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Inoponibilidade das exceções ao terceiro de boa-fé nos títulos cambiais

 

André Côrtes Vieira Lopesjuiz de Direito no Rio de Janeiro

 

style="text-align: center; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">1. INTRODUÇÃO
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Sobre a inoponibilidade das exceções ao terceiro de boa-fé, a bibliografia nacional é relativamente pequena. Os doutrinadores pátrios, ressalvadas brilhantes exceções, tratam do assunto apenas de passagem em suas obras de direito cambiário, sem maiores esforços no sentido de levar o estudioso a uma reflexão a respeito do tema.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Daí o presente trabalho, que traz como proposta a necessidade de melhor exame da matéria para conhecer dos casos em que efetivamente possa o terceiro de boa-fé alegar a inoponibilidade quanto às exceções a ele dirigidas. Um dos aspectos que mais convidam à sua exploração é o da autonomia cartular, pela escassez de informações que existem nas obras específicas.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Não se tem, naturalmente, a pretensão de suprir lacunas, por isso e para tanto far
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">-se-ia necessária obra de maior envergadura e não o trabalho que ora se presenta dentro dos limites de uma exigência curricular; que se deseja é apenas contribuir, para o esclarecimento do assunto, na tentativa de estimular o debate.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">No desenvolvimento do tema, de início, impôs-se mostrar o quanto a conceituação de título de crédito é importante para a abstração de seus atributos fundamentais. Em seguida foram fixadas as suas características essenciais, esclarecendo, quando possível, as consequências delas decorrentes. Após, realiza-se um trabalho de classificação dos títulos de crédito e que visa unicamente a adequar o leitor aos liames que o assunto em foco proporciona. Passa-se, enfim, a mostrar as dificuldades, as discussões, as ambigüidades e as incertezas em relação às Convenções de Genebra e à sua incorporação ao direito positivo brasileiro.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Tão amplo é o tema que se fez necessário, depois de expor, de modo resumido e didático, as teorias explicativas sobre os títulos de crédito, passar-se, sucintamente, à focalização do seu duplo aspecto: do pólo ativo e do pólo passivo.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Finalmente, chega-se a apreciar algumas noções a respeito da ação cambial, para que assim se aborde, com clareza, a disciplina da inoponibilidade das exceções ao terceiro de boa-fé, que constitui o cerne da presente monografia.

 

style="text-align: center; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">2. CONCEITO DE TÍTULO DE CRÉDITO
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">O crédito tem seu fundamento na fidúcia, na idéia da confiança aplicada aos negócios; nasce da qualidade da pessoa que promete e a ele se obriga. A própria palavra crédito, do latim creditum, que decorre da expressão credere, significa "confiar", "ter fé". Segundo Ciccone (1), há maior confiança em um homem honesto do que no rico _ se não o faz com relação ao pobre é porque este não poderia, provavelmente, pagar seus débitos. A garantia do poder se traduz na capacidade e na riqueza: a capacidade, como dote pessoal, assegura a boa direção do negócio, e a riqueza, como fundo real, pode suprir a perda.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Na legislação pátria, o Código Comercial Brasileiro de 1850, todavia, não empregou a expressão "títulos" a não ser para as apólices da Dívida Pública, chamando-as de "títulos de fundos públicos" (art.191, 2ª parte; art. 255 e art. 257). As expressões por ele empregadas foram "papéis de crédito" (art.10, nº 4), "papéis de créditos endossáveis" e "papéis de créditos negociáveis" (art.54 e 55), "papéis de crédito comerciais" (art.191, 2ª parte), "papéis de crédito negociáveis no comércio" (art.273), "escritos ao portador" (art.425). Já o Código Civil tão-somente utiliza a expressão títulos de crédito nos arts. 789 a 795, "títulos de bolsa" no art. 1.479 e "títulos ao portador" nos arts. 1.505 a 1.511.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">A denominação títulos de crédito predomina nos países de língua portuguesa, italiana (titolo di credito) e espanhola (titolo de credito). Na França, os mesmos são chamados de effets de commerce.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Em que pese ao mérito de outras definições, a de Cesare Vivante é a que melhor identifica e explica os atributos essenciais do título de crédito:
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">um documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado. Diz-se que o direito contido no título (a) é literal, porquanto ele existe segundo o teor do documento: (b) é autônomo, porque a posse de boa-fé enseja um direito próprio, que não pode ser limitado ou destruído pelas relações existentes entre os precedentes possuidores e o devedor: (c) é um documento necessário para exercitar o direito, porque enquanto o título existe, o credor deve exibí-lo para exercitar todos os direitos seja ele principal, seja acessório, que ele porta consigo e não se pode fazer qualquer mudança na posse do título sem anotá-la sobre o mesmo. Esse é o conceito jurídico, preciso e limitado, que se deve substituir à frase vulgar pela qual se consigna que o direito está incorporado ao título (trad. livre) (2).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">É procedente a crítica de Vivante aos que afirmam estar o direito incorporado ao título. Na realidade, o direito a ele não se "incorpora"; tem, sim, apenas uma relação de conexão, daí resultando o fenômeno da cartularidade. Sendo algo imaterial, o direito não se extingue com o documento. Tanto isso é verdade que, com a perda da cártula, não ocorre o desaparecimento do direito, o qual resulta suspenso até que o título seja substituído por outro equivalente.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Seguiram-se àquela numerosas definições, muitas delas sem o vigor e a síntese proposta por Vivante, dentre essas assoma a de Alberto Asquini:
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">Título de crédito é o documento de um direito literal destinado à circulação, idôneo a conferir de modo autônomo a titularidade de tal direito ao proprietário do documento, e necessário e suficiente para legitimar o possuidor ao exercício do mesmo direito (trad. livre).(3)
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Navarrini (4), por sua vez, conceitua título de crédito como o documento que certifica uma operação de crédito cuja posse é necessária para exercer o direito que dele deriva e para conferí-lo a outras pessoas.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">No Brasil, José Maria Whitaker se destacou nesse assunto, ao abordá-lo sob o enfoque econômico. Segundo ele, "todo documento capaz de realizar imediatamente o valor que representa" (5) é título de crédito. Enfatizando o aspecto não abordado por Vivante, o da fungibilidade do título, que consiste na mobilização imediata de seu valor, permite-se ao portador receber a importância contida no documento, antes da data do vencimento, por meio de uma operação denominada desconto bancário. Pelo desconto, o banqueiro paga ao portador o valor do título diminuído do juro devido em razão do prazo que medeia as datas do pagamento e a data do vencimento do mesmo: afinal, o título nasce com o objetivo de circular e não o de restar nas mãos das partes primitivas. Ele realiza uma função nitidamente econômica. Trata-se, pois, de um verdadeiro elemento propiciador de circulação rápida e segura de riqueza e, em consequência, dinamizador da economia. É estimável, portanto, a contribuição do título de crédito para a formação e o desenvolvimento das modernas economias de mercado.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Salienta com precisão José Luiz da Silva Machado (6) que, de fato, a vida econômica seria de todo inadmissível sem a existência dos títulos de crédito eis que faltariam meios jurídicos para a adequada formalização das relações comerciais, as quais, por essa razão, teriam necessariamente de assumir outro aspecto.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Nota ainda Tulio Ascarelli (7) que, graças ao título de crédito, pôde o mundo moderno mobilizar as próprias riquezas, vencendo o tempo e o espaço e transportando, com maior facilidade, bens distantes e materializando, no presente, as possíveis riquezas futuras.

