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Atipicidade Mista do Contrato de Utilização de Unidade em Centros Comerciais e Seus Aspectos Fundamentais

Parecer feito por Álvaro Villaça Azevedo Professor Titular da USP e Advogado. sobreAtipicidade Mista do Contrato de Utilização de Unidade em Centros Comerciais e Seus Aspectos Fundamentais

Elaborado por: Álvaro Villaça Azevedo .
Colaboração enviada por: Álvaro Villaça Azevedo , professor titular da USP e advogado.


CONSULTA
Consulta-me a BRASCAN - Empresa de "Shopping Centers", por intermédio de seu Diretor Jurídico Advogado Roberto Wilson Renault Pinto, sobre a natureza jurídica do contrato de utilização de unidade autônoma de "Shopping Centers", solicitando realce de seus aspectos fundamentais.
Feitas as pesquisas necessárias encontro-me apto à elaboração de Parecer, a respeito da solicitação.
Esclareço que esse parecer foi dado de setembro de 1989, estando atualizado em vários pontos.


P A R E C E R
I - Roteiro das idéias
1.- Estudando a respeito das obrigações, que se fazem presentes nos contratos, em geral, pretendo acentuar a necessidade de análise de cada figura contratual, pelas prestações que nela se consignam, para que se possa saber, de antemão, se o pacto se enquadra, ou não, em alguma das convenções reguladas pela legislação.
Isto porque, se tal não se der, estaremos no domínio dos contratos atípicos.
2.- Em seguida, procuro demonstrar, pelo conceito e pela natureza jurídica do contrato de locação, que a ele não se adapta a figura contratual sob exame.
3.- Sendo, portanto, de natureza atípica o contrato sob análise, faço ligeiro estudo sobre os contratos atípicos, promovendo sua classificação.
4.- Analiso, então, as várias posições doutrinárias dos juristas que, de meu conhecimento, trataram da matéria, para concluir que o contrato de utilização de unidade em centros comerciais é atípico misto, procurando justificar meu posicionamento.


II - Principais cláusulas do contrato de utilização de unidade em Centros Comerciais
5 - Os contratos de utilização de unidades em Centros Comerciais, que se realizam para ocupação de seus magazines, lojas, restaurantes e lanchonetes, são, geralmente, chamados, simplesmente, de contratos de locação.
6.- Essa espécie de contrato, principalmente para garantia do locatário, vinha sendo enquadrada, em princípio, embora precariamente, na Lei de Luvas (Decreto nº 24.150, de 20 de abril de 1934), com prazo de cinco anos, para que se possibilitasse sua renovação, por acordo das partes contratantes ou por decisão judicial, em ação renovatória.
Esclareça-se, neste passo, que o aludido Decreto foi revogado pela vigente lei de locação nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, que cuida dessa matéria dos artigos 51 a 57 (locação não residencial).
7.- O aluguel estipula-se, de modo muito particular, compondo-se de uma parte fixa, com valor mínimo, corrigido monetariamente, e de outra variável, à base de um percentual sobre o movimento de vendas, apurado pelos totais diários das negociações realizadas nas caixas registradoras, nos recibos, nos talões nas notas fiscais e nos livros de registro de vendas, tendo o locador livre acesso a toda essa documentação.
Por esse sistema de pagamento de aluguel, o locatário obriga-se a informar ao locador, por escrito, em certo prazo estabelecido no contrato, o volume das vendas realizadas no mês anterior, para que se possa proceder ao cálculo para apuração do valor devido, mensalmente.
8.- Consta, ainda, nessa espécie de contratação, freqüentemente, como obrigação do locatário, o pagamento das despesas lançadas, diretamente, sobre a unidade, tais energia elétrica, gaz e água, também impostos, que recaem sobre o "Shopping Center", despesas ordinárias de condomínio, proporcionalmente às áreas úteis ocupada, e, mais, a parte referente às sua contribuição para o Fundo de Promoções Coletivas, no montante de dez por cento sobre cada aluguel pago e a taxa de serviço de vigilância, em proporção aos metros lineares da fachada da área ocupada.
Esse aludido "Fundo" tem por objeto campanhas, em todos os meios de divulgação, visando ao desenvolvimento geral das vendas do "Shopping Center" tudo, com o intuito de incentivar as vendas, com variadas atividades, como as de publicidade, de policiamento e de decoração, afinal, rateadas.
Existem casos curiosos do locatário pagar mais um aluguel, ao final do ano, para custear despesas com 13º salário dos empregados e do pessoal da administração do edifício.
9.- Integra o contrato verdadeiro sistema normativo, tais a Escritura Declaratória de Normas Gerais Regedoras das Locações dos Salões de Uso Comercial e o Regulamento Interno do Condomínio do "Shopping Center". Assim, considera-se apto a ocasionar a rescisão do contrato o descumprimento de qualquer das obrigações nesses documentos estabelecidas.
Destaque-se que a aludida Escritura Declaratória figura como paradigma contratual, pois nela são fixadas normas a que aderem os contratantes locatários, nos chamados contratos de locação.
