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A tutela jurídica do acionista minoritário – de acordo com a Lei n. 10.303/2001

 

Ecio Perin Junior

 

Advogado, Especialista em Direito Empresarial pela Università degli Studi di Bologna (Itália), Mestre e Doutorando em Direito Comercial pela PUC/SP

 

I. Introdução. II. Organização interna da sociedade por ações e a tutela do acionista. III. O Acionista e a sua relação de poder. IV. Breve escorso histórico da proteção das minorias. V. A minoria e os direitos dos acionistas. VI. Alterações da Lei 10.303/01 no que se refere à proteção dos minoritários. A) Aspectos gerais da nova disciplina do Direito de Retirada. B) O tag along dos minoritários em caso de alienação do controle. C) A proteção dos minoritários no caso de fechamento do Capital da Sociedade por Ações aberta. D) A Alteração na Proporção entre ações ordinárias e ações preferenciais. E) A participação dos acionistas minoritários e preferencialistas na composição do Conselho de Administração. F) As regras de transparência. G) A Arbitragem. VII. Conclusão. VIII. Bibliografia.

I. Introdução

A origem da sociedade por ações 1 está vinculada, sem sombra de dúvidas, às companhias coloniais, a começar pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, em 1602 2. As sociedades por ações, instrumentos típicos das economias mais avançadas, encontram-se, dessa forma, vinculadas em sua origem à colonização do Oriente e daquele Novo Mundo que surgia e que os historiadores costumam precisar como sendo o início da história moderna.

A sociedade por ações apresentou-se como o instrumento típico da grande empresa capitalista e, a despeito das crises que sofreu, foi elaborando aos poucos sua disciplina: determinou-se a distinção entre os acionistas e os vários órgãos sociais e as funções destes; o conceito de exercício social e de repartição periódica dos lucros.

Aos poucos foram surgindo as ações ao portador e foi-se precisando o conceito e as características da responsabilidade limitada e aprimorando o conceito de capital social.

Assim, chegou-se aos dois princípios hodiernamente fundamentais da sociedade por ações: a responsabilidade limitada e a divisão do capital social em ações.

O primeiro princípio indica, em síntese, a responsabilidade limitada do acionista pelas dívidas da sociedade, podendo-se afirmar que embora o acionista responda de forma ilimitada pelas obrigações que assumiu perante a sociedade, não é, porém, responsável pelas dívidas sociais pelas quais responde a sociedade. Sociedade e acionista constituem sujeitos jurídicos distintos.

O segundo princípio decorre da irrelevância da pessoa do acionista no que respeita à identificação da sociedade: a mudança do acionista não importa modificação do contrato social, podendo, portanto, a participação do acionista ser representada por um título de crédito, e até recentemente por um título ao portador3, que circularia com a disciplina peculiar dos títulos desse gênero.

Dessa forma, cumpre inicialmente tecermos algumas observações a respeito da organização interna da sociedade e da tutela do acionista para, efetivamente, poder adentrar no centro da discussão deste ensaio investigativo, qual seja, a proteção ao acionista minoritário na novel legislação vigente.

II. Organização interna da sociedade por ações e a tutela do acionista

A organização interna da sociedade está diretamente vinculada à divisão do capital social. Substancialmente, nas sociedades por ações, o direito parte do conceito de que, em conseqüência do número dos acionistas e da variabilidade deles, o sócio, como tal, não pode administrar direta e pessoalmente, a sociedade.

Daí a distinção entre sócios e diretores; entre um órgão deliberativo (assembléia) e um órgão que preside a gestão normal da sociedade (diretores).

O acionista não tem sequer um poder ilimitado e contínuo de controle pessoal direto; também o controle geral e contínuo é confiado a um órgão especial (fiscais)4, ao passo que apenas determinadas funções de controle são confiadas aos acionistas individualmente ou a minorias qualificadas.

Economicamente, nota-se que a possibilidade de circulação da ação e a efetiva existência de um mercado de capitais proporciona ao acionista uma tutela quanto aos perigos decorrentes da situação acima mencionada, evidenciando-se assim as relações entre a circulabilidade das ações e os direitos do acionista no que diz respeito à gestão da sociedade.

É desnecessário, entretanto, acrescentar não poder esta consideração levar a sociedade a descuidar da tutela jurídica do acionista. Aliás, faltando uma efetiva tutela jurídica do acionista, impossível será, de fato, a circulação da ação e impossível será a existência do respectivo mercado.

Dessa forma, distingue-se na organização interna da sociedade os poderes do “executivo” e os seus limites: a organização das assembléias, a quem cabe ditar a orientação geral e a necessidade de a gestão da sociedade obedecer aos critérios determinados pela maioria; a tutela do direito de cada acionista no que diz respeito ao seu direito de voto; a garantia dos direitos da maioria e a tutela da minoria; a disciplina e a independência de um órgão de controle.

Segundo TULLIO ASCARELLI5, decorrem daí as analogias de alguns problemas das sociedades por ações com os problemas de direito público.

No início da evolução histórica das sociedades por ações prevaleceu uma concepção “aristocrática”, admitindo a possibilidade da administração da sociedade ser reservada aos incorporadores ou a alguns acionistas.

Posteriormente, analisando-se ainda os aspectos evolutivos da sociedade por ações, salvo determinadas manifestações, como, por exemplo, a lei alemã de 1937, a sociedade por ações passou a democratizar-se, frisando-se o princípio de serem os diretores, “mandatários” da sociedade.

A lei francesa de 1867, por seu turno, sofria profunda orientação contratualista. De fato, por um lado, limitava os poderes da maioria na vida societária e por outro, porém, descuidava dos limites da discricionariedade das partes na constituição da sociedade.

Por essa razão, opunham-se limites rigorosos às modificações estatutárias, dando-se destacado relevo à distinção entre as várias modificações estatutárias.

A princípio, negava-se que as reformas legislativas eventualmente realizadas pudessem atingir as sociedades já constituídas. O aumento de capital era visto como sendo uma nova constituição parcial. Por outro lado, admitia-se a possibilidade de subordinar o direito de voto do acionista à posse de um número mínimo de ações. Merecia menor importância a disciplina dos vícios da deliberação assemblear. Havia uma tendência a assimilar o sistema dos vícios na constituição da sociedade àquele geral dos vícios dos contratos no direito comum e assim por diante.

A lei belga pode ser considerada marco histórico de um novo processo de discussão, inspirada, substancialmente, em duas preocupações. Por um lado, os poderes da maioria, que sofreriam um alargamento capaz de facilitar a gestão da sociedade e a adaptação de seus estatutos às diferentes exigências sociais.

Assim, admitiu-se em alguns países a possibilidade de qualquer reforma estatutária, sem distinção entre reformas previstas e não-previstas nos estatutos, mas exigindo quorum e maiorias especiais. No sistema italiano, por exemplo, surgiu a possibilidade de a maioria modificar o estatuto, moderada pelo instituto do direito de retirada, adotado também no Brasil pelo Decreto-Lei n. 2.627/40 e mantido pela Lei n. 6.404/76.

No direito norte-americano e inglês, mantém-se ainda o conceito da “carta” como base da sociedade, tendo-se em vista um tríplice contrato: entre a sociedade e os acionistas; entre a sociedade e o Estado; e entre os acionistas e o Estado. Esse contrato não pode, em princípio, ser modificado em suas cláusulas essenciais. No direito francês, a evolução acima mencionada pode ser percebida pelas leis de 1913 e 1930.

E, por outro lado, no entanto, diminuiu a discricionariedade das partes no ato constitutivo. Assim, passaram a identificar cada vez mais precisamente uma série de direitos que cabem a cada acionista ou a cada acionista ordinário, e são inderrogáveis até no estatuto e, a fortiori, com uma deliberação por maioria.

