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Reabilitação do falido e do
concordatário à atividade mercantil 1
Carlos Roberto Feres
Carlos Roberto Feres é Mestre em Direito das Relações
Sociais pela PUCSP, Professor da PUCSP e da UNIP e Juiz de Direito em São
Paulo.
Falido:
Reabilitação
civil – art. 138 da LF; reabilitação penal – art. 197 da LF.
O tema proposto
pode ser analisado sob dois ângulos: o jurídico e o econômico.
O jurídico diz
mais respeito à falência, visto que, depois de falida, não há
mais se falar em recuperação da empresa no aspecto econômico.
O econômico diz
mais respeito à concordata, seja preventiva ou suspensiva, pois aí sim
se recupera a empresa, para que continue com suas atividades.
Reabilitação do concordatário
A Lei de
Falências não trata, em nenhum de seus dispositivos, da reabilitação do
concordatário, especialmente se se considerar a reabilitação no sentido
técnico, já que esta é instituto de natureza penal. E na concordata não se pode
admitir a existência de crime falimentar, primeiro porque este só existe se
existir falência; e segundo, porque a existência de qualquer fato tipificado na
lei falimentar como crime falimentar já é, por si só, impeditivo da concessão
da concordata (art.140, I e III, da LF), como, por exemplo, escrituração
irregular ou ausente, ou até a inexistência de livros obrigatórios.
Também não há
na Lei de Falências qualquer título a respeito da extinção das obrigações do
concordatário. Esta, com relação aos credores sujeitos aos seus efeitos
(quirografários), se presume pelo cumprimento da concordata, seja preventiva ou
suspensiva.
Ocorre que o
próprio instituto da concordata é uma forma de recuperação do empresário,
quando este se encontra com dificuldades para solver seus débitos, embora tenha
patrimônio suficiente para tanto (art.158, II, LF). Tem-se aí a concordata
preventiva da falência, pela qual o legislador procurou facilitar a vida do
empresário para que este satisfaça determinados requisitos, eximindo-o da
pressão feita pelos credores, por meio de protestos, execuções e pedidos de
falência.
Portanto, o
instituto da concordata nada mais é do que a forma encontrada pelo legislador
para facilitar a vida do empresário de boa-fé, com dificuldades momentâneas de
solver suas obrigações comerciais e civis (art.147 da LF). Isso se dá pela
concessão de prazo até dois anos, ou pela redução do valor dos débitos
quirografários em até 50%, no caso de pagamento à vista, ou mesmo de prazo e
redução juntas (art. 156 da LF).
Na concordata suspensiva,
o devedor deixa de ser falido, para ser merecedor de benefícios que lhe
permitam voltar às suas atividades empresariais.
“Art. 155.
Pagos os credores, e cumpridas as outras obrigações assumidas pelo
concordatário, deve este requerer ao juiz seja julgada cumprida a concordata,
instruindo o seu requerimento com as respectivas provas.
§ 1.º O juiz
mandará tornar público o requerimento, por edital, no órgão oficial e em outro
jornal de grande circulação, marcando o prazo de 10 (dez) dias, para a reclamação
dos interessados.
§ 2.º Findo o
prazo, o juiz julgará cumprida ou não a concordata, depois de ouvir o
devedor se alguma reclamação tiver sido formulada, e o representante do
Ministério Público.
§ 3.º Da
sentença que julgar cumprida a concordata podem apelar os interessados que
hajam reclamado. Da sentença que julgar não cumprida pode o concordatário
agravar de instrumento.
§ 4.º A
sentença que julgar cumprida a concordata, declarará a extinção das
responsabilidades do devedor e será publicada por edital.
§ 5.º A
sentença que der por cumprida concordata suspensiva, encerrará a falência e
será comunicada aos mesmos funcionários e entidades dela avisados.”
No direito comparado procura-se
prevenir a falência de forma a possibilitar ao devedor às portas da insolvência
recuperar, de forma administrativa e profissional, com auxílio dos
próprios credores.