Assim, por exemplo, nessa escritura, menciona-se que, nos salões de uso comercial, só se admitem atividades caracterizadas pela adoção das melhores técnicas de comercialização, administração e funcionamento em centros comerciais internacionalmente conhecidos, nessa categoria de "Shopping Center" e, mais, que o locatário deve apresentar à administração do "shopping", para exame e aprovação todos os projetos referentes a instalações comerciais, letreiros luminosos e decoração, elaborados por profissional capaz e idôneo, com exigências e restrições, que nessa Escritura se estabelecem; e, ainda, que o locatário não poderá destinar sua atividade para certos fins, como, venda de artigos de segunda mão, mercadorias recuperadas por seguro, salvados de incêndio; e, também, que o locatário não deixe fechado seu estabelecimento por prazo igual ou superior a trinta dias; dentre outras restrições.
10.- Por sua vez, o locador obriga-se a manter, em perfeito estado, os serviços de limpeza e de conservação das partes comuns do "Shopping Center", zelando pelo bom funcionamento dos aparelhos de iluminação e de hidráulica dessa mesma área.


III - Obrigações nos contratos
11.- As obrigações, após sentidas em sua teoria geral, hão de integrar-se nos contratos, como sua verdadeira parte essencial, determinando sua natureza jurídica.
12.- É bom lembrar, neste passo, de que a obrigação é relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação pessoal, positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele, para satisfação de seu interesse.
Acrescento que, como relação jurídica, a obrigação implica um complexo de direitos e de deveres entre os interessados.
13.- Aliás, essa conceituação encontra raízes já no Direito Romano, quando Paulo (Digesto, Livro 44, título 7, lei 3) mostrou que sua "essência" não consiste em que se faça uma coisa corpórea ou uma servidão, mas em que se obrigue outrem a nos dar, fazer ou entregar alguma coisa ("Obligationum substancia non in eo consistit, ut aliquod corpus nostrum aut servitutem nostram faciant, sed ut alium nobis obstringant ad dandum aliquid, vel faciendum vel prestandum").
Completando essa conceituação assentam os jurisconsultos de Justiniano (Institutas do Imperador Justiniano, Livro III, título XIII, pr.) que obrigação é "o vínculo jurídico por necessidade do qual nos adstringimos a solver alguma coisa, segundo os direitos de nossa cidade (Obligatio est iuris vinculum, quo necessitate adstringimur alicuius solvendae rei, secundum nostrae civitatis iura)."
14.- As características conceituais da obrigação continuaram, praticamente, as mesmas, diferenciando-se a obrigação do Direito Moderno pelo conteúdo econômico da prestação. Se bem que, nessa época romana, já não se cogita de vínculo de natureza pessoal, como mais antigamente (na Lei das XII Tábuas, em 450 a.C.), mas de vinculação jurídica.
15.- Esse conceito de obrigação resta vivo em cada contrato, pois, sempre, neste haverá um credor no aguardo do cumprimento, pelo devedor, de uma prestação jurídica de dar, fazer, ou não fazer, alguma coisa, no interesse daquele, que tem, como garantia dessa execução, o patrimônio do mesmo devedor.
16.- Destaque-se, neste estágio, o princípio constante do artigo 1.092 de nosso Código Civil, segundo o qual nenhuma das partes, que contrata, poderá exigir o cumprimento obrigacional da outra, se não cumprir a sua obrigação.
17.- Sente-se, perfeitamente, essa relação jurídica obrigacional no conceito de contrato, que, primorosamente, por exemplo, se insere no artigo 1.321 do Código Civil italiano, de 1942, a entendê-lo como "o acordo de duas ou mais partes para constituir, regular ou extinguir, entre si, uma relação jurídica patrimonial."
18.- No momento em que se investigam as prestações, contratuais de dar, de fazer e de não fazer, é que a natureza jurídica das contratações surge clara e indene de erros.
Neste estágio, a título de exemplo, não se pode dizer que convenção, em que se mesclem obrigações de dar e de fazer, seja um contrato de compra e venda ou de locação de coisas, que implicam dar contra dar, com regramento próprio na legislação.
Isto, porque, ao se aplicarem as regras da compra e venda, e da locação de coisas, em que se vislumbram prestações de dar, o fazer destoa, sem regra específica a ser aplicada.
19.- Tudo evidenciarei, até o final deste trabalho, principalmente para contestar a natureza de locação, que vem sendo atribuída ao contrato ora estudado.


IV - Conceito e natureza típica do contrato de locação de coisa
20.- Dentre as obrigações, que se contraíam pelo consentimento obligationes consensu contractae, surgiu no Direito Romano, o contrato de locação chamado de locatio conductio, que implicava a contratação para a condução de gado e de escravos, em que figuravam, de um lado, o locador (locator) e de outro, o locatário (conductor). A locação (locatio) nasceu do sistema do ius gentium, das relações entre os habitantes livres de Roma e, particularmente, os estrangeiros.
