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DIREITO COMERCIAL PROCESSO FALIMENTAR

A SUSTAÇÃO DO PROTESTO ESPECIAL
E A CARACTERIZAÇÃO DA IMPONTUALIDADE

Luís Pretty Leal (Advogado)


O artigo apresentado por Luiz Pretti Leal trata dos efeitos de medida liminar deferida em processo cautelar para sustação de protesto especial destinado a instituir pedido de falência. O principal questionamento diz respeito ao direito de acesso ao Judiciário, porquanto este ato judicial subtrai do credor o direito de propor ação falimentar fundada na impontualidade do devedor. Conclui o autor, na ausência da certidão do protesto em face de sua sustação, pela possiblidade do requerimento da falência acompanhado de certidão extraida dos autos da ação cautelar, como prova caracterizadora da impontualidade do devedor. Recomendo sua publicação na seção Artigos.

Ailton Elisiário Conselheiro.

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APRESENTAÇÃO

O tema A Sustação do Protesto Especial e a Caracterização da Impontualidade, despertou o nosso interesse em razão das dificuldades enfrentadas para o ajuizamento de um pedido de falência, com base na impontualidade do devedor, causadas pelo deferimento de medidas liminares em sede de processo cautelar.

A decisão judicial que susta o protesto especial, feita com base na cognição superficial do juiz (fumus boni juris e periculum in mora), representa um sério obstáculo aos credores de títulos líquidos e certos que, na maioria dos casos, são injustamente submetidos a uma longa espera pela efetivação do protesto, fator que praticamente anula todas as perspectivas de recebimento do crédito.

Buscamos analisar neste estudo, os efeitos e o alcance da medida liminar, deferida em processo cautelar para sustação do protesto especial de título liquido e certo, destinado a instruir pedido de falência do devedor.

Esclareça-se, contudo, que este trabalho representa tão somente um estudo da doutrina e da jurisprudência pátrias, com a sistematização do resultado da pesquisa e a conclusão a que chegamos sobre o tema.

DIREITO COMERCIAL PROCESSO FALIMENTAR

A SUSTAÇÃO DO PROTESTO ESPECIAL E A CARACTERIZAÇÃO DA IMPONTUALIDADE

1 - A CARACTERIZAÇÃO DO ESTADO DE FALÊNCIA.

Inicialmente, o estado de falência do comerciante, à luz das disposições do artigo 796 Código Comercial de 1850, emergia a partir da cessação dos pagamentos.

Para aferir a cessação dos pagamentos, o legislador da época não fixou um critério jurídico firme para orientar os tribunais, entregando a conceituação à livre apreciação dos julgadores.

Aquele sistema, causou demasiada flutuação da jurisprudência, ora entendendo como suficiente apenas uma falta de pagamento, ora entendendo como necessárias algumas impontualidades para caracterizar-se a cessação dos pagamentos. Na ausência de uma definição legal, os devedores passaram a encontrar nos escrúpulos judiciais abrigo seguro para desviar a garantia dos credores e onerar os ativos com novos compromissos.

Com a edição da Lei 2.024, 1908, construída a partir do Decreto nº 917 de 1890, foram estabelecidas duas maneiras diferentes de caracterizar-se o estado de falência: o critério da impontualidade e o da realização de atos ou fatos indicativos do desastre econômico.

A partir da edição do Decreto-Lei 7.661/45, os dois critérios reguladores da caracterização do estado de falência evoluíram além da precisão conceitual, podendo a quebra ser diagnosticada no momento da sua gestação. Foi afastado todo o arbítrio judicial ao trocar-se uma legislação de equidade por uma de fórmulas .

O primeiro critério, o da impontualidade, que é objeto deste estudo, é atualmente previsto pelo artigo 1º da citada lei, e verifica-se a partir do não pagamento de obrigação líquida e certa que legitime a propositura de ação executiva.

Nesse sistema, impontualidade é determinada como fato certo a partir da efetivação do protesto especial tirado na forma do artigo 10 da lei de quebras.