Assim o direito aos dividendos, o direito à quota de liquidação, o direito de voto (excluindo a possibilidade de subordinar o voto à posse de um número mínimo de ações), o direito à paridade de tratamento entre acionistas ou entre os acionistas da mesma categoria, assim como o de o acionista continuar sócio, o direito a obter informações na assembléia, e assim por diante. Essa categoria de direitos sofreu um alargamento progressivo, gerando a admissão do direito de preferência dos acionistas ao aumento de capital social.

Poderíamos afirmar que essa evolução está relacionada à progressiva circulação das ações de acordo com o progressivo desenvolvimento de um mercado financeiro.

Com efeito, enquanto os acionistas forem sempre os mesmos, durante toda a vida da sociedade, por um lado, apresenta-se mais grave uma modificação estatutária que contraste com o que foi originariamente contratado, e, ainda, por outro lado, de menor relevo a exigência de limitar a discricionariedade das partes na constituição da sociedade.

Quando, todavia, há uma alteração constante de acionistas durante toda a vida da sociedade, é natural o aumento dos poderes da maioria ou de forma contrária, uma maior preocupação acerca da tutela dos direitos individuais de cada acionista mesmo no que diz respeito à discricionariedade das partes na constituição da sociedade.

Em realidade não pode haver um seguro e sadio desenvolvimento das sociedades por ações sem uma eficaz tutela da minoria e do acionista, independentemente do princípio de que os poderes da diretoria são outorgados no interesse dos acionistas.

Por essa razão, o problema da tutela jurídica da minoria acionária foi ao longo do tempo adquirindo sempre maior importância no desenvolvimento das sociedades por ações, sendo que a doutrina e a jurisprudência foram, progressivamente, evidenciando as normas a respeito do tema.

De outro lado, no desenvolvimento das sociedades, houve uma natural necessidade de diferenciação das várias categorias de ações quanto às várias categorias de financiadores e de interessados nos lucros. A existência dessas várias categorias requereu uma disciplina ulterior dos direitos da maioria. As leis mais recentes cuidam, justamente, de uma organização coletiva dessas categorias de financiadores, interessados nos lucros e acionistas.

Passamos, neste instante a abordar o tema dos acionistas e sua relação de poder, posto que diante dessa análise poderemos observar quais são os mecanismos de tutela das minorias acionárias dentro do ordenamento vigente.

III. O Acionista e a sua relação de poder

Acionista é todo aquele, pessoa física ou jurídica, que é titular de ações de uma sociedade por ações: dentre os acionistas, existem aqueles que se envolvem na vida da sociedade, participando de suas assembléias, e os que se opõem à distância, tendo nas ações meros instrumentos de renda ou de especulação bursátil.

Segundo FÁBIO ULHOA COELHO6, as posições dos acionistas variam de acordo com a motivação. De um lado os empreendedores, pessoas interessadas na exploração de certa atividade econômica; de outro lado, os investidores, que identificam na ação da companhia uma excelente oportunidade para aplicarem o dinheiro que possuem.

Via de regra, nas grandes sociedades por ações, os ausentes costumam constituir a maioria, concentrando-se em uma minoria o quadro ativo da sociedade. No quadro ativo, verifica-se, por vezes, uma homogeneidade de posicionamento. Outras vezes esse quadro se divide em dois grupos, sendo um majoritário, que passa a comandar a sociedade, e outro minoritário, que se coloca como dissidente, em uma espécie de oposição.

Podemos afirmar que integrado no grupo ativo ou ausente, o proprietário de ações, ainda que sem voto, mantém a condição de acionista.

Da condição de acionistas resulta um complexo de direitos, a serem exercidos perante a sociedade. Segundo JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA7, esses direitos distribuem-se em duas categorias: a dos direitos essenciais e a dos direitos modificáveis.

Os direitos essenciais são inerentes à titularidade acionária, não cabendo ao estatuto ou à assembléia geral excluir qualquer acionista do seu âmbito de incidência.

Os direitos modificáveis ora decorrem da lei, ora do estatuto, podendo estender-se a todas as ações ou ter algumas classes excluídas, pelo estatuto, de sua incidência, como costuma acontecer com o direito de voto relativamente às ações preferenciais.

A Lei n. 6.406/76, em seu art. 109, enumera os direitos essenciais, que são os seguintes: direito de participar dos lucros; direito de participar do acervo social, no caso de liquidação; direito de fiscalização; direito de preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição; e direito de recesso, nos casos previstos em lei.

Além desses descritos no artigo acima mencionado da Lei n. 6.404/76, houve uma inovação introduzida pela Lei n. 10.303/2001, ou seja, inseriu-se novo parágrafo à redação do art. 109.

Trata-se do parágrafo terceiro, que abre a possibilidade de composição de conflitos entre controladores e os demais acionistas pela via arbitral, o que tem por objetivo reduzir o número de processos no âmbito do Judiciário. Senão vejamos:

“§ 3o O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionados mediante arbitragem, nos termos em que especificar”.

A medida traz em si a vantagem da celeridade na composição dos conflitos, bem como pretende obter soluções mais racionais para a sociedade por ações e para os acionistas, introduzindo no campo institucional da disciplina societária uma alternativa de ordem contratual, freqüentemente encontrada em acordos de acionistas e que evita o recurso ao Judiciário, cujo procedimento é extremamente moroso, para não dizer inerte, além de ensejar uma publicidade que pode ser nociva para a empresa.

Os direitos modificáveis são todos os demais, vale dizer, todos aqueles que não estejam arrolados como essenciais.

Outrossim, são diferentes os graus de vinculação do acionista em relação à sociedade. Enquanto os empreendedores preocupam-se com a história da sociedade, entusiasmam-se com as particularidades da atividade econômica desenvolvida, com a concorrência no segmento de mercado específico, sofrem com as dificuldades da empresa e se sentem gratificados com os sucessos alcançados, os investidores estão preocupados com as informações econômicas, quando não dizer com as informações privilegiadas dos insider tradings, demonstrações financeiras, cultivando, nas palavras de FÁBIO ULHOA COELHO8, frio desinteresse pelo cotidiano das sociedades nas quais investem.

A graduação da vinculação com a sociedade repercute, de modo direto, no interesse de participar das assembléias gerais e, inclusive, integrar órgãos de administração. Assim, os diretores da sociedade por ações são também empreendedores ou foram escolhidos por acionistas desse perfi9.

No extremo oposto, os especuladores, desinteressados de qualquer aprofundamento dos seus vínculos com a sociedade, não vêem sentido em contatos com os demais acionistas, visto que seus interesses são meramente especulativos dentro do mercado de capitais.

Na zona intermediária, os rendeiros, por vezes, podem buscar maior aproximação com a sociedade, particularmente se forem grandes investidores institucionais.

Nesses casos, em geral, negociam a indicação de um cargo do conselho de administração, ou a constituição de um órgão consultivo, para acompanharem mais de perto a gestão da empresa.

O que se pode perceber é que entre os acionistas estabelecem-se relações de poder complexamente distribuídas em face da diversificação de interesses individuais.

Os especuladores criam expectativas quanto às possibilidades de exercerem o direito de recesso; os rendeiros pressionam pela distribuição dos dividendos; os empreendedores lutam por fazer prevalecer suas opiniões na condução dos negócios sociais.

Essas relações de poder entre os acionistas representam um importantíssimo tema da tecnologia jurídica societária, na medida em que a equilibrada composição dos interesses em confronto é condição para a sociedade continuar contando com os recursos de todos os seus integrantes 10.

O valor fundamental, na disciplina das relações de poder, deve ser o desenvolvimento da sociedade, objetivo que traz não só benefícios a todos os seus sócios, como também representa o núcleo aglutinante dos interesses destes.

IV. Breve escorço histórico da proteção das minorias

O tema da proteção às minorias ressurge com intensidade após a promulgação da Lei n. 10.303 de 31 de outubro de 2001. A nova lei buscou minimizar as desigualdades existentes entre acionistas majoritários e minoritários, já que a Lei n. 9.457/97 não conseguiu efetivamente atingir este fim.