O Anteprojeto
de Lei de Falências no Congresso também prevê a recuperação da empresa
comercial em dificuldades econômico-financeiras, mas com a intervenção do
Judiciário.
A crise na
empresa pode ser econômica, financeira e patrimonial.
Econômica é a retração
nos negócios (redução do faturamento), que pode ser ocasionada por diversos
fatores, como retração geral da economia.
Financeira se dá quando o
empresário não tem caixa para honrar seus compromissos.
Patrimonial é aquela que
tangencia a insolvência, período em que o ativo já não está suportando o
passivo.
A crise na
empresa necessita ser prevenida, porque o seu alcance social-econômico deve
prevalecer sobre os interesses individuais do empresário. A empresa gera
riquezas, dá empregos, propicia o recolhimento de tributos, entre outros
benefícios. Só as empresas que já não oferecem relevância social e se encontram
insolventes devem ser encerradas. Extinguem-se as más empresas, para que as
boas possam sobreviver.
Diante da
conveniência de se preservar a empresa, o legislador cria mecanismos jurídicos
e judiciais para a sua recuperação e manutenção.
Nos Estados
Unidos da América do Norte, logo após o colapso da Bolsa de Valores de Nova
York, ocorrida em 1929, criaram-se mecanismos de recuperação da empresa.
Também na
Franca, na Itália (administração controlada) e em Portugal (Código dos
Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência – 1993) existem
mecanismos para a preservação da empresa que se encontra em dificuldades.
A recuperação
da empresa nessas condições pode ser buscada como solução de mercado,
sem a intervenção estatal. Isso pode ocorrer por iniciativa de empreendedores
ou investidores. Pode ocorrer que o próprio empresário contrate um profissional,
a quem entregue a administração, ou uma instituição financeira com a mesma
finalidade. O emprego de técnicas modernas de administração, com enxugamento da
empresa, pode resolver suas dificuldades financeiras, proporcionando sua
reorganização.
Pode também
ocorrer a transferência do controle a um investidor ou empreendedor. A
isso se denomina solução de mercado.
Por outro lado,
quando não há solução de mercado, entra a ação do Estado (Estado-Juiz).
Todavia, a
iniciativa deve ser da própria empresa em dificuldade. Assim já o é no nosso
atual sistema.
O ideal é
convocar os credores e lhes propor a forma de reestruturação da empresa, com
cessação temporária dos pagamentos, criando-se condições para a renegociação do
passivo.
A
assembléia geral de credores seria presidida pelo Juiz. À maioria caberia
decidir sobre os planos apresentados. A aprovação pela maioria, considerando
número de credores e valor dos créditos, obrigaria a todos os credores. A
não-aprovação levaria a questão à apreciação do juízo. Assim ocorre, segundo
doutrinadores, no direito norte-americano.
No direito
português, mesmo falida, a empresa pode continuar suas atividades. Isso já
existe na nossa Lei da Falências, quando trata da continuidade dos negócios
do falido. Só que nossa lei não propicia outros meios para que a empresa
falida que continua com seus negócios sob a gerência de um administrador
escolhido tenha condições efetivas de recuperação. O exemplo da falência das
Casas Moyses é um exemplo de continuidade dos negócios do falido que, ao que
parece, até hoje não recuperou a empresa.
O Projeto de
Lei de Falências (Projeto de Lei n. 4.376/93), no Congresso
Nacional desde 1993, trata da recuperação das empresas que exercem atividade
econômica regida pelas leis comerciais.
O projeto
inicial estabelece a continuidade do negócio que vise a sua recuperação,
sob a regência de um administrador judicial.
Já o Segundo
Substitutivo desse Projeto estabelece a criação de um comitê de
recuperação, que agirá sob a supervisão judicial, bem como a
nomeação de um administrador judicial.