O segundo critério, previsto no artigo 2º, vincula-se a eventos certos e taxativos que indiquem o desequilíbrio econômico do devedor pela insuficiência do ativo para fazer face ao passivo; ou, pela prática de atos que denotam a intenção fraudulenta de lesar aos credores.

2 - O PROTESTO ESPECIAL

O protesto especial previsto e regulado pelo artigo 10 da Lei 7.661/45, é o ato administrativo praticado pelo oficial do cartório de protestos, que comprova publicamente a apresentação do título representativo de obrigação líquida e certa pelo credor e a recusa do pagamento pelo devedor.

No atual sistema processual falimentar brasileiro, o protesto especial é o meio de prova da impontualidade do devedor com força para autorizar a declaração judicial da falência.

Ao protesto especial, estão sujeitos apenas os títulos de crédito que escapam à obrigatoriedade do protesto necessário para a conservação de direitos, excluindo-se a hipótese do duplo protesto (necessário e especial) para instruir o pedido de quebra.

Disto conclui-se que o protesto especial funciona como meio de prova.

3 - A SUSTAÇÃO DO PROTESTO - BREVE HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONSEQÜÊNCIAS O protesto é um instituto jurídico destinado classicamente a registrar publicamente a falta de aceite ou pagamento de um título.

Em um cenário econômico onde a pontualidade é indício de boas finanças, a lavratura do protesto é tão cercada de publicidade que funciona como sintoma de ruína financeira; além disso, torna certa a falta de pagamento ou aceite e autoriza o credor a requerer a declaração judicial da falência do comerciante.

A rigidez do instituto e a sua aplicação abusiva passou a trazer efeitos colaterais injustos, deixando, em alguns casos, de ser um simples registro administrativo, para transmudar-se em meio violento de intimidação para cobrança de dívidas infundadas, levada a efeito por meio do oficial de protesto .

Com essa mudança, o Poder Judiciário adiantou-se ao Legislador, e, utilizando-se inicialmente do disposto no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil como fundamento para atender à nova realidade social, passou a deferir a sustação do protesto.

A partir da edição do Código de Processo Civil de 1973, a medida judicial de sustação do protesto, passou a ser deferida com base no poder geral de cautela previsto pelos artigos 798 e 799; ganhou eficácia para conter os abusos antes verificados, e foi além.

De fato, com a interpretação demasiado ampla que maioria dos juizes deu ao poder geral de cautela, a sustação do protesto passou a ser ordenada indiscriminadamente, na quase totalidade dos casos em que é requerida e sem a caução prevista pelo artigo 805 do Código de Processo Civil, alcançando, inclusive, o protesto obrigatório que é insuscetível de suspensão.

Deste contexto, emergiu novamente a insegurança jurídica antes verificada contra os devedores pelo uso imoral do protesto por alguns credores inescrupulosos; agora em desfavor dos credores que se vêem colocados à mercê do arbítrio ilimitado dos órgãos do Poder Judiciário.

Em razão desse arbítrio, a jurisprudência tem variado desde a insuspensibilidade do protesto já pregada por Waldemar Ferreira até à sustação generalizada, ainda que ausente o fumus boni iuris.

4 - A SUSTAÇÃO DO PROTESTO ESPECIAL E O DIREITO CONSTITUCIONAL DE AÇÃO

O direito constitucional de ação, instituído pelo Estado em substituição à luta material pela justiça por atos próprios, abre o acesso à via jurisdicional a todos os indivíduos que se sentirem lesados em matéria de direito privado, quer a título particular quer por ato emanado do poder público. A Constituição Federal outorgou ao Estado-Juiz poderes para conceder, no plano processual, a tutela jurídica assegurada aos indivíduos e pacificar os conflitos de interesses que lhes forem submetidos.