A intenção foi diminuir o grau de incerteza e desconfiança que tem predominado na relação entre as empresas e seus acionistas. A melhor forma de fortalecer o mercado de capitais é dar proteção efetiva aos investidores, em especial os minoritários.

Contudo, essa questão da proteção do minoritário, já há muito vem sendo discutida na doutrina, e na própria legislação é encontrada desde o vetusto Decreto-lei n. 2.627 de 26 de setembro de 1940.

Lá, já existia referência expressa da proteção às minorias, bem como consagrava alguns direitos que se entendem tipicamente da minoria, acenando com a possibilidade de que um grupo titular de um certo número de ações pudesse intervir na vida da sociedade, em defesa do interesse social, direta ou indiretamente.

Muito embora fossem tímidas, o que é razoável, considerando o quadro econômico da época, as medidas consagradas nesse diploma legal foram saudadas pela doutrina brasileira com aplausos11.

Com efeito, sob a influência da então recente lei alemã de 1937, o Decreto-Lei n. 2.627/40 consagrava, além dos direitos gerais dos acionistas, outros dispositivos entendidos como flagrantemente endereçados à proteção das minorias, como por exemplo: o direito de recesso (art. 107); a dissidência, podendo os titulares de um quinto ou mais do capital social e os titulares de ações preferenciais eleger, separadamente, um dos membros do Conselho Fiscal e respectivo suplente (art. 125); o direito de convocar a Assembléia Geral, em casos comprovados, se a diretoria retardar por mais de um mês a sua convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem motivos graves e urgentes (arts. 89, a, e 127); o direito de fiscalizar a sociedade (art. 78, c); o direito à exibição judicial dos livros (arts. 57 e 58, c); a regulamentação minuciosa do inventário e balanço (art. 99, a).

Procurava-se, diante das hipóteses acima mencionadas, proteger preventivamente ou de forma sancionatória a determinados abusos das maiorias que àquela época já ocorriam, e que foram se acentuando, na justa medida em que o país se abria, economicamente, para novos investimentos, através das sociedades por ações.

A existência do poder separado da titularidade do capital, o fenômeno da dispersão dos acionistas, o seu absenteísmo aguçaram os problemas das relações entre a minoria e a maioria; aquela por isso nem sempre com menor parcela do capital, ensejando o curioso fato de que a proteção à minoria passou a ser efetivamente o problema da proteção às maiorias12.

Portanto, muito antes do crescimento do nosso mercado de capitais e a sua regulamentação moderna (pela Lei n. 4.728/65) e o crescimento de fusões, incorporações e tomadas de controle ocorrida a partir de 1965, com flagrantes prejuízos aos acionistas minoritários, verificavam-se uma série de abusos, por parte dos majoritários, que nem sempre vieram a baila das discussões pretorianas.

Percebe-se, diante de uma minuciosa análise, que não só faltavam dispositivos protetores expressamente previstos em lei como também existia a tendência de nossos juízes não intervirem nos negócios jurídicos societários, principalmente das sociedades por ações. Posição, aliás, totalmente contrária à prática européia, e mesmo norte-americana, segundo a qual constitui uma verdadeira tradição a intervenção judicial; do que decorre, inclusive, o fato de inúmeros dispositivos, hoje consagratórios dos direitos dos minoritários, incluídos no Código Civil italiano de 1942 e na Lei francesa n. 66.537 de 1966 terem origem em decisões dos Tribunais desses países. Foram, contudo, amplamente identificados e comentados pela doutrina.

Não obstante o Decreto-lei n. 2.627/40 trouxesse dispositivos protetores dos acionistas minoritários, insuficientes, contudo, para evitar as fraudes e abusos dos majoritários, seguiu-se providencialmente sua atualização.

Destacou-se a tendência nitidamente aberta à proteção dos minoritários; até porque se tornava indispensável o desenvolvimento que se pretendia dar ao nosso mercado de valores mobiliários.

Segundo WALDIRIO BULGARELLI13, “é de convir que se realmente se queria a implementação de um mercado de títulos e valores mobiliários, notadamente, o das ações e obrigações emitidas pelas sociedades anônimas, dever-se-ia adotar uma série de medidas coibidoras dos abusos tão flagrantes e impunemente cometidos”.

Foi com base nesse espírito que se elaborou o projeto da Lei das Sociedades por Ações (Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976), que foi antecedida pela Lei n. 6.385, de 7 de dezembro de 1976 (que dispunha sobre o mercado de valores mobiliários), trazendo, sem dúvida, inúmeros dispositivos destinados à proteção das minorias (além da consagração dos tradicionais direitos essenciais dos acionistas, em geral), que constituíram um avanço se comparados com os encontrados na lei anterior (Decreto-lei n. 2.627 de 1940).

A própria criação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) à imagem e semelhança da Securities and Exchange Commission14 (SEC) teve por escopo funcionar como mecanismo de moralização através da fiscalização do mercado acionário.

Observe-se que o grande número de dispositivos da Lei n. 6.404/76 se insere na comprovada tendência hoje observada de se ampliar as regras imperativas para disciplinar a conformação e as relações societárias das sociedades por ações, deixando cada vez menos para a faixa estatutária. Trata-se do fenômeno do intervencionismo jurídico, assumindo o Estado o controle da marcha das empresas.

Ao contrário do que ocorre em outros países, como Estados Unidos e Inglaterra, em que a lei societária é de natureza contratual e, como tal, objetiva compor interesses privados dos acionistas e da companhia, no Brasil predomina o modelo institucional, voltado aos interesses do Estado.

Outrossim, a limitação da responsabilidade dos sócios e a ampla liberdade de constituição, que sendo consideradas excepcionais até então passaram a ser a regra, haveriam de ensejar, como de fato ocorreu, a prática de incontestáveis abusos, que, aliás, já haviam sido constatados através das sociedades em comandita por ações.

Aumentaram ainda os riscos acarretados pela sociedade por ações moderna o incremento da cisão entre a propriedade e o controle (risco e poder), e as variadas formas de concentração societária, como a concentração em cadeia, as participações recíprocas e as inúmeras formas hoje conhecidas.

Obviamente que tudo isso implicou na intervenção cada vez maior do Estado na estrutura e funcionamento da sociedade por ações, gerando em decorrência uma debilitação na ampla margem de liberdade assegurada nas primeiras codificações legais desse tipo societário.

Não é, portanto, de se estranhar que as leis deixem cada vez menos para o âmbito estatutário, preferindo regular minuciosamente toda a estrutura e funcionamento da sociedade por ações, sendo também bastante reveladora a constante intervenção judiciária na vida das sociedades, verificada em outros países.

A partir da década de 1990, a abertura da economia brasileira cria um novo contexto para o direito societário, em virtude do ingresso de capital estrangeiro no mercado de capitais, do aumento da presença de empresas multinacionais, do fortalecimento dos fundos de pensão, das fusões e incorporações e da transformação das antigas estatais em empresas concessionárias.

A Lei n. 8.021/90 extinguiu os títulos ao portador e os endossáveis, sem evidentemente ser esse o propósito do legislador, tendo significativo impacto sobre o sistema de hegemonia absoluta dos controladores na companhia. E, com efeito, a supressão das ações ordinárias sem voto (art. 112), fez com que contingentes de acionistas titulares dessas ações de segunda classe passassem a integrar o colégio deliberativo da companhia.

Assim, conforme MODESTO CARVALHOSA15, “o modelo profundamente antidemocrático da Lei 6.404/76, voltada para o domínio de uma minoria titular de ações votantes, enfraqueceu-se por vias transversas”.

Diante de tal realidade, trataram os controladores, que para tanto tiveram dois anos de adaptação, de aumentar até o limite máximo a emissão de ações preferenciais (art. 15, § 2o), para o fim de compensar a perda dos seus privilégios.

