BANCARROTA DA EMPRESA E RESPONSABILIDADE DO BANQUEIRO
JOÃO ANTÔNIO C. MOTTA
Diz o MANUAL DE NORMAS E INSTRUÇÕES DO BANCO CENTRAL, o famigerado 'MNI', que:
É vedado ao banco comercial:
...
b) realizar operações que não atendam aos princípios
de seletividade, garantia, liquidez e
diversificação de riscos;
MNI-Bacen 16.7.2.2.’b’
Da mesma sorte, referenda ainda ser vedado:
...
c) renovar empréstimos com a incorporação de juros
e encargos de transação anterior,
ressalvados os casos de composição de créditos de
difícil e duvidosa liquidação;
MNI-Bacen 16.7.2.2.’c’
Pois bem, seguindo uma política indiscriminada e predatória
na
concessão do crédito, o que faz tábula rasa dos princípios
normativos
acima alinhados, os bancos simplesmente concedem crédito à
vista de
tantas ou quantas garantias lhes forem concedidas, esquecendo-se da
vital análise de viabilidade do empreendimento, bem como aos
conceitos de seletividade, liquidez e diversificação dos
riscos
exigidos pelo ente normativo que deveriam se submeter e onde, não
raro, buscam írrita interpretação de normas para acobertar
os abusos
que praticam.
Isso se dá, sempre e invariavelmente, em face da concentração
de risco
com determinada empresa, onde se vão rolando e incrementando o
endividamento em linhas sucessivas e encadeadas de créditos, tornando,
em pouco tempo, a responsabilidade absolutamente impagável e
inviabilizando o empreendimento.
Tal estado de coisas foi bem apreendido quando da concordata, aqui em
São Paulo-SP, da CASA CENTRO, tradicional empresa de varejo. Logo
em seguida ao requerimento da moratória, como de hábito,
ouviram-se o
trovejar dos arautos do mercado financeiro, apontando golpe na praça
e
outras tantas sandices que, obviamente, visavam a mascarar a inequívoca
responsabilidade dos bancos pela concessão do crédito.
Aliás, situação esta que o BANCO CENTRAL buscou minimizar,
editando
em maio deste ano as Resoluções nºs 2.390 e 2.756 que
instituem e
regulamentam o chamado 'SISTEMA CENTRAL DE RISCO DO
CRÉDITO', que através de um processo informatizado busca
traçar um
perfil de devedores com responsabilidade superior a R$ 50 mil em mais de
um banco.
Contudo, o relevante é que as empresas se direcionam de forma segura
ora à moratória, ora à falência, pela concessão
indiscriminada de
sucessivas e encadeadas operações de crédito por uma
atitude, no mínimo,
em dolo eventual dos operadores de banco.
Isso porque, nas sucessivas linhas de crédito, onde via de regra
jamais é
liberado dinheiro novo à empresa, resulta em verdadeira bancarrota
da
mesma, com o agravamento pela prática da ilegal capitalização
de juros,
resultando que, muitas vezes, a empresa é credora de vultosa soma
referente a tal prática ilegal e, ao mesmo tempo, é falida
!!!
Este é o caso da CASA PRATA, uma tradicional empresa
importadora/exportadora em São Paulo-SP, com mais de 70 (setenta)
anos
de mercado que, lacrada, busca responsabilizar quem, efetivamente,
contribuiu para sua quebra.
De mais a mais, por ilustração, há de se referir que
mesmo a admitir-se
que tivesse a empresa solicitado espontaneamente as sucessivas linhas de
crédito (que não vieram em seu benefício ou de seus
sócios), resta
inequívoca a responsabilidade do banqueiro pela concessão
do crédito.
Tal matéria, neste país de falsos liberais e socialistas
do prejuízo, nunca,
virtualmente nunca, é suscitada, posto que sob o falso manto de
proteção
aos interesses de quem tem a prevalência do crédito, se protege
a
intangibilidade dos contratos, jamais chegando-se a examinar o âmago
das
avenças.
