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A tutela jurídica do acionista minoritário – de acordo com a Lei n. 10.303/2001
Ecio Perin Junior
Advogado, Especialista em Direito Empresarial
pela Università degli Studi di Bologna (Itália), Mestre e Doutorando em
Direito Comercial pela PUC/SP
I. Introdução. II. Organização interna da
sociedade por ações e a tutela do acionista. III. O Acionista e a sua relação
de poder. IV. Breve escorso histórico da proteção das minorias. V. A minoria e
os direitos dos acionistas. VI. Alterações da Lei 10.303/01 no que se refere à
proteção dos minoritários. A) Aspectos gerais da nova disciplina do Direito de
Retirada. B) O tag along dos minoritários em caso de alienação do
controle. C) A proteção dos minoritários no caso de fechamento do Capital da
Sociedade por Ações aberta. D) A Alteração na Proporção entre ações ordinárias
e ações preferenciais. E) A participação dos acionistas minoritários e
preferencialistas na composição do Conselho de Administração. F) As regras de
transparência. G) A Arbitragem. VII. Conclusão. VIII. Bibliografia.
I. Introdução
A origem da sociedade
por ações 1 está vinculada, sem sombra de dúvidas, às companhias
coloniais, a começar pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, em 1602
2. As sociedades por ações, instrumentos típicos das economias mais
avançadas, encontram-se, dessa forma, vinculadas em sua origem à colonização do
Oriente e daquele Novo Mundo que surgia e que os historiadores costumam
precisar como sendo o início da história moderna.
A sociedade por
ações apresentou-se como o instrumento típico da grande empresa capitalista e,
a despeito das crises que sofreu, foi elaborando aos poucos sua disciplina:
determinou-se a distinção entre os acionistas e os vários órgãos sociais e as
funções destes; o conceito de exercício social e de repartição periódica dos
lucros.
Aos poucos
foram surgindo as ações ao portador e foi-se precisando o conceito e as
características da responsabilidade limitada e aprimorando o conceito de
capital social.
Assim, chegou-se
aos dois princípios hodiernamente fundamentais da sociedade por ações: a
responsabilidade limitada e a divisão do capital social em ações.
O primeiro
princípio indica, em síntese, a responsabilidade limitada do acionista pelas
dívidas da sociedade, podendo-se afirmar que embora o acionista responda de
forma ilimitada pelas obrigações que assumiu perante a sociedade, não é, porém,
responsável pelas dívidas sociais pelas quais responde a sociedade. Sociedade e
acionista constituem sujeitos jurídicos distintos.
O segundo
princípio decorre da irrelevância da pessoa do acionista no que respeita à
identificação da sociedade: a mudança do acionista não importa modificação do
contrato social, podendo, portanto, a participação do acionista ser
representada por um título de crédito, e até recentemente por um título ao
portador3, que circularia com a disciplina peculiar dos títulos
desse gênero.
Dessa forma,
cumpre inicialmente tecermos algumas observações a respeito da organização
interna da sociedade e da tutela do acionista para, efetivamente, poder
adentrar no centro da discussão deste ensaio investigativo, qual seja, a
proteção ao acionista minoritário na novel legislação vigente.
II. Organização
interna da sociedade por ações e a tutela do acionista
A organização
interna da sociedade está diretamente vinculada à divisão do capital social.
Substancialmente, nas sociedades por ações, o direito parte do conceito de que,
em conseqüência do número dos acionistas e da variabilidade deles, o sócio,
como tal, não pode administrar direta e pessoalmente, a sociedade.
Daí a distinção
entre sócios e diretores; entre um órgão deliberativo (assembléia) e um órgão
que preside a gestão normal da sociedade (diretores).
O acionista não
tem sequer um poder ilimitado e contínuo de controle pessoal direto; também o
controle geral e contínuo é confiado a um órgão especial (fiscais)4,
ao passo que apenas determinadas funções de controle são confiadas aos
acionistas individualmente ou a minorias qualificadas.
Economicamente,
nota-se que a possibilidade de circulação da ação e a efetiva existência de um
mercado de capitais proporciona ao acionista uma tutela quanto aos perigos
decorrentes da situação acima mencionada, evidenciando-se assim as relações
entre a circulabilidade das ações e os direitos do acionista no que diz
respeito à gestão da sociedade.
É
desnecessário, entretanto, acrescentar não poder esta consideração levar a
sociedade a descuidar da tutela jurídica do acionista. Aliás, faltando uma
efetiva tutela jurídica do acionista, impossível será, de fato, a circulação da
ação e impossível será a existência do respectivo mercado.
Dessa forma,
distingue-se na organização interna da sociedade os poderes do “executivo” e os
seus limites: a organização das assembléias, a quem cabe ditar a orientação
geral e a necessidade de a gestão da sociedade obedecer aos critérios
determinados pela maioria; a tutela do direito de cada acionista no que diz
respeito ao seu direito de voto; a garantia dos direitos da maioria e a tutela
da minoria; a disciplina e a independência de um órgão de controle.
Segundo TULLIO
ASCARELLI5, decorrem daí as analogias de alguns problemas das
sociedades por ações com os problemas de direito público.
No início da
evolução histórica das sociedades por ações prevaleceu uma concepção
“aristocrática”, admitindo a possibilidade da administração da sociedade ser
reservada aos incorporadores ou a alguns acionistas.
Posteriormente,
analisando-se ainda os aspectos evolutivos da sociedade por ações, salvo
determinadas manifestações, como, por exemplo, a lei alemã de 1937, a sociedade
por ações passou a democratizar-se, frisando-se o princípio de serem os
diretores, “mandatários” da sociedade.
A lei francesa
de 1867, por seu turno, sofria profunda orientação contratualista. De fato, por
um lado, limitava os poderes da maioria na vida societária e por outro, porém,
descuidava dos limites da discricionariedade das partes na constituição da
sociedade.
Por essa razão,
opunham-se limites rigorosos às modificações estatutárias, dando-se destacado
relevo à distinção entre as várias modificações estatutárias.
A princípio,
negava-se que as reformas legislativas eventualmente realizadas pudessem
atingir as sociedades já constituídas. O aumento de capital era visto como
sendo uma nova constituição parcial. Por outro lado, admitia-se a possibilidade
de subordinar o direito de voto do acionista à posse de um número mínimo de
ações. Merecia menor importância a disciplina dos vícios da deliberação
assemblear. Havia uma tendência a assimilar o sistema dos vícios na
constituição da sociedade àquele geral dos vícios dos contratos no direito
comum e assim por diante.
A lei belga
pode ser considerada marco histórico de um novo processo de discussão,
inspirada, substancialmente, em duas preocupações. Por um lado, os poderes da
maioria, que sofreriam um alargamento capaz de facilitar a gestão da sociedade
e a adaptação de seus estatutos às diferentes exigências sociais.
Assim, admitiu-se
em alguns países a possibilidade de qualquer reforma estatutária, sem distinção
entre reformas previstas e não-previstas nos estatutos, mas exigindo quorum
e maiorias especiais. No sistema italiano, por exemplo, surgiu a possibilidade
de a maioria modificar o estatuto, moderada pelo instituto do direito de
retirada, adotado também no Brasil pelo Decreto-Lei n. 2.627/40 e mantido pela
Lei n. 6.404/76.
No direito
norte-americano e inglês, mantém-se ainda o conceito da “carta” como base da
sociedade, tendo-se em vista um tríplice contrato: entre a sociedade e os
acionistas; entre a sociedade e o Estado; e entre os acionistas e o Estado.
Esse contrato não pode, em princípio, ser modificado em suas cláusulas
essenciais. No direito francês, a evolução acima mencionada pode ser percebida
pelas leis de 1913 e 1930.
E, por outro
lado, no entanto, diminuiu a discricionariedade das partes no ato constitutivo.
Assim, passaram a identificar cada vez mais precisamente uma série de direitos
que cabem a cada acionista ou a cada acionista ordinário, e são inderrogáveis
até no estatuto e, a fortiori, com uma deliberação por maioria.
Assim o direito
aos dividendos, o direito à quota de liquidação, o direito de voto (excluindo a
possibilidade de subordinar o voto à posse de um número mínimo de ações), o
direito à paridade de tratamento entre acionistas ou entre os acionistas da
mesma categoria, assim como o de o acionista continuar sócio, o direito a obter
informações na assembléia, e assim por diante. Essa categoria de direitos
sofreu um alargamento progressivo, gerando a admissão do direito de preferência
dos acionistas ao aumento de capital social.