21.- A par das espécies nascidas no Direito Romano, locatio operarum (locação de serviços), hoje disseminada, também, para o campo do Direito do Trabalho, e da locatio conductio operis (locação de obra ou empreitada), destaco a locatio rerum (locação de coisas), objeto de meu estudo.
22.- Segundo é de deduzir-se, pelos ensinamentos de Gaio (Institutas, Comentário III, 142 a 147), a locatio conductio, englobando as três espécies referidas, era um contrato consensual (Comentário III, 135), pelo qual uma das partes se obrigava a proporcionar à outra o uso e gozo de uma coisa, por determinado tempo, a prestar determinados serviços ou a executar uma obra, mediante retribuição em dinheiro.
23.- No Direito Romano, leciona Andrea Tabet (La Locazione-Conduzione, Ed. Giuffrèe, Milano, 1972, vol. XXV do Trattato di Diritto Civile e Commerciale, sob a direção de Antonio Cicu e Francesco Messineo, p. 159, n. 52), escudado em vários autores, "A locação era um dos quatro contratos consensuais típicos (compra e venda, mandato, sociedade e locação) e o mesmo deve considerar-se no direito vigente".
24.- De referir-se, desde logo, que, na locação de coisas, pode ocorrer a cessão do uso ou do uso e gozo de um objeto móvel ou imóvel; se móvel, deve ser, sempre, infungível, pois, se fungível a coisa, com a transmissão de sua posse, caracteriza-se outra figura contratual, a do mútuo, dado que o mutuário deve restituir ao mutuante outro objeto da mesma espécie, quantidade e qualidade.
25.- Conceituando a locação de coisas, assenta nosso legislador, no artigo 1.188 do Código Civil, que, nesse contrato, um de seus integrantes obriga-se a ceder ao outro, por tempo indeterminado, ou não, o uso ou o uso e o gozo de coisa infungível, mediante certa retribuição, chamada de aluguel.
Ante essa conceituação e percorrendo a escala da classificação dos contratos, dentre outros caracteres, percebemos, nitidamente, que a locação, gerando direitos meramente pessoais, se apresenta como contrato típico, pois se encontra regulamentada, in genere, a partir do artigo 1.188 do Código Civil. Especificamente, a locação predial urbana, é regulada pela Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991.
Essa regulamentação do contrato locatício, pelo Código Civil e por algumas leis extravagantes, leva a que ele se baseia em um modelo que deve ser seguido, com obrigação de dar contra dar, ou seja, cessão do uso ou do uso e gozo de determinado objeto, contra o pagamento de um aluguel.
26.- Portanto, já pela enumeração das principais cláusulas do chamado contrato de locação de unidade em "Shopping Center", no item II, "retro", vê-se, de pronto, que essa figura contratual é bem mais complexa do que um simples contrato típico de locação.
27.- A cognominada locação em "Shopping Center", como já dito, apresenta natureza atípica como será demonstrado adiante, contendo obrigação de fazer e de não fazer, que integram, essencialmente, a contratação. Assim, a obrigação dos contratantes de manterem sua atuação no nível do mesmo "shopping", a do locatário de fornecer elementos de sua contabilidade ao locador, para fixação de parte do aluguel, a do locatário de permitir o controle de suas vendas pelo locador, e tantas outras obrigações que mostram as nítidas diferenças das duas figuras contratuais.


V - Alguns aspectos peculiares dos contratos de utilização de unidade em Centros Comerciais
a) Dúplice fixação do aluguel
28.- Por ser oneroso o contrato sob estudo, em correspondência à cessão do uso ou do uso e da fruição da unidade autônoma, loja, por exemplo, pelo empreendedor ao utilizador, deve este pagar àquele uma determinada retribuição, o preço ou o aluguel.
29.- Já dissemos, eu e Rogério Lauria Tucci (Tratado da Locação Predial Urbana, Ed. Saraiva, São Paulo, 1988, 1ª ed., 3ª tiragem, 1º vol., pp. 151 e 152) que nada impede que o pagamento do aluguel se faça por outro objeto, que não dinheiro; entretanto, já àquela época, no âmbito da Lei do Inquilinato, nº 6.649, de 1979, em seu artigo 15, e, atualmente, nos artigos 17 e 18, da Lei nº 8.245, de 1991, está claríssimo que o pagamento é em dinheiro, tanto que permite, como regra generalizada às locações prediais urbanas, a correção monetária do aluguel.
30.- O aluguel, no contrato sob análise, embora pago em dinheiro, é, todavia, "sui generis", pois se apresenta de modo dúplice, com uma parte fixa e outra variável.
A parte fixa é corrigida monetariamente e a variável estabelece-se sobre determinado percentual do faturamento, sendo ambas previstas no contrato por cláusula de escala móvel e como débito de valor, para obviar a perda valorativa de nossa moeda.
31.- Essa cláusula possibilita o ajustamento automático dos valores contratados, de tal forma que, no caso em estudo, as duas partes do aluguel vão sendo corrigidas, sendo devida a fixa, quando o percentual da variável não ultrapassar seu valor.