É certo, ainda, que nos aspectos ligados ao abuso no exercício do controle acionário, a Lei n. 9.457, de 5 de maio de 1997, trouxe um pequeno reforço à disciplina da responsabilidade civil do controlador por atos ilícitos e condutas abusivas, acrescentando mais uma modalidade exemplificativa ao § 1o do art. 117 da lei societária, concretizada no ato de “subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia”.

Pode-se dizer que as práticas de abuso de poder de controle são sempre diversas e, não obstante o esforço que o legislador faça para caracterizá-lo, não se chegaria a abranger todas as modalidades possíveis e imagináveis. Qualquer tentativa para regulá-lo não evitará que seja descoberto um meio mais criativo de desenvolver uma nova maneira de praticá-lo.

Segundo ARNOLDO WALD16, ao iniciar-se o terceiro milênio, pode-se resumir a situação existente no país entendendo que o mercado de capitais do Brasil está tendo seu desenvolvimento prejudicado por aspectos fiscais (CPMF), pela migração de ações para o exterior (ADRs) e também por uma estrutura societária que deve ser reformulada.

Ainda segundo o autor: a) o número de sociedades abertas está diminuindo, com poucas empresas ingressando no mercado de capitais e várias outras fechando seu capital; b) há uma grande litigiosidade na matéria, com conflitos de interesses sendo levados às autoridades administrativas e à Justiça, abrangendo ações de minoritários e preferencialistas contra a empresa e processos movidos pelos diversos signatários dos acordos de acionistas ou dos titulares do controle partilhado divergindo uns dos outros; e c) os abusos da maioria e o desrespeito aos acordos dos acionistas, assim como o fechamento branco, ou de fato, de empresas abertas, estão afetando gravemente a confiança que deve ser depositada no mercado de capitais.

Portanto, a somatória desses fatores levou à elaboração de projetos reformando a legislação existente, embora se saiba que a mudança legislativa, por si só, não possa resolver a totalidade dos problemas pendentes.

V. A minoria e os direitos dos acionistas

O problema da proteção às minorias coloca-se a partir do momento em que as sociedades começam a expandir sua órbita de captação de capitais entre um grande número de investidores, obtendo a participação de grandes camadas da população, no que se convencionou chamar de democratização do capital.

A dispersão excessiva dos acionistas possibilita a um pequeno grupo, coeso, apoderar-se do controle acionário, sendo que via de regra as discussões, no fundo, concentravam-se na proteção às maiorias.

No estudo da questão de proteção às minorias, impõe-se inicialmente que sejam firmadas algumas noções, especificamente relacionadas à terminologia que é, sem dúvida bastante diversificada na doutrina, chegando a gerar confusões.

A expressão “minoria” não se refere a uma noção meramente quantitativa, mas a uma relação quantitativa de poder, que não corresponde ao número de pessoas, nem de ações, necessariamente.

Maioria, por outro lado é, sob tal aspecto, o controlador – o que de fato controla e dirige a sociedade – e minoria os que, por várias razões (absenteísmo, minifúndio de ações ou coesão do grupo controlador ou outros motivos), estão afastados do poder, dentro da sociedade.

Para JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA17, a proteção da minoria se apresenta sob dois aspectos distintos: o da minoria ativa e o da minoria ausente.

A minoria ativa constitui uma espécie de oposição. Os seus integrantes comparecem às assembléias, discutem as questões a serem decididas, fiscalizam a atuação dos administradores, lançam mão de expedientes legais destinados à proteção da minoria e terminam por influir, até pelo protesto, nos destinos da companhia.

Para DOMINIQUE SCHMIDT18, a minoria pode ser considerada um órgão subsidiário de controle: “La minorité exerce dans la société une fonction de controle. Elle est chargée de veiller au fonctionnement régulier de l’organisme social. Elle intervient ainsi soit pour faire sanctionner une irrégularité, soit pour pallier l’inaction des organes sociaux. Mais là s’arrête sin pouvoir d’agir; c’est pourquoi il n’est que subsidiaire. La minorité, parce qu’elle est organe de contrôle, n’est qu’organe subsidiaire”.

A minoria ausente é passiva e distante, não se interessando em exercer qualquer forma de participação. Na grande empresa essa minoria se transforma em maioria, uma vez que parcela representativa de mais de metade do capital tem por hábito não comparecer às assembléias.

Por isso, costuma-se dizer que as normas de proteção à minoria destinam-se, de certa forma, a proteger a maioria ausente contra a minoria controladora (controle minoritário). As normas de proteção à minoria destinam-se, em última análise, a tutelar todos aqueles que não acompanham o grupo de controle.

TULLIO ASCARELLI, em 1930, ao comentar a clássica tese de RENÉ DAVID19, referia-se ao controlador como “piccoli nuclei dei grossi azionisti”, e à massa dos demais acionistas como “masse dei piccoli azionisti”.

Enquanto os controladores são também chamados de maioria, o que quantitativamente nem sempre é correto, mas que na prática societária se confunde, a minoria, numa análise mais profunda, oferece também dificuldades terminológicas, dado o emprego variado de denominações para qualificar os acionistas integrantes do quadro acionário.

Em relação ao tema específico de proteção às minorias, tenha-se presente que embora constitua um avanço inegável a identificação de um determinado tipo de acionista que pretende participar ou participa da vida societária, sem ser o controlador, fato que ademais é perfeitamente constatável na prática, não é suficiente, pois que não esgota a qualificação de minoria que, para efeito de proteção, deve ter uma configuração mais ampla.

Com efeito, se se leva em conta que os direitos chamados inderrogáveis são concedidos a todos os acionistas em geral, mas também aproveitam a estes, como minoria, tem-se que esta acaba por abranger também o simples “rendeiro” e o “especulador”.

A concessão, portanto, de certos direitos a todos os acionistas e alguns direitos a determinado acionista ou acionistas que representam uma porcentagem do capital social (ou de ações com ou sem direito a voto) é, portanto, válida e tem como finalidade alcançar aqueles que, em determinado momento, estejam em posição de minoria.

A proteção é em geral conferida a todos os acionistas que se encontram em minoria; evidentemente que tais direitos serão exercidos por aqueles que efetivamente se interessam pelos negócios sociais ou por seus direitos.

Quando se tem de tomar partido entre uma política de altos dividendos e de autofinanciamento, se se quiser optar pela primeira hipótese, visando dar condições para atrair a aplicação de capitais fortalecendo o mercado acionário, claro está que se dará proteção a todos os acionistas não controladores, e não se diga que, perante certas manobras dos controladores para valorizar suas ações em comparação com o valor das ações dos demais (caso de fusão, incorporação, venda de controle, principalmente), os acionistas dito especuladores não lutarão por seus direitos.

Nessas condições também é difícil entender a minoria, como um grupo organizado, uma verdadeira “entidade”. Como em regra a minoria não é senão a maioria desorganizada, é difícil conciliar tal entendimento com a prática da vida societária.

Segundo WALDIRIO BULGARELLI20, se a expressão visa a considerar a minoria como um corpo orgânico, suscetível de, nessa qualidade, ser alvo de proteção legal e da outorga de certos direitos.

Minoria é, finalmente, uma posição, eventual ou não, pela qual o acionista passa; pode-se dizer que o acionista não é minoria, mas está em minoria. Situação, ademais, que pode ser eventual, pois que ele pode, por aquisição contratual (fornecimento, financiamentos, etc.), tornar-se maioria ou dela participar.

Desta forma, protege-se aquele acionista, que se encontra em tal posição contra os possíveis e eventuais abusos da maioria. Enquanto os direitos conferidos aos acionistas em relação à sociedade visam garanti-los, mantendo intocável a sua posição de acionista ou possibilitando que defendam seus interesses individuais contra o grupo ou especificamente contra a administração, aqueles conferidos aos acionistas, como minoria, objetivam permitir que possam intervir na vida societária.