Poderíamos
afirmar que essa evolução está relacionada à progressiva circulação das ações
de acordo com o progressivo desenvolvimento de um mercado financeiro.
Com efeito,
enquanto os acionistas forem sempre os mesmos, durante toda a vida da
sociedade, por um lado, apresenta-se mais grave uma modificação estatutária que
contraste com o que foi originariamente contratado, e, ainda, por outro lado,
de menor relevo a exigência de limitar a discricionariedade das partes na
constituição da sociedade.
Quando,
todavia, há uma alteração constante de acionistas durante toda a vida da
sociedade, é natural o aumento dos poderes da maioria ou de forma contrária,
uma maior preocupação acerca da tutela dos direitos individuais de cada
acionista mesmo no que diz respeito à discricionariedade das partes na
constituição da sociedade.
Em realidade
não pode haver um seguro e sadio desenvolvimento das sociedades por ações sem
uma eficaz tutela da minoria e do acionista, independentemente do princípio de
que os poderes da diretoria são outorgados no interesse dos acionistas.
Por essa razão,
o problema da tutela jurídica da minoria acionária foi ao longo do tempo
adquirindo sempre maior importância no desenvolvimento das sociedades por
ações, sendo que a doutrina e a jurisprudência foram, progressivamente,
evidenciando as normas a respeito do tema.
De outro lado,
no desenvolvimento das sociedades, houve uma natural necessidade de
diferenciação das várias categorias de ações quanto às várias categorias de
financiadores e de interessados nos lucros. A existência dessas várias
categorias requereu uma disciplina ulterior dos direitos da maioria. As leis
mais recentes cuidam, justamente, de uma organização coletiva dessas categorias
de financiadores, interessados nos lucros e acionistas.
Passamos, neste
instante a abordar o tema dos acionistas e sua relação de poder, posto que
diante dessa análise poderemos observar quais são os mecanismos de tutela das
minorias acionárias dentro do ordenamento vigente.
III. O
Acionista e a sua relação de poder
Acionista é
todo aquele, pessoa física ou jurídica, que é titular de ações de uma sociedade
por ações: dentre os acionistas, existem aqueles que se envolvem na vida da
sociedade, participando de suas assembléias, e os que se opõem à distância,
tendo nas ações meros instrumentos de renda ou de especulação bursátil.
Segundo FÁBIO
ULHOA COELHO6, as posições dos acionistas variam de acordo com a
motivação. De um lado os empreendedores, pessoas interessadas na exploração de
certa atividade econômica; de outro lado, os investidores, que identificam na
ação da companhia uma excelente oportunidade para aplicarem o dinheiro que
possuem.
Via
de regra, nas grandes sociedades por ações, os ausentes costumam constituir a
maioria, concentrando-se em uma minoria o quadro ativo da sociedade. No quadro
ativo, verifica-se, por vezes, uma homogeneidade de posicionamento. Outras
vezes esse quadro se divide em dois grupos, sendo um majoritário, que passa a
comandar a sociedade, e outro minoritário, que se coloca como dissidente, em
uma espécie de oposição.
Podemos afirmar
que integrado no grupo ativo ou ausente, o proprietário de ações, ainda que sem
voto, mantém a condição de acionista.
Da
condição de acionistas resulta um complexo de direitos, a serem exercidos
perante a sociedade. Segundo JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA7, esses
direitos distribuem-se em duas categorias: a dos direitos essenciais e a dos direitos
modificáveis.
Os
direitos essenciais são inerentes à titularidade acionária, não cabendo ao
estatuto ou à assembléia geral excluir qualquer acionista do seu âmbito de
incidência.
Os
direitos modificáveis ora decorrem da lei, ora do estatuto, podendo estender-se
a todas as ações ou ter algumas classes excluídas, pelo estatuto, de sua
incidência, como costuma acontecer com o direito de voto relativamente às ações
preferenciais.
A
Lei n. 6.406/76, em seu art. 109, enumera os direitos essenciais, que são os
seguintes: direito de participar dos lucros; direito de participar do acervo
social, no caso de liquidação; direito de fiscalização; direito de preferência
para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações,
debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição; e direito de recesso,
nos casos previstos em lei.
Além
desses descritos no artigo acima mencionado da Lei n. 6.404/76, houve uma
inovação introduzida pela Lei n. 10.303/2001, ou seja, inseriu-se novo
parágrafo à redação do art. 109.
Trata-se
do parágrafo terceiro, que abre a possibilidade de composição de conflitos
entre controladores e os demais acionistas pela via arbitral, o que tem por
objetivo reduzir o número de processos no âmbito do Judiciário. Senão vejamos:
Ҥ
3o O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências
entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os
acionistas minoritários, poderão ser solucionados mediante arbitragem, nos
termos em que especificar”.
A
medida traz em si a vantagem da celeridade na composição dos conflitos, bem
como pretende obter soluções mais racionais para a sociedade por ações e para
os acionistas, introduzindo no campo institucional da disciplina societária uma
alternativa de ordem contratual, freqüentemente encontrada em acordos de
acionistas e que evita o recurso ao Judiciário, cujo procedimento é
extremamente moroso, para não dizer inerte, além de ensejar uma publicidade que
pode ser nociva para a empresa.
Os direitos
modificáveis são todos os demais, vale dizer, todos aqueles que não estejam
arrolados como essenciais.
Outrossim, são
diferentes os graus de vinculação do acionista em relação à sociedade. Enquanto
os empreendedores preocupam-se com a história da sociedade, entusiasmam-se com
as particularidades da atividade econômica desenvolvida, com a concorrência no
segmento de mercado específico, sofrem com as dificuldades da empresa e se
sentem gratificados com os sucessos alcançados, os investidores estão
preocupados com as informações econômicas, quando não dizer com as informações
privilegiadas dos insider tradings, demonstrações financeiras, cultivando,
nas palavras de FÁBIO ULHOA COELHO8, frio desinteresse pelo
cotidiano das sociedades nas quais investem.
A graduação da
vinculação com a sociedade repercute, de modo direto, no interesse de
participar das assembléias gerais e, inclusive, integrar órgãos de
administração. Assim, os diretores da sociedade por ações são também
empreendedores ou foram escolhidos por acionistas desse perfi9.
No extremo
oposto, os especuladores, desinteressados de qualquer aprofundamento dos seus
vínculos com a sociedade, não vêem sentido em contatos com os demais
acionistas, visto que seus interesses são meramente especulativos dentro do
mercado de capitais.
Na zona
intermediária, os rendeiros, por vezes, podem buscar maior aproximação com a
sociedade, particularmente se forem grandes investidores institucionais.
Nesses casos,
em geral, negociam a indicação de um cargo do conselho de administração, ou a
constituição de um órgão consultivo, para acompanharem mais de perto a gestão
da empresa.
O que se pode
perceber é que entre os acionistas estabelecem-se relações de poder
complexamente distribuídas em face da diversificação de interesses individuais.
Os
especuladores criam expectativas quanto às possibilidades de exercerem o
direito de recesso; os rendeiros pressionam pela distribuição dos dividendos;
os empreendedores lutam por fazer prevalecer suas opiniões na condução dos
negócios sociais.
Essas relações
de poder entre os acionistas representam um importantíssimo tema da tecnologia
jurídica societária, na medida em que a equilibrada composição dos interesses
em confronto é condição para a sociedade continuar contando com os recursos de
todos os seus integrantes 10.
O valor
fundamental, na disciplina das relações de poder, deve ser o desenvolvimento da
sociedade, objetivo que traz não só benefícios a todos os seus sócios, como
também representa o núcleo aglutinante dos interesses destes.
IV.
Breve escorço histórico da proteção das minorias
O tema da
proteção às minorias ressurge com intensidade após a promulgação da Lei n.
10.303 de 31 de outubro de 2001. A nova lei buscou minimizar as desigualdades
existentes entre acionistas majoritários e minoritários, já que a Lei n.
9.457/97 não conseguiu efetivamente atingir este fim.
A intenção foi
diminuir o grau de incerteza e desconfiança que tem predominado na relação
entre as empresas e seus acionistas. A melhor forma de fortalecer o mercado de
capitais é dar proteção efetiva aos investidores, em especial os minoritários.