 

style="text-align: center; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">3. ATRIBUTOS DO TÍTULO DE CRÉDITO
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Entre as características fundamentais dos títulos de crédito, esboçadas por Cesare Vivante, três merecem maior destaque: a literalidade, a autonomia e a cartularidade.
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">3.1 - Literalidade
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Vivante, em trecho já transcrito, explicitou com precisão a literalidade, ao referir que o direito mencionado no título é literal, porquanto ele existe segundo o teor do documento. Sem dúvida, melhor acolhida pela doutrina foi a lição de Messineo: "o direito decorrente do título é literal no sentido de que, quanto ao conteúdo, à extensão e às modalidades desse direito, é decisivo exclusivamente o teor do título (trad. livre)". (8)
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Ascarelli (9) _ discordando de Messineo _ verberou que este teria confundido o conceito de literalidade com o de legitimação, _ o que não corresponde à verdade. Messineo não imbricou as duas proposições, nem se equivocou em torno da conotação de cada uma: enquanto a literalidade diz respeito ao conteúdo, à qualidade e à medida do direito a ser exercitado, a legitimação determina a competência do exercício do direito conexo ao título. Ambas as concepções, no entanto, decorrem da natureza cartular do direito. Daí a assertiva de que o documento vale pelo que nele se contém.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Sendo o título de crédito um documento necessário para o exercício de um direito, mister se torna que nele estejam expressos os seus limites e a sua amplitude, a fim de que possibilitem ao credor a indispensável segurança, liquidez e certeza jurídica.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">José Luiz da Silva Machado (10) refere-se ao atributo da literalidade sob dois aspectos: o primeiro significa que tudo o que está escrito no documento vale, podendo, dessa maneira, ser exigido do devedor (se alguém, por mera brincadeira, subscrever uma cártula, prestando aval ao emitente, não poderá, à época oportuna, caso o obrigado principal deixe de cumprir com a sua obrigação, excusar-se de pagá-lo, sob a alegação de não ter pretendido se obrigar ao apor a sua assinatura no documento). Já o segundo aspecto é negativo: tudo o que não estiver escrito num título não pode ser exigido de seu devedor (se, por exemplo, alguém promete ao possuidor de um título pagá-lo se o obrigado principal não o fizer, sem fazer constar essa declaração do documento, não poderá o credor compeli-lo a efetuar o pagamento).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">A literalidade, então, pode ser encarada sob duplo enfoque: tanto pode atuar favoravelmente ao credor do título de crédito, facultando a este exigir todos os direitos nele mencionados, quanto, de idêntica maneira, em favor do devedor, já que o credor está impossibilitado de pedir mais do que o estabelecido no documento.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Os ensinamentos de Paulo da Silva Pinto são interessantes para o assunto em pauta:
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">Forte argumento no sentido de se reconhecer a literalidade no sistema anglo-americano é a existência da parol evidence rule, prevista em common law. De acordo com esta regra, não se admite prova testemunhal para contrariar ou modificar o teor de um documento em que se contenham os termos de um contrato. Há uma preferência absoluta em favor da prova documental. Diante dessa desaparece a possibilidade de recurso à prova testemunhal, sempre passível de vícios e incertezas. Como a cambial basta a si mesma, não se admite qualquer prova testemunhal para contrariar os seus termos (11).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">De acordo com Ascarelli (12), o conceito de literalidade não foi bem aprofundado na doutrina brasileira, aliás, não há um único autor que tenha se preocupado com o assunto. Ele explica a literalidade na autonomia da declaração mencionada no título e na função constitutiva em que exerce a sua redação _ declaração cartular esta que se verifica submetida exclusivamente à disciplina decorrente das cláusulas constantes no próprio título. É esse o passo mais importante para a compreensão dos títulos de crédito e, conseqüentemente, para o entendimento de seu alcance.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Não basta portanto afirmar, como fez Carvalho de Mendonça (13), com bastante objetividade, que a literalidade tem como conseqüência não estar o devedor obrigado a mais, nem o credor possuir direitos outros, além dos declarados no título.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Na realidade, a declaração cartular tem uma natureza constitutiva de um direito autônomo e independente da relação fundamental e, não, como querem alguns, inclusive Carnelutti, que o título de crédito seja simplesmente uma prova dessa relação. O assunto, no entanto, transcende a esses limites. A justificação, para tanto, reside na necessidade de se conferir à instituição do crédito certeza e segurança jurídicas ao lado dos requisitos de agibilidade e facilidade inerentes ao bom exercício do comércio.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Convém ainda lembrar que literalidade também não se confunde com formalismo: ambos têm estrutura e funções diversas _ o formalismo é estabelecido pela Lei e define o teor específico do documento sem o qual estará comprometida a sua existência, enquanto a literalidade visa à subordinação dos direitos cartulares unicamente ao teor do que está escrito, atribuindo relevância jurídica aos elementos contidos na cártula.
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">3.2 - Autonomia
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Se é verdadeira a afirmação de que o atributo da literalidade não foi bem estudado pelos doutrinadores nacionais, não é menos verdade que o mesmo aconteceu com a autonomia.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Para João Eunápio Borges, autonomia não se confunde com independência:
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">Quando nossa lei fala em autonomia e independência, não incidiu em redundância: a palavra autonomia foi empregada para traduzir a distinção entre a obrigação resultante da declaração cambial (a obrigação cartular) e a decorrente da relação fundamental, da causa determinante daquela declaração (compra e venda, mútuo, desconto etc.). Mesmo inexistente ou insubsistente esta obrigação fundamental _ que deu origem ao título ou a sua transmissão _ pode ser eficaz a obrigação cartular que, embora conexa, é autônoma em relação àquela. E a palavra independência, no art. 43, refere-se à posição dos diversos obrigados, uns em relação aos outros. Vinculam-se todos solidariamente, obrigam-se todos individualmente pelo aceite e pelo pagamento, não se contaminando nem se invalidando cada obrigação pelos vícios (incapacidade, nulidade, falsidade, falsificação etc.) que possam tornar ineficaz qualquer das outras. (14)
