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Publicações Legais – Lei das Sociedades Anônimas 
 
Autor: Manoel Ignácio Torres Monteiro

 


A obrigação legal das sociedades anônimas de realizarem Assembléias Gerais Ordinárias, nos quatro primeiros meses do ano, para aprovação das contas do exercício passado tem gerado algumas discussões em face da alteração do artigo 294 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404 de 15 de novembro de 1976), pela Lei nº 9.457 de 05 de maio de 1997.

Como medida preparatória para a realização da Assembléia Geral Ordinária, o artigo 133 da Lei nº 6.404/76 estabelece a obrigatoriedade da publicação até cinco dias, pelo menos, antes da data marcada para a realização da Assembléia Geral, do: (i) relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; (ii) cópia das demonstrações financeiras, e (iii) parecer dos auditores independentes, se houver.

Os administradores das Sociedades Anônimas, deverão comunicar, até um mês antes da data marcada para a realização da Assembléia Geral, por anúncios publicados na imprensa, que os documentos acima mencionados encontram-se à disposição dos acionistas. A publicação dos anúncios serão dispensados, se os documentos a que se referem, forem publicados com trinta dias de antecedência.

A Assembléia Geral que reunir a totalidade dos acionistas, poderá considerar sanada a publicação dos anúncios mencionados acima ou a inobservância do prazo de trinta dias de antecedência, sendo, entretanto, obrigatória a publicação dos documentos antes da realização da assembléia.

A publicação dos documentos enumerados pelo artigo 133 deverá ser efetuada no órgão oficial da União ou do Estado ou do Distrito Federal, conforme o lugar em que esteja situada a sede da companhia e em outro jornal de grande circulação editado na localidade em que está situada a sede da companhia (artigo 289 da Lei nº 6.404/76).

A realização das publicações acima mencionadas, principalmente no órgão oficial dos Estados, não só acarreta pesados gastos para as sociedade anônimas, como não possui muita utilidade como forma de divulgação da situação financeira das companhias, tendo em vista a falta de clareza e precisão da maioria dos balanços e demonstrações de resultados que são publicados.

A obrigação de publicar balanços e demonstrações de resultados sempre possuiu exceções. O artigo 294 da Lei nº 6.404/76, estabelecia que companhias fechadas com menos de vinte acionistas e cujo patrimônio líquido fosse inferior a 20.000 Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (aproximadamente R$ 114.000,00) poderiam: (i) convocar os acionistas para a assembléia geral por anúncio entregue a todos os acionistas contra recibo, com antecedência mínima, de oito dias, e (ii) deixar de publicar os documentos de que trata o artigo 133, desde que sejam, por cópias autenticadas, arquivadas no registro do comércio juntamente com a Ata da Assembléia Geral Ordinária que sobre eles deliberar.

Estabeleceu-se, portanto, duas condições a serem atendidas pelas companhias para que essas fossem dispensadas da publicação da convocação dos acionistas e dos documentos relacionados no artigo 133, a saber: (i) possuírem menos de 20 acionistas; e (ii) um patrimônio líquido inferior a 20.000 ORTNs.

Ao comentar sobre o artigo 294 da Lei nº 6.404/76, Fran Martins destaca que referido artigo refere-se àquelas sociedades cujas “ações pertencem a um numero reduzido de pessoas, que em regra se conhecem e têm interesse em que a sociedade se mantenha assim (...) que se caracteriza justamente pelo fato de serem conhecidos entre si os detentores de todo o capital social, que tem a sociedade como uma empresa destinada a atender aos seus interesses particulares e não aos interesses da coletividade, segundo acontece com as companhias abertas”. (comentários à Lei das S.A. págs. 551 e 552).

O artigo 294 procura distinguir entre as sociedades anônimas fechadas, aquelas que possuem um número restrito de acionistas, bastante ativo na condução dos negócios sociais, a exemplo da “close corporation” norte-americana, daquelas que, embora não sejam companhias de capital aberto, possuem um número maior de acionistas, alguns ou muitos dos quais podem não estar envolvidos nos negócios sociais, a exemplo da “closely-held corporation” do direito norte-americano.