Contudo, essa
questão da proteção do minoritário, já há muito vem sendo discutida na
doutrina, e na própria legislação é encontrada desde o vetusto Decreto-lei n.
2.627 de 26 de setembro de 1940.
Lá, já existia
referência expressa da proteção às minorias, bem como consagrava alguns
direitos que se entendem tipicamente da minoria, acenando com a possibilidade
de que um grupo titular de um certo número de ações pudesse intervir na vida da
sociedade, em defesa do interesse social, direta ou indiretamente.
Muito embora
fossem tímidas, o que é razoável, considerando o quadro econômico da época, as
medidas consagradas nesse diploma legal foram saudadas pela doutrina brasileira
com aplausos11.
Com efeito, sob
a influência da então recente lei alemã de 1937, o Decreto-Lei n. 2.627/40
consagrava, além dos direitos gerais dos acionistas, outros dispositivos
entendidos como flagrantemente endereçados à proteção das minorias, como por
exemplo: o direito de recesso (art. 107); a dissidência, podendo os titulares
de um quinto ou mais do capital social e os titulares de ações preferenciais
eleger, separadamente, um dos membros do Conselho Fiscal e respectivo suplente
(art. 125); o direito de convocar a Assembléia Geral, em casos comprovados, se
a diretoria retardar por mais de um mês a sua convocação, e a extraordinária,
sempre que ocorrerem motivos graves e urgentes (arts. 89, a, e 127); o
direito de fiscalizar a sociedade (art. 78, c); o direito à exibição
judicial dos livros (arts. 57 e 58, c); a regulamentação minuciosa do
inventário e balanço (art. 99, a).
Procurava-se,
diante das hipóteses acima mencionadas, proteger preventivamente ou de forma
sancionatória a determinados abusos das maiorias que àquela época já ocorriam,
e que foram se acentuando, na justa medida em que o país se abria,
economicamente, para novos investimentos, através das sociedades por ações.
A existência do
poder separado da titularidade do capital, o fenômeno da dispersão dos
acionistas, o seu absenteísmo aguçaram os problemas das relações entre a
minoria e a maioria; aquela por isso nem sempre com menor parcela do capital,
ensejando o curioso fato de que a proteção à minoria passou a ser efetivamente
o problema da proteção às maiorias12.
Portanto, muito
antes do crescimento do nosso mercado de capitais e a sua regulamentação
moderna (pela Lei n. 4.728/65) e o crescimento de fusões, incorporações e
tomadas de controle ocorrida a partir de 1965, com flagrantes prejuízos aos
acionistas minoritários, verificavam-se uma série de abusos, por parte dos
majoritários, que nem sempre vieram a baila das discussões pretorianas.
Percebe-se,
diante de uma minuciosa análise, que não só faltavam dispositivos protetores expressamente
previstos em lei como também existia a tendência de nossos juízes não
intervirem nos negócios jurídicos societários, principalmente das sociedades
por ações. Posição, aliás, totalmente contrária à prática européia, e mesmo
norte-americana, segundo a qual constitui uma verdadeira tradição a intervenção
judicial; do que decorre, inclusive, o fato de inúmeros dispositivos, hoje
consagratórios dos direitos dos minoritários, incluídos no Código Civil
italiano de 1942 e na Lei francesa n. 66.537 de 1966 terem origem em decisões
dos Tribunais desses países. Foram, contudo, amplamente identificados e
comentados pela doutrina.
Não obstante o
Decreto-lei n. 2.627/40 trouxesse dispositivos protetores dos acionistas
minoritários, insuficientes, contudo, para evitar as fraudes e abusos dos
majoritários, seguiu-se providencialmente sua atualização.
Destacou-se a
tendência nitidamente aberta à proteção dos minoritários; até porque se tornava
indispensável o desenvolvimento que se pretendia dar ao nosso mercado de
valores mobiliários.
Segundo
WALDIRIO BULGARELLI13, “é de convir que se realmente se queria a
implementação de um mercado de títulos e valores mobiliários, notadamente, o
das ações e obrigações emitidas pelas sociedades anônimas, dever-se-ia adotar
uma série de medidas coibidoras dos abusos tão flagrantes e impunemente
cometidos”.
Foi com base
nesse espírito que se elaborou o projeto da Lei das Sociedades por Ações (Lei
n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976), que foi antecedida pela Lei n. 6.385, de
7 de dezembro de 1976 (que dispunha sobre o mercado de valores mobiliários),
trazendo, sem dúvida, inúmeros dispositivos destinados à proteção das minorias
(além da consagração dos tradicionais direitos essenciais dos acionistas, em
geral), que constituíram um avanço se comparados com os encontrados na lei
anterior (Decreto-lei n. 2.627 de 1940).
A própria
criação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) à imagem e semelhança
da Securities and Exchange Commission14 (SEC) teve por escopo
funcionar como mecanismo de moralização através da fiscalização do mercado
acionário.
Observe-se que
o grande número de dispositivos da Lei n. 6.404/76 se insere na comprovada
tendência hoje observada de se ampliar as regras imperativas para disciplinar a
conformação e as relações societárias das sociedades por ações, deixando cada
vez menos para a faixa estatutária. Trata-se do fenômeno do intervencionismo
jurídico, assumindo o Estado o controle da marcha das empresas.
Ao contrário do
que ocorre em outros países, como Estados Unidos e Inglaterra, em que a lei
societária é de natureza contratual e, como tal, objetiva compor interesses
privados dos acionistas e da companhia, no Brasil predomina o modelo institucional,
voltado aos interesses do Estado.
Outrossim, a
limitação da responsabilidade dos sócios e a ampla liberdade de constituição,
que sendo consideradas excepcionais até então passaram a ser a regra, haveriam
de ensejar, como de fato ocorreu, a prática de incontestáveis abusos, que,
aliás, já haviam sido constatados através das sociedades em comandita por
ações.
Aumentaram
ainda os riscos acarretados pela sociedade por ações moderna o incremento da
cisão entre a propriedade e o controle (risco e poder), e as variadas formas de
concentração societária, como a concentração em cadeia, as participações
recíprocas e as inúmeras formas hoje conhecidas.
Obviamente que
tudo isso implicou na intervenção cada vez maior do Estado na estrutura e
funcionamento da sociedade por ações, gerando em decorrência uma debilitação na
ampla margem de liberdade assegurada nas primeiras codificações legais desse
tipo societário.
Não é,
portanto, de se estranhar que as leis deixem cada vez menos para o âmbito
estatutário, preferindo regular minuciosamente toda a estrutura e funcionamento
da sociedade por ações, sendo também bastante reveladora a constante
intervenção judiciária na vida das sociedades, verificada em outros países.
A partir da
década de 1990, a abertura da economia brasileira cria um novo contexto para o
direito societário, em virtude do ingresso de capital estrangeiro no mercado de
capitais, do aumento da presença de empresas multinacionais, do fortalecimento
dos fundos de pensão, das fusões e incorporações e da transformação das antigas
estatais em empresas concessionárias.
A Lei n.
8.021/90 extinguiu os títulos ao portador e os endossáveis, sem evidentemente
ser esse o propósito do legislador, tendo significativo impacto sobre o sistema
de hegemonia absoluta dos controladores na companhia. E, com efeito, a
supressão das ações ordinárias sem voto (art. 112), fez com que contingentes de
acionistas titulares dessas ações de segunda classe passassem a integrar o
colégio deliberativo da companhia.
Assim, conforme
MODESTO CARVALHOSA15, “o modelo profundamente antidemocrático da Lei
6.404/76, voltada para o domínio de uma minoria titular de ações votantes,
enfraqueceu-se por vias transversas”.
Diante de tal
realidade, trataram os controladores, que para tanto tiveram dois anos de
adaptação, de aumentar até o limite máximo a emissão de ações preferenciais
(art. 15, § 2o), para o fim de compensar a perda dos seus
privilégios.
É certo, ainda,
que nos aspectos ligados ao abuso no exercício do controle acionário, a Lei n.
9.457, de 5 de maio de 1997, trouxe um pequeno reforço à disciplina da
responsabilidade civil do controlador por atos ilícitos e condutas abusivas,
acrescentando mais uma modalidade exemplificativa ao § 1o do art.