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">A autonomia foi criada em benefício da livre circulação dos títulos e, em linhas gerais, a grande maioria dos juristas a situa na inoponibilidade das exceções decorrente das Convenções extracartulares em relação ao terceiro de boa-fé _ o que não está errado_, porém cuida-se, nesse caso, apenas de um dos aspectos daquela autonomia.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Todos que subscrevem um título de crédito assumem obrigações independentes, distintas das contraídas por outros que, no mesmo título, apuseram as suas assinaturas. Dessarte, a obrigação que é assumida numa letra de câmbio pelo sacador não se confunde com a do aceitante; a do avalista independe da dos demais obrigados. Todavia, como conseqüência, todos que a assinam são garantes do pagamento. O consectário lógico, então, é de que, quanto mais o título venha a circular, maior certeza terá o seu dono de receber a quantia nele mencionada no vencimento estipulado, já que poderá acionar tanto o obrigado principal como qualquer dos demais coobrigados.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Ao adquirir um título de crédito, passa o seu titular a ter um direito autônomo e independente da relação anterior entre os possuidores, assim justificada por Fran Martins:
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">A obrigação, em princípio, tem a sua origem, nos verdadeiros títulos de crédito, em um ato unilateral de vontade de quem se obriga: aquele que assim o faz não subordina sua obrigação a qualquer outra por acaso já existente no título. Daí poder o portador, no momento oportuno, exigir de qualquer obrigado a realização da obrigação por ele assumida, desde que tenha praticado os atos determinados por lei (15).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Pontes de Miranda alude à autonomia afirmando que
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">a necessidade de assegurar a circulação cambiária levou à concepção da autonomia das obrigações cambiárias. Certamente, o título cambiário é unidade, e por vezes o designamos pela expressão ato unitário; mas, coexistente com a aparência do todo, há a aparência dos outros singulares, cujo despregamento resulta do fato mesmo das assinaturas, que são diversas e lançadas em diversos tempos. Seria sem história e, portanto, sem traços do tráfico, título em que, a despeito da multiplicidade das mãos por que andou, recebesse declarações bilaterais de vontade, sem lhes assegurar autonomia. O andar deu-lhe o ser solto _ soltura que se reflete, como vimos, na solidariedade cambiária (16).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Ascarelli (17) usa de clareza ao abordar a questão, estabelecendo que a proteção se dá em duas situações diferentes: (a) ao falar em autonomia, o que se quer afirmar é não poderem ser opostas ao subseqüente titular do direito cartular as exceções oponíveis ao portador anterior, decorrentes de Convenções extracartulares, inclusive, nos títulos abstratos, as causais e (b) ao falar em autonomia, também o que se quer dizer é não poder ser oposta ao terceiro possuidor do título a falta de titularidade de quem lho transferiu _ uma situação completa a outra. Com efeito, é de se observar que, admitida a autonomia, somente no último sentido, na aquisição a non domino, o adquirente não poderia restringir as exceções ao direito mencionado no título _ seu titular o teria da mesma forma _ independentemente da titularidade do próprio antecessor.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Assevera novamente João Eunápio Borges (18) que o título de crédito não constitui fenômeno autônomo, desprendido da relação de débito e crédito que lhe deu origem e no qual se insere necessariamente. Há sempre um fundamento, uma causa de ordem econômica na origem da subscrição de um título de crédito: a relação fundamental.
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">Assim, a obrigação que incumbe ao comprador de pagar a mercadoria comprada a prazo não se confunde com a que ele assumiu ao assinar, em virtude de tal compra, um título de crédito. Mesmo inexistente ou insubsistente aquela obrigação fundamental _ que deu origem ao título _ pode eventualmente ser eficaz a obrigação cartular que, embora conexa, é autônoma em relação àquela (19).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">O direito que cada titular sucessivo vai adquirindo sobre o título e sobre os direitos que nele estão mencionados é autônomo. A expressão autonomia, para a maior parte da doutrina, indica que o direito do titular é um direito independente no sentido de que cada pessoa, ao adquirir a cártula, recebe um direito próprio, diferente do direito que tinha ou podia ter quem lhe transferiu o mencionado título.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Diversas são as teorias a respeito da autonomia, mas a que parece predominar é a de que a relação existente entre o sujeito portador do título e o documento é de natureza real. Assim considerado, o direito que surge da cártula, tratando-se de um direito constitutivo, cada um dos proprietários da cambial o adquire de forma originária, em uma relação real e não derivada de um acordo.
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">3.3 - Cartularidade
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">A cartularidade decorre do atributo da autonomia. É em razão de ser o direito mencionado no título literal e autônomo que a apresentação da cártula se faz necessária para o exercício do direito.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Cartularidade é, pois, a imperiosa necessidade da apresentação do título para o exercício do direito nele mencionado: "o credor deve possuí-lo, deve apresentá-lo ao devedor e deve restituí-lo a este quando receber o respectivo valor". (20)
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Sem a apresentação do título de crédito, não está o devedor obrigado a cumprir a prestação respectiva. Indispensável, pois, para a exigibilidade do crédito é a exibição do documento original.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Sobre o assunto, assim decidiram os Desembargadores do 1º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ao julgarem os Embargos nº 92.025:
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">A cambial deve ser efetivamente apresentada ao devedor para resgate, mesmo quando deixada em branco para cobrança, não se podendo supor renunciado esse direito do devedor, pelo silêncio, quando a falta de pagamento pode acarretar graves consequências, como a rescisão do compromisso, com perda das prestações pagas (21).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">O direito, portanto, "não se encontra incorporado ao título" (22), como quer fazer preponderar João Eunápio Borges, "mas permanece em uma relação de conexidade àquele" (23); essa situação reveste-se de nitidez quando há a hipótese de perda do título: o direito a sua recuperação está fora da cambial e funda-se no vínculo jurídico existente entre credor e devedor; somente extingue-se ela no instante em que o direito cartular for exercido, quando, então, ocorrerá a confusão dos dois direitos (o direito cartular e o direito à recuperação). Enquanto não for exercido o direito cartular, o direito à recuperação continua fora do título.