Entende-se,
segundo o Projeto, a recuperação judicial como “o processo de gestão dos
interesses do devedor, com ou sem a atuação do titular da empresa, e o conjunto
de institutos e procedimentos adotados com o objetivo de superar as condições e
circunstâncias que o caracterizam em situação de crise econômica” (art. 6.º,
II).
Também diz o
Projeto que a recuperação judicial é um “instrumento
destinado a sanear a situação de crise econômico-financeira do devedor,
salvaguardando a manutenção da fonte produtora da empresa, do emprego de seus
trabalhadores, e os interesses dos credores, viabilizando, dessa forma, a
realização de sua função social” (art. 52).
A recuperação
judicial nada mais é do que a alteração da atual concordata, com a
introdução da figura do comitê de recuperação, que será nomeado pelo Juízo,
estendendo-se o prazo de pagamento para três anos.
No caso de
falência, o Projeto fala em “liquidação judicial”, prevendo a possibilidade de arrendamento
da empresa aos empregados.
Não creio que
irá resolver as inconveniências da atual lei!
A OAB/SP, por
intermédio de sua “Comissão Especial de Reforma da Lei de Falências, Concordatas
e Recuperação de Empresas” fez várias sugestões para a modificação da nova Lei
de Falências, como a inclusão de dispositivo sobre a “desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade falida”, para atingir a pessoa dos sócios.
Concluindo, a
recuperação da empresa em dificuldades pode ser buscada como solução de
mercado, o que independe do Estado, ou pode contar com uma solução
negociada com os credores, com auxílio do Estado. Diferente é o sistema atual
brasileiro, em que apenas o Estado-Juiz intervém, cabendo aos credores se
sujeitarem às condições oferecidas pela empresa devedora, que pode ou não
cumprir com aquilo que prometeu segundo as hipóteses legais prefixadas.
Desistência da concordata
preventiva
Questão
interessante e que se vê constantemente no Foro cível, é a relativa à desistência
da concordata, antes de ter sido julgada cumprida (art.155 da LF), ou antes
mesmo do prazo para o oferecimento de embargos à concordata (art.142 da LF).
A Lei de
Falências não prevê qualquer hipótese de desistência, pelo menos depois de
determinado o processamento da concordata preventiva.
Normalmente,
quando a concordata preventiva é requerida por empresário de boa-fé e,
portanto, de acordo com o espírito do legislador, uma vez pagos os credores
quirografários, ou tendo estes se composto com o concordatário, este deduz
pedido de desistência da concordata.
Tal pedido tem
sido acolhido pelo Judiciário (RJTJSP, 104:70), desde que ouvidos
os credores a ela sujeitos, bem como o representante do Ministério Público.
Evidente que,
se o pedido de desistência tem por finalidade fugir à responsabilidade do
pagamento de prestações já vencidas, em prejuízo dos credores, o pedido não
deve e não pode ser aceito, devendo o juiz indeferir o pedido e decretar a
falência. Nesse sentido: RT, 541:91 – TJSP.
Essa é outra
forma de o empresário comercial devedor recuperar-se, uma vez que, em termos
processuais não houve o cumprimento da concordata, mas sim em termos
econômicos.
E não se pode
deixar de ressaltar que os institutos tanto da concordata como da falência têm
caráter essencialmente econômico, sendo a legislação processual apenas o
instrumento para solucionar a questão econômica, seja pela recuperação do
empresário, seja pela dissolução da empresa.
Da reabilitação do falido
Sob o ângulo
jurídico,há que ser verificada a situação do falido, no que tange à
possibilidade de voltar a comerciar, o que se dá com a extinção das
obrigações, bem como no que tange à reabilitação (penal),
caso tenha sido condenado por crime falimentar
M. Valverde:
“Na ‘Exposição de motivos’ faz-se lastimável confusão entre reabilitação civil
e reabilitação penal, sob o pretexto, justificadamente, de as distinguir.