Os Juizes não podem impedir que as ações lhe sejam apresentadas com os contornos que a Lei delineou, porquanto o acesso à jurisdição é incondicional, cabendo-lhes apenas, mandar citar o Réu para se opor ou não à pretensão deduzida em juízo, para então pronunciarem-se por meio de decisões e sentenças.

Disso deflui-se que o direito de ação não foi deixado ao arbítrio dos Juizes. Ao contrário, foi erigido à condição de dogma pelo direito constitucional brasileiro, hoje insculpido no inciso XXXV, do artigo 5º da Carta Magna Vigente.

Para a incidência e a invocação do citado preceito constitucional, as Leis criaram as ações ou recursos adequados à proteção dos direitos individuais ou coletivos.

A ação de falência foi explicitamente criada pelo Legislador e se encontra totalmente regulada pelas normas da Lei nº 7.661/45.

O artigo 10 do citado diploma legal diz que os títulos não sujeitos a protesto obrigatório devem ser protestados (protesto especial) para o fim previsto na lei. O artigo 11, caput, diz, de sua vez, que para requerer falência com fundamento no art. 1º, o pedido deve ser instruído com a certidão do protesto, para caracterizar a impontualidade do devedor.

Ao impedir a lavratura do protesto especial, por meio de uma medida liminar de sustação concedida nos autos de um processo cautelar, o Estado-Juiz impede que o credor possa instruir o pedido de falência previsto pelo artigo 1º da Lei 7.661/45 com a certidão do protesto.

5 - ANÁLISE DO ALCANCE E DOS EFEITOS DA DECISÃO QUE DETERMINA A SUSTAÇÃO DO PROTESTO ESPECIAL

O que está em discussão é um ato derivado do poder geral de cautela, (artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil), dentro das suas funções constitucionais, que determina a sustação do protesto especial requerido pelos meios e formas legais.

Pode o Juiz exarar uma decisão que ampare a pretensão de um em detrimento da pretensão de outro?

O principal questionamento diz diretamente ao direito de acesso ao Poder Judiciário, porquanto este ato judicial subtrai do credor o direito de propor a Ação de Falência explicitamente criada pela Lei, fundado na impontualidade do devedor.

A resposta positiva reconhece ao Estado-Juiz poderes para mutilar direitos e pretensões destituindo-os de ação, arbítrio que não se encontra dentro das linhas que a Lei demarcou, impondo-se a negação desses poderes.

Fundado no princípio de que a melhor lei é aquela que não deixa margem ao arbítrio do juiz, se apresenta o ensinamento sempre elucidador do mestre J.J. CALMON DE PASSOS

"Mas esse poder de autorização deferido ao Juiz não é arbitrário nem mesmo discricionário. Ele cessa ante os obstáculos postos pela lei, ou melhor dizendo, postos pela própria ordem jurídica em que o juiz atua. Nem tudo pode o magistrado autorizar, mesmo quando prejuízo decorra para o resultado útil do processo. Se o obstáculo é de ordem legal e intransponível, a autorização descabe. O obstáculo mais forte que se opõe ao poder de o juiz determinar a prática do ato é a circunstância dessa prática envolver violação de direito da parte contrária, e direito cujo exercício não pode sofrer limitações por construção jurisprudêncial. O mesmo raciocínio deve ser feito no tocante à autorização deferida ao magistrado para vedar a prática de determinados atos. Não se pode obstar a prática de ato que traduz o exercício de um direito do qual não foi desinvestido o réu na cautelar. Só se veda o ilícito, aquilo que se revestiria de ilicitude por força de seu caráter abusivo, dada sua grave repercussão sobre o resultado do litígio, se favorável ao autor da cautelar."

Vale lembrar o aresto proferido pelo STJ, que traz a marca da legítima interpretação da Lei Federal sobre o tema, cuja ementa diz:

"PROCESSO CIVIL. CAUTELAR. PEDIDO PARA IMPEDIR O EXERCÍCIO DE AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DE DISPOSIÇÕES DIVERSAS DA LEI FEDERAL. Não é admissível o deferimento de cautelar para empecer o direito de ação, cuja vertente está na Lei Fundamental e em dispositivos diversos do ordenamento infraconstitucional Recurso especial provido." (RE nº 4241-RJ, Relator Min. Cláudio Santos, publicado no DJ de 05.11.90).

