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Diretrizes da Política de Crédito Rural e Consequências

       * Volnei Luiz Denardi

          Com frequência observam-se nos tribunais discussões envolvendo  encargos
    financeiros cobrados nas operações de crédito rural.

 

          De forma equivocada, olvidando as características do crédito e o tratamento
    específico dado pelo legislador, multiplicaram-se ao longo dos anos decisões que
    assemelharam o crédito rural às demais operações bancárias.

 

          O Superior Tribunal de Justiça, modificando o entendimento até então
    preponderante, modernamente veio a admitir que, nas operações formalizadas
    através de Cédulas de Crédito Rural, por força do que estabelece o art. 5º, do
    Decreto-Lei nº 167/67, os juros devem ser limitados em 12% ao ano, desde que
    outra taxa não seja estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional.

 

          Não é suficiente, no entanto, que o Conselho Monetário Nacional, cumprindo o
    dever imposto pelo art. 5º do Decreto-Lei nº 167/67, venha a fixar as taxas de juros
    em patamares incompatíveis com a atividade rural ou, simplesmente, libere as taxas
    de juros para os créditos dessa natureza.

 

          Isso porque, observando a especialização do crédito agrícola em função da
    própria atividade, o legislador procurou definir diretrizes da política de crédito
    visando o necessário equilíbrio com outras atividades econômicas.

 

             Essas diretrizes são encontradas nos diversos textos legais que tratam do
    crédito agrícola, raramente observadas pelos aplicadores do direito e até mesmo
    pelo Conselho Monetário Nacional e o seu órgão executor, o Banco Central do Brasil.
    Aliás, esses órgãos, quando editam suas normas regulamentares, normalmente
    mencionam estarem apoiados na Lei nº 4.595/64, ignorando outros diplomas
    específicos que tratam da matéria.

 

             É certo que na Lei nº 4.595/64 existem regras aplicáveis. No entanto, o
    tratamento legal é mais amplo.         Por isso, quando se fala em crédito rural,
    deve-se levar em conta não apenas o que está estabelecido na Lei nº 4.595/64, mas
    também e principalmente que o consta dos diversos textos legais que tratam do
    assunto.

 

          E, de fato, a Lei nº 4.595/64, no art. 4º, ao disciplinar a competência do
    Conselho Monetário Nacional, no inciso IX deferiu tratamento especializado ao
    crédito rural, assim dispondo:

 

                  Art. 4º. Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo
                  diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:

                  ...

                  IX - Liminar, sempre que necessário, as taxas de juros,
                  descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de
                  operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os
                  prestados pelo Banco Central do Brasil, assegurando taxas
                  favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover:

                  -         recuperação e fertilização do solo;

                  -         reflorestamento;

                  -         combate a epizootias e pragas, nas atividades rurais;

                  -         eletrificação rural;

                  -         mecanização;

                  -         irrigação;

                  -         investimentos indispensáveis às atividades agropecuárias;

 

          Vê-se que o texto legal, após conferir ao Conselho Monetário Nacional poderes
    para ...limitar, sempre que necessário... as taxas de juros e outros encargos para as
    operações de crédito de um modo geral, assegurou taxas diferenciadas, favorecidas,
    aos financiamentos destinados às atividades rurais.

 

          A mesma Lei, ao tratar do Banco do Brasil no art. 19, principal agente do
    crédito rural e a quem foi imposto atuar, sob a supervisão do Conselho Monetário
    Nacional, ...como instrumento de execução da política creditícia e financeira do
    Governo Federal, fixou como seus objetivos:

 

                  Art. 19. omissis

                  ...

                  IX - financiar a aquisição e instalação da pequena e média
                  propriedade rural, nos termos da legislação que regular a
                  matéria;

                  X - financiar as atividades industriais e rurais, estas com o
                  favorecimento referido no art. 4º, IX, e art. 53 desta Lei.

 

          Deixa e dispositivo definido que o Banco do Brasil deve observar os benefícios
    reservados ao crédito agrícola.