32.- Conceituando a cláusula de escala móvel também conhecida como cláusula número índice, de escalonamento ou de revisão, entende-a Arnoldo Wald (A Cláusula de Escala Móvel, Ed. Nacional de Direito, Rio de Janeiro, 2ª ed., 1959, pp. 91 e 100) "como sendo aquela que estabelece uma revisão, pré-convencionada pelas partes, dos pagamentos que deverão ser feitos de acordo com as variações do preço de determinadas mercadorias ou serviço ou do índice geral do custo da vida ou dos salários".
Nada há, na lei brasileira, que invalide essa contratação, sendo lícita, portanto, quando não ofende as leis de ordem pública, os bons costumes e os princípios gerais de direito.
33.- Na cláusula de escala móvel está presente dívida de valor, que deve de distinguir-se de dívida em dinheiro.
Nesta, como tive oportunidade de demonstrar (Curso de Direito Civil - Teoria Geral das Obrigações, Ed. Revista dos Tribunais São Paulo, 4ª ed., 1987, pp. 132 e 133, atualmente, em 1999, na 7ª edição, p. 134), o débito representa-se pela moeda consignada em seu valor nominal, ou seja, pelo importe econômico nela consignado; como ressalta claro, nesse débito o objeto é o próprio dinheiro.
Naquela, a dívida é de valor, paga em dinheiro, que visa a medir o real valor do objeto da prestação.
No caso do contrato sob exame, dada sua natureza atípica, que procurarei provar, neste estudo, ajusta-se, perfeitamente, a contratação da referida cláusula com fundamento no princípio da autonomia da vontade.
35.- Sim, porque a correção monetária é, no Direito, imperativo de justiça, para que não se negue o princípio da eqüidade que deve nortear todas as relações humanas.
Estando nosso Direito Civil marcado pela influência do nominalismo, que apresenta o interesse obrigacional pelo valor nominado, retratado no título, vem cedendo à correção monetária, em busca, cada vez mais, de uma justiça social, que se vai implantando por legislação esparsa (meu Curso cit., pp. 234 e 235).
36.- Por isso que correção monetária, no ensinamento de Rubens Limongi França (Manual de Direito Civil, Doutrina Geral dos Direitos Obrigacionais, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1ª ed., 1969, vol. 4º, tomo I, p. 161), "é, em suma, a atualização do valor real da moeda, tendo-se em vista a data do entabulamento do vínculo e a execução da prestação".
37.- Destaque-se, neste passo, como decidiu a Segunda Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, sendo Relator o Juiz Moreno Gonzalez (Revista dos Tribunais, vol. 467, p. 148). que "O direito não veda que em contrato de locação se fixe o aluguel em percentagem sobre os resultados do negócio instalado na loja arrendada, nem que se estabeleça um mínimo a ser corrigido anualmente, conforme os índices fornecidos pelo Conselho Nacional de Economia". Esse sistema, "adequado aos empreendimentos 'shopping' não constitui na verdade uma sociedade de fato entre o locador e o locatário, visando, antes, a desenvolver o espírito de cooperação e solidariedade que deve propiciar a harmonia e êxito do empreendimento, no interesse comum das partes. De um lado, o locatário fica a coberto de prejuízos pelo estabelecimento de um aluguel alto, mensalmente, principalmente nos meses de menor movimento comercial e, de outro lado, o locador aufere a compensação nos meses de maior movimento, em que os resultados são mais promissores."
No mesmo sentido, outros dois julgados (Revista dos Tribunais, vols. e pp. 510/209 e 398/249).
38.- Por outro lado, é certo que essa dúplice contratação de aluguel não é peculiar e específica do chamado contrato de locação em "Shopping Center"; todavia, destoando ela da forma corretiva dos alugueis contratados nos moldes da legislação inquilinária no tocante a sua parte variável, apresenta-se com muita originalidade.
Realmente, o valor desse aluguel variável fixa-se, em primeira plana, de acordo com as informações que devem ser prestadas pelo utilizador, sobre seu faturamento, ao empreendedor, por meio de planilhas mensais; em segunda, por providências deste, fiscalizando, diretamente, aquele, quando o utilizador não lhe fornecer elementos seguros e indispensáveis para o aludido cálculo de valor, ainda que por exames de escrituração e por controle, à "boca do caixa".