A reabilitação civil pressupõe um fato, a que a lei, mesmo afastado qualquer
caráter de ilicitude, atribui certos efeitos restritivos da capacidade de agir
do indivíduo responsável pelo fato, ou efeitos que o privam do gozo de
determinados direitos. Assim, para o exercício legal do comércio, a lei exige
que as pessoas se achem ‘na livre administração de suas pessoas e bens’
(Ccom art.1.º, I). Mas, como o falido não tem a livre administração de seus
bens (art. 40 da LF), ainda que a falência tenha sido casual, nenhuma culpa se
lhe podendo irrogar; tem ele necessidade, para reiniciar a sua vida
profissional, de readquirir o direito de administrar os seus bens e
deles livremente dispor. Surge daí o instituto da reabilitação civil no
regime falimentar, cujo objetivo é facilitar o reingresso do comerciante na sua
vida profissional”.
A reabilitação
penal é, sem dúvida, instituto diferente. A do Código Penal atual não guarda
nenhuma semelhança com a que figurava no art. 86 do Código Penal de 1890. Na
“Exposição de Motivos” lê-se: “a reabilitação, segundo a disciplina do projeto,
não é, como no direito vigente, a restitutio in integrum no caso
exclusivo de condenação injusta, mas um benefício que, consistente no
cancelamento da pena acessória [não mais] de interdição de direitos, pode ser
concedido ao condenado, sempre que este revele, ulteriormente, constância de
boa conduta e haja reparado o dano causado pelo crime. É a reabilitação
judicial segundo o modelo suíço-italiano, constituindo uma inovação no direito
pátrio”.
Decretada a
falência, o devedor perde o direito de administrar seus bens e deles dispor. É
o que diz o art. 40 da lei falimentar:
“Art. 40. Desde
o momento da abertura da falência, ou da decretação do seqüestro, o devedor
perde o direito de administrar os seus bens e deles dispor”.
Anteriormente à
lei atual, a reabilitação do falido permitia-lhe o retorno ao exercício
do comércio, mesmo sem a extinção de suas obrigações, mas isso tinha um
inconveniente, pois os credores não pagos podiam fazer valer seus direitos
sobre os bens investidos em sua atividade restaurada.
Agora, a
reabilitação tem função híbrida: abrange a extinção das obrigações cíveis e
criminais. Uma é tratada pelo juízo cível e a outra, pelo juízo
criminal (no Estado de São Paulo, o processo criminal corre no
próprio Juízo da Falência).
A extinção
das obrigações do falido coloca-o em condições de retomar suas atividades
comerciais, podendo voltar a comerciar.
A reabilitação
(propriamente dita – art. 197) é instituto de direito penal, que
na lei de falências ganha nova feição, dadas suas particulares especificações.
Pode ser deferida após três ou cinco anos depois de cumprida a execução, das
penas de detenção ou reclusão, desde que extintas (arts.134 a 138)
por sentença as obrigações do falido (art.197). É requerida no processo
penal instaurado (art.198). Se negada, cabe recurso em sentido estrito
(art.198, parágrafo único).
A extinção
das obrigações deve ser declarada por sentença. Essa
sentença, segundo Pontes de Miranda, tem natureza declaratória, embora
não deixe também de ter efeitos constitutivos, que é o direito de voltar
a comerciar.
Sentença pode ser
proferida antes (art.137, § 3.º) ou depois da sentença de
encerramento da falência.
Dessa sentença
cabe apelação, cujo prazo corre a partir da publicação dos
editais expedidos para ciência dos credores.
A questão é
tratada nos arts. 135 a 138 da Lei de Falências:
“Art.135.
Extingue as obrigações do falido:
I – o
pagamento, sendo permitida a novação dos créditos com garantia real”.
O pagamento
constitui o meio normal de extinção das obrigações.
Não só o
pagamento, mas também a novação (art. 999 do CC) das dívidas do falido
acarretam a extinção das suas obrigações. Porém, novação com garantia real.
Essa é a opinião de Rubens Requião e Miranda Valverde, todavia não é o que diz
o texto legal.