As condições mencionadas no artigo 293 resultaram das Emendas nº 35 e 36 do Senado Federal ao texto do executivo aprovado pela Câmara. A Emenda nº 35 reduziu o valor do patrimônio líquido estabelecido no Projeto de 100.000 ORTNs para 20.000 ORTNs e o número máximo de acionistas de 50 para 20. O autor da Emenda, em parecer que contou inicialmente com a recomendação de Trajano de Miranda Valverde, argumentou que os princípios da publicidade e da responsabilidade deveriam ser preservados ao máximo, ressaltando que “há, por assim dizer, uma exigência de ordem pública reclamando uma prestação de contas pela imprensa, da parte daqueles que detêm em mãos tantos poderes e cujas prestações de contas não podem ficar adstritas a um grupo reduzido.” (Comentários à Lei das S.A., Wilson de Souza Campos Batalha, pág. 1221).

Apesar da exigência legal muitas sociedades anônimas de capital fechado, cujos acionistas eram em pequeno número e estavam diretamente envolvidos nos negócios sociais participando de todas as decisões tomadas, deixaram de proceder à publicação dos documentos relacionados no artigo 293. Como forma de coibir tal prática, a Junta Comercial do Estado de São Paulo emitiu a Deliberação JUCESP nº 06 de 25 de maio de 1995, publicada no DOE de 26/05/95, determinando que as atas de assembléias gerais e demais atos das sociedades por ações, de publicação obrigatória, deverão ser arquivadas na Junta Comercial (artigo 289 - 5º parágrafo da Lei nº 6.404/76), sob pena de não serem arquivados os atos subsequentes (artigo 2º).

A Lei nº 9.457/97 deu nova redação ao artigo 294 da Lei 6.404/76, excluindo do artigo, referência ao valor do patrimônio líquido. Dessa forma, as sociedades fechadas com menos de 20 acionistas, poderiam deixar de publicar os documentos de que trata o artigo 133, devendo ser tais documentos, por cópias autenticadas, arquivados no registro de comércio, juntamente com a ata que sobre eles deliberou.

A eliminação da referência ao valor do patrimônio líquido da sociedade, no artigo 294, pela Lei nº 9.457/97, constituiu um avanço ao reconhecer, ainda que implicitamente, a existência de uma subclasse de sociedades anônimas de capital fechado. Seriam aquelas sociedades com poucos acionistas todos envolvidos com as atividades sociais, organizadas sob a forma de sociedade por ações principalmente por oferecer uma estrutura flexível de capital. A intenção do legislador ao excluir a referência ao valor do patrimônio líquido foi bastante clara, i.e. o reconhecimento de que o valor do patrimônio líquido não deve ser utilizado como critério, para determinar a publicidade ou não, das demonstrações financeiras da sociedade. Dessa forma, as sociedades por ações com um número reduzido de acionistas não seriam compelidas a publicar suas demonstrações financeiras, a exemplo das sociedades por quotas de responsabilidade limitada que podem possuir valores expressivos de patrimônio líquido, sem que seja necessário tornar públicas as demonstrações financeiras dessas sociedades.

A imprensa oficial, com receio de ter reduzido seu faturamento em decorrência da nova regra do artigo nº 294, tem defendido a tese, com o apoio de Modesto Carvalhosa, de que a eficácia da alteração do artigo 294 dependeria da alteração do parágrafo 6º do artigo 176, que dispensa a publicação da demonstração das origens e aplicações de recursos de companhias fechadas com patrimônio líquido na data do balanço não, superior a R$ 1.000.000,00 (Um Milhão de Reais). Dessa forma, o critério do valor máximo de patrimônio líquido mencionado no artigo 176 também seria aplicável ao artigo 294, em decorrência de uma interpretação sistemática da lei.