 

style="text-align: center; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">4. CLASSIFICAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">As classificações dos títulos de crédito servem apenas para fornecer uma idéia ampla do seu campo de atuação e elas são tantas que difícil, e até mesmo desinteressante, seria acrescentar outras ao exaustivo rol que, certamente, se tem por incompleto _ daí passar-se tão somente a enumerá-las.
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">4.1- Classificação quanto à forma de circulação: títulos nominativos e ao portador.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Diferentemente do que pondera a maioria dos doutrinadores pátrios que consagram a tripartição dos títulos em nominativos, à ordem e ao portador, prefere-se adotar, em face do rigor legal, a bipartição aludida no título do subitem. É que o título à ordem conceituado por Fran Martins como "aqueles que trazem o nome dos beneficiários e junto a esses, uma cláusula esclarecendo que o direito a prestação pode ser transferida pelo beneficiário a outra pessoa" (24) é sempre nominativo, não se confundindo com os nominativos não-endossáveis. É bem verdade que aqueles se transferem por simples endosso, porém cumpre lembrar que perante o emitente há, assim como nos títulos nominativos não-endossáveis, necessidade de registro de transferência dos mesmos.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Todos os títulos que trazem o nome da pessoa indicada como beneficiária da operação de crédito a se realizar e que possuam registro nos livros do emitente, como condição jurídica para a eficácia da transferência da posse dos mesmos, são "títulos nominativos".
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">O problema que exsurge é saber se o título nominativo, por exigir o registro para a sua transferência, deva ser tido como título de crédito. É de se ressaltar que a circulação não foi posta dentre os elementos dos títulos de crédito na definição clássica de Vivante. O que se procura é a modificação de riqueza; a circulação se verifica em momento posterior: pode acontecer ou não. Ocorrendo a circulação, esta se torna mais segura, muito embora difícil e incômoda, como ressalva João Eunápio Borges (25), porque a presunção de propriedade do título resulta da inscrição do nome do titular no registro do emissor e, não, da posse do documento. A perda do título não causará nenhum prejuízo ao seu dono enquanto ele não assinar o termo de transferência, situação em que permanecerá como proprietário do título muito embora tenha perdido a sua posse. Incômoda, contudo, é a circulação porque a negociação se realiza na maioria das vezes em lugar diferente do da sede do emissor, onde se encontra o livro de transferência.
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">Títulos ao portador são aqueles em que o nome do beneficiário da prestação não aparece expressamente mencionado nos títulos de crédito, sendo transferíveis por simples tradição manual, assim como se dá com os bens móveis. Esse documento justifica a sua existência pelo princípio de que quem se obriga por um título não o faz unicamente com relação àquela pessoa, mas à coletividade, ao universo de pessoas que detém a cambial.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Os títulos de crédito ao portador estavam disciplinados (a) nos arts. 1º - IV e 54 - III, do Decreto 2.044, de 1908, que respectivamente autorizavam a letra de câmbio ao portador e vedavam a nota promissória do mesmo tipo; após, (b) nos artigos 1505 a 1511 do Código Civil exigindo-se Lei federal para a autorização da emissão de títulos ao portador. Pela Lei genebrina, os artigos 1º, alínea 6ª, e 75, alínea 5ª, são requisitos essenciais da letra de câmbio e da nota promissória o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem se deva pagá-la; condicionamento esse efetuado por razões de política monetária, não se permitindo a criação da cártula ao portador, mas admitindo sua circulação por esta modalidade (art.13, alínea 2ª).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Hoje, não mais se permite a emissão ou a circulação de títulos ao portador.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Não se pode esquecer que a Lei uniforme de Genebra inovou no que tange à letra de câmbio e à nota promissória, aceitando possa o sacador inserir, na cártula, a expressão não a ordem acarretando uma limitação à circulação da cambial, que passará a surtir efeitos de cessão ordinária de créditos, não podendo desta forma ser transferida por endosso (art.11, alínea 2ª).
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">4.2 - Classificação quanto à origem do negócio subjacente: títulos abstratos e títulos causais.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Nos títulos causais, há uma profunda conexão com a relação fundamental, enquanto, nos títulos abstratos, a relação cartular se desvincula completamente do negócio subjacente. A "natureza da relação fundamental não emerge do contexto do título (trad. livre)". (26)
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Prevalecendo única e exclusivamente o que neles constam, os direitos são exercidos independentemente das causas que lhe deram origem, causas essas consideradas irrelevantes; por essa razão, sequer as exceções extracartulares podem ser opostas ao terceiro adquirente de boa-fé.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">A abstração é um instrumento de que dispõe o credor para facilitar a circulação do título.
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">Diz-se abstrato, porque nêle se abstrai da causa, não porque a vontade privada o tenha imposto, e sim porque a Lei o quer. É abstrato por força de Lei. Assim, além de direito autônomo, que adquire o possuidor, tem êle direito abstrato, com que a sua posição se fortalece, fazendo-o livre do contágio de quaisquer causas das relações jurídicas em que estiverem os possuidores precedentes. Diante dêle está o conteúdo objetivo de uma promessa, e uma Lei, que a faz vinculativa (27).
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">A abstração é a regra para todos os títulos cambiários e cambiariformes. Os negócios jurídicos unilaterais que ocorrem são indiferentes ao que esteve à base ou determinação das declarações unilaterais de vontade que se tornaram negócios jurídicos. Não importa se o declarante unilateral de vontade esperava algum proveito, ou se não esperava, se tinha intenção de liberalidade, ou se não tinha. Nem se o declarante manifestou a vontade por existir alguma relação jurídica, ou ter de existir, em que era ou seria sujeito passivo; nem se nenhuma relação jurídica existiu, nem teria de existir em que fôsse ou tivesse de ser sujeito passivo. De tudo isso o título abstrai. (28)