Pode haver
novação se o devedor constituir nova dívida em lugar da anterior, que fica
extinta. Também quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o
credor. E finalmente, quando, em obrigação nova, novo credor substitui o
antigo, ficando o devedor quite com este.
Indagação: esse valor deve ser
corrigido?
A resposta é
afirmativa, uma vez que desde a Lei n. 6.899/81 a correção monetária incide em
todos os débitos judiciais. Com relação aos créditos trabalhistas, a Lei n.
8.177/91 é expressa (art. 39). Da mesma forma, os créditos fiscais (DL n.
858/69, art. 1.º). Nesse sentido, é a jurisprudência.
“II – o rateio
de mais de 40%, depois de realizado todo o ativo, sendo facultado o depósito da
quantia necessária para atingir essa percentagem, se para tanto não bastou a
integral liquidação da massa”.
O pagamento é
40% de todos os créditos quirografários habilitados. Essa é a posição de
Miranda Valverde, bem como da jurisprudência, embora outros doutrinadores silenciem
a respeito. Requião diz que o pagamento é de todos os débitos, exceto dos
tributários, que, conforme o disposto no art.191 do Código Tributário Nacional,
devem ser integralmente pagos, ou seja, o juiz não poderá declarar extintas as
obrigações do falido, sem a apresentação das certidões negativas de débitos
fiscais. E, embora ele considere injusta essa exigência, porque a Fazenda
Pública não está sujeita aos efeitos da falência, podendo executar seus
créditos, ele próprio cita decisão do STF (RTJ, 54:492 e 7:77)
contendo tal exigência.
Nesse caso, o
falido, se não quitar os débitos tributários, há de aguardar o prazo de cinco
anos.
Miranda
Valverde diz que o falido deve provar a inexistência de ações ou
execuções propostas contra ele, bem como não foi condenado por crime
falimentar.
O entendimento
de que deve o falido quitar de forma integral todos os demais débitos encontra
respaldo na história evolutiva da legislação acerca da classificação dos
créditos na falência. Isso se deve ao fato de que antes de as leis trabalhista
e tributária estabelecerem a preferência de tais créditos, pagos os créditos
com que tinham garantia em bens específicos do falido, os demais eram
enquadrados numa mesma classificação, ou seja, eram quirografários. Daí a lei
falimentar expressamente não dizer que o pagamento de 40% é dos créditos
quirografários.
“III – o
decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado a partir do encerramento da
falência, se o falido, ou o sócio-gerente da sociedade falida não tiver
sido condenado por crime falimentar;
IV – o decurso
do prazo de 10 (dez) anos, contado a partir do encerramento da falência,
se o falido, ou sócio-gerente da sociedade falida, tiver sido condenado a pena
de detenção por crime falimentar.”
Além do prazo
prescricional de cada obrigação, há um prazo geral, de cinco anos,
que começa a correr do trânsito em julgado da sentença de encerramento da
falência. Trata-se de uma prescrição em bloco.
O prazo aumenta
para dez anos caso o falido, comerciante individual ou sócio-gerente
da sociedade falida tiver sido condenado por crime falimentar com pena de detenção.
Da mesma forma, o prazo conta-se do trânsito em julgado da sentença de
encerramento da falência.
A primeira
observação a respeito do texto supra é que é imprescritível a dívida do
falido, se houve condenação em crime falimentar apenada com reclusão,
para efeito da extinção das obrigações do
falido.
Assim, o falido
condenado à pena de reclusão fica excluído do benefício (prescrição
em bloco). Nesse caso, segundo Miranda Valverde, o débito (créditos
habilitados) há de ser pago (e isso há de ocorrer antes da condenação, porque
após o juiz não poderá declarar, por sentença, extintas as obrigações do
falido, e sem essa sentença também não poderá haver reabilitação criminal).
No RE inserto
na RTJ, 63:445, decidiu o STF que, salvo caso de força
maior, o prazo deve contar-se após dois anos da declaração da
falência, quando deveria estar encerrado o processo de falência (art.