 

             Ainda a Lei nº 4.595/64, no artigo 54 (Disposição Transitória), determinou a
    elaboração de proposta para institucionalização do crédito rural, sob a
    responsabilidade da Comissão Consultiva do Crédito Rural, novamente
    reservando-lhe tratamento diferenciado quando menciona expressamente a redução
    de seu custo (Parágrafo Único).

 

                  Art. 54. O Poder Executivo, com base em proposta do Conselho
                  Monetário Nacional, que deverá ser apresentada dentro de 90
                  (noventa) dias de sua instalação, submeterá ao Poder Legislativo
                  projeto de lei que institucionalize o crédito rural, regule seu
                  campo específico e caracterize as modalidades de aplicação,
                  indicando as respectivas fontes de recursos. Parágrafo único. A
                  Comissão Consultiva do Crédito Rural dará assessoramento ao
                  Conselho Monetário Nacional, na elaboração da proposta que
                  estabelecerá a coordenação das instituições existentes ou que
                  venham a ser criadas, com o objetivo de garantir sua melhor
                  utilização e da rede bancária privada na difusão do crédito rural,
                  INCLUSIVE COM REDUÇÃO DE SEU CUSTO. (Grifei).

 

             Tem-se até esse momento que a Lei nº 4.595/64, após eleger a atividade rural
    como beneficiária de crédito diferenciado, embora tenha definido que o crédito rural
    seria institucionalizado por lei posterior, condicionou que a correspondente proposta
    deveria observar os reservas do artigo 4º, IX e 54, Parágrafo único (redução de seu
    custo).

 

             Com o propósito de institucionalizar o crédito rural, foi editada a Lei nº 4.829,
    de 05 de novembro de 1965 que, logo no seu artigo 1º, de fato, passou a tratar o
    crédito agrícola de forma diferenciada: O crédito rural, sistematizado nos termos
    desta Lei, será distribuído e aplicado de acordo com a política de desenvolvimento
    da produção rural do País e tendo em vista o bem-estar do povo.

 

          Em seguida, no art. 2º, definiu o crédito agrícola como "...o suprimento de
    recursos financeiros, prestado por entidades públicas e estabelecimentos de crédito
    particulares e produtores rurais e suas cooperativas, para aplicação exclusiva em
    atividades que se enquadrarem em objetivos específicos".

 

          Nitidamente observa-se, já pela leitura dos primeiros dispositivos da Lei nº
    4.829/65, tratar-se a modalidade de crédito diferenciado, especialmente destinado à
    aplicação na atividade rural (crédito de escopo ou de destinação).

 

          Na esteira das ressalvas consignadas na Lei nº 4.495/64, no artigo 14, da Lei
    nº 4.829/65 ficou estabelecido que "Os termos, prazos, juros e demais condições
    das operações de crédito rural, sob quaisquer modalidades e formas, serão
    estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, observadas as disposições legais
    específicas, não expressamente revogadas pela presente Lei, inclusive o
    favorecimento previsto no art. 4º, inciso IX, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de
    1964, ficando revogado o art. 4º do Decreto-Lei nº 2.611, de 20 de setembro de
    1940.

 

          Portanto, além de reservar tratamento favorecido, a lei comanda ao Conselho
    Monetário Nacional que estabeleça "...Os termos, prazos, juros e demais condições
    das operações de crédito rural, sob quaisquer modalidades e forma...",
    diferentemente do que ocorre com as demais operações de crédito, onde as taxas de
    juros são livres, podendo o Conselho Monetário Nacional limitar, sempre que
    necessário (art. 4º, IX, da Lei nº 4.595/64), as taxas livremente praticadas pelas
    instituições financeiras.

 

          A determinação para que o Conselho Monetário Nacional estabeleça todas as
    condições do crédito rural, inclusive fixando as taxas de juros, decorre da
    necessidade de controle rigoroso da política de crédito agrícola.

 

          Trata-se de efetivo controle estatal sobre as condições de concessão do crédito
    agrícola, controle esse exercido pelo Conselho Monetário Nacional, dada a relevância
    e características da atividade.