39.- Referindo-se a essa cláusula, que autoriza o empreendedor em Shopping Center a fiscalizar o faturamento bruto do utilizador, "mediante sua averiguação nos livros e registros que contenham escrituração contábil balanços, inventário e estoque de mercadorias, registro de vendas à vista, a prazo e a crédito, bem como o movimento diário de todas as operações comerciais, além de outros registros que fica obrigado a manter", considerou-a uma das "mais excêntricas Orlando Gomes (Traços do Perfil Jurídico de um "Shopping Center", In "Shopping Centers" - Aspectos Jurídicos Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1984, pp. 108¸ e 109, nº 17). Conclui, ainda, esse saudoso Professor baiano que esse posicionamento contratual "Não deixa ... de levar o shopping center a participar da alea do faturamento que entra na composição do impropriamente denominado aluguel, certo é que, quanto maior for a soma das vendas realizadas no mês, maior será a renda, ou, melhor, a receita‚ do shopping center. Daí o interesse deste em fiscalizar‚ a vendagem das lojas, juridicamente estabelecido no direito de examinar os livros e documentos que a espelham. Esse controle‚ pressupõe uma espécie de colaboração‚ entre o concedente e o lojista, inadmissível em um lídimo contrato de locação."
40.- Nossos Tribunais têm julgado pela validade dessa cláusula, desde que não se cometam abusos, em razão da liberdade dessa fiscalização que chega ao ponto de exercitar-se, na "boca do caixa", como se diz comumente.
41.- Ressalte-se, nesse sentido, venerando acórdão da Quarta Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, sendo Relator o Juiz Cunha de Abreu (Apelação nº 200.239/4, da Comarca de São Paulo), em que, por votação unânime, se decidiu que, "instituído pelas partes o sistema de aluguel flutuante, condicionado ao volume de vendas, não tem a locadora outro modo eficaz de aferir a sua renda a não ser auditando o faturamento de suas locatárias quais a apelante, precioso gizar que qualquer outro sistema a exporia, em tese‚ a prejuízos derivados de sub ou não faturamento efetivo, faturamento em outros estabelecimentos das locatárias ou várias outras fórmulas esconsas melhormente conhecidas daquelas que as praticam".
42.- Do mesmo modo, a Primeira Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, sendo Relator o Juiz Ruiter Oliva (Apelação nº 196.685/0, da Comarca de São Paulo, "in" Boletim da AASP nº 1.531, pp. 91 e 92, de 20.04.88), decidiu, por unanimidade, que não é abusiva a cláusula que autoriza essa fiscalização direta à atuação comercial do utilizador, assentando que "A averiguação do faturamento do locatário para determinação da base de cálculo do aluguel, cabe praticada, desde que prevista contratualmente, não só pela verificação de livros, registros, balanços, estoque e inventário de mercadorias, como também pela fiscalização dos próprios atos de comércio, na atualidade de seu exercício, especialmente para assegurar que todas as vendas sejam efetivamente registradas".
Destaque-se, ainda, trecho desse julgamento, segundo o qual, "desde que, dentre os sistemas de controle, ficou assentado, com adesão da locatária, o registro de vendas imediato, na presença dos próprios clientes, não se vislumbra como poderiam agir os locadores, para fiscalização de sua correta execução e não com o ingresso de seus prepostos, no interior das lojas, durante o expediente comercial, já que incompatível eventual conferência 'a posteriori' e, ademais, patentemente ineficaz uma sugerida auditoria programada, adrede ajustada entre os interessados. É certo que não se poderia admitir eventual embaraço à própria atividade-fim, interessante não só à locatária, como também aos locadores, quando o procedimento dos prepostos fosse, eventualmente, ostensivo ou perturbador, de forma a criar constrangimentos para a clientela do estabelecimento; mas, nada há que faça ver a presença efetiva de tais inconvenientes apenas temidos e sugeridos, quando, ao revés, se informa que a atuação dos auditores sempre se faz de forma discreta e adequada."
43.- Também a Segunda Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, sendo Relator o Juiz Walter Moraes (Apelação nº 187.519/6, da Comarca de São Paulo), entendeu que a cláusula "que dá ao senhorio o direito de fiscalizar o movimento comercial do inquilino segundo o uso em locações de shopping centers, __ se bem contenha expressões que possam sugerir um poder discricionário de ingresso na escrita e caixa do locatário, na verdade não o tem, como assinalou em 1º grau o Magistrado. A cláusula diz, de fato, 'livre acesso', 'a qualquer tempo' etc., mas também resguarda o inquilino de turbações na ordem e no desempenho de seus serviços e acentuadamente de interferência nos seus negócios e modo de comerciar. É, destarte, entendimento razoável o do M.M. Juiz, o de que o inquilino queira indicar o lugar onde está a sua contabilidade e estabelecer as horas e oportunidades mais apropriadas para o exame da caixa."
44.- Como fácil de perceber, nada impede a clausulação dúplice dos enfocados valores de aluguel, com a possibilidade de fiscalização do rendimento do utilizador pelo empreendedor, nos limites, é claro, do uso normal de seu direito.
Essa fiscalização, para não configurar abuso, deve conter-se nos lindes da discrição, do comedimento e da urbanidade, principalmente quando exercitada no interior do estabelecimento de vendas do utilizador, para que não exista óbice à realização negocial deste.
É perfeitamente possível conviver essa forma de pesquisa com o exercício do comércio, desde que não ocorram os apontados constrangimentos.