117 da lei societária, concretizada no ato de “subscrever ações, para os fins
do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da
companhia”.
Pode-se dizer
que as práticas de abuso de poder de controle são sempre diversas e, não
obstante o esforço que o legislador faça para caracterizá-lo, não se chegaria a
abranger todas as modalidades possíveis e imagináveis. Qualquer tentativa para
regulá-lo não evitará que seja descoberto um meio mais criativo de desenvolver
uma nova maneira de praticá-lo.
Segundo ARNOLDO
WALD16, ao iniciar-se o terceiro milênio, pode-se resumir a situação
existente no país entendendo que o mercado de capitais do Brasil está tendo seu
desenvolvimento prejudicado por aspectos fiscais (CPMF), pela migração de ações
para o exterior (ADRs) e também por uma estrutura societária que deve ser
reformulada.
Ainda segundo o
autor: a) o número de sociedades abertas está diminuindo, com poucas
empresas ingressando no mercado de capitais e várias outras fechando seu
capital; b) há uma grande litigiosidade na matéria, com conflitos de
interesses sendo levados às autoridades administrativas e à Justiça, abrangendo
ações de minoritários e preferencialistas contra a empresa e processos movidos
pelos diversos signatários dos acordos de acionistas ou dos titulares do
controle partilhado divergindo uns dos outros; e c) os abusos da maioria
e o desrespeito aos acordos dos acionistas, assim como o fechamento branco, ou
de fato, de empresas abertas, estão afetando gravemente a confiança que deve
ser depositada no mercado de capitais.
Portanto, a
somatória desses fatores levou à elaboração de projetos reformando a legislação
existente, embora se saiba que a mudança legislativa, por si só, não possa
resolver a totalidade dos problemas pendentes.
V.
A minoria e os direitos dos acionistas
O problema da
proteção às minorias coloca-se a partir do momento em que as sociedades começam
a expandir sua órbita de captação de capitais entre um grande número de
investidores, obtendo a participação de grandes camadas da população, no que se
convencionou chamar de democratização do capital.
A dispersão
excessiva dos acionistas possibilita a um pequeno grupo, coeso, apoderar-se do
controle acionário, sendo que via de regra as discussões, no fundo,
concentravam-se na proteção às maiorias.
No estudo da
questão de proteção às minorias, impõe-se inicialmente que sejam firmadas
algumas noções, especificamente relacionadas à terminologia que é, sem dúvida
bastante diversificada na doutrina, chegando a gerar confusões.
A expressão
“minoria” não se refere a uma noção meramente quantitativa, mas a uma relação
quantitativa de poder, que não corresponde ao número de pessoas, nem de ações,
necessariamente.
Maioria, por
outro lado é, sob tal aspecto, o controlador – o que de fato controla e dirige
a sociedade – e minoria os que, por várias razões (absenteísmo, minifúndio de
ações ou coesão do grupo controlador ou outros motivos), estão afastados do
poder, dentro da sociedade.
Para JOSÉ
EDWALDO TAVARES BORBA17, a proteção da minoria se apresenta sob dois
aspectos distintos: o da minoria ativa e o da minoria ausente.
A minoria ativa
constitui uma espécie de oposição. Os seus integrantes comparecem às
assembléias, discutem as questões a serem decididas, fiscalizam a atuação dos
administradores, lançam mão de expedientes legais destinados à proteção da
minoria e terminam por influir, até pelo protesto, nos destinos da companhia.
Para DOMINIQUE
SCHMIDT18, a minoria pode ser considerada um órgão subsidiário de
controle: “La minorité exerce dans la société une fonction de controle. Elle est chargée de veiller au fonctionnement régulier
de l’organisme social. Elle intervient ainsi soit pour faire sanctionner une
irrégularité, soit pour pallier l’inaction des organes sociaux. Mais là
s’arrête sin pouvoir d’agir; c’est pourquoi il n’est que subsidiaire. La minorité,
parce qu’elle est organe de contrôle, n’est qu’organe subsidiaire”.
A minoria
ausente é passiva e distante, não se interessando em exercer qualquer forma de
participação. Na grande empresa essa minoria se transforma em maioria, uma vez
que parcela representativa de mais de metade do capital tem por hábito não
comparecer às assembléias.
Por isso,
costuma-se dizer que as normas de proteção à minoria destinam-se, de certa
forma, a proteger a maioria ausente contra a minoria controladora (controle
minoritário). As normas de proteção à minoria destinam-se, em última análise, a
tutelar todos aqueles que não acompanham o grupo de controle.
TULLIO
ASCARELLI, em 1930, ao comentar a clássica tese de RENÉ DAVID19,
referia-se ao controlador como “piccoli nuclei dei grossi azionisti”, e
à massa dos demais acionistas como “masse dei piccoli azionisti”.
Enquanto os
controladores são também chamados de maioria, o que quantitativamente nem
sempre é correto, mas que na prática societária se confunde, a minoria, numa
análise mais profunda, oferece também dificuldades terminológicas, dado o
emprego variado de denominações para qualificar os acionistas integrantes do
quadro acionário.
Em relação ao
tema específico de proteção às minorias, tenha-se presente que embora constitua
um avanço inegável a identificação de um determinado tipo de acionista que
pretende participar ou participa da vida societária, sem ser o controlador,
fato que ademais é perfeitamente constatável na prática, não é suficiente, pois
que não esgota a qualificação de minoria que, para efeito de proteção, deve ter
uma configuração mais ampla.
Com efeito, se
se leva em conta que os direitos chamados inderrogáveis são concedidos a todos
os acionistas em geral, mas também aproveitam a estes, como minoria, tem-se que
esta acaba por abranger também o simples “rendeiro” e o “especulador”.
A concessão,
portanto, de certos direitos a todos os acionistas e alguns direitos a
determinado acionista ou acionistas que representam uma porcentagem do capital
social (ou de ações com ou sem direito a voto) é, portanto, válida e tem como
finalidade alcançar aqueles que, em determinado momento, estejam em posição de
minoria.
A proteção é em
geral conferida a todos os acionistas que se encontram em minoria;
evidentemente que tais direitos serão exercidos por aqueles que efetivamente se
interessam pelos negócios sociais ou por seus direitos.
Quando se tem
de tomar partido entre uma política de altos dividendos e de autofinanciamento,
se se quiser optar pela primeira hipótese, visando dar condições para atrair a
aplicação de capitais fortalecendo o mercado acionário, claro está que se dará
proteção a todos os acionistas não controladores, e não se diga que, perante
certas manobras dos controladores para valorizar suas ações em comparação com o
valor das ações dos demais (caso de fusão, incorporação, venda de controle,
principalmente), os acionistas dito especuladores não lutarão por seus
direitos.
Nessas
condições também é difícil entender a minoria, como um grupo organizado, uma
verdadeira “entidade”. Como em regra a minoria não é senão a maioria
desorganizada, é difícil conciliar tal entendimento com a prática da vida
societária.
Segundo
WALDIRIO BULGARELLI20, se a expressão visa a considerar a minoria
como um corpo orgânico, suscetível de, nessa qualidade, ser alvo de proteção
legal e da outorga de certos direitos.
Minoria é,
finalmente, uma posição, eventual ou não, pela qual o acionista passa; pode-se
dizer que o acionista não é minoria, mas está em minoria. Situação, ademais,
que pode ser eventual, pois que ele pode, por aquisição contratual
(fornecimento, financiamentos, etc.), tornar-se maioria ou dela participar.
Desta forma,
protege-se aquele acionista, que se encontra em tal posição contra os possíveis
e eventuais abusos da maioria. Enquanto os direitos conferidos aos acionistas
em relação à sociedade visam garanti-los, mantendo intocável a sua posição de
acionista ou possibilitando que defendam seus interesses individuais contra o
grupo ou especificamente contra a administração, aqueles conferidos aos
acionistas, como minoria, objetivam permitir que possam intervir na vida
societária.
Daí podemos
considerar os direitos dos acionistas, em geral, e enquanto tal, como os
concedidos contra qualquer violação, objetivando protegê-los, salvaguardando a
essencialidade da sua condição de sócio e voltados contra quem quer que seja.
Já os direitos
concedidos aos acionistas, enquanto minoria, vale dizer, quando sujeitos aos
controladores, têm como objetivo protegê-los contra qualquer violação ou
manobra da maioria tendente a prejudicar seus interesses.