Daí podemos considerar os direitos dos acionistas, em geral, e enquanto tal, como os concedidos contra qualquer violação, objetivando protegê-los, salvaguardando a essencialidade da sua condição de sócio e voltados contra quem quer que seja.

Já os direitos concedidos aos acionistas, enquanto minoria, vale dizer, quando sujeitos aos controladores, têm como objetivo protegê-los contra qualquer violação ou manobra da maioria tendente a prejudicar seus interesses.

Daí a noção, hoje bem aceita, de que a minoria é o acionista ou conjunto de acionistas que, na Assembléia Geral, detém uma participação em capital inferior àquela de um grupo oposto.

Diante dessa posição acionária, na situação jurídica existente no seio da sociedade por ações, a qual corresponde uma outra que é a de maioria, o que afasta certas noções ousadas ou mal formuladas é que visa-se assegurar um equilíbrio razoável dentro do quadro acionário.

Desta forma, pretende-se atenuar as tensões evitando os abusos, justificando-se falar em proteção às minorias ou mesmo de direito das minorias, ao lado dos direitos concedidos aos acionistas.

Portanto, a proteção à minoria não se deve a ela mesma, mas à violação de seus direitos pela maioria. Todos os acionistas, em princípio, são iguais e têm os mesmos direitos.

VI. Alterações da Lei n. 10.303/01 no que se refere à proteção dos minoritários

A) Aspectos gerais da nova disciplina do Direito de Retirada

A Lei n. 9.457/97, promulgada em 5 de maio de 1997, promoveu algumas alterações em relação à Lei n. 6.404/76, no que se referente ao exercício do direito de recesso por parte dos acionistas dissidentes de determinadas decisões adotadas pelas companhias.

Objetivou a reforma, no tocante ao instituto do direito de recesso, impedir seu uso, por parte dos acionistas minoritários, para o fim de obstaculizar ou onerar excessivamente processos de reestruturação societária implementados mediante operações de fusão, cisão, incorporação ou formação de grupos de sociedades.

Visou a reforma, manifestamente, reduzir os custos, para o governo, da privatização de empresas estatais concessionárias de serviços públicos, especialmente nos setores de telecomunicações e de geração ou distribuição de energia elétrica.

Outrossim, objetivou a lei eliminar a “indústria do recesso”, impedindo a aquisição de ações para o fim específico de exercer o direito de recesso com relação a decisões empresariais já divulgadas pela administração da companhia.

A Lei n. 9.457/97, ao dar nova redação aos arts. 136 e 137, manteve o direito de recesso ao acionista dissidente da deliberação de: a) fusão da companhia; b) incorporação da companhia em outra; e c) participação em grupos de sociedades.

Contudo, anteriormente à Lei n. 9.457/97, a Lei n. 7.958/89 – “Lei Lobão” –, ao dar nova redação ao caput do art. 137 da Lei das Sociedades por Ações (6.404/76) e ao excluir os incisos VI e VIII do art. 136 como hipóteses ensejadoras do direito de recesso, provocou discussões doutrinárias sobre a eventual eliminação do recesso para as hipóteses de incorporação, fusão, cisão e participação em grupo de sociedades.

Depois da polêmica alteração feita pela denominada “Lei Lobão” (Lei n. 7.958/89), e das mudanças da Lei n. 9.457/97, o legislador procurou aperfeiçoar o instituto do direito de retirada, ao mesmo tempo em que elimina algumas dúvidas e divergências dos doutrinadores sobre o tema.

A Lei das Sociedades por Ações multiplicou os casos de direito de recesso. Uma detida análise se faz necessária, em decorrência das alternativas de retirada dos acionistas, evitando as hipóteses em que o exercício deste direito possa gerar um engessamento do desenvolvimento empresarial necessário para o atendimento dos fins sociais, especialmente em uma fase de grandes transformações da economia.

A nova Lei das Sociedades por Ações (Lei n. 10.303/2001) voltou a incluir a possibilidade de exercício do direito de recesso no caso de cisão, além de manter tal faculdade na ocorrência das medidas listadas no art. 136 que modifiquem estruturalmente a companhia, como nos casos de fusão e incorporação, ou alterem os direitos dos minoritários.

A nova lei restabelece o direito de recesso nas operações de cisão (de que trata o inciso IX do art. 136), sempre que, em virtude da fragmentação patrimonial da companhia resultar, na sociedade que absorver a parcela cindida, uma mudança de objeto social.

A regra se justifica, uma vez que o acionista da sociedade que tem seu patrimônio fragmentado passa a participar, em proporção equivalente ao percentual da parcela cindida, de sociedade que explora objeto diverso daquele que vinha sendo exercido pela sociedade cindida.

A lei ressalva o exercício do direito de retirada por mudança do objeto quando a atividade preponderante da sociedade que absorver a parcela cindida coincidir com a atividade que vinha sendo explorada pela sociedade que teve seu patrimônio repartido.

O intuito foi facilitar a reorganização societária. Na atual mundialização é comum a necessidade de rearranjos societários para ganhar eficiência e redução de custos.

Nesse sentido, a regra tal como se encontra no dispositivo original (do Deputado Emerson Kapaz) “engessa” esse importante instrumento para a obtenção desse objetivo, já que muitas vezes é interessante cindir uma sociedade em outras distintas cada uma desenvolvendo uma única atividade, sendo que todas reunidas continuarão preservando o patrimônio do investidor, propiciando um melhor retorno do investimento.

Objetiva-se com a nova regra impedir que, através de processo de cisão – que em princípio não agrava direito dos acionistas minoritários –, seja deliberado, por via oblíqua, uma alteração do objeto social, que autoriza os dissidentes da deliberação a pedir o reembolso de suas ações.

Segundo LUIZ LEONARDO CANTIDIANO21: “Considerando que a expressão atividade preponderante é vaga, o intérprete deve examinar cada caso para verificar se a principal atividade desenvolvida pela sociedade que absorver a parcela cindida coincide com toda a atividade – ou parte dela – que vinha sendo explorada pela sociedade cindida”.

O direito de retirada poderá ser exercido apenas em relação às ações de emissão da sociedade incorporadora da parcela cindida, sem que os acionistas da cindida possam pretender se retirar da sociedade original, que remanescer explorando a atividade de prestação de serviços, por exemplo.

Outrossim, a nova lei (10.303/2001), recém aprovada, restringe bastante a possibilidade de haver a exclusão do exercício do direito de retirada por acionistas dissidentes de deliberação que aprovar operação de fusão ou incorporação de sociedades, na medida em que passa a exigir que os dois requisitos instituídos pela lei de 1997 – liquidez e dispersão – sejam atingidos de forma cumulativa22.

Como são poucas as companhias abertas que têm ações de sua emissão compondo índice representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado de capitais, o direito de recesso poderá ser exercido pelos acionistas de todas aquelas companhias que não preencherem tal requisito, ainda que haja, em relação às últimas, relevante dispersão de suas ações nas mãos de acionistas não controladores.

A nova lei outorga à CVM poderes para definir o índice representativo de liquidez em bolsa de valores, do país ou do exterior, que deve ser considerado para os efeitos dispostos pelo inciso II do art. 137 da Lei n. 10.303/01.

A nova redação, segundo alguns autores23, que é dada ao artigo acima mencionado restringirá bastante, ao menos, no médio prazo, a possibilidade de não exercício, pelos acionistas dissidentes de deliberações que aprovem reestruturação societária das companhias abertas, do direito de retirada.

B) O tag along dos minoritários em caso de alienação do controle

Para situar adequadamente a questão, é importante relembrar que segundo a redação original do projeto da lei societária de 1976, aceitava-se o fato de que o mercado atribuía ao bloco de ações, representativo do controle da companhia, um prêmio, a ser recebido pelo titular do referido bloco, que era transferido ao adquirente24.

