DIREITOS DOS CREDORES NA CISÃO
Maria Isabel Alvarenga
A freqüente utilização da cisão como instrumento
de reestruturação societária tem gerado dúvidas
com relação à
interpretação da disciplina
jurídica aplicável, especialmente no que se refere aos direitos
dos credores da sociedade a
ser cindida.
A cisão é regulada nos artigos 229 a 244 da Lei nº 6.404/76.
Segundo o artigo 229, "a cisão é a operação
pela
qual a companhia transfere parcelas do
seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para
esse fim
ou já existentes, extinguindo-se
a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio,
ou
dividindo-se o seu capital, se parcial
a versão".
A cisão, portanto, pode ser total ou parcial. Ocorrerá cisão
total quando houver completa transferência de
patrimônio, caso em que a sociedade
cindida se extinguirá; a cisão parcial, por sua vez, importa
versão parcial do ativo
e do passivo para outra sociedade, remanescendo
a sociedade originária com uma parcela do patrimônio em seu
poder
e reduzindo-se seu capital social na proporção
do patrimônio líquido transmitido.
As parcelas patrimoniais antes pertencentes à sociedade cindida
tanto podem dar lugar a novas sociedade como
integrar-se em sociedades já existentes.
A primeira hipótese consiste na cisão pura, enquanto a segunda
é usualmente
denominada de cisão com incorporação.
Cumpre, nesse contexto, examinar os mecanismos de proteção
aos terceiros credores da sociedade cindida
previstos na Lei nº 6.404/76.
O patrimônio social constitui, via de regra, a garantia dos credores
da sociedade. Com a cisão, ocorre
transferência da totalidade ou de
uma parcela do patrimônio da sociedade cindida para outra sociedade,
com o que se
verificaria uma redução da
garantia dos credores da sociedade original.
No caso de cisão total, as sociedades que absorverem parcelas do
seu patrimônio responderão solidariamente
pelas obrigações da companhia
extinta (artigo 233). A nova sociedade ou a incorporadora sucedem a cindida
em todos
os seus direitos e obrigações,
na proporção dos patrimônios líquidos transferidos
(artigo 229, § 1º). Em decorrência de
tais regras legais, na cisão total
permanece íntegra a garantia dos credores da sociedade extinta.
Na hipótese de cisão parcial, estabelece o artigo 229 a existência
de sucessão apenas quanto aos direitos e
obrigações relacionados no
ato da cisão. Como regra geral para proteção dos credores,
o artigo 233 prevê que a
sociedade cindida que subsistir e as sociedades
que receberem parte de seu patrimônio serão solidariamente
responsáveis pela satisfação
das obrigações da sociedade cindida anteriores à cisão.
Entretanto, ainda em caso de cisão parcial, o artigo 233, parágrafo
único, prevê que o protocolo pode estipular
que inexistirá solidariedade, respondendo
cada sociedade apenas pelas obrigações transferidas na cisão.
Em
contrapartida, é conferido ao credor
o direito de opor-se à estipulação de ausência
de solidariedade. O fundamento da
outorga ao credor de tal direito é,
justamente, protegê-lo da diminuição da garantia que
seu crédito teria caso houvesse
a solidariedade.
Assim, no caso de o protocolo estipular que inexistirá solidariedade
entre a sociedade cindida e a sociedade que
absorver parcela do patrimônio cindido,
os credores anteriores à cisão podem se opor à estipulação
de ausência de
solidariedade com relação
a seus créditos, mediante o envio de notificação à
sociedade no prazo de 90 dias a contar da
publicação dos atos da cisão.
Questão que gera divergências na doutrina diz respeito aos
efeitos da oposição dos credores à estipulação
de
ausência de solidariedade.
Modesto Carvalhosa entende que o efeito imediato da oposição
é suspender a eficácia do negócio de cisão
parcial, até que se restabeleça
a solidariedade plena ou que seja seu crédito antecipadamente pago.
Se as sociedades
envolvidas na cisão optarem por
não satisfazer antecipadamente o crédito do opositor, o benefício
da retratação quanto
à estipulação de ausência
de solidariedade será de todos os credores.
A tese adotada por Modesto Carvalhosa difere da doutrina de Mauro Brandão
Lopes, para quem a oposição do
credor importa tão-somente na existência
de solidariedade entre as companhias exclusivamente com relação
ao crédito
do opositor, de forma a garantir a solidariedade
entre as companhias, não tendo o condão de anular o ato de
cisão
como um todo, suspender sua eficácia
ou de impedir sua consecução: "os credores da companhia cujo
patrimônio se
cinde não podem pleitear a anulação
da operação, nem têm a possibilidade de receber os
seus créditos, ou de
ver garantida a sua execução
se ilíquidos; nem podem obter a separação de patrimônios,
na falência de
companhia beneficiária de cisão,
por parcial e inadequada que pudesse ser esta medida. E à situação
no seu
todo, criada pela solidariedade do art.
233, nada acrescenta o seu parágrafo único. Afastada a solidariedade
de
companhia beneficiária da cisão
parcial, mediante estipulação no ato da operação,
a oposição de credores no
prazo previsto mais não faz do que
restabelecer quanto a seus créditos a solidariedade que se tentou
remover, e
que não vai beneficiar credor omisso
por desatento".
Em que pesem os entendimentos em sentido contrário, partilhamos
da tese defendida pelo Professor Mauro
Brandão Lopes. O artigo 233 Lei
nº 6.404/76 não confere ao credor o direito de opor-se ao negócio
de cisão. O único
direito do credor é opor-se à
estipulação de ausência de solidariedade. Não
tem o credor, pois, sequer legitimidade
processual para pleitear a suspensão
ou anulação da cisão, que, pelo regime da Lei nº
6.404/76, é matéria interna das
companhias envolvidas, a ser deliberada
em assembléia geral dos acionistas.
O efeito de eventual oposição à estipulação
de não solidariedade pelo credor é, unicamente, a elisão
de tal
estipulação no tocante àquele
crédito específico.
A mera notificação do credor manifestando sua oposição
à estipulação de ausência de solidariedade já
é
suficiente para que se opere a elisão
para seu crédito, uma vez que tal efeito decorre de lei. A produção
dos efeitos da
oposição não depende
de qualquer ato da sociedade, como o envio de resposta à notificação
do credor ou a indicação
no ato de cisão da existência
de solidariedade passiva quanto àquele crédito, sendo descabidas
quaisquer exigências
nesse sentido.
Entendida sua disciplina e assegurados os direitos dos terceiros credores,
a cisão mostra-se um instrumento
jurídico capaz de atender às
mais diversas finalidades visadas pelos processos de reestruturação
societária, inclusive
aqueles prévios à desestatização
de empresas estatais, como os referentes aos setores de energia elétrica
e
telecomunicações, na medida
em que viabiliza a separação das atividades empresariais
para atribuir-lhes destinações
específicas e diversificadas.
*retirado de: http://www.jusnavigandi.com.br/doutrina/cisao.html