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Muitos ainda entendem que títulos causais são os decorrentes de uma causa determinada, necessariamente referida no título, vinculando-a ao negócio subjacente que lhe deu vida e colocam como exemplo a duplicata mercantil _o que não se tem por incorreto; no entanto, acrescenta Newton de Lucca (29), com inteira propriedade, que o título de crédito somente será causal, se a Lei assim o determinar. Não basta, dessa forma, que a causa esteja mencionada no título: faz-se mister que haja previsão em Lei da sua vinculação ao negócio jurídico subjacente.
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">4.3- Classificação quanto ao conteúdo da declaração cartular: títulos de crédito propriamente ditos, títulos de crédito impropriamente ditos e títulos de crédito impróprios.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Tomando por base a classificação de Carvalho de Mendonça (30), por muitos combatida, estabelece-se a distinção entre títulos de crédito propriamente dito, títulos de crédito impropriamente ditos e simplesmente impróprios: (a) os primeiros atestam uma operação de crédito figurando entre os mesmos os títulos da dívida pública, as letras de câmbio, as notas promissórias, as duplicatas mercantis, as letras hipotecárias; (b) os títulos de crédito impropriamente ditos permitem a livre disposição de certas mercadorias (de que são exemplos os conhecimentos de depósito e de cargas) e a retirada pelo emissor, em favor próprio ou de terceiro a totalidade ou parcialidade de fundos disponíveis do comerciante (como acontece com os títulos de liquidação de que é exemplo o cheque); atribuem eles, ainda, um complexo de direitos conexos à qualidade de sócio, representando frações do capital social com direito de o credor exigir dividendos à época devida (ações de sociedades anônimas ou de sociedades de comandita por ações).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Entre os títulos impróprios denominados também de títulos de legitimação, estão os bilhetes de passagem, de espetáculos e de concertos, os cupons de motel, os tickets de refeição e de estacionamento. Esses não conferem ao possuidor direito literal e autônomo, podendo se discutir em as causas extracartulares.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Correspondem aos chamados títulos de participação as ações de sociedades anônimas que, ao atribuirem aos portadores direitos de sócios, concedem aos mesmos direito de participar não só da administração da sociedade como também dos interesses sociais.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Consideram-se títulos de representativos os conhecimentos de frete e de depósito por representarem as mercadorias que são postas em circulação.
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">4.4- Outras classificações:
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Pode-se ainda classificar os títulos de crédito em: (a) títulos principais e títulos acessórios, (b) títulos individuais e títulos em massa, (c) títulos simples e títulos complexos, (d) títulos completos e títulos incompletos, (e) títulos públicos e títulos privados e, finalmente, (f) títulos absolutos e títulos relativos.
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">4.4.1 - Títulos principais e títulos acessórios:
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">São títulos acessórios aqueles que pressupõem a existência de um outro principal, ao qual se agrega; têm como conteúdo um direito acessório dependente de um outro direito, em conexão com o título principal e, como exemplo tradicional, o cupon de cautela de ações da sociedade anônima (31). Os títulos principais, por consegüinte, independem de qualquer outro título para o qual existam.
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">4.4.2 - Títulos individuais e títulos em massa:
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Nos títulos individuais ou singulares, revela-se a existência de um único negócio à emissão do título. Já nos títulos seriados ou em massa, uma única operação, ou várias delas, todas iguais, correspondem à emissão de vários títulos que se distinguem pela numeração que neles está mencionada (32).
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">4.4.3 - Títulos simples e títulos complexos:
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Chamam-se títulos simples aqueles que outorgam ao seu portador um único direito (cambial), enquanto títulos complexos é a denominação atribuída aos títulos dos quais derivam vários direitos, verbis gratia, as ações de sociedades anônimas (que concedem direito de voto, direito aos dividendos da sociedade).
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">4.4.4 - Títulos completos e títulos incompletos:
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Os títulos completos se bastam por si mesmos, pois a relação entre portador e emitente está, na totalidade, mencionada no documento cartular; inconcebível desse modo a referência a elementos extracartulares. Os referidos títulos têm o conteúdo determinado pela Lei, de que são exemplos a nota promissória, a letra de câmbio, o cheque.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Os títulos incompletos não se bastam por si; é necessário sempre que se busque a sua integração a outros papéis, ou seja, que se recorra a outros documentos para que se possa completar a compreensão dos direitos a ele relativos. A ão é novamente aludida como exemplo; eis que as relações entre a sociedade e o proprietário do título concebem-
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">-se do estabelecido nos Estatutos sociais, referidos no próprio documento de crédito.
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">4.4.5 - Títulos públicos e títulos privados:
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Newton de Lucca foi bastante oportuno ao afirmar que a classificação de um título em público ou privado depende da conceituação que o Código Civil faz das pessoas em seu livro I, título I . (33)
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Sendo assim, títulos públicos são aqueles emitidos por pessoas jurídicas de direito público: União, Estados, Distrito Federal e Municipíos e as suas respectivas autarquias (Decreto-Lei 6.016, de 22/11/43); enquanto títulos privados são os emitidos por pessoas privadas, naturais ou jurídicas, civis ou comerciais, inclusive as sociedades de economia mista que, como é de todos sabido, são entidades de direito privado subordinadas à Lei de sociedade por ações.
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">4.4.6 - Títulos absolutos e títulos relativos:
style="text-align: justify; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">Relativos são aqueles títulos cuja posse somente é necessária para a transferência do direito e, não, para o seu exercício. Já os títulos absolutos são os cuja posse do titular é sempre imprescindível para o exercício do direito.