O projeto original de reforma de 1976 apenas exigia que, em relação às sociedades especiais, que dependem de autorização governamental para funcionar, a transferência do controle fosse aprovada pela CVM, após a apresentação de oferta pública dirigida aos seus acionistas minoritários, para conceder, aos referidos minoritários, a oportunidade de partilhar o prêmio de controle.

O tratamento especial que era conferido aos acionistas não controladores das aludidas sociedades se justificava na medida em que, em relação a elas, era embutido no preço de alienação e controle o valor dos intangíveis da sociedade, que pertenciam a todos os seus acionistas25.

No que se refere à alienação do poder de controle, a Lei n. 9.457/97 havia retirado do texto legal (Lei n. 6.404/76) a obrigatoriedade de extensão aos acionistas minoritários do preço pago ao controlador, quando da venda de controle de companhia aberta.

Ao longo da vigência do art. 254 da Lei n. 6.404/76, a CVM se deparou com inúmeras e infindáveis discussões, muitas das quais certamente retornarão, quanto à obrigatoriedade ou não de apresentação de oferta pública quando da alienação do controle indireto da companhia – matéria que agora é expressamente tratada pelo legislador – e quanto aos critérios de fixação do preço que deveria ser pago aos aceitantes da oferta pública, principalmente naquelas operações de transferência indireta do controle.

O legislador de 1997, quanto a esse ponto, teve por escopo viabilizar a alienação do controle de sociedades de economia mista, diante dos processos de desestatização em curso, que teve tratamento diferenciado, decorrente do interesse público envolvido e porque a norma dificultava e gerava custos elevados nos processos de reorganização societária.

O restabelecimento do art. 254, agora descrito como art. 254-A pela Lei n. 10.303/01 é, pois, reflexo do tratamento dado à matéria anteriormente e que, hoje, prevalece na maioria dos países. Depois de superar enorme resistência de setores da sociedade civil, especialmente das associações representativas das companhias abertas, a nova lei revigora, ainda que contendo mudanças significativas, o artigo mencionado.

Conforme ARNOLDO WALD26, dentre as inovações trazidas pelo atual dispositivo, destacam-se as seguintes:

a) a necessidade de oferta pública, como condição para a alienação do controle da companhia aberta, para a aquisição das demais ações com direito a voto da companhia, por preço mínimo correspondente a 80% do valor pago por ação do bloco integrante do controle; e

b) a possibilidade de oferta, pelo adquirente do controle acionário, de prêmio para que os acionistas minoritários permaneçam na companhia.

Deve-se destacar que, a exemplo da Lei n. 6.404/76, a Lei n. 10.303/01 abrange, imperativamente, as ações representativas do controle da sociedade, indicando-se no novo texto os valores mobiliários abrangidos pelo conceito.

Por outro lado, não há na Lei n. 10.303/01 dispositivos preventivos da operação em si, que pode ser extremamente danosa à companhia e à grande massa de acionistas preferenciais.

C) A proteção dos minoritários no caso de fechamento do Capital da Sociedade por Ações aberta

Em sua redação original, o caput do art. 4o da lei definia como companhia aberta a sociedade que tem valor mobiliário de sua emissão admitido à negociação em bolsa de valores ou no mercado de balcão, sendo considerada fechada a companhia cujos valores mobiliários não estejam admitidos à negociação naqueles mercados.

Por outro lado, o parágrafo único do mencionado artigo salientava que apenas poderiam ser distribuídos nos mercados de bolsa e/ou de balcão os valores mobiliários de companhia registrada na CVM.

Com a nova redação dada ao caput do art. 4o e ao seu § 127 (que substitui o anterior parágrafo único), é feita referência genérica ao mercado de valores mobiliários, sem particularizar aquelas espécies antes referidas (mercado de bolsa de valores e de balcão).

Promover a troca do termo negociação em bolsa ou no mercado de balcão por negociação no mercado de valores mobiliários constitui mera alteração redacional.

Trata-se, nas palavras de MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK, apenas de modificação que em nada acrescenta ao conceito de companhia aberta, uma vez que o mercado de valores mobiliários é composto das negociações públicas em bolsa de valores ou no mercado de balcão, que é aquele constituído pelas transações intermediadas por instituições financeiras fora de bolsa de valores28.

A razão determinante de mencionada alteração passa ao largo da compreensão deste subscritor, na medida em que o mercado de valores, como já dito, engloba, necessariamente, os mercados de bolsa (em que as operações são realizadas em local físico criado para permitir que os negócios de compra e venda de valores mobiliários possam ocorrer) e de balcão (que conforme definição constante do art. 1o, da Instrução CVM no 243/96, é explorado por entidade que tenha desenvolvido sistema organizado de negociação de títulos e valores mobiliários de renda variável, constituída como sociedade civil ou comercial).

Mesmo quando a negociação se dá por processo eletrônico, inclusive via internet, a operação é realizada e liquidada na bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado que mantêm dito sistema eletrônico de negociação.

Por outro lado, as operações de liquidação futura e as de empréstimo de ações, assim como as negociações de derivativos, também ocorrem em mercados de bolsa ou de balcão.

Finalmente, neste tópico, cumpre mencionar a questão do “preço justo”. Depois de longa e difícil negociação – que envolveu setores da sociedade civil, funcionários do governo e parlamentares – o Congresso decidiu estabelecer, como regra geral, que o preço da oferta pública apresentada para o cancelamento de registro de companhia aberta teria de ser justo.

Preço justo, nos exatos termos do que determina a novel lei, é aquele que for igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, (i) de patrimônio líquido contábil, (ii) de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, (iii) de fluxo de caixa descontado, (iv) de cotação das ações no mercado de valores mobiliários, (v) ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários.

Para MODESTO CARVALHOSA o texto da lei apresenta uma série infindável, “um verdadeiro pacote, uma verdadeira cesta de opções que os controladores teriam para oferecer aos minoritários, no caso de desejarem o fechamento do capital, criando, portanto, um conceito absolutamente inexistente no mundo moderno, no mundo da econometria, o sentido do preço justo, que é um conceito moral e não jurídico”29.

Para LUIZ LEONARDO CANTIDIANO, levando-se em consideração as dificuldades que foram encontradas para a aprovação, na Câmara dos Deputados, da proposta que impunha como critério determinante do preço da oferta pública dirigida aos titulares de ações em circulação no mercado o respectivo valor econômico, a solução alcançada, após longa negociação com os setores interessados, aperfeiçoa o sistema legal que até agora estava em vigor, até mesmo porque cria um sistema de equilíbrio entre os detentores do controle acionário das companhias e os titulares de ações em circulação no mercado30.

Desta forma, o ofertante tenderá a propor, para a compra das ações que são detidas pelos investidores, o preço mais justo possível, para evitar que os destinatários de sua oferta possam requerer nova avaliação, objetivando o aumento do aludido preço.

Os acionistas não controladores, destinatários da oferta de compra, por outro lado, não serão estimulados a requerer nova avaliação, o que só farão se o preço ofertado for comprovadamente inadequado, porque correm o risco de, sendo confirmado pelo novo avaliador que o preço oferecido é justo, arcar com os custos de outra avaliação.

D) A Alteração na Proporção entre ações ordinárias e ações preferenciais

Desde a reforma da lei societária, ocorrida em 1976, há grande debate entre os estudiosos do tema com relação à manutenção em nosso sistema legal de ações sem direito a voto.

A lei recém sancionada reduz, para as novas companhias, e para as fechadas hoje existentes, quando decidirem registrar-se como sociedades abertas, o limite de emissão de ações desprovidas do direito político (ou com restrição no exercício deste direito), que passa a ser de 50%.

As companhias abertas existentes podem manter a proporção de até 2/3 (dois terços) de ações preferenciais, em relação a novas emissões de ações (art. 8o, § 1o, da Lei n. 10.303/2001).

