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A PROIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DO COMÉRCIO COMO DECORRÊNCIA DA SENTENÇA DE FALÊNCIA E AS EXCEÇÕES LEGAIS
Frederico dos Santos Messias

O instituto da falência é um processo de execução concursal aplicado aos casos em que o patrimônio do devedor comerciante é inferior ao valor de suas dívidas, seguindo-se a arrecadação de todos os seus bens para uma venda judicial forçada e distribuindo-se, ao final e proporcionalmente, o lucro apurado entre os credores classificados segundo regras específicas do direito falimentar. Visa, pois, a busca do "par conditio creditorum", ou de forma simplista, o tratamento parificado de todos os credores do falido.

Um aspecto relevante do processo falimentar é que a sentença que declara a falência traz como conseqüência o impedimento do falido ao exercício regular da sua atividade comercial. De conseguinte, o retorno à suas atividades de comerciante somente ocorrerá após a sua reabilitação que pode ser necessária apenas na esfera civil ou, também, na esfera penal em caso de haver condenação por crime falimentar.

Primeiramente, a reabilitação civil do falido não traz maiores problemas. Neste sentido, deverá o falido requerer a extinção das suas obrigações através de sentença judicial após a ocorrência de uma das hipóteses previstas nos artigos 134 e 135 da Lei de Falências, como por exemplo, a do inciso I, do art. 135 que trata do pagamento dos créditos ou novação daqueles com garantia real. Com a declaração judicial da extinção das obrigações civis, não havendo processo ou sentença absolutória definitiva por crime falimentar, o retorno ao exercício do comércio é imediato.

No que tange a reabilitação penal esta se faz necessária quando o falido houver sido condenado por crime falimentar, sendo somente concedida após a declaração da extinção das obrigações civis e o transcurso do prazo de 02 anos contados da data do cumprimento da pena imposta pela prática de um dos crimes tipificados na lei.

Importante destacar que sobre este ponto há grande disceptação entre os doutrinadores quanto a sua aplicabilidade no ordenamento jurídico hodierno. Enxerga-se claramente dois posicionamentos díspares. Uma primeira linha de pensamento perfilha a idéia de que a atual redação do Código Penal ao não elencar a interdição do comerciante falido para o exercício do comércio entre as penas acessórias teria derrogado a Lei de Falências e, portanto, o dispositivo que estabelece a interdição para o comércio seria inaplicável em caso de condenação por crime falimentar. Para os que pensam desta forma o falido voltaria ao exercício do comércio apenas com a reabilitação civil.

Um outro posicionamento encabeçado pelo Mestre Damásio de Jesus, entende que o impedimento ao exercício do comércio somente cessa após a reabilitação penal nos casos em que esta se mostra necessária. Aquele festejado penalista refuta a idéia da derrogação da Lei de Falência sustentando que a interdição ao exercício do comércio pelo falido é efeito da condenação.

Com efeito, esta última idéia nos parece mais acertada levando-se em conta o fato de que a condenação traz como efeito principal a imposição de uma das penas previstas no Código Penal. Traz, porém, ainda, efeitos secundários, sejam de natureza penal, sejam de natureza extrapenal. Estes, são efeitos decorrentes da condenação que afetam o sujeito em outras áreas que não o direito penal. Conquanto aceitemos esta idéia há de se fazer a ressalva de que por se tratar de efeito específico previsto em lei especial não é decorrência automática de uma condenação, mas sim fruto de uma decisão motivada proferida pelo magistrado em seus decreto condenatório.

Superada esta divergência doutrinária cumpre-nos abordar agora as aparentes exceções trazidas pelo Decreto Falimentar. Neste diapasão, importante é lembrar que processo de quebra do devedor comerciante teve como inspiração na mente do legislador a proteção ao direito dos credores e não, como melhor seria, a continuidade da empresa de tamanha importância dentro do sistema comercial. Destarte, os doutrinadores conseguem apontar somente duas hipóteses, tratadas por eles como exceções, de continuidade do negócio do falido dentro da lei de falências, a saber: a realização do ativo através da constituição de sociedade de credores e a peculiaridade do negócio do falido.

A primeira hipótese contemplada no artigo 123, parágrafo 1º, da Lei de Falências consiste na realização do ativo apurado em regular liquidação através da constituição de uma sociedade de credores, desde que representem 2/3 do passivo admitido e sempre mediante homologação do juiz com objetivo de emprestar legalidade a decisão.

Em relação a segunda alternativa, quando o negócio do falido tem natureza peculiar e a sua continuidade interessa mais de perto ao credores, cumpre destacar que para esta hipótese a lei confere legitimidade ativa exclusiva ao falido que poderá, mediante requerimento ao juiz, solicitar a continuidade do seu negócio. Em atendendo a vontade do falido o juiz nomeará pessoa idônea, proposta pelo síndico para gerir os negócios da empresa. A autorização cessa em duas situações: na concessão ou denegação da concordata suspensiva ou o seu não requerimento no prazo previsto pela lei.

Em que pese a opinião da doutrina mais abalizada não concordamos em apontar tais hipóteses como exceções à regra de que a sentença declaratória de falência impede o falido de exercer o comércio. Em verdade, nos parece que em ambos os casos o comerciante continua impedido de comerciar, ocorrendo, sim, a continuidade de seu negócio através do gerenciamento de terceiros, no primeiro caso uma sociedade de credores e no segundo pessoa idônea autorizada pelo juiz.

Na trilha desta linha de pensamento buscamos fundamentação no fato já alhures ressaltado de que a inspiração do legislador falimentar foi proteger os credores, considerando, assim, o falido como verdadeiro algoz do seu negócio. Tal fato em cotejo com a exclusão do falido do gerenciamento da empresa nas hipóteses de continuidade força-nos a concluir que o impedimento ao comércio é verdadeira sanção pessoal imposta ao comerciante, sendo claro que, ainda que haja a preservação do negócio em caso de falência, o falido estará impedido de comerciar.

Imperiosa se faz a conclusão de que não há que se falar em exceções ao impedimento do comércio como decorrência da sentença da falência, eis que a lume da definição da figura do comerciante, vale dizer, aquele que pratica com habitualidade atos de intermediação visando lucro, não se vislumbra nas hipóteses de continuidade do negócio qualquer traço desta definição, já que nestas pseudo exceções os atos do comerciante são praticados por terceiros.


Frederico dos Santos Messias
Advogado em Santos - SP

Especial para O NEÓFITO

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