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                 UNIFICAÇÃO DO DIREITO COMERCIAL NO MERCOSUL *

Haroldo Pabst **


1 - INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi concebido como forma de contribuição para a busca de caminhos que levem à uma conformação
jurídica desburocratizada e pragmática do MERCOSUL, pois acreditamos que essa nova entidade necessita de uma estrutura
legal adequada aos seus objetivos mercantis. A lei não deve ser capaz de transformar regras básicas do direito comercial, qual
seja a de viabilizar o comércio garantindo um mínimo de segurança nas relações jurídicas e sem atrapalhar o incremento e a
realização de negócios, que são um dos principais objetivos do Tratado de Assunção.

Encontrar esse ponto de equilíbrio é, sem dúvida, uma tarefa difícil e complexa, principalmente porque temos pouca expriência
em matéria de direito internacional privado e de direito comparado. Se temos dado pouca atenção a esses ramos do direito, tal
fato deve-se, não apenas à nossa omissão e falta de visão da realidade sul-americana, mas também às distâncias geográficas, à
diversidade cultural de nossos povos e, last but not least, ao nosso crônico atraso econômico.

O ponto de equilíbrio será atingido quando a estrutura legal do MERCOSUL proporcionar a seus atores a segurança jurídica
necessária para realização dos negócios e para a consecução dos objetivos finais do Tratado e, simultaneamente,
conceder-lhes a liberdade de ação necessária para um frutífero desenvolvimento da atividade mercantil, sem óbices
burocráticos desnecessários ou restrições legais limitadoras.

Assim, entende-se que o MERCOSUL não pode e nem deve ser um problema para os cidadões e para as empresas, mas uma
oportunidade de crescer cultural, social e economicamente. Fornecer-lhe esse ponto de equilíbrio jurídico é tarefa dos juristas.
Partindo, pois, deste ponto de vista, decidimos apresentar nosso trabalho em três partes: a primeira pretende refletir o atual
estágio da estrutura jurídica do MERCOSUL, principalmente no que concerne ao direito privado; a segunda parte oferece uma
perspectiva da evolução da sua conformação jurídica no futuro; e a terceira quer oferecer conclusões e propostas para o
aperfeiçoamento do processo.

2 - ESTADO ATUAL DA ESTRUTURA JURÍDICA

Segundo o artigo 1 do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, o chamado Mercado Comum do Sul, ou
MERCOSULl, implica não só na livre circulação de bens, serviços e de fatores produtivos entre os quatro países, e nem
apenas na coordenação de políticas macro-econômicas ou no estabelecimento de uma tarifa externa comum, mas também no
compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do
processo de integração.

Há, portanto, a nível de tratado, uma obrigação assumida pelos Estados Partes de harmonizar as suas legislações internas, o
que, de princípio, exclui a hipótese de formulação de um novo direito supranacional, como ocorre hoje com o novo direito
europeu.

A própria existência do MERCOSUL e de seu futuro tem sido posta em dúvida, não sem alguma dose de razão, por setores
menos entusiasmados com a idéia, cujos adeptos, tal qual os eurocéticos também proliferam por aqui. Tal fato deve-se,
pensamos, à desinformação generalizada acerca do assunto, fenômeno que ocorre na Europa em relação à Comunidade
Econômica Européia, desinformação que suscita vôos de imaginação dissociados da realidade dos fatos e das circunstâncias
políticas e econômicas do Cone Sul, fazendo com que alguns confundam MERCOSUL com turismo e oportunidade de
promover seminários e congressos, e com que outros imaginem um futuro político comum entre os quatro países. Há ainda os
que duvidam da capacidade dos países envolvidos de superar suas tradicionais deficiências administrativas e econômicas para
viabilizar o projeto.

No entanto, o fato inarredável é que o nosso mercado comum é oportuno e irreversível. A oportunidade decorre de
circunstância temporal. Vivemos em plena fase de formação de grandes e potentes blocos comerciais, o que gera a
necessidade da formação de um forte bloco sul-americano com um forte poder de barganha. O momento é de formação de
grandes espaços econômicos e de globalização do cenário econômico internacional, oportunidade própria, importante e crucial
para que o Cone Sul consiga alcançar uma proveitosa inserção econômica internacional.