A exceção estabelecida pela lei – que objetiva preservar a situação que antes vigorava para as companhias existentes – prevalece mesmo quando tais sociedades (abertas existentes antes da entrada em vigor da lei) não tiverem atingido o limite de 2/3 do capital social.

O texto sancionado é substancialmente diverso daquele que constava de versão preliminar do substitutivo que fora elaborado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados: “as companhias abertas existentes que tiverem emitido ações preferenciais em montante superior ao permitido poderão manter a proporção existente, inclusive em relação a novas emissões de ações”.

Como o legislador não alterou o texto do citado dispositivo, graciosamente é forçoso concluir que a modificação introduzida no § 1o do art. 8o teve por objetivo precípuo e determinado permitir à companhia aberta existente emitir até 2/3 de seu capital em ações preferenciais sem direito a voto, ou com restrição deste direito, mesmo quando ainda na tiver atingido aquele limite.

Se não bastasse esta circunstância, para demonstrar que todas as companhias abertas existentes à época da entrada em vigor da lei podem emitir até 2/3 de ações preferenciais sem direito de voto, é necessário examinar o § 2o, do mesmo art. 8o da Lei n. 10.303/2001; o mencionado dispositivo, ao admitir que a companhia existente possa se adaptar ao novo limite estabelece que “uma vez reduzido o percentual de participação em ações preferenciais, não mais será lícito à companhia elevá-lo além do limite atingido”.

A contrário senso, portanto, é admitido que a companhia existente, que não decida adaptar-se ao novo limite, possa aumentar a quantidade de ações preferenciais desprovidas do direito de voto (ou com restrição no exercício deste direito) até atingir o limite que vigorava antes de a Lei n. 10.303/2001 ser sancionada.

E) A participação dos acionistas minoritários e preferencialistas na composição do Conselho de Administração

Outra importante inovação é a que se refere ao exercício do controle acionário, a Lei 10.303/01 trouxe disposições que determinam a participação dos acionistas minoritários e preferenciais na composição do conselho de administração, por meio da eleição de um conselheiro.

Somente poderão exercer o direito de eleger um membro e seu suplente no Conselho de Administração em votação em separado na Assembléia Geral (excluídos os controladores), os acionistas representantes de 15% do total das ações com direito a voto, complementando-se assim as regras referentes ao voto múltiplo ou acionistas preferenciais, com voto restrito ou sem direito a voto, representantes de 10% do capital social, contanto que comprovem a titularidade ininterrupta da participação acionária exigida durante o período de três meses.

O texto atual do art. 141, de acordo com a redação estabelecida pela novel legislação, faculta aos acionistas acima mencionados o direito de agregar suas ações para alcançarem o quorum exigido pelo novo inciso II deste artigo, com vistas à eleição de um membro no conselho de administração e seu suplente.

Segundo ALFREDO LAMY FILHO31, levadas ao extremo, as medidas de proteção aos acionistas minoritários podem acabar por trazer um certo bloqueio ao processo de tomada de decisões na vida da empresa, acarretando prejuízos à própria companhia e aos seus acionistas.

As novas normas, sem dúvida, têm como aspecto positivo, o fato de possibilitar ao acionista sem direito de voto a prerrogativa de, mesmo que não chegue influenciar as decisões administrativas importantes, poder conhecer, com maior transparência, e discutir os atos de gestão da sociedade, funcionando, na realidade, como verdadeiro observador e debatedor.

Cumpre notar, dentre as alterações efetuadas, a do art. 140, parágrafo único, que confere a possibilidade de um membro ser eleito pelos empregados para o conselho de administração.

Trata-se de norma que incentiva a independência no exercício das funções do administrador de sociedades por ações, dando um novo perfil à composição desse órgão societário e estimulando as regras de governança corporativa.

Destaca-se ainda a inexigibilidade de que os diretores sejam acionistas da companhia, por força do art. 146, caput. Esta norma já havia sido introduzida na Lei n. 6.404/76, pela Medida Provisória 1.754-18 de junho de 1999, em vigor desde a sua publicação, evitando, assim, as transferências meramente simbólicas que são geralmente procedidas para o fim único de permitir a eleição do conselheiro.

A Lei n. 10.303/01 manteve a redação atual do caput do art. 146 (exatamente como da medida provisória acima descrita), consagrando a desnecessidade de residência dos conselheiros no país, rejeitando a proposta apresentada no projeto de lei definitivo aprovado no Congresso Nacional, que propunha a permanência de 2/3 dos mesmos no território nacional, em caráter permanente.

F) As regras de transparência

A CVM, no desempenho de suas atividades, sempre esteve preocupada com o tratamento desigual que pode haver entre os acionistas da companhia aberta que integram o seu grupo de controle, ou que estão próximos dos acionistas controladores, e os investidores de mercado.

O direito à informação completa e imediata não é um privilégio. A empresa deve fornecer informações constantes e detalhadas aos seus acionistas. Assim, tanto nas assembléias como nos relatórios da empresa, devem ser publicizados todos os elementos importantes à avaliação dos acionistas a respeito dos negócios e da situação financeira da companhia, abrangendo o montante das remunerações individuais dos administradores, o número de ações e de stock options que possuem, as suas vantagens diretas e indiretas.

É necessário conceder maiores poderes de atuação à CVM de modo a obrigar as companhias a divulgar o balanço com maior clareza, bem como a proporcionar aos acionistas um maior tempo para exame das informações disponibilizadas, especialmente no caso das reestruturações societárias, para que possam analisar, de forma mais detida, as questões de maior complexidade tratadas pela assembléia geral de uma companhia.

Acolhendo as propostas do Projeto de Lei definitivo aprovado pelo Congresso Nacional, a Lei n. 10.303/01 concedeu à CVM poderes suficientes para assegurar que, no caso das companhias abertas, em vista das matérias de maior complexidade, os acionistas tenham direito a uma maior transparência, possibilitando a formação de sua convicção e o conseqüente exercício do seu direito de voto (nova redação dada ao art. 124, §§ 5o e 6o).

De acordo com a nova lei a CVM é competente para interromper o curso do prazo para realização da assembléia geral, sempre que entender que a matéria a ser deliberada não é suficientemente esclarecida, podendo determinar que sejam prestadas as informações complementares ou adotadas as providências que julgar necessárias (nova redação dada ao art. 124, § 5o, II).

Cumpre destacar apenas que já na Instrução Normativa 319/99 a CVM dispunha sobre a divulgação de informações nas operações de incorporação, fusão e cisão envolvendo companhia aberta, impondo maior prazo para conhecimento e exame das informações pelos acionistas, antes da deliberação, em assembléia, a respeito da operação.

G) A Arbitragem

Importante inovação introduzida na Lei n. 10.303/02, outorgando às companhias a faculdade de incluir, em seus estatutos, previsão expressa que submete os litígios societários à apreciação da arbitragem, é extremamente benéfica para assegurar, com maior agilidade, adequada proteção aos investidores.

CARLOS ALBERTO CARMONA, ensina que “trata-se (a arbitragem) de uma técnica para a solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção, sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir a eficácia de sentença judicial”32.

Para se adequar ao sistema vigente – que apenas admite a submissão de uma divergência à decisão arbitral quando as partes contratantes, voluntariamente, deliberam ajustar nesse sentido –, a lei estabelece que as companhias poderão inserir em seus estatutos regra que submeta ao procedimento arbitral as controvérsias entre os acionistas minoritários e os controladores, devendo o estatuto especificar os termos que devem vigorar durante a arbitragem.

VII. Conclusão

A reforma da Lei das Sociedades por Ações, iniciada em 1997 e concluída com a promulgação da Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, representa um produto da atividade legislativa democrática, tendo sido objeto de grande atenção de diversos setores da sociedade civil durante sua tramitação pelo Congresso Nacional.