132, § 1.º). Portanto, diante do decurso do prazo de sete anos, não
tendo havido motivo de força maior, pode o falido ou o sócio solidário requerer
a extinção de suas obrigações. Entretanto, se o encerramento se der em prazo
inferior a dois anos, exige a Suprema Corte que haja sentença formal de
encerramento da falência, não se podendo contentar com um encerramento
tácito ou virtual (RT, 224:322).
“Art.136.
Verificada a prescrição ou extintas as obrigações nos termos dos arts.
134 e 135, o falido ou o sócio solidário da sociedade falida pode requerer que
seja declarada por sentença a extinção de todas as suas obrigações.”
Durante o
processo de falência fica suspenso o prazo prescricional relativo às obrigações
do falido. Com o trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência,
recomeça a correr o prazo.
Se o falido
possuir bens adquiridos após o encerramento da falência, os credores que não
tiverem recebido seus créditos, no todo ou parcialmente, e estivessem o
executando, podem prosseguir nas execuções.
Uma vez
verificada a prescrição de todos os créditos habilitados, o falido pode
requerer a extinção de suas obrigações em razão dessa prescrição.
“Art. 137.
(...)
§ 2.º Findo o
prazo, o juiz, (...) proferirá (...) a sentença”.
A natureza
dessa sentença é declaratória – de extinção das obrigações. Mas tem também
efeito constitutivo, porque com ela o falido pode voltar a comerciar.
Procedimento:
O falido ou a
empresa falida deverá requerer ao juiz a declaração da extinção de suas
obrigações, comprovando a prescrição, o pagamento ou a novação, na forma dos
dispositivos legais acima.
Trata-se de
autuação em apartado, com os documentos comprobatórios dos motivos do pedido de
extinção. É publicado edital no Diário Oficial e em outro jornal de
grande circulação, para conhecimento dos credores e outros eventuais
interessados, que podem opor-se ao pedido. Serão ouvidos o falido e o MP, após
o que será proferida sentença. Esta será também publicada por edital e
comunicada à Junta Comercial.
Esse comunicado
à Junta Comercial não tem o efeito de extinguir a pessoa jurídica da sociedade
falida, mas apenas cientificar referido Órgão que o falido teve extintas as
suas obrigações, podendo voltar a exercer as suas atividades.
Se houver
condenação criminal, o falido ou sócio não poderá se inscrever novamente (Lei
do Registro do Comércio, arts. 35 e 37).
“§ 3.º Se o
requerimento for anterior ao encerramento da falência (...), o juiz, ao
declarar extintas as obrigações, encerrará a falência.”
Só podem ser
extintas as obrigações do falido antes do encerramento da falência, com
fundamento no art. 135, I e II, da Lei de Falências.
“Art.138. Com a
sentença declaratória da extinção de suas obrigações, fica autorizado o falido
a exercer o comércio, salvo se tiver sido condenado ou estiver
respondendo a processo por crime falimentar, caso em que se observará o
disposto no art. 197.”
Declarada a
falência, a lei falimentar declara a impossibilidade do exercício do comércio
pelo falido ou sócio-gerente. Extintas as obrigações, essa restrição é
levantada.
Essa é uma
condição para que o falido possa novamente inscrever-se no Registro do
Comércio: a sentença declaratória de extinção de suas obrigações. Se
condenado à pena de reclusão por crime falimentar, somente após sua reabilitação.
De observar que
só se extinguem as obrigações sujeitas ao regime falimentar
(M.Valverde).
M. Valverde:
“Se o falido tiver sido condenado por crime falimentar, que acarrete a
interdição do exercício do comércio (art. 196) somente após a reabilitação
criminal (art. 197), poderá reiniciar a sua atividade profissional. Também não
poderá exercer o comércio enquanto estiver respondendo a processo por
crime falimentar”.
“Art. 195.
