prova de existência de recusa do
aceite, o protesto por falta de aceite, relativamente à duplicata sem aceite,
tornou-se, em qualquer caso, obrigatório.
Além das conseqüências legais para os
efeitos da execução do ato jurídico “protesto”, não servirá ele para mais nada,
salvo para garantir o direito de regresso. Assim dizemos para não surgirem
confusões quanto ao ato jurídico “protesto”, especificamente por falta de
aceite, criar a presunção de que o título tivesse sido apresentado e, dessa
forma, cumprido o requisito primeiro da alínea c antes comentado. A
apresentação do título deve ser feita nos 30 dias seguintes ao seu saque e o
devedor terá 10 dias para eficazmente o recusar. Isso é cogente. É essa a prova
que a lei determina seja feita. Não se diga, jamais, que o simples aponte para
ulterior protesto por falta de aceite (cuja resposta deverá ser apresentada
dentro de três dias), poderá sobrepor-se ao decêndio ofertado em lei.
O fato de não ter sido exercida a
faculdade de protestar o título, por falta de aceite ou de devolução, não elide
a possibilidade de protesto por falta de pagamento, é o que
dispõe o § 2º do art. 13 da Lei das Duplicatas.
Dessa forma, o protesto por falta de
pagamento será, sempre, um complemento.
De outro lado, tal protesto poderá ser
tomado como irregular, podendo causar sérias penalidades ao apresentante do
título, como veremos mais adiante no exame da ação de execução e do pedido de
falência.
Em conclusão, podemos afirmar que,
preenchidos todos os requisitos antes apontados, o título de crédito, duplicata
sem aceite, passará a contar com um aceite ficto (virtual ou tácito,
como o chamou José da Silva Lisboa). O aceite, é verdade, materialmente
pode inexistir, mas unindo-se à duplicata os documentos comprobatórios do
preenchimento dos requisitos do inciso II do art. 15, tem-se como verificado.
VI
O aceite ficto, porém, somente se
concretizará no mundo jurídico no momento em que o portador da duplicata (com
execução aparelhada) promover a competente ação de execução.
Em juízo serão apresentados todos os
documentos a configurar a certeza, liquidez e exigibilidade (art. 586 do CPC)
da obrigação contra o devedor direto, posto que, antes, por si só, no mundo
jurídico não tinham esse valor.
Faltando o preenchimento de qualquer um
dos requisitos apontados (repita-se, faltando a comprovação da remessa e
recebimento da mercadoria ou a prova de apresentação para aceite do título e
que este não foi recusado, ou o protesto por falta de aceite ou devolução),
inexiste aceite ficto, e, por conseqüência, ação de execução.
Eis o momento oportuno para falar da
duplicata sem aceite, protestada por falta de pagamento, com vistas à ação de
execução. Em realidade, tirado o protesto por falta de pagamento e promovendo o
portador a ação de execução, presentes todos os requisitos legais, o protesto,
aí, tornar-se-á eficaz; embora não demonstrada a vinculação cambiária no
momento do aponte para protesto, este, se tirado por falta de pagamento será
ineficaz.
Agora, se, no momento da execução, faltar
qualquer dos requisitos a emprestar o aceite ficto ao título, o protesto
continuará irregular e o promovente da ação expõe-se a ser condenado como
litigante de má-fé (art. 17, I, do CPC), se restar provado ter o executado
devolvido a mercadoria ou, justificadamente, recusado o aceite.
Outro aspecto de virtual importância é o
pedido de falência por duplicata não aceita. A mesma Lei n. 6.458/77, que
alterou o art. 15 da Lei n. 5.474/68, acrescentou ao art. 1º da Lei de
Falências o § 3º, assim redigido: “Para os efeitos desta Lei, considera-se
obrigação líquida, legitimando o pedido de falência, a constante dos títulos
executivos extrajudiciais mencionados no art. 15 da Lei n. 5.474, de 18 de
julho de 1968”.
Data venia, embora
princípio de hermenêutica diga que inexiste na lei texto supérfluo ou
inoperante5, isso, neste particular, é insustentável. De outra parte
é retornar ao sistema vigente até a Lei n. 5.746, de 9 de dezembro de 1929, em
que, no parágrafo único do art. 1º, eram enumerados os títulos que aquela lei
considerava como executivos.