A posição defendida pela imprensa oficial não deveria prosperar, pois não existe colidência de interpretação entre a nova redação do artigo 294 e o parágrafo 6º do artigo 176. Os dispositivos legais tratam de questões diversas. O artigo 294 trata da dispensa de publicação dos documentos relacionados no artigo 133, entre os quais as demonstrações financeiras, enquanto o parágrafo 6º do artigo 176 trata da publicação da demonstração das origens e aplicações de recursos. Dessa forma, a sociedade anônima poderia: (i) qualificar-se nos termos do artigo 294, ficando dispensada de efetuar à publicação das demonstrações financeiras; (ii) não se qualificar nos termos do artigo 294 (devendo proceder à publicação das demonstrações financeiras), mas qualificar-se nos termos do artigo 176, parágrafo 6º, estando dispensada de publicar a demonstração das origens e aplicações de recursos; ou ainda (iii) não se qualificar nem nos termos do artigo 294 nem nos termos do artigo 176, devendo publicar as demonstrações financeiras acompanhada da demonstração das origens e aplicações de recursos.

A discussão sobre a correta interpretação dos artigos 294 e 176 deveria tornar-se bastante interessante, pois as Juntas Comerciais já manifestaram seu apoio ao posicionamento adotado pela imprensa oficial. Entretanto, com a edição da Medida Provisória nº 1.638-2, de 13 de março de 1998, voltou a ser incluído no artigo 294 o limite máximo de R$ 1.000.000,00 de patrimônio líquido para haver a dispensa da publicação dos documentos relacionados no artigo 133 (artigo 12 da MP nº 1.638-2/98).

A nova redação do artigo 294, estabelecida pela MP nº 1.638-2/98, representa um lamentável retrocesso, ao perpetuar a incidência de altos custos desnecessários para um grande número de sociedades anônimas. Esses custos acabam, inibindo a constituição de sociedades sob a forma de sociedades anônimas, dando-se preferência pela sociedade limitada, ainda que algumas vezes não seja a forma mais indicada.

CONCLUSÃO

A partir de 13 de março de 1998 e enquanto o artigo 12 da MP nº 1.638-2/98 e seus sucessores permanecerem em vigor, somente as sociedades anônimas de capital fechado com menos de 20 (vinte) acionistas e com patrimônio líquido não superior à R$ 1.000.000,00 estarão dispensadas da publicação dos documentos relacionados no artigo 133, podendo nesse caso:

(i) convocar os acionistas para a assembléia mediante comunicação individual entregue contra recibo com antecedência de 8 (oito) dias;
(ii) entregar aos acionistas, juntamente com a convocação, cópia do relatório da administração, cópia das demonstrações financeiras e parecer dos auditores independentes se houver, de forma a permitir a análise de referidos documentos pelos acionistas antes da realização da assembléia; e
(iii) providenciar o arquivamento dos documentos acima, juntamente com as comunicações aos acionistas e ata da assembléia que deliberar sobre eles.
As sociedades que tenham realizado suas Assembléias Gerais Ordinárias até 13 de março de 1998 e que tenham menos de 20 (vinte) acionistas podem adotar os procedimentos estabelecidos pelo artigo 294, conforme redação da Lei nº 9.457/97.

Não devemos nos esquecer que o principal motivo da edição do artigo 12 da MP nº 1.638-2/98 foi a manutenção da situação econômica da Imprensa Oficial Estadual, que ficaria prejudicada se fosse mantida a redação do artigo 294, nos termos da Lei nº 9.457/97.

A preocupação sobre a transparência das contas dessas empresas e sobre o acesso de terceiros aos resultados do exercício franqueado pelas publicações é apenas desculpa para permitir a manutenção injustificada de procedimentos burocráticos custosos para as sociedades, em detrimento dos acionistas, cujos direitos nunca foram ameaçados pela dispensa da publicação das demonstrações financeiras.
 

* retirado de: http://www.amarostuber.com/info16.htm