Constitui efeito da condenação por crime falimentar a interdição do
exercício do comércio.
Art. 196. A
interdição torna-se efetiva logo que passe em julgado a sentença, mas o
seu prazo começa a correr do dia em que termine a execução da pena privativa de
liberdade.”
M. Valverde: “A
interdição para o exercício do comércio é a conseqüência jurídica que deriva, ope
legis, da sentença condenatória por crime falimentar. Resulta da simples
imposição da pena principal – reclusão ou detenção. Todavia, convém acentuar
que nem a toda pessoa condenada por crime falimentar se aplica a pena acessória
[não mais] – a interdição para o exercício do comércio. Ela pressupõe, no
condenado, a qualidade de comerciante: será o devedor ou falido e,
ainda, por força do art. 191, sofrerão a pena os diretores, administradores,
gerentes ou liquidantes da sociedade falida”.
Qualquer destes
fica impedido de inscrever-se no Registro do Comércio, mesmo como sócio ou
administrador de alguma sociedade, segundo o disposto na Lei n. 8.934/94, arts.
35, II, e 37, II.
A interdição do
exercício do comércio é, conforme se constata do art. 195 da LF, efeito da
condenação no crime falimentar. Portanto, não se pode, de forma alguma, falar
em pena acessória.
Com a reforma
do Código Penal levada a efeito pela Lei n. 7.209/84 não há mais pena
acessória (art. 69, IV, do CP). Daí uma corrente jurisprudencial (vencida)
entender que o art. 195 da LF estaria revogado, pelo fato de o art. 92 do CP
não ter incluído no seu rol a interdição do exercício do comércio.
Esse não é,
todavia, o entendimento do STF, em razão de a interdição do exercício do
comércio não ser pena acessória, mas efeito da condenação (RE
111.549-I – RT, 639:394), bem como do STJ (REsp 2632 – RT 661:349
– 675:426 – 679:395). Até porque o art. 12 do Código Penal ressalva
as disposições expressas das Leis Especiais.
De forma alguma
há que se falar, portanto, em pena com prazo indeterminado. Não se trata de
pena, mas de efeito da condenação.
A interdição
torna-se efetiva logo que passa em julgado a sentença... . Isso porque,
até então, ela era mera conseqüência da decretação da falência. Pode-se dizer
que era provisória. Com o deferimento da concordata suspensiva, deixava de
existir. Idem, com a extinção das obrigações do falido. Porém, com a condenação
criminar, torna-se efetiva, só podendo ser extinta com a reabilitação
criminal, o que se dá após decorrido o prazo legal, que começa a correr do
término do cumprimento da pena privativa de liberdade (ou da respectiva
prescrição criminal – em dois anos, segundo o art. 199 da LF) (v art.
196, retro).
Necessita ser
expressa na sentença, em face do disposto no parágrafo único do art. 92 do
Código Penal? (São também efeitos da condenação: “Parágrafo único. Os efeitos
de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente
declarados na sentença”.)
Há decisão do
STJ dizendo que precisa ser expressa na sentença, para ser efetivada: RT,
677:412.
“Art.197. A
reabilitação extingue a interdição do exercício do comércio, mas somente pode
ser concedida após o decurso de três (3) ou de cinco (5) anos, contados do dia
em que termine a execução, respectivamente, das penas de detenção ou de
reclusão, desde que o condenado prove estarem extintas por sentença
as suas obrigações.”
Qual o prazo:
da lei falimentar (supra) ou do Código Penal (art. 94)?
O prazo é até a
reabilitação (criminal).
Pela aplicação
do prazo da lei falimentar: RJTJSP, 110:442, RT, 626:284,
628:298. Mencionando apenas: até a extinção das obrigações: RT, 622:255,
629:305.
A
jurisprudência hoje é tranqüila no sentido de não se confundir a disposição do
art. 195 da LF com o disposto no art. 47 do CP, quando trata da interdição
do exercício de profissão.