 

style="text-align: center; font-weight: bold; font-family: 'Times New Roman'; ">5. AS CONVENÇÕES DE GENEBRA: a tendência uniformizadora e a incorporação ao direito positivo brasileiro.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Em primeiro lugar, a denominação utilizada pelo direito internacional para designar o consenso estabelecido entre as nações, relativamente a uma matéria de índole puramente técnica _ não-política _, é Convenção; matérias políticas só cabem em Tratados.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">A promulgação das Convenções assinadas em Genebra, nos anos 1930 e 1931, para a adoção de uma Lei que uniformizasse a matéria referente a letras de câmbio, notas promissórias e cheques, se verificou através do Decreto Legislativo de nº 54, de 8 de setembro de 1964, e completado pelos Decretos federais nºs. 57.595 e 57.663 respectivamente de 7 e 24 de janeiro de 1966.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Antes dessa data, as Convenções Gerais já tinham se constituído em monumentos legislativos do Direito universal, sendo as suas regras e princípios invocados no Brasil, mas destituídos de coercibilidade por falta das solenidades necessárias (aprovação pelo Congresso Nacional, promulgação pelo Presidente da República e publicação no Diário Oficial).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">As Convenções de Genebra entraram em vigor a 1º de janeiro de 1934, após completado o número mínimo de ratificações, tendo o Brasil a elas aderido em 26 de agosto de 1942, ainda que não satisfizesse a exigência das Convenções de reproduzí-las em seu Ordenamento jurídico através de Leis internas: continuavam em vigor no País o Decreto 2.044, de 1908, e a Lei 2.591, de 1912.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Em 1966, foram editados os atos internos do Governo Brasileiro sobre os quais ainda se discute se são aplicáveis às relações obrigacionais fundadas no direito cartular as regras constantes das Convenções de Genebra, com as reservas constantes dos Protocolos dos referidos atos, tal como se demonstra, em reprodução ipsis litteris do Decreto 2.044 em Anexo.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Promulgadas as Convenções, revigorou o Brasil a sua atitude, no campo do Direito das Gentes de prestigiar os grandes movimentos da cultura universal e de contribuir para o aperfeiçoamento das relações internacionais, suprimindo, dessarte, os pontos de atrito existentes entre as mais variadas legislações.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Na medida em que se aperfeiçoam os meios de comunicação entre os povos, com as conseqüentes facilidades que se criam às mudanças domiciliares dos súditos das diversas nações, vai-se reforçando a conveniência em que as Leis se apresentem mais ou menos as mesmas em todo o Mundo. É o caso da unificação do direito cambial que tem sido facilitada pelo caráter cosmopolita de seu objeto _ principalmente a letra de câmbio, havida como espécie de moeda internacional.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Todavia não é de se esperar, hoje em dia, a realização de um direito uniforme para todo o mundo. Esse ideal é impedido categoricamente pelas reservas.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">As reservas têm por finalidade tornar expressa a intenção da parte contratante em não aderir a determinadas proposições do ato _ é uma ressalva que torna a cláusula inoperante para o Estado que a faz. Ressalte-se que todas as Altas Partes Contratantes emprestam concordância no sentido de admitir as reservas a determinados pontos da Convenção: por isso se celebra o Protocolo adicional.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Reza o art. 1º da Lei Genebrina sobre letras de câmbio e notas promissórias:
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">As Altas Partes Contratantes obrigam-se a adotar nos territórios respectivos, quer num dos textos originais, quer nas suas línguas nacionais, a Lei Uniforme que constitui o Anexo I da presente Convenção.
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">Esta obrigação poderá ficar subordinada a certas reservas que deverão eventualmente ser formuladas por cada uma das Altas Partes Contratantes no momento da sua ratificação ou adesão. Estas reservas deverão ser recolhidas entre as mencionadas no Anexo II da presente Convenção.
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">Todavia, as reservas a que se referem os arts. 8º, 12 e 18 do citado Anexo II poderão ser feitas posteriormente à ratificação ou adesão, desde que sejam notificadas ao secretário-geral da Sociedade das Nações, o qual imediatamente comunicará o seu texto aos membros da Sociedade das Nações e aos Estados não-membros em cujo nome tenha sido ratificada a presente Convenção ou que a ela tenham aderido. Essas reservas só produzirão efeitos 90 (noventa) dias depois de o secretário-geral ter recebido a referida notificação.