Daí a noção,
hoje bem aceita, de que a minoria é o acionista ou conjunto de acionistas que,
na Assembléia Geral, detém uma participação em capital inferior àquela de um
grupo oposto.
Diante dessa
posição acionária, na situação jurídica existente no seio da sociedade por
ações, a qual corresponde uma outra que é a de maioria, o que afasta certas
noções ousadas ou mal formuladas é que visa-se assegurar um equilíbrio razoável
dentro do quadro acionário.
Desta forma,
pretende-se atenuar as tensões evitando os abusos, justificando-se falar em
proteção às minorias ou mesmo de direito das minorias, ao lado dos direitos
concedidos aos acionistas.
Portanto, a
proteção à minoria não se deve a ela mesma, mas à violação de seus direitos
pela maioria. Todos os acionistas, em princípio, são iguais e têm os mesmos
direitos.
VI.
Alterações da Lei n. 10.303/01 no que se refere à proteção dos minoritários
A)
Aspectos gerais da nova disciplina do Direito de Retirada
A Lei n.
9.457/97, promulgada em 5 de maio de 1997, promoveu algumas alterações em
relação à Lei n. 6.404/76, no que se referente ao exercício do direito de
recesso por parte dos acionistas dissidentes de determinadas decisões adotadas
pelas companhias.
Objetivou a
reforma, no tocante ao instituto do direito de recesso, impedir seu uso, por
parte dos acionistas minoritários, para o fim de obstaculizar ou onerar
excessivamente processos de reestruturação societária implementados mediante
operações de fusão, cisão, incorporação ou formação de grupos de sociedades.
Visou a
reforma, manifestamente, reduzir os custos, para o governo, da privatização de
empresas estatais concessionárias de serviços públicos, especialmente nos
setores de telecomunicações e de geração ou distribuição de energia elétrica.
Outrossim,
objetivou a lei eliminar a “indústria do recesso”, impedindo a aquisição de
ações para o fim específico de exercer o direito de recesso com relação a
decisões empresariais já divulgadas pela administração da companhia.
A Lei n.
9.457/97, ao dar nova redação aos arts. 136 e 137, manteve o direito de recesso
ao acionista dissidente da deliberação de: a) fusão da companhia; b)
incorporação da companhia em outra; e c) participação em grupos de
sociedades.
Contudo,
anteriormente à Lei n. 9.457/97, a Lei n. 7.958/89 – “Lei Lobão” –, ao dar nova
redação ao caput do art. 137 da Lei das Sociedades por Ações (6.404/76)
e ao excluir os incisos VI e VIII do art. 136 como hipóteses ensejadoras do
direito de recesso, provocou discussões doutrinárias sobre a eventual
eliminação do recesso para as hipóteses de incorporação, fusão, cisão e
participação em grupo de sociedades.
Depois da
polêmica alteração feita pela denominada “Lei Lobão” (Lei n. 7.958/89), e das
mudanças da Lei n. 9.457/97, o legislador procurou aperfeiçoar o instituto do
direito de retirada, ao mesmo tempo em que elimina algumas dúvidas e
divergências dos doutrinadores sobre o tema.
A Lei das Sociedades
por Ações multiplicou os casos de direito de recesso. Uma detida análise se faz
necessária, em decorrência das alternativas de retirada dos acionistas,
evitando as hipóteses em que o exercício deste direito possa gerar um
engessamento do desenvolvimento empresarial necessário para o atendimento dos
fins sociais, especialmente em uma fase de grandes transformações da economia.
A nova Lei das
Sociedades por Ações (Lei n. 10.303/2001) voltou a incluir a possibilidade de
exercício do direito de recesso no caso de cisão, além de manter tal faculdade
na ocorrência das medidas listadas no art. 136 que modifiquem estruturalmente a
companhia, como nos casos de fusão e incorporação, ou alterem os direitos dos
minoritários.
A nova lei
restabelece o direito de recesso nas operações de cisão (de que trata o inciso
IX do art. 136), sempre que, em virtude da fragmentação patrimonial da
companhia resultar, na sociedade que absorver a parcela cindida, uma mudança de
objeto social.
A regra se
justifica, uma vez que o acionista da sociedade que tem seu patrimônio
fragmentado passa a participar, em proporção equivalente ao percentual da
parcela cindida, de sociedade que explora objeto diverso daquele que vinha
sendo exercido pela sociedade cindida.
A lei ressalva
o exercício do direito de retirada por mudança do objeto quando a atividade
preponderante da sociedade que absorver a parcela cindida coincidir com a
atividade que vinha sendo explorada pela sociedade que teve seu patrimônio
repartido.
O intuito foi
facilitar a reorganização societária. Na atual mundialização é comum a
necessidade de rearranjos societários para ganhar eficiência e redução de
custos.
Nesse sentido,
a regra tal como se encontra no dispositivo original (do Deputado Emerson
Kapaz) “engessa” esse importante instrumento para a obtenção desse objetivo, já
que muitas vezes é interessante cindir uma sociedade em outras distintas cada
uma desenvolvendo uma única atividade, sendo que todas reunidas continuarão
preservando o patrimônio do investidor, propiciando um melhor retorno do
investimento.
Objetiva-se com
a nova regra impedir que, através de processo de cisão – que em princípio
não agrava direito dos acionistas minoritários –, seja deliberado, por via
oblíqua, uma alteração do objeto social, que autoriza os dissidentes da
deliberação a pedir o reembolso de suas ações.
Segundo LUIZ
LEONARDO CANTIDIANO21: “Considerando que a expressão atividade
preponderante é vaga, o intérprete deve examinar cada caso para verificar se a
principal atividade desenvolvida pela sociedade que absorver a parcela cindida
coincide com toda a atividade – ou parte dela – que vinha sendo explorada pela
sociedade cindida”.
O direito de
retirada poderá ser exercido apenas em relação às ações de emissão da sociedade
incorporadora da parcela cindida, sem que os acionistas da cindida possam
pretender se retirar da sociedade original, que remanescer explorando a
atividade de prestação de serviços, por exemplo.
Outrossim, a
nova lei (10.303/2001), recém aprovada, restringe bastante a possibilidade de
haver a exclusão do exercício do direito de retirada por acionistas dissidentes
de deliberação que aprovar operação de fusão ou incorporação de sociedades, na
medida em que passa a exigir que os dois requisitos instituídos pela lei de
1997 – liquidez e dispersão – sejam atingidos de forma cumulativa22.
Como são poucas
as companhias abertas que têm ações de sua emissão compondo índice
representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no
mercado de capitais, o direito de recesso poderá ser exercido pelos acionistas
de todas aquelas companhias que não preencherem tal requisito, ainda que haja,
em relação às últimas, relevante dispersão de suas ações nas mãos de acionistas
não controladores.
A nova lei
outorga à CVM poderes para definir o índice representativo de liquidez em bolsa
de valores, do país ou do exterior, que deve ser considerado para os efeitos
dispostos pelo inciso II do art. 137 da Lei n. 10.303/01.
A nova redação,
segundo alguns autores23, que é dada ao artigo acima mencionado
restringirá bastante, ao menos, no médio prazo, a possibilidade de não
exercício, pelos acionistas dissidentes de deliberações que aprovem
reestruturação societária das companhias abertas, do direito de retirada.
B)
O tag along dos minoritários em caso de alienação do controle
Para situar
adequadamente a questão, é importante relembrar que segundo a redação original
do projeto da lei societária de 1976, aceitava-se o fato de que o mercado
atribuía ao bloco de ações, representativo do controle da companhia, um prêmio,
a ser recebido pelo titular do referido bloco, que era transferido ao
adquirente24.
O projeto
original de reforma de 1976 apenas exigia que, em relação às sociedades
especiais, que dependem de autorização governamental para funcionar, a
transferência do controle fosse aprovada pela CVM, após a apresentação de
oferta pública dirigida aos seus acionistas minoritários, para conceder, aos
referidos minoritários, a oportunidade de partilhar o prêmio de controle.
O tratamento
especial que era conferido aos acionistas não controladores das aludidas
sociedades se justificava na medida em que, em relação a elas, era embutido no
preço de alienação e controle o valor dos intangíveis da sociedade, que
pertenciam a todos os seus acionistas25.