45.- Por esse modo de atuação, existe verdadeira participação dos investidores, em "shopping centers", nos lucros dos utilizadores, que exercem seu comércio nesses locais.
b) Fundo de empresa em "Shopping Centers"
46.- Há muito que se vem ampliando o conceito de fundo de comércio, para fundo de empresa.
Realmente, a expressão "fundo de comércio" não é, mais, suficiente para caracterizar um complexo de bens materiais e imateriais (corpóreos e incorpóreos), integrantes, tão somente, do estabelecimento comercial.
Vê-se isso, nitidamente, pela evolução do conceito de fundo de comércio objetivado no Decreto nº 24.150, de 1934 (hoje , revogado).
47.- Realmente, pois a Jurisprudência promoveu essa ampliação conceitual de fundo de comércio para possibilitar a abrangência de um maior número de empresas beneficiárias dessa então chamada Lei de Luvas, estendendo seus efeitos às de atividade tipicamente civil.
48.- Ensina, em complemento, Arnoldo Wald (Obrigações e Contratos, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1983, 6ª ed. p. 277) que "a jurisprudência estendeu o conceito (de fundo de comércio e indústria) a situações assemelhadas. Assim, escolas, hospitais, clínicas, hotéis, pensões, cartórios de notas, oficinas mecânicas, salões de cabeleireiros que vendam produtos de perfumaria, empresas telefônicas; alguns depósitos para guarda de estoques (embora neles não haja fundo de comércio); estabelecimentos e garagens de aluguel."
Comentando, também, essa ampliação jurisprudencial, admite Waldírio Bulgarelli (A Teoria Jurídica da Empresa, Ed. Rumo Gráfica, São Paulo, 1984, pp. 228 e 230) "a influência da doutrina da empresa, forcejando a dos atos de comércio e ainda os exercícios de técnica para enquadrar no conceito de comerciante a atividade de prestação de serviços. A propósito, o Dec. nº 24.150, de 1934, refere-se apenas a 'comércio e indústria' e é curioso que podendo o julgador aplicar, nesse caso, a eqüidade, como expressamente o permite o mesmo Decreto, preferiu recorrer a uma noção mais elástica de ato de comércio".
49.- Nossos Tribunais vinham, assim, admitindo, como entidades enquadradas na proteção então da Lei de Luvas, empresas civis, aptas a receberem o benefício de sua renovação contratual, tais salão de barbeiro ou barbearia e instituto de beleza, oficinas mecânicas, empresas de conservação e limpeza de prédios, clínicas ou consultórios médicos, parques de diversões, estabelecimentos de ensino ou de idiomas, garagens, estacionamentos, sociedade de economia mista (Caixa Econômica Estadual), e casa lotérica, como tive oportunidade de evidenciar (Ação Renovatória requerida por empresa civil, in Repertório IOB de Jurisprudência São Paulo, junho de 1987, nº. 5/87, 3/218, pp. 57 a 59), com farta citação de julgados. O mesmo espírito permanece, atualmente, em face da lei de locação predial vigente.
50.- Assim como as comerciais, essas empresas civis foram consideradas como portadoras de verdadeiro fundo de comércio.
Aliás, a esse respeito é oportuna a ponderação do Juiz Carvalho Pinto (Julgados dos Tribunais de Alçada Civil de São Paulo, Ed. Lex, São Paulo, 1981, vol. 65, p. 239), em voto vencido, quando, reconhecendo que a emissora de rádio presta serviços, com fito de lucro, "configurando autêntica empresa", declara: "Verifica-se, às claras, a tendência para a substituição do conceito de fundo de comércio pelo fundo de empresa. Identifica-se a prestação de serviços com o fundo de indústria. ‘A prestação de serviços é uma indústria à semelhança a do turismo que é indústria e é prestação de serviços. Que faltaria ao prestador de serviço para ter um fundo de indústria? ... ‘A única diferença é que sua mercadoria é o trabalho, imponderável e aleatório. Mas só é imponderável e aleatório antes da prestação, não depois. Depois, ela adere à coisa, sendo dela inseparável. Impossível devolver-se a mercadoria por não corresponder ao pedido’ (cf. Aramy Dornelles da Luz, Prática de Locação Comercial e Ação Renovatória, pág. 47)."
51.- Destaque-se, mais, a propósito, o julgamento do Segundo Grupo da Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sendo Relator ad hoc Roque Batista (Revista de Jurisprudência do TJRJ, vol. 40, p. 191), que, de modo expressivo, reconheceu, nesse mesmo diapasão, que "A sociedade civil de fins econômicos, criando valores negociáveis, forma um fundo de comércio que está sob a proteção da Lei de Luvas". Reconhecendo, desse modo, legitimação ativa do Touring Clube do Brasil à ação renovatória, esse venerando acórdão esclareceu que essa entidade civil tem "um nome, mercadorias, instalações móveis e utensílios, insígnia e freguesia e realiza habitualmente lucros como decorrência necessária e evidente para o seu crescimento e desenvolvimento".