Ora, o art. 1º da Lei de Quebras diz que
todos os títulos líquidos que viabilizam ação de execução legitimam o pedido de
falência. Daí, desde que a lei conferiu executibilidade à duplicata não aceita
(acompanhada dos documentos necessários ao aceite ficto) conferiu, também,
legitimação ao pedido de falência que nela tenha fulcro.
Porém, aqui, um pressuposto a viabilizar
o pedido de falência deve ser levado em primordial atenção, qual seja, a
demonstração da impontualidade do devedor, para que se presuma sua insolvência,
e essa impontualidade, como se sabe, materializa-se através do protesto por
falta de pagamento (art. 10 do Decreto-Lei n. 7.661/45).
Podemos, portanto, tomar tudo o que antes
foi dito para a ação de execução, acrescentando o protesto por falta de
pagamento e, sobre este último ato jurídico, assentar que, se não apresentado
no momento do pedido de falência o título acompanhado dos requisitos do inciso
II do art. 15, o protesto continuará sendo ineficaz, a justificar a condenação
do requerente às penas do art. 20 da Lei de Falências, dada a violência que se
encerra em tal pedido.
Por último, cumpre referir que a
duplicata não aceita protestada por falta de pagamento não é fato impeditivo do
pedido de concordata preventiva, embora a existência da regra expressa do art.
158, IV, da Lei de Falências: “não ocorrendo os impedimentos enumerados no art.
140, cumpre ao devedor satisfazer as seguintes condições: IV – não ter título
protestado por falta de pagamento”.
O motivo é simples. Para o título conter
aceite ficto, necessário é que a ação de execução tenha sido proposta e que se
a instrua com todos os requisitos enumerados no inciso II do art. 15 da Lei das
Duplicatas. Como disse antes, o protesto é ineficaz, não existe por si só,
somente vindo a existir quando a execução aparelhada contiver o cite-se
do Juízo competente.
Certo, pois, se a hipótese supra
não aconteceu, não está demonstrada, para os fins e efeitos da falência, vera
impontualidade do devedor, a presumir a falência. Antes do ajuizamento da ação
inexistem certeza, liquidez e exigibilidade. Sem aceite, repita-se, não há
vinculação cambiária a permitir a validade de tal espécie de protesto para
qualquer efeito.
Contudo, maneiras existem de tornar o
protesto regular, tanto para a ação de execução, para o pedido de falência,
como, também, para impedir a impetração de concordata preventiva. Para isso,
basta que, ao apresentar o título (ou o requerimento de indicação) para
posterior protesto, faça-o acompanhar da prova de remessa e recebimento da
mercadoria mais a comprovação da apresentação do título para aceite, aliás,
dois dos documentos imprescindíveis e mais fortes a emperrar o aceite ficto ao
título.
VII
Em face do até aqui exposto, cumpre, mais
uma vez, chamar a atenção para o que está ocorrendo nos dias de hoje: a
desobediência aos termos da lei vigente.
Como é sabido, a maioria das duplicatas
são apresentadas por intermédio dos bancos, seja por terem recebido endosso
mandato, seja por qualquer outra forma que tomam os contratos bancários.
Os bancos, todavia, não se dão mais ao
trabalho de encaminhar as cártulas aos sacados; enviam um documento eletrônico
que, de forma nenhuma, supre a apresentação da duplicata segundo os ditames da
Lei. Isso equivale a dizer que inexistirá ação de execução para tal
duplicata.
Mas não são só os bancos que estão
praticando esse ato contrário à lei; quase a totalidade daqueles a quem é dado
o direito de sacar duplicatas assim estão procedendo.
Nesse passo, não cabe modificação na Lei
autorizando a apresentação da cártula através de documento eletrônico, pois
isso é macular todos os princípios que orientam os títulos de crédito; é
reduzir a duplicata a um título sem valor, como já está acontecendo com o
cheque.
1. José
da Silva Lisboa. Princípios de Direito Mercantil e Leis de Marinha. 6.
ed., Rio de Janeiro: Tipografia Acadêmica, 1874, t. II, Tratado Quarto. p. 382.
2. Jornal do Comércio, RS, edição de 1º de março de 1978, p.18.
3. Op. et loc. cits.
4. Op. loc. et cits.
5.
Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9. ed., Rio de
Janeiro: Forense, 1979. p. 250/251, n.307.
Retirado de: www.saraivajur.com.br