No que se
refere à alienação do poder de controle, a Lei n. 9.457/97 havia retirado do
texto legal (Lei n. 6.404/76) a obrigatoriedade de extensão aos acionistas
minoritários do preço pago ao controlador, quando da venda de controle de
companhia aberta.
Ao longo da
vigência do art. 254 da Lei n. 6.404/76, a CVM se deparou com inúmeras e
infindáveis discussões, muitas das quais certamente retornarão, quanto à
obrigatoriedade ou não de apresentação de oferta pública quando da alienação do
controle indireto da companhia – matéria que agora é expressamente tratada pelo
legislador – e quanto aos critérios de fixação do preço que deveria ser pago
aos aceitantes da oferta pública, principalmente naquelas operações de
transferência indireta do controle.
O legislador de
1997, quanto a esse ponto, teve por escopo viabilizar a alienação do controle
de sociedades de economia mista, diante dos processos de desestatização em
curso, que teve tratamento diferenciado, decorrente do interesse público
envolvido e porque a norma dificultava e gerava custos elevados nos processos
de reorganização societária.
O
restabelecimento do art. 254, agora descrito como art. 254-A pela Lei n.
10.303/01 é, pois, reflexo do tratamento dado à matéria anteriormente e que,
hoje, prevalece na maioria dos países. Depois de superar enorme resistência de
setores da sociedade civil, especialmente das associações representativas das
companhias abertas, a nova lei revigora, ainda que contendo mudanças
significativas, o artigo mencionado.
Conforme
ARNOLDO WALD26, dentre as inovações trazidas pelo atual dispositivo,
destacam-se as seguintes:
a) a
necessidade de oferta pública, como condição para a alienação do controle da
companhia aberta, para a aquisição das demais ações com direito a voto da
companhia, por preço mínimo correspondente a 80% do valor pago por ação do
bloco integrante do controle; e
b) a
possibilidade de oferta, pelo adquirente do controle acionário, de prêmio para
que os acionistas minoritários permaneçam na companhia.
Deve-se
destacar que, a exemplo da Lei n. 6.404/76, a Lei n. 10.303/01 abrange,
imperativamente, as ações representativas do controle da sociedade,
indicando-se no novo texto os valores mobiliários abrangidos pelo conceito.
Por outro lado,
não há na Lei n. 10.303/01 dispositivos preventivos da operação em si, que pode
ser extremamente danosa à companhia e à grande massa de acionistas
preferenciais.
C)
A proteção dos minoritários no caso de fechamento do Capital da Sociedade por
Ações aberta
Em sua redação
original, o caput do art. 4o da lei definia como companhia
aberta a sociedade que tem valor mobiliário de sua emissão admitido à
negociação em bolsa de valores ou no mercado de balcão, sendo considerada
fechada a companhia cujos valores mobiliários não estejam admitidos à
negociação naqueles mercados.
Por outro lado,
o parágrafo único do mencionado artigo salientava que apenas poderiam ser
distribuídos nos mercados de bolsa e/ou de balcão os valores mobiliários de
companhia registrada na CVM.
Com a nova
redação dada ao caput do art. 4o e ao seu § 127
(que substitui o anterior parágrafo único), é feita referência genérica ao
mercado de valores mobiliários, sem particularizar aquelas espécies antes
referidas (mercado de bolsa de valores e de balcão).
Promover a
troca do termo negociação em bolsa ou no mercado de balcão por negociação
no mercado de valores mobiliários constitui mera alteração
redacional.
Trata-se, nas
palavras de MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK, apenas de modificação que em
nada acrescenta ao conceito de companhia aberta, uma vez que o mercado de
valores mobiliários é composto das negociações públicas em bolsa de valores ou
no mercado de balcão, que é aquele constituído pelas transações intermediadas
por instituições financeiras fora de bolsa de valores28.
A razão
determinante de mencionada alteração passa ao largo da compreensão deste
subscritor, na medida em que o mercado de valores, como já dito, engloba,
necessariamente, os mercados de bolsa (em que as operações são realizadas em
local físico criado para permitir que os negócios de compra e venda de valores
mobiliários possam ocorrer) e de balcão (que conforme definição constante do
art. 1o, da Instrução CVM no 243/96, é explorado por
entidade que tenha desenvolvido sistema organizado de negociação de títulos e
valores mobiliários de renda variável, constituída como sociedade civil ou
comercial).
Mesmo quando a
negociação se dá por processo eletrônico, inclusive via internet, a
operação é realizada e liquidada na bolsa de valores ou no mercado de balcão
organizado que mantêm dito sistema eletrônico de negociação.
Por outro lado,
as operações de liquidação futura e as de empréstimo de ações, assim como as
negociações de derivativos, também ocorrem em mercados de bolsa ou de balcão.
Finalmente,
neste tópico, cumpre mencionar a questão do “preço justo”. Depois de
longa e difícil negociação – que envolveu setores da sociedade civil,
funcionários do governo e parlamentares – o Congresso decidiu estabelecer, como
regra geral, que o preço da oferta pública apresentada para o cancelamento de
registro de companhia aberta teria de ser justo.
Preço justo,
nos exatos termos do que determina a novel lei, é aquele que for igual ao valor
de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma
isolada ou combinada, (i) de patrimônio líquido contábil, (ii) de
patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, (iii) de fluxo de caixa
descontado, (iv) de cotação das ações no mercado de valores mobiliários,
(v) ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores
Mobiliários.
Para MODESTO
CARVALHOSA o texto da lei apresenta uma série infindável, “um verdadeiro
pacote, uma verdadeira cesta de opções que os controladores teriam para
oferecer aos minoritários, no caso de desejarem o fechamento do capital,
criando, portanto, um conceito absolutamente inexistente no mundo moderno, no
mundo da econometria, o sentido do preço justo, que é um conceito moral e não
jurídico”29.
Para LUIZ
LEONARDO CANTIDIANO, levando-se em consideração as dificuldades que foram
encontradas para a aprovação, na Câmara dos Deputados, da proposta que impunha
como critério determinante do preço da oferta pública dirigida aos titulares de
ações em circulação no mercado o respectivo valor econômico, a solução alcançada,
após longa negociação com os setores interessados, aperfeiçoa o sistema legal
que até agora estava em vigor, até mesmo porque cria um sistema de equilíbrio
entre os detentores do controle acionário das companhias e os titulares de
ações em circulação no mercado30.
Desta forma, o
ofertante tenderá a propor, para a compra das ações que são detidas pelos
investidores, o preço mais justo possível, para evitar que os destinatários de
sua oferta possam requerer nova avaliação, objetivando o aumento do aludido
preço.
Os acionistas
não controladores, destinatários da oferta de compra, por outro lado, não serão
estimulados a requerer nova avaliação, o que só farão se o preço ofertado for
comprovadamente inadequado, porque correm o risco de, sendo confirmado pelo
novo avaliador que o preço oferecido é justo, arcar com os custos de outra
avaliação.
D)
A Alteração na Proporção entre ações ordinárias e ações preferenciais
Desde
a reforma da lei societária, ocorrida em 1976, há grande debate entre os
estudiosos do tema com relação à manutenção em nosso sistema legal de ações sem
direito a voto.
A lei recém
sancionada reduz, para as novas companhias, e para as fechadas hoje existentes,
quando decidirem registrar-se como sociedades abertas, o limite de emissão de
ações desprovidas do direito político (ou com restrição no exercício deste
direito), que passa a ser de 50%.
As companhias
abertas existentes podem manter a proporção de até 2/3 (dois terços) de ações
preferenciais, em relação a novas emissões de ações (art. 8o, § 1o,
da Lei n. 10.303/2001).
A exceção
estabelecida pela lei – que objetiva preservar a situação que antes vigorava
para as companhias existentes – prevalece mesmo quando tais sociedades (abertas
existentes antes da entrada em vigor da lei) não tiverem atingido o limite de
2/3 do capital social.
O texto
sancionado é substancialmente diverso daquele que constava de versão preliminar
do substitutivo que fora elaborado pela Comissão de Finanças e Tributação da
Câmara dos Deputados: “as companhias abertas existentes que tiverem emitido
ações preferenciais em montante superior ao permitido poderão manter a
proporção existente, inclusive em relação a novas emissões de ações”.