52.- Acrescente-se, nesta feita, julgado mais recente, em 1987, da Quinta Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, sendo Relator o Juiz Sebastião Amorim (Revista dos Tribunais, vol. 624, p, 153), em que, embora não se cogite do fundo de empresa, se admite que, relativamente à empresa de serviços, de radiodifusão, existe "verdadeiro fundo de comércio ainda que atípico, caracterizando-se o objetivo de sua atividade implicitamente como comercial, pois visa à obtenção de lucro, cobrando pela propaganda que leva ao ar". Conforme, aliás, relato do mesmo Juiz (Revista dos Tribunais, vol. 614, p. 150).
53.- De considerar-se, nesta oportunidade, para perfeito entendimento dessa posição jurisprudencial, o conceito de empresa que se apresenta como uma atividade exercida pelo empresário.
54.- O projeto de novo Código Civil nº 634-B/75, desde quando aprovado pela Câmara dos Deputados, em 1984 e em seu artigo 969, conceituava o empresário, apontando-o como aquele que "exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. O parágrafo único desse dispositivo já declarava não empresário o que exerce "profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa". A matéria tem idêntica redação, respectivamente, no artigo 965 e parágrafo único, do texto do projeto 118, no Senado, em sua redação final de 1997.
Antes desse diploma pré-legislativo, já a Lei nº 4.137, de 1º de setembro de 1962, que regula a repressão ao abuso do poder econômico, conceituou, objetivamente a empresa, para enquadramento dos faltosos, no artigo 6º, como "toda organização de natureza civil ou mercantil destinada à exploração por pessoa física ou jurídica de qualquer atividade com fins lucrativos".
55.- Aduza-se a essa conceituação a do artigo 2.082 do Código Civil italiano, que considera a empresa uma atividade economicamente organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços.
56.- A empresa é, portanto, o exercício de atividade, economicamente organizada, para a produção e circulação de bens ou de serviços, pelo empresário, pessoa física ou jurídica, civil ou comercial. Assim, a empresa exerce atividade produtiva, valendo-se do trabalho de empregados, sob a condução do empresário.
57.- Na realização dessa atividade, a empresa vai acumulando bens materiais (corpóreos) e imateriais (incorpóreos), de seu patrimônio, de seu fundo empresarial, que necessita de uma proteção segura, principalmente quando se desenvolve em imóvel alheio. Daí, o surgimento do Decreto nº 24.150/34, revogado pela Lei nº 8.245/91, que cuidaram de garantir esse fundo acumulado pela empresa locatária, que se acrescenta ao valor do imóvel locado, em benefício do proprietário.
58.- Na ação renovatória, tendo-se em conta esse fundo empresarial, mister se torna que se cogite da locatária como uma empresa produtora de bens, ainda que estes se incorporem a seu próprio patrimônio, sem distribuição de lucros.
59.- Estudando, especificamente, o assunto em pauta, sobre fundo de comércio, acentua Carlos Pestana de Aguiar (O Fundo de Comércio e os "Shopping Centers", "in" "Shopping Centers" - Aspectos Jurídicos, cit., p. 190) que o moderno alcance empresarial "conduz o fundo de comércio para além dos estreitos limites das atividades mercantis, abrangendo outras com fins lucrativos", quais sejam, "estabelecimentos de ensino, casas de saúde, cinemas, teatros, casas de jogos lícitos, de diversões, cinefotos, hotéis, pensões, oficinas mecânicas, salões de barbeiros e cabeleireiros, empresas telefônicas, depósitos destinados à guarda de estaque, academias de dança, ginástica, judô e similares, laboratórios de análises clínicas, alfaiatarias, tinturarias, estabelecimentos de crédito, poupança, seguros, administração de bens, agências de turismo, publicidade, venda de passagens, etc." E continua: "Partindo-se da idéia empresarial do fundo de comércio e verificando-se que algumas das atividades acima podem instalar-se se em um 'shopping center'", conclui que "toda e qualquer atividade empresarial instalada em espaço ou lojas do 'shopping' ostentará necessariamente um fundo de comércio".
60.- Tenha-se presente, assim, que o fundo de empresa existe nos "shopping centers" em relação a todas as utilizadoras, sejam empresas comerciais ou civis.
61.- Todavia, o que caracteriza, também, situação peculiar do contrato, sob enfoque, é que existe, ainda, um fundo de empresa dos "shopping centers", empreendedores.
Realmente, os investidores desses centros comerciais propiciam, dentro de certos padrões de conforto, de segurança, de possibilidade de estacionar e de possuir, reunidas, lojas das mais diversificadas espécies, uma unidade, uma concentração de estabelecimentos, o que, por si, acrescenta valor local de verdadeiro fundo de empresa desses mesmos empreendedores.
62.- Ao iniciarem o empreendimento, os investidores escolhem, cuidadosamente, o local, as chamadas "lojas-âncora", em geral grandes estabelecimentos comerciais, que irão compor com as outras unidades, conhecidas como "magnéticas" ou "satélites", é o futuro "shopping"; selecionam e distribuem os vários setores e ramos de negócio ("tenant mix"); realizam campanhas publicitárias, etc.