A reforma implementada, em paralelo ao fortalecimento da CVM, teve como fonte de inspiração as recomendações das práticas de governança corporativa, assumindo o pressuposto de que a lei, como forma de regramento das relações sociais, possui um importante papel a desempenhar no sentido de aumentar o nível de proteção do investidor minoritário, o que de fato não sabemos se irá acontecer.

Obviamente que toda e qualquer medida de aprimoramento das normas da lei societária será inócua, caso não se proporcione ao investidor de mercado meios para tornar efetiva a disposição legal, de forma rápida e eficaz.

É preciso lembrar que, somente a partir de 1990 e, em particular, nos últimos dez anos, o Brasil saiu de uma economia em grande parte dominada pelo capitalismo de Estado para uma economia de mercado, sem modificar, todavia, a sua legislação.

Em realidade, a única alteração foi no sentido de facilitar a transição, sem, contudo, oferecer soluções para a nova fase que o país atravessa.

Basta verificar que, em 1990, mais da metade, e talvez dois terços, das maiores empresas brasileiras eram estatais, enquanto, atualmente, esta proporção caiu substancialmente, em virtude das privatizações nas áreas de telecomunicações, energia e outras, devendo ficar ainda mais reduzida com a venda de empresas prevista para este ano e o próximo.

Assim, o mercado de capitais passou a ter maior importância, tanto mais que, simultaneamente, a luta contra a inflação fez com que, na medida do possível, o Governo, substituísse uma política de endividamento pela participação acionária, fazendo, inclusive, com que o capital estrangeiro entrasse no país, na maioria das vezes, sob a forma de investimento direto ou de aplicação em ações, em vez de empréstimos feitos a bancos ou empresas brasileiras.

A importância da legislação societária e do mercado de capitais cresceu também em virtude da globalização e da maior competitividade internacional dela decorrente. Realizou-se, outrossim, a partir de 1990, a abertura da economia brasileira, para sair de uma espécie de mercado cativo, decorrente da política de substituição de importações, que teve sua grandeza, mas ficou obsoleta e ultrapassada.

Em conclusão, as inovações introduzidas pela nova lei, embora não tenham sido tão amplas como desejável, pelo menos deram um passo na direção certa. Um mercado de capitais fragilizado acarretou, e ainda causa, perdas sociais. A retomada de nosso crescimento só se tornará possível com a efetiva democratização do capital.

Um mercado de capitais forte gerará mais investimentos e, conseqüentemente, mais empregos, maior produção, maior riqueza, resultando no crescimento do país.

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1. Na América Latina, historicamente se usou a expressão sociedade anônima, e por questões de tradição vem se mantendo essa expressão hodiernamente. Contudo, no Brasil, em decorrência da alteração introduzida pela Lei 8.021/90 que extinguiu as ações ao portador e endossáveis, e, portanto, acabou com o acionista inominado, entendemos por bem usar a expressão sociedade por ações como padrão. Nos Estados Unidos utiliza-se a expressão business corporation. Na Alemanha, usa-se a expressão Aktiengesellschaft, que decorre da divisão do capital social em ações. Na Inglaterra, usa-se comumente a expressão company limited by shares.

2. Cfr. Tullio Ascarelli. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, Bookseller, Campinas, 1a ed., 2001, p. 452.

3. Usou-se a expressão recentemente, porque, como já mencionado, em 1990, por força da Lei n. 8.021 extinguiu-se a possibilidade de emissão de ações ao portador e endossáveis. Hoje somente são possíveis ações nominativas ou escriturais, no direito brasileiro. No direito norte-americano, a ação é sempre nominativa, pode, no entanto, o transfert, no registro do emitente, ser pedido por quem tenha adquirido o certificado com a declaração da transferência (até com o nome do adquirente em branco) lançada no mesmo, e não pode, de outro lado, ser, o transfert, pedido por quem não seja possuidor do certificado.

4. No direito inglês na há distinção entre um órgão de fiscalização e um órgão de direção: existe somente o board of directors ao passo que a revisão contábil é confiada a contadores revisores, que não constituem, porém, um órgão da sociedade, nomeado pela assembléia.

5. Tullio Ascarelli. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, Bookseller, Campinas, 1a ed., 2001, p. 483.

6. Cfr. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de Direito Comercial, Saraiva, São Paulo, 5a ed., 2002, p. 273.

7. José Edwaldo Tavares Borba. Direito Societário, Renovar, Rio de Janeiro, 6a ed., 2001, p. 299.

8. Fábio Ulhoa Coelho,  op. cit., p. 274.

9. Fábio Ulhoa Coelho, op. cit., p. 274.

10. Cfr. Fábio Ulhoa Coelho, in op. cit, pp. 274/275.

11. Cfr. Waldirio Bulgarelli. Regime Jurídico da Proteção às minorias nas S/A (De acordo com a reforma da Lei 6.406/76), Renovar, Rio de Janeiro, 1998, p. 14.

12. Cf. Waldirio Bulgarelli. Regime Jurídico da Proteção às minorias nas S/A (De acordo com a reforma da Lei 6.406/76), Renovar, Rio de Janeiro, 1998, pp. 15/16.

13. [13] Waldirio Bulgarelli. Regime Jurídico da Proteção às minorias nas S/A (De acordo com a reforma da Lei 6.406/76), Renovar, Rio de Janeiro, 1998, p. 21.

14. Criada pelo Securities Exchange Act, de 1934, com a atribuição de regulamentar a comercialização de títulos oferecidos por intermédio das Bolsas nacionais, de impedir qualquer manipulação desonesta desses valores, de controlar e fiscalizar o cumprimento das leis federais, e em geral, de adotar regras aplicáveis às sociedades cujas ações estejam cotadas em Bolsa.

15. Modesto Carvalhosa. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, Saraiva, São Paulo, vol. 2, 2a ed. revista, 1998, pp. 278/279.

16. Arnoldo Wald. A reforma da lei das sociedades anônimas: os direitos dos minoritários na nova lei das S.A. In: Reforma da Lei das Sociedades Anônimas, coordenador Jorge Lobo, Forense, Rio de Janeiro, 2002, p. 225.

17. José Edwaldo Tavares Borba, in op. cit., p. 318.

18. Dominique Schmidt. Les Droit de la Minorité dans la Société Anonyme, Daloz, Paris, 1970, p. 225.

19. René David. La protection des minorités dans les sociétés par action, Daloz, Paris, 1929.

20. Waldirio Bulgarelli, in op. cit., pp. 39/40.

21. Luiz Leonardo Cantidiano. Reforma da Lei das SA., Renovar, Rio de Janeiro, 2002, p. 160.

22. Cfr. Luiz Leornardo Cantidiano, in op. cit., p. 165.

23. Cfr. Modesto Carvalhosa, Luiz Leonardo Cantidiano, Arnoldo Wald, dentre outros.

24. A própria exposição de motivos justificativa da reforma de 1976 mencionava que “transferência do controle, que seja o preço de negociação das ações, não acarreta, em princípio, agravo a direito minoritário”.

25. Cfr. Luiz Leonardo Cantidiano. Alienação e Aquisição de Controle, in Direito Societário & Mercado de Capitais, Renovar, Rio de Janeiro, 1996, pp. 30/63.

26. Arnoldo Wald, in op. cit., p. 231.

27. “§ 1o – Somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser negociados no mercado de valores mobiliários.”

28. Cfr. Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik. A nova Lei das S/A, Saraiva, São Paulo, 2002, p. 33.

29. Cfr. Texto extraído da audiência pública realizada no dia 15 de maio de 2001, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, site: http//www.senado.gov.br.

30. Cfr. Luiz Leonardo Cantidiano. Reforma da Lei das S.A. Comentada, Renovar, Rio de Janeiro, 2002, p. 38.

31. Alfredo Lamy Filho. A empresa, os minoritários e o mercado de capitais, in Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, número 9.

32. Apud Luiz Roberto Ayoub, Revista da Emerj, vol. 4, no 15-2001, p. 190.

 

 

Retirado de: www.saraivajur.com.br