“Em matéria
falimentar, a reabilitação vem regulada pelo art. 197 da lei própria, onde se
dispõe que sua concessão só é possível após o decurso de três ou cinco anos,
contados do dia em que se termine a execução, respectivamente, das penas de
detenção ou de reclusão, desde que o condenado prove estarem extintas por
sentença as suas obrigações. De consequinte, para que possa o mesmo recte.
fazer jus ao favor legal pleiteado, deverá promover, se já não o fez e tiver
condições para isso, a competente ação declaratória, perante o juiz da
falência, visando ao reconhecimento de que todas as suas dívidas estão extintas”
(RJTJSP, 66:376, RT, 545:315). No mesmo sentido: RT,
722:422.
Justifica-se a
imposição da interdição do exercício do comércio até a reabilitação
do falido, uma vez que o exercício do comércio faz presumir a boa-fé do
comerciante individual ou dos administradores de sociedade, não se podendo
admitir que quem esteja condenado por crime falimentar volte a exercer o
comércio. O legislador estabeleceu, inclusive, um prazo para tanto, após o
cumprimento da pena, que é maior, no caso da condenação ter sido à pena de
reclusão.
“Art.198. O
requerimento de reabilitação será dirigido ao juiz da condenação acompanhado de
certidão de sentença declaratória da extinção das obrigações (art. 136).
Parágrafo
único. O juiz ouvirá o representante do Ministério Público e proferirá
sentença, da qual, se negar a reabilitação, caberá recurso em sentido estrito.”
No Estado de
São Paulo, por força da legislação estadual, o processo crime falimentar
tramita perante o Juízo da Falência.
A atuação do MP
(art. 210)
Os processos de
falência e concordata fazem presumir o interesse público, porque se referem, em
geral, a uma coletividade de credores.
Assim, a
participação do MP é necessária, estabelecendo o art. 210: “o representante do
Ministério Público, além das atribuições expressas na presente Lei, será ouvido
em toda ação proposta pela massa ou contra esta”.
Diz mais, que a
ele cabe o dever, “em qualquer fase do processo, de requerer o que for
necessário aos interesses da justiça, tendo o direito, em qualquer tempo, de
examinar todos os livros, papéis e atos relativos à falência ou à concordata”.
Pelos atos que
praticar (parágrafo único), nada pode receber da massa. Redação dada pela Lei
n. 8.131/90.
O MP é parte
legítima para recorrer da sentença homologatória do pedido de desistência da
concordata preventiva (JSTJ, 9:114), embora a lei não mencione a
possibilidade de recurso.
O MP pode,
praticamente, recorrer de todas as decisões, tendo em vista que “participa dos
processos falimentares em razão de relevante interesse social. Por isso, cabem-lhe
os recursos legais para a execução e observância das leis que abrigam interesse
de ordem pública” (TJSP, RT, 657:86).
Extinção das
antigas penas acessórias:
Em sua redação
original, o CP previa as denominadas penas acessórias (antigos arts. 67
a 73 do CP de 1940), que eram sanções penais aplicáveis, junto com a pena
principal, em determinadas hipóteses que a lei previa. Eram elas de três
espécies (perda de função pública, interdições de direitos e publicação
de sentença). A reforma de 84 aboliu, por completo, as penas acessórias,
que agora não mais existem em nossa legislação com a natureza que elas tinham.
Algumas foram aproveitadas como penas restritivas de direito na espécie
específica de interdição temporária de direitos (CP, arts. 43, II, 47, 56
e 57), servindo como substitutivas de penas privativas de liberdade.
Outras, também adaptadas, podem ter efeitos extrapenais específicos (CP,
art. 92), quando, sendo cabíveis, haja sua declaração motivada na sentença (Comentários
ao Código Penal, Dante Delmanto).
1
Palestra proferida no Curso de Direito Empresarial, na Escola Superior de Advocacia
da OAB/SP, dia 12-06-2001.
Retirado de: www.saraivajur.com.br