Como o
legislador não alterou o texto do citado dispositivo, graciosamente é forçoso concluir
que a modificação introduzida no § 1o do art. 8o teve por
objetivo precípuo e determinado permitir à companhia aberta existente emitir
até 2/3 de seu capital em ações preferenciais sem direito a voto, ou com
restrição deste direito, mesmo quando ainda na tiver atingido aquele limite.
Se não bastasse
esta circunstância, para demonstrar que todas as companhias abertas existentes
à época da entrada em vigor da lei podem emitir até 2/3 de ações preferenciais
sem direito de voto, é necessário examinar o § 2o, do mesmo art. 8o
da Lei n. 10.303/2001; o mencionado dispositivo, ao admitir que a companhia
existente possa se adaptar ao novo limite estabelece que “uma vez reduzido o
percentual de participação em ações preferenciais, não mais será lícito à
companhia elevá-lo além do limite atingido”.
A contrário
senso, portanto, é admitido que a companhia existente, que não decida
adaptar-se ao novo limite, possa aumentar a quantidade de ações preferenciais
desprovidas do direito de voto (ou com restrição no exercício deste direito)
até atingir o limite que vigorava antes de a Lei n. 10.303/2001 ser sancionada.
E)
A participação dos acionistas minoritários e preferencialistas na composição do
Conselho de Administração
Outra
importante inovação é a que se refere ao exercício do controle acionário, a Lei
10.303/01 trouxe disposições que determinam a participação dos acionistas
minoritários e preferenciais na composição do conselho de administração, por
meio da eleição de um conselheiro.
Somente poderão
exercer o direito de eleger um membro e seu suplente no Conselho de
Administração em votação em separado na Assembléia Geral (excluídos os
controladores), os acionistas representantes de 15% do total das ações com
direito a voto, complementando-se assim as regras referentes ao voto múltiplo
ou acionistas preferenciais, com voto restrito ou sem direito a voto,
representantes de 10% do capital social, contanto que comprovem a
titularidade ininterrupta da participação acionária exigida durante o período
de três meses.
O texto atual
do art. 141, de acordo com a redação estabelecida pela novel legislação,
faculta aos acionistas acima mencionados o direito de agregar suas ações para
alcançarem o quorum exigido pelo novo inciso II deste artigo, com vistas à
eleição de um membro no conselho de administração e seu suplente.
Segundo ALFREDO
LAMY FILHO31, levadas ao extremo, as medidas de proteção aos
acionistas minoritários podem acabar por trazer um certo bloqueio ao processo
de tomada de decisões na vida da empresa, acarretando prejuízos à própria
companhia e aos seus acionistas.
As novas
normas, sem dúvida, têm como aspecto positivo, o fato de possibilitar ao
acionista sem direito de voto a prerrogativa de, mesmo que não chegue
influenciar as decisões administrativas importantes, poder conhecer, com maior
transparência, e discutir os atos de gestão da sociedade, funcionando, na
realidade, como verdadeiro observador e debatedor.
Cumpre notar,
dentre as alterações efetuadas, a do art. 140, parágrafo único, que confere a
possibilidade de um membro ser eleito pelos empregados para o conselho de
administração.
Trata-se de
norma que incentiva a independência no exercício das funções do administrador
de sociedades por ações, dando um novo perfil à composição desse órgão
societário e estimulando as regras de governança corporativa.
Destaca-se
ainda a inexigibilidade de que os diretores sejam acionistas da companhia, por
força do art. 146, caput. Esta norma já havia sido introduzida na Lei n.
6.404/76, pela Medida Provisória 1.754-18 de junho de 1999, em vigor desde a
sua publicação, evitando, assim, as transferências meramente simbólicas que são
geralmente procedidas para o fim único de permitir a eleição do conselheiro.
A Lei n.
10.303/01 manteve a redação atual do caput do art. 146 (exatamente como
da medida provisória acima descrita), consagrando a desnecessidade de
residência dos conselheiros no país, rejeitando a proposta apresentada no
projeto de lei definitivo aprovado no Congresso Nacional, que propunha a
permanência de 2/3 dos mesmos no território nacional, em caráter permanente.
F)
As regras de transparência
A CVM, no
desempenho de suas atividades, sempre esteve preocupada com o tratamento
desigual que pode haver entre os acionistas da companhia aberta que integram o
seu grupo de controle, ou que estão próximos dos acionistas controladores, e os
investidores de mercado.
O direito à
informação completa e imediata não é um privilégio. A empresa deve fornecer
informações constantes e detalhadas aos seus acionistas. Assim, tanto nas
assembléias como nos relatórios da empresa, devem ser publicizados todos
os elementos importantes à avaliação dos acionistas a respeito dos negócios e
da situação financeira da companhia, abrangendo o montante das remunerações
individuais dos administradores, o número de ações e de stock options
que possuem, as suas vantagens diretas e indiretas.
É necessário
conceder maiores poderes de atuação à CVM de modo a obrigar as companhias a
divulgar o balanço com maior clareza, bem como a proporcionar aos acionistas um
maior tempo para exame das informações disponibilizadas, especialmente no caso
das reestruturações societárias, para que possam analisar, de forma mais
detida, as questões de maior complexidade tratadas pela assembléia geral de uma
companhia.
Acolhendo as
propostas do Projeto de Lei definitivo aprovado pelo Congresso Nacional, a Lei
n. 10.303/01 concedeu à CVM poderes suficientes para assegurar que, no caso das
companhias abertas, em vista das matérias de maior complexidade, os acionistas
tenham direito a uma maior transparência, possibilitando a formação de sua
convicção e o conseqüente exercício do seu direito de voto (nova redação dada
ao art. 124, §§ 5o e 6o).
De acordo com a
nova lei a CVM é competente para interromper o curso do prazo para realização
da assembléia geral, sempre que entender que a matéria a ser deliberada não é
suficientemente esclarecida, podendo determinar que sejam prestadas as
informações complementares ou adotadas as providências que julgar necessárias
(nova redação dada ao art. 124, § 5o, II).
Cumpre destacar
apenas que já na Instrução Normativa 319/99 a CVM dispunha sobre a divulgação
de informações nas operações de incorporação, fusão e cisão envolvendo
companhia aberta, impondo maior prazo para conhecimento e exame das informações
pelos acionistas, antes da deliberação, em assembléia, a respeito da operação.
G)
A Arbitragem
Importante
inovação introduzida na Lei n. 10.303/02, outorgando às companhias a faculdade
de incluir, em seus estatutos, previsão expressa que submete os litígios
societários à apreciação da arbitragem, é extremamente benéfica para assegurar,
com maior agilidade, adequada proteção aos investidores.
CARLOS ALBERTO
CARMONA, ensina que “trata-se (a arbitragem) de uma técnica para a solução de
controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus
poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção, sem
intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir a eficácia de sentença
judicial”32.
Para se adequar
ao sistema vigente – que apenas admite a submissão de uma divergência à decisão
arbitral quando as partes contratantes, voluntariamente, deliberam ajustar
nesse sentido –, a lei estabelece que as companhias poderão inserir em seus
estatutos regra que submeta ao procedimento arbitral as controvérsias entre os
acionistas minoritários e os controladores, devendo o estatuto especificar os
termos que devem vigorar durante a arbitragem.
VII.
Conclusão
A reforma da
Lei das Sociedades por Ações, iniciada em 1997 e concluída com a promulgação da
Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, representa um produto da atividade
legislativa democrática, tendo sido objeto de grande atenção de diversos
setores da sociedade civil durante sua tramitação pelo Congresso Nacional.
A reforma
implementada, em paralelo ao fortalecimento da CVM, teve como fonte de
inspiração as recomendações das práticas de governança corporativa, assumindo o
pressuposto de que a lei, como forma de regramento das relações sociais, possui
um importante papel a desempenhar no sentido de aumentar o nível de proteção do
investidor minoritário, o que de fato não sabemos se irá acontecer.
Obviamente que
toda e qualquer medida de aprimoramento das normas da lei societária será
inócua, caso não se proporcione ao investidor de mercado meios para tornar
efetiva a disposição legal, de forma rápida e eficaz.
É preciso
lembrar que, somente a partir de 1990 e, em particular, nos últimos dez anos, o
Brasil saiu de uma economia em grande parte dominada pelo capitalismo de Estado
para uma economia de mercado, sem modificar, todavia, a sua legislação.