De todo modo, é induvidoso que a pecha de escroques geralmente
elaborada pelas instituições financeiras contra aqueles que
não honram os
contratos por elas elaborados, não passa de cortina de fumaça
para
mascarar seus atos criminosos.
O direito comparado fornece profícua lição sobre o
tema em questão:
As dificuldades financeiras das empresas e a conseqüente
impossibilidade de fazerem face às obrigações contraídas
nos bancos,
suscitam ao senso comum do observador a interrogação sobre
quais
os deveres e responsabilidades dos bancos na distribuição
do crédito.
...
É sabido que um crédito concedido a uma empresa cuja situação
esteja muito
comprometida, que se financie principalmente por meio de créditos
bancários, que
recorra desproporcionadamente ao desconto sem que os negócios se
desenvolvam na
mesma medida, um tal crédito, se tem como efeito criar uma aparência
de solvabilidade,
na realidade faz crescer o número de seus credores e a importância
de seu passivo.
Estes créditos imprudentes e inapropriados (que por vezes têm
o verdadeiro carácter de
'créditos de comandita' e dos quais o banqueiro não pode
privar a empresa sem provocar
a sua perda), porque prejudiciais aos credores e à própria
empresa, são fonte de
responsabilidade civil do banqueiro.
A questão da responsabilidade do banqueiro perante os credores da
empresa beneficiária
de crédito abusivo constitui, na hora actual, uma das mais escaldantes,
como observa o
Prof. Michel Vasseur, que lhe tem dedicado numerosos estudos.
E, se bem que em
França a jurisprudência seja muito rigorosa em relação
às faltas dos banqueiros, em
Portugal a questão só é posta, como em tantos outros
domínios, em estilo de
murmuração e circunstância, nas assembléias
de credores. No entanto, a
responsabilidade por factos ilícitos é sancionada no artigo
483º do Código Civil: 'Aquele
que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou
qualquer
disposição legal destinada a proteger interesses alheios
fica obrigado a indemnizar o
lesado pelos danos resultantes da violação.' Disposições
equivalentes existem no Código
Civil Francês (arts. 1.382 e 1.383), e com base nelas os bancos têm
sido
condenados, em acções propostas quer pelos credores, prevalecendo-se
do seu
prejuízo pessoal, quer pelo síndico da falência, reclamando
a reparação do prejuízo
colectivo sofrido pela massa falida.
ALBERTO LUÍS in DIREITO BANCÁRIO - Temas Críticos
e Legislação
Conexa, Livraria ALMEDINA de Coimbra, 1985, pp 70 e 71
Na mesma esteira, o Direito na França:
La responsabilité du banquier dispensatur de crédit est une
question
classique de la resonsabilité bancaire, à l'origine de nombreuses
décisions jurisprudentielles. L'impor-tance du contentieux est liée
à la défaillance du
bénéficiaire du crédit, généralement
sous le coup d'une procédure collective. L'un des
litiges courants oppose la caution parce que le débiteur principal
est en redressement
judiciaire et la caution tentant d'y échapper en invoquant la responsabilité
de la banque.
La défaillace du crédité n'est cependant pas une condition
de la responsabilité du
banquier: un crédité non defaillant peut se plaidre d'une
faute de la banque dans
l'exécution de l'opération de crédit.
...
Les hypothèses les plus fréquentes sont celles où
c'est le droit commum de la
responsabilité qui est invoqué. La responsabilité
est délictuelle ou contractuelle selon la
qualité de la victime, tiers ou bénéficiaire du crédit.
Toutefois, quelle que soint la
victime, on sait que le banquier est tenu d'une obligation de vigilance
qui implique
que celui-ci, sans s'immiscer dans les affaires de son client, doit agir
avec
suffisamment de prudence et de discenement pour éviter que le crédit
bancaire ne
soit source de préjudice: s'il n'est pas suffisamment prudent et
que le crédit cause
un préjudice, il engange sa responsabilité.