Estão, pois, presentes as características da oportunidade e da irreversibilidade, não só face ao avançado estágio das
negociações entre os Estados Partes, mas, principalmente, pela necessidade de se evitar a marginalização de nossos países no
futuro mapa econômico do mundo.

A discussão, hoje, na verdade, limita-se aos aspectos instrumentais e conjunturais, como, por exemplo, se o Brasil pode reduzir
sua tarifa externa para compatbilizá-la com a dos outros países, que utilizam tarifas mais baixas.

Mas, mesmo que a razão fique ao lado dos céticos e o Mercado Comum se inviabilize, restará, inevitavelmente um intercâmbio
comercial muito mais rico do que antes do início do processo, como resultado das novas relações despertadas pela só
deflagração do sistema. Essa nova postura econômica e cultural por si só já bastaria para instigar o jurista a procurar e oferecer
novas soluções jurídicas necessárias para a instrumentalização legal da nova realidade emergente.

Segundo prevê o Tratado, a implantação do mercado comum ocorrerá em duas etapas: uma transitória, com duração limitada a
31 de dezembro de 1994 - e outra definitiva. Na fase de transição, como previsto no art. 3 do Tratado, os Estados Partes
adotarão, dentre outros, um Sistema de Solução de Controvérsias, e a administração e execução do Tratado estará a cargo de
dois órgãos específicos: o Conselho do Mercado Comum (CMC), integrado por Ministros de Estado, e o Grupo Mercado
Comum (GMC), formado por quatro membros de cada país, sob a coordenação dos Ministérios das Relações Exteriores e da
Economia e do Banco Central.

Segundo o cronograma existente, já a partir de 1º de janeiro de 1995 deverá estar em vigor um Sistema Permanente de
Solução de Controvérsias para o Mercado Comum e haverá, ainda antes do estabelecimento desse Mercado Comum - que se
dará, como visto, a 31 de dezembro de 1994 uma reunião extraordinária dos Estados Partes com o objetivo de determinar a
estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercado Comum, assim como as atribuições específicas de
cada um deles e seu sistema de tomada de decisões (art. 18 do Tratado).

Os órgãos administrativos transitórios já funcionam regularmente e o Sistema de Solução de Controvérsias, também conhecido
como Protocolo de Brasilia, foi firmado durante o primeiro encontro de Presidentes do MERCOSUL, em Brasília, no dia 17
de dezembro de 1991. A sua entrada em vigor só ocorrerá depois de ser ratificado por todos os Estados Partes e, segundo
consta, só o Brasil ratificou o protocolo até a presente data.

Dignas de nota são também as Decisões 03/92 e 05/92, do CMC, que aprovam, respectivamente, o procedimento de
Reclamações e Consultas sobre Práticas Desleais do Comércio, permitindo a qualquer empresa formular reclamações por
escrito quando se considere lesada ou ameaçada por importações realizadas por qualquer dos países do MERCOSUL que
sejam objeto de dumping ou de subsídios, e o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil,
Comercial, Trabalhista e Administrativa, que tem como um dos seus objetivos estabelecer um marco jurídico que permita aos
cidadãos e aos residentes acessar o Judiciário de seus países em igualdade de condições, estando este último ainda pendente
de ratificação.

No mais, como já visto, o Tratado prevê expressamente a harmonização das legislações dos Estados Partes, sem, no entanto,
definir como tal harmonização será alcançada. Existe, no entanto, um cronograma de medidas que deverão ser adotadas antes
de 31 de dezembro de 1994, aprovado pelo Conselho do Mercado Comum durante a sua IIª Reunião, realizada a 26 e 27 de
junho de 1992, em Las Leñas. Segundo esse cronograma, o Subgrupo de Trabalho nº 1, que se ocupa de assuntos comerciais,
deverá elaborar um regulamento relativo à defesa contra importações que sejam objeto de dumping ou de subsídios, uma
política de salvaguardas, uma legislação para os regimes aduaneiros especiais (draw back, admissão temporária, etc.),
definição de instrumentos financeiros e tributários de promoção e estímulo às exportações, uma proposta de nomenclatura
comum, a elaboração de normas administrativas comuns para importações e exportações, um programa de eliminação