 

          Também pela sua importância econômica e social, a atividade rural foi tratada
    na Constituição Federal. No art. 187 ficou estabelecido que a política agrícola (aqui
    incluindo-se o crédito), teria a participação efetiva do setor de produção), verbis:

 

                  Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma
                  da lei, com a participação efetiva do setor de produção,
                  envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos
                  setores de comercialização, de armazenagem e de transportes,
                  levando em conta, especialmente:

 

                  I - os instrumentos creditícios e fiscais;

 

                  II - os preços compatíveis com os custos de produção e a
                  garantia de comercialização.

 

          Do texto constitucional extrai-se três importantes diretrizes da política
    agrícola: 1. participação do setor produtivo no planejamento e execução, definindo
    como meios  indispensáveis à atividade 2. os instrumentos creditícios e 3. preços
    compatíveis com os custos de produção...

 

          Por força da norma constitucional, foi editada a Lei nº 8.171, de 17 de janeiro
    de 1991, com a finalidade de regulamentar a política agrícola onde se estabeleceu,
    logo no artigo 2º, que a política agrícola ...fundamenta-se nos seguintes
    pressupostos:

 

                  Art. 2º.

                  ...

                  III - como atividade econômica, a agricultura deve proporcionar,
                  aos que a ela se dediquem, RENTABILIDADE COMPATÍVEL COM A
                  DE OUTROS SETORES DA ECONOMIA.

 

          No artigo 3º foram fixados os objetivos da política agrícola, merecendo especial
    destaque aqueles que tem o propósito de:

                  ...

                  II - sistematizar a atuação do Estado para que os diversos
                  segmentos intervenientes da agricultura possam planejar suas
                  ações e investimentos numa perspectiva de médio e longo
                  prazos, REDUZINDO AS INCERTEZAS DO SETOR;

 

                  III - ELIMINAR AS DISTORÇÕES QUE AFETAM O DESEMPENHO
                  DAS FUNÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAL DA AGRICULTURA.

 

          Nos diversos textos legais sob comento que hoje regulam o Sistema Nacional
    de Crédito Rural, portanto, verifica-se a existência de diversas diretrizes que devem
    ser seguidas pelos órgãos orientadores da política agrícola, em especial a de crédito:

 

 

    1.     Política de encargos favorecidos (arts. 4º, IX e 53, da Lei nº 4.595/64 e
       art. 14. da Lei nº 4.829/64);

    2.     Redução de custos, inclusive financeiros (art. 54, Parágrafo único, da Lei
       nº 4.595/64);

    3.     Política de desenvolvimento da produção rural tendo em vista o
       bem-estar do povo (art. 1º, da Lei nº 4.829/65);

    4.     Obrigatoriedade da participação dos setores de produção na elaboração
       da política agrícola (art. 187, Caput, da Constituição Federal);

    5.     Instrumentos creditícios como meios indispensáveis à atividade agrícola
       (art. 187, I, da Constituição Federal);

    6.     Preços compatíveis com o custo de produção (art. 187, II, da
       Constituição Federal);

    7.     Rentabilidade compatível com a de outros setores da economia (art. 2º,
       III, da Lei nº 8.171/91);

    8.     Redução das incertezas do setor (art. 3º , II, da Lei nº 8.171/91);

    9.     Eliminação das distorções que afetam o desempenho das funções
       econômicas e social da agricultura (art. 3º, III, da Lei nº 8.171/91).

 

          O direcionamento dado pela lei quando fixa diretrizes visa, nitidamente,
    promover o setor rural à vista da natureza da atividade. Por isso devem os órgãos
    responsáveis pela definição da política agrícola obediência aos objetivos fixados,
    especialmente quando estabelecida através de atos administrativos (v.g. resoluções,
    circulares, etc).

 

          À vista do tratamento diferenciado conferido pelos diversos diplomas legais é
    possível extrair-se, como consequência, que ao Conselho Monetário Nacional, como
    órgão responsável pela regulamentação do crédito rural, incumbe determinar
    condições favorecidas, compatibilizando os custos financeiros com a atividade rural.

 
*retirado de: http://www.teiajuridica.com/gl/jurcrur.htm