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">Qualquer das Altas Partes Contratantes poderá, em caso de urgência, fazer uso, depois da ratificação ou da adesão, das reservas indicadas nos arts. 7º e 22 do referido Anexo II. Neste caso deverá comunicar essas reservas direta e indiretamente a todas as outras Altas Partes Contratantes e ao secretário-geral da Sociedade das Nações. Esta notificação produzirá os seus efeitos 2 (dois) dias depois de recebida a dita comunicação pelas Altas Partes Contratantes (34).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">A reserva não se confunde com a cláusula de adesão, que sucede à ratificação: ato pelo qual o Estado dá ciência à comunidade internacional do ajuste realizado; constitui a cláusula de adesão o meio adequado pelo qual se permite que as disposições constantes no tratado ou convenção se estenda a terceiros Estados não signatários do ato, tal como estão mencionadas nos artigos 6º e 7º do Decreto nº 57.663, de 1966.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Após a ratificação segue-se a promulgação pela autoridade competente (no Brasil, o Presidente da Repúbica) e, finalmente, a publicação no Diário Oficial, para tornar a Convenção obrigatória no País.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Em decorrência da promulgação dos Decretos 57.595 e 57.663, de 1966, formaram-se, desde logo, duas correntes de pensamento, entendendo uns que tais Convenções dependiam, para a sua inserção no Direito Interno brasileiro, de novo ato formal: da ordem de execução, peculiar de toda Convenção, que conferiria às mesmas perfeição e eficácia; outros achavam que a inserção se operaria com a simples promulgação e publicação dos Decretos mencionados.
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Inicialmente, segundo Mercado Júnior (35), preponderou o entendimento daqueles que, pretendendo salvar a superioridade da Lei pátria sobre a Lei uniforme reclamava a edição de novo ato. O Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo compartilhava desse entendimento, todavia o Supremo Tribunal Federal julgando diversos recursos extraordinários posicionou-se em sentido contrário a esse juízo. Eis uma decisão do Pretório Excelso, tendo como relator o Ministro Oswaldo Trigueiro:
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">(...) Não me parece curial que o Brasil firme um tratado, que esse tratado seja aprovado definitivamente pelo Congresso Nacional, que em seguida seja promulgado e, apesar de tudo isso, sua validade ainda fique dependendo de novo ato do Poder Legislativo. A prevalecer esse critério, o tratado, após sua ratificação, vigoraria apenas no plano internacional, porém não no âmbito do Direito interno, o que colocaria o Brasil na privilegiada posição de poder exigir a observância do pactuado pelas outras partes contratantes, sem ficar sujeito à obrigação recíproca.
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">A objeção seria ponderável se a aprovação do tratado estivesse confiada a outro órgão, que não o Congresso Nacional. Mas, se aprovação é ato do mesmo poder elaborador do Direito escrito, não se justificaria que, além de solenemente aprovar os termos do tratado, o Congresso Nacional ainda tivesse de confirmá-los, repetidamente, em novo diploma legal (...) (36) .
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">No mesmo sentido, a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul :
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">Conquanto se deva reconhecer que a regra do art. 134 do Cód. de Processo Civil, execucão no fôro do domicílio do réu, desde que não designado expressamente o lugar do pagamento tenha prevalecido na jurisprudência, mesmo por fôrça da mesma do art. 54, parg. 2º, da Lei Cambial, tal matéria sofreu recentemente modificação, mercê da adesão do Brasil à Convenção de Genebra de 7-6-30, expressa pelo dec. legislativo do Congresso Nacional, de nº 54, do ano de 1964, completado pelo decreto executivo nº 57.663, de 24-1-66, que promulgou as Convenções para adoção de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias.
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">O anexo I dessa Convenção (lei uniforme relativa às letras de câmbio e notas promissórias) dispõe em seu art. 2º "...Na falta de indicação especial, o lugar designado ao lado do nome do sacado considera-se como sendo o lugar do pagamento, e ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do sacado" (...) Assim, o lugar do pagamento, que era requisito não essencial, no regime do Decreto 2.044, passou agora a ser essencial (art. 1º, ítem, da lei uniforme _ A letra contém: "... A indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento"), e, não consignado expressamente na cártula, valerá como tal e também como o domicílio do sacado, aquêle, indicado junto ao seu nome.