Ainda sobre o tema, temos a posição de vanguarda adotada no acórdão proferido pela egrégia 4ª Câmara Cível do Tribunal do Estado do Espírito Santo, cuja ementa diz:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - MEDIDA LIMINAR - AÇÃO CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO - OBSTÁCULO AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO FALIMENTAR - IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. Preenchidos os requisitos necessários ao ajuizamento do processo falimentar, o Banco credor não pode ser impedido de ajuizar a medida por uma decisão proferida nos autos da demanda cautelar de sustação de protesto. Segundo o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Não é possível, em qualquer hipótese, cercear o direito de ação. Recurso Provido à Unanimidade. (Agravo nº 047.969.000.273 - publicado no DJES de 10.12.1996 - Relator: Des. Arnaldo Santos Souza).

Dessa análise, conclui-se que o ato judicial sob comento, não alcança o direito de ação - inacessível ao arbítrio dos juizes em qualquer grau de jurisdição - restringindo-se unicamente à proibição da lavratura do protesto especial.

Como conseqüência dessa proibição, nasce um questionamento secundário: Pode o credor requerer a declaração judicial da falência sem estar munido da certidão do protesto para instruir o pedido?

6 - SOLUÇÃO PROPOSTA

No sistema falimentar a impontualidade não se caracteriza com o simples fato do vencimento da obrigação líquida e certa. Para que esta ocorra, importa que o devedor não tenha motivos relevantes para não pagar e que seja demonstrada pelo protesto do título.

O protesto é instrumento de prova. Não gera direitos e não produz obrigações.

O protesto especial previsto na Lei Falimentar tem a função de tornar pública a impontualidade do devedor, mediante registro em livro mantido no cartório de protestos exclusivamente para essa finalidade.

Ao requerer a sustação do protesto pela via do procedimento cautelar, sem externar nenhuma relevante razão de direito para o não pagamento de dívida líquida e certa, o devedor torna pública a sua impontualidade, já que a ação cautelar não tramita em segredo de justiça.

Portanto, estando o credor impedido de apresentar a certidão de protesto, sustado por ordem judicial, a impontualidade do devedor restará publicamente caracterizada, nos autos da ação em que for emanada a proibição de lavrar o registro.

CONCLUSÃO

A exigência da publicidade, princípio ínsito ao sistema democrático, é fator preponderante para a validade do ato de lavratura do protesto especial, porque traz ao domínio público a impontualidade do devedor.

Disso depreende-se que a impontualidade, para os fins da Lei Falimentar, nasce a partir do registro público da mora do devedor.

O interesse geral, representado pelo anseio de infundir segurança aos negócios jurídicos, impõe que se reforce o princípio da publicidade é um dos elementos que informam, estruturam e vivificam todas as relações e sobre as quais repousa o nosso direito.

Por isso, a Constituição Federal ao estabelecer que serão públicos todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, e fundamentadas todas decisões, (art. 93, IX), alude aos julgamentos e decisões jurisdicionais.

Quando o juiz decide, antes do conhecimento da outra parte, não pode haver restrição à publicidade que é efetivada com a expedição do mandado judicial. Dessa forma, a ordem judicial que determina ao Oficial de Protesto que se abstenha de proceder a lavratura, atende plenamente ao requisito da publicidade normalmente alcançado por meio do registro, para o aperfeiçoamento do ato de protesto.

Em conclusão, entendemos que o credor poderá instruir o pedido de falência com o título líquido e certo, acompanhado de uma certidão extraída dos autos da ação cautelar em que foi deferida a sustação de protesto, como prova da caracterização da impontualidade do devedor, exigida pelo artigo 11 da Lei 7.661/45.
 
 
 

retirado de: www.datavenia.inf.br