Quando os grandes centros comerciais surgem, eles já são, no mais das vezes, sucesso e se mostram como expectativa de ponto de atração. Daí, trazerem, ao nascer, valor econômico considerável, propiciando ao futuro utilizador concreta esperança de lucros. Quando o lojista se instala, ele já tem, como eventuais clientes, os freqüentadores do "shopping".
63.- Em razão desse fundo de empresa, formado pelos empreendedores, têm os "shopping centers" feito incluir, nos chamados contratos de locação de suas unidades, cláusula denominada "res sperata" ("coisa esperada"), que consiste no pagamento, pela utilizadora, além do aluguel, de uma soma em dinheiro, como retribuição das vantagens de participação no centro comercial, dele usufruindo e participando de sua estrutura, enquanto durar seu contrato. Desse modo, com esse pagamento, a utilizadora terá direito a fruir do aludido fundo de empresa do empreendedor, composto de seu patrimônio imaterial.
64.- Como resta evidente, a cláusula "res sperata" difere bastante das constantes dos artigos 1.118 a 1.121 do Código Civil, de caráter aleatório ou de risco.
65.- É necessário, neste passo, que tenhamos uma rápida visão dessas cláusulas aleatórias, para, por método comparativo, estendermos a natureza da cláusula "res sperata".
66.- Às vezes, o valor da prestação jurídica resta indeterminado, momentaneamente, como condição do negócio, tal nos contratos já conhecidos no Direito Romano: "emptio spei" (venda de esperança) e "emptio rei speratae" (venda de coisa esperada). Na primeira categoria, enquadra-se, por exemplo, a venda de uma safra de café, o resultado de uma pesca, quer venham, quer não, a existir. Assim, por este tipo de contratação as partes sujeitam-se a risco total: o vendedor de receber o preço, sem estar determinada, imediatamente, a coisa vendida, e o comprador de, pagando esse preço, correr o risco de nada receber. A safra e o produto da pesca podem ser altamente compensadores, como não, como podem inexistir. Esse risco total está previsto no artigo 1.118 do nosso Código Civil. Este dispositivo legal refere-se, expressamente, ao contrato aleatório de venda de coisas futuras, em que o adquirente deve assumir o risco de que essas coisas não venham a existir, recebendo o alienante, em qualquer caso, a totalidade do preço avençado, desde que não tenha concorrido com culpa.
A venda de coisa esperada, contudo, "emptio rei speratae", não se sujeita a inexistência do bem vendido. É preciso que este, pelo menos, venha a existir, ainda que parcialmente, para que se aperfeiçõe o contrato, tendo o vendedor, nesse caso, direito ao recebimento da totalidade do preço, a não ser que tenha existido culpa de sua parte. O artigo 1.119 de nosso Código Civil trata da matéria, alertando que o adquirente assume o risco de receber o objeto futuro na quantidade que for. O que se vê, aqui, é que, pelo menos, deve existir a coisa, no futuro, que for objeto do contrato. O que se pode admitir, ainda, é que o adquirente, na contratação, fixe o limite de existência do objeto, fazendo constar, por exemplo, no contrato de aquisição de uma colheita, que ela não seja inferior a trinta por cento da que existiu anteriormente.
67.- A seu turno, os artigos 1.120 e 1.121 de nosso Código Civil referem-se à venda de coisas existentes, mas expostas a risco. Assim, se uma das partes vende coisa, que não se encontra em seu poder, assumindo o comprador o risco da existência ou não, total ou parcial, do objeto vendido, no dia do contrato, mesmo inexistindo a coisa, será devido ao alienante todo o preço avençado, desde que não exista dolo por parte deste.
68.- A diferença fundamental entre essas situações do Código Civil e a da cláusula "res sperata" é que aquelas atinem a coisas futuras corpóreas, que podem advir, ou não, de bens materiais; esta, por outro lado, embora surta de bens imateriais, componentes do fundo de empresa do "Shopping Center", é coisa esperada e corpórea, pois o risco, na obtenção das vantagens concretas do exercício negocial, nesse ambiente, é quase nenhum, dado o sólido esquema programado.
69.- A coisa esperada, portanto, é o lucro, a vantagem que advirá do exercício da atividade negocial, na área do "shopping", e que é quase certa, dado que a utilizadora já ingressa na sua atividade com um esquema arquitetado pelos empreendedores e em somatório de outros fundos empresariais concentrados.
70.- A retribuição paga pela utilizadora, em razão da "res sperata", no momento da instalação do "shopping" ou da ocupação da unidade-loja, existe para compensar essa vantagem de não ter a utilizadora de formar, com suas próprias forças, sua clientela, seu fundo de empresa.
71.- Não me parece que a "res sperata" seja a construção do centro comercial, ou a formação do seu fundo de empresa, tanto que a utilizadora, mesmo durante a construção do "shopping", não espera o empreendimento ou o fundo deste, como coisa a ser adquirida, mas, de futuro, espera, sim, auferir lucros, em face de toda a promoção levada a efeito.