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">Resta saber se essas regras novas foram introduzidas automaticamente em nosso direito interno, vigendo também para regular as relações entre brasileiros, aqui criadas ou se apenas deverão ser consideradas válidas e eficazes para reger os dissídios de órbita do direito internacional privado. Ou, em outras palavras, se a mera promulgação dessa convenção importou na sua imediata integração no direito interno ou se ainda se faria necessária lei com êsse objetivo.
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">O art. I da Convenção que estabelece lei uniforme sôbre letras de câmbio e notas promissórias (promulgada pelo decreto n. 57.663 citado) firma a obrigação, para as altas partes contratantes, de introduzir, nos territórios respectivos, quer num dos textos originais, quer nas suas línguas nacionais, a lei uniforme que constitui o anexo I da referida Convenção. Esta objetivou, normativamente, uniformizar institutos de que trata. No direito brasileiro, dá a Constituição Federal competência privativa ao presidente da República para "celebrar Tratados e Convenções internacionais ad referendum do Congresso Nacional" (art.87). Por outro lado, tem o Congresso Nacional competência exclusiva para "resolver definitivamente sôbre Tratados e Convenções celebrados com os Estados estrangeiros pelo presidente da República" (art.66,I). Assim, celebrado o tratado ou convenção por representante do Poder Executivo aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República, com a publicação do texto em português no órgão da imprensa oficial, tem-se como integrada a norma da convenção internacional no direito interno. Dêsse pensamento participam o Prof. TEÓFILO DE AZEREDO SANTOS ("Exposição de Motivos", do Projeto do Cód. de Obrigações, II parte), referindo-se em especial ao dec. legislativo nº 54, que iria integrar o direito interno, uma vez promulgado por decreto executivo: ANTÔNIO MERCADO JÚNIOR, em recente obra ("Nova Lei Cambial e Nova Lei do Cheque", São Paulo, 1966, págs. 116-32), e o Dr. LÉLIO CANDIOTA CAMPOS, em substancioso estudo a êsse respeito.
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">A norma uniforme assim integrada em nosso direito interno, considerando o domicílio do sacado aquêle indicado ao lado de seu nome e equiparando-o ao lugar do pagamento, não conflita com a sistemática processual brasileira de determinação da competência, mas nela se insere agora, restabelecendo ademais, velha tradição que as fontes romanas e presente nas Ordenações Filipinas (PONTES, "Tratado de Direito Privado", 1-272), assim como no art. 62 do regulamento nº 737 e art. 42 do Cód. Civil (especificação convencional do domicílio da execução dos contratos escritos), espécie muito afim da ora versada, com a conotação de que a norma uniforme cogita da convenção, quando expressamente estipulada (designação expressa do lugar do pagamento); ainda, quando inexiste, fazendo então coincidir o lugar do pagamento e o domicílio com o indicado ao lado do nome do sacado. No primeiro caso, a hipótese se apresentaria idêntica à do art. 42 do Código Civil e configuraria verdadeiro fôro do contrato ou fôro de eleição _ que, contrariamente à opinião dos primeiros comentadores do Cód. de Proc. Civil (e ainda agora, de PONTES), não resultou vedado nesse diploma legal (cf. ac. do Supremo Tribunal Federal, in "Revista Forense", vol. 112, pág.102). No segundo caso, que identifica com a questão ora em exame, a norma uniforme, de caráter eminentemente material delineia conceito legal de domicílio, receptício dentro do direito processual, não como norma heterotópica, mas posta no ramo adequado do ordenamento positivo, já que domicílio é noção de direito substantivo. E assim, estabelecido pela lei qual seja o domicílio da parte que intervém em determinado negócio, segundo o critério de vinculação do agente ao lugar designado no ato, nenhum conflito se entrevê entre essa norma e a do art. 134 do Cód. de Processo Civil, apenas devendo-se entender que, nesses casos especiais, o domicílio a que se refere o citado dispositivo o é, como não poderia deixar de ser, o definido na lei substantiva, eis que a norma processual cuida tão-somente do fôro, pondo-o aí em relação com aquêle conceito, verdadeiro ato-fato jurídico.
style="text-align: justify; font-size: 10pt; font-family: 'Courier New'; ">Nessas condições, o domicílio do executado, na falta de indicação especial do lugar do pagamento, é o mesmo mencionado junto ao seu nome (37).
style="text-align: justify; font-family: 'Times New Roman'; ">Vale notar que o Governo brasileiro fez algumas reservas às tantas vezes referidas Convenções, não incorporando ao direito nacional certas proposições, regras estas que não se reputam em vigor, podendo ou não adquirir vigência no futuro. Prevalecem, como já foi dito, as normas contidas nas Leis 2.044 e 2.591, de forma subsidiária, excluíndo dessas os pontos atingidos pelas reservas, ou seja, as Convenções de Genebra coexistem com as Leis nacionais até o ponto em que estas não contrariem aquelas.

 

 

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