Deux questions essentialles se posent: d'une part, dans quelles circonstances
le
comportement du banquier dispensatur de crédit est-il fautif (A)
? D'autre part, qui peut
invoquer la responsabilité bancaire (B) ?
...
Les fautes que peuvent commettre les banques sont diverses. Parmi
celles qui paraissent
les plus courantes, on peut retenir celles qui concernet l'octroi ou refus
de crédit ainsi que
de défaut de surveillance des fonds prêtés.
THIERRY BONNEAU, in Droit Bancaire, Montchrestien, Paris, 1994, pp.
425/426
Sendo que na Itália não vem a ser diferente:
L'operatore bancario può sì concedere credito (è il
suo mestiere) ma
deve attenersi a determinate norme tecniche e di competenza.
Se le viola deliberatamente, grossolanamente, macroscopicamente per
favorire l'affidato, compie atti di disposizione non autorizzati, dando
al
danaro una destinazione abnorme rispetto alla volontà dell'ente
proprietario. Ocorre peraltro la consapevolezza che il cliente non
sia in
grado di restituire il danaro, o quantomeno la consapevolezza di una
situazione del cliente tale da rendere aleatoria la restituzione.
L'accetazione di tale rischio concreta un particolare tipo de dolo (dolo
eventuale) che è sufficiente al perfezionarsi del reato.
...
E' evidente che il curatore dell'eventuale fallimento, ove avesse a scoprire
operazioni
gestionali condotte a vantaggio della banca, potrebbe trarne, a carico
della stessa le
conseguenze che emergono dalle considerazioni che precedeno e dalla disciplina
del
fallimento; como vedremo, si fa sempre più evidente la tendenza
della dottrina e
ormai anche della giurisprudenza a coinvolgere in situazioni di responsabilità
soggeti che esercitano influenze decisive sulla gestione di altrui imprese.
LUCIANO CARESTIA, in La Banca e su Regole, ISBA - Istituto Studi Bancari
e
Aziendali, Roma, 1996, pp. 213/214 e 218.
Como visto, é tempo da jurisprudência de forma isenta e serena
dar um
basta ao capitalismo predatório. Se se quer liberalismo, economia
de
livre mercado, sendo os ditames do mercado a regrar os
comportamentos, se deve assumir no mínimo aquele postulado do
sistema mencionado por FABRÍCIO, que é a assunção
dos riscos da
atividade econômica.
Se observe:
Tal conduta corresponde à típica mentalidade dominante entre
as
instituições financeiras, segundo a qual todo e qualquer
prejuízo,
inclusive o decorrente de erro próprio, tem de ser transferido a
outrem. Pregoeiras de primeira fila, radicais e intransigentes, da
economia de mercado e da livre iniciativa, nem por isso se submetem a
um dos postulados básicos do sistema, que é o da assunção
dos riscos
à atividade econômica. O lema é gozar dos bônus
sem sofrer os
ônus.
TJRGS, 6ª Câm.Cível julgando em 23 de maio de 1989 a
apelação nº 589.019.967, rel.
Des. ADROALDO FURTADO FABRÍCIO
Da forma como se evidencia a atividade das empresas bancárias no
país, nunca assumindo risco algum e divulgando um preconceito,
infundado d.v., de quem deve assim o faz por querer e em detrimento
de legítimos interesses (o que se vê, às vezes, permeado
na
magistratura), em momento algum se objetivará o liberalismo
econômico com responsabilidade, onde o banco seja um real '...
instrumento de expansão econômica nacional' (in
http:/www.boavista.com.br/historia).
Sem combate a um capitalismo predatório (o que passa longe de idéias
'socializantes'), em momento algum da história se poderá
atender o
primeiro objetivo fundamental da República, em '... construir uma
sociedade livre, justa e solidária' (CF, art. 3º, I).
No caso, aqui brevemente trazido à reflexão, basta que se
aplique a velha
lei de 1916:
Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência, ou
imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem,
fica obrigado a
reparar o dano.
CCB, art. 159
*retirado
de: http://www.teiajuridica.com/af/bancarrota.htm