Em realidade, a
única alteração foi no sentido de facilitar a transição, sem, contudo, oferecer
soluções para a nova fase que o país atravessa.
Basta verificar
que, em 1990, mais da metade, e talvez dois terços, das maiores empresas
brasileiras eram estatais, enquanto, atualmente, esta proporção caiu
substancialmente, em virtude das privatizações nas áreas de telecomunicações,
energia e outras, devendo ficar ainda mais reduzida com a venda de empresas
prevista para este ano e o próximo.
Assim, o
mercado de capitais passou a ter maior importância, tanto mais que,
simultaneamente, a luta contra a inflação fez com que, na medida do possível, o
Governo, substituísse uma política de endividamento pela participação
acionária, fazendo, inclusive, com que o capital estrangeiro entrasse no país,
na maioria das vezes, sob a forma de investimento direto ou de aplicação em
ações, em vez de empréstimos feitos a bancos ou empresas brasileiras.
A importância
da legislação societária e do mercado de capitais cresceu também em virtude da
globalização e da maior competitividade internacional dela decorrente.
Realizou-se, outrossim, a partir de 1990, a abertura da economia brasileira,
para sair de uma espécie de mercado cativo, decorrente da política de
substituição de importações, que teve sua grandeza, mas ficou obsoleta e
ultrapassada.
Em conclusão,
as inovações introduzidas pela nova lei, embora não tenham sido tão amplas como
desejável, pelo menos deram um passo na direção certa. Um mercado de capitais
fragilizado acarretou, e ainda causa, perdas sociais. A retomada de nosso
crescimento só se tornará possível com a efetiva democratização do capital.
Um mercado de
capitais forte gerará mais investimentos e, conseqüentemente, mais empregos,
maior produção, maior riqueza, resultando no crescimento do país.
VIII. Bibliografia
ASCARELLI, Tullio. Problemas das
Sociedades Anônimas e Direito Comparado, Bookseller, Campinas, 1a
ed., 2001;
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Lei das S.A., Renovar, Rio de Janeiro, 2002;
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Saraiva, São Paulo, 1984;
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minoritários e o mercado de capitais, in Revista de Direito
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SCHMIDT, Dominique. Les Droit de la Minorité dans la Société
Anonyme, Daloz, Paris, 1970;
WALD, Arnoldo. A reforma da lei das
sociedades anônimas: os direitos dos minoritários na nova lei das S.A. In:
Reforma da Lei das Sociedades Anônimas, coordenador Jorge Lobo, Forense, Rio de
Janeiro, 2002;
1. Na América
Latina, historicamente se usou a expressão sociedade anônima, e por questões de
tradição vem se mantendo essa expressão hodiernamente. Contudo, no Brasil, em
decorrência da alteração introduzida pela Lei 8.021/90 que extinguiu as ações
ao portador e endossáveis, e, portanto, acabou com o acionista inominado,
entendemos por bem usar a expressão sociedade por ações como padrão. Nos
Estados Unidos utiliza-se a expressão business corporation. Na Alemanha,
usa-se a expressão Aktiengesellschaft, que decorre da divisão do capital
social em ações. Na Inglaterra, usa-se comumente a expressão company limited
by shares.
2. Cfr. Tullio
Ascarelli. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado,
Bookseller, Campinas, 1a ed., 2001, p. 452.
3. Usou-se a
expressão recentemente, porque, como já mencionado, em 1990, por força da Lei
n. 8.021 extinguiu-se a possibilidade de emissão de ações ao portador e
endossáveis. Hoje somente são possíveis ações nominativas ou escriturais, no
direito brasileiro. No direito norte-americano, a ação é sempre nominativa,
pode, no entanto, o transfert, no registro do emitente, ser pedido por
quem tenha adquirido o certificado com a declaração da transferência (até com o
nome do adquirente em branco) lançada no mesmo, e não pode, de outro lado, ser,
o transfert, pedido por quem não seja possuidor do certificado.
4. No direito
inglês na há distinção entre um órgão de fiscalização e um órgão de direção:
existe somente o board of directors ao passo que a revisão contábil é
confiada a contadores revisores, que não constituem, porém, um órgão da
sociedade, nomeado pela assembléia.
5. Tullio
Ascarelli. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado,
Bookseller, Campinas, 1a ed., 2001, p. 483.
6. Cfr. Fábio
Ulhoa Coelho. Curso de Direito Comercial, Saraiva, São Paulo, 5a
ed., 2002, p. 273.
7. José Edwaldo
Tavares Borba. Direito Societário, Renovar, Rio de Janeiro, 6a
ed., 2001, p. 299.
8. Fábio Ulhoa
Coelho, op. cit., p. 274.
9. Fábio Ulhoa
Coelho, op. cit., p. 274.
10. Cfr. Fábio
Ulhoa Coelho, in op. cit, pp. 274/275.
11. Cfr. Waldirio Bulgarelli. Regime Jurídico
da Proteção às minorias nas S/A (De acordo com a reforma da Lei 6.406/76), Renovar, Rio
de Janeiro, 1998, p. 14.
12. Cf. Waldirio Bulgarelli. Regime Jurídico
da Proteção às minorias nas S/A (De acordo com a reforma da Lei 6.406/76), Renovar, Rio
de Janeiro, 1998, pp. 15/16.
13. [13]
Waldirio Bulgarelli. Regime Jurídico da Proteção às minorias nas S/A (De
acordo com a reforma da Lei 6.406/76), Renovar, Rio de Janeiro, 1998, p.
21.
14. Criada pelo
Securities Exchange Act, de 1934, com a atribuição de regulamentar a
comercialização de títulos oferecidos por intermédio das Bolsas nacionais, de
impedir qualquer manipulação desonesta desses valores, de controlar e
fiscalizar o cumprimento das leis federais, e em geral, de adotar regras
aplicáveis às sociedades cujas ações estejam cotadas em Bolsa.
15. Modesto Carvalhosa.
Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, Saraiva, São Paulo, vol. 2, 2a
ed. revista, 1998, pp. 278/279.
16. Arnoldo
Wald. A reforma da lei das sociedades anônimas: os direitos dos minoritários
na nova lei das S.A. In: Reforma da Lei das Sociedades Anônimas,
coordenador Jorge Lobo, Forense, Rio de Janeiro, 2002, p. 225.
17. José Edwaldo Tavares Borba, in op. cit., p.
318.
18. Dominique Schmidt. Les Droit de la Minorité dans la Société Anonyme, Daloz, Paris, 1970, p. 225.
19. René David. La protection des minorités dans
les sociétés par action, Daloz, Paris, 1929.
20. Waldirio Bulgarelli, in op. cit., pp.
39/40.
21. Luiz
Leonardo Cantidiano. Reforma da Lei das SA., Renovar, Rio de Janeiro,
2002, p. 160.
22. Cfr. Luiz
Leornardo Cantidiano, in op. cit., p. 165.
23. Cfr.
Modesto Carvalhosa, Luiz Leonardo Cantidiano, Arnoldo Wald, dentre outros.
24. A própria
exposição de motivos justificativa da reforma de 1976 mencionava que
“transferência do controle, que seja o preço de negociação das ações, não
acarreta, em princípio, agravo a direito minoritário”.
25. Cfr. Luiz
Leonardo Cantidiano. Alienação e Aquisição de Controle, in Direito
Societário & Mercado de Capitais, Renovar, Rio de Janeiro, 1996, pp. 30/63.
26. Arnoldo Wald, in op. cit., p. 231.
27. Ҥ 1o
– Somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão
de Valores Mobiliários podem ser negociados no mercado de valores mobiliários.”
28. Cfr.
Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik. A nova Lei das S/A, Saraiva, São
Paulo, 2002, p. 33.
29. Cfr. Texto
extraído da audiência pública realizada no dia 15 de maio de 2001, pela
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, site:
http//www.senado.gov.br.
30. Cfr. Luiz
Leonardo Cantidiano. Reforma da Lei das S.A. Comentada, Renovar, Rio de
Janeiro, 2002, p. 38.
31. Alfredo
Lamy Filho. A empresa, os minoritários e o mercado de capitais, in
Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, número 9.
32. Apud
Luiz Roberto Ayoub, Revista da Emerj, vol. 4, no 15-2001, p. 190.
Retirado de: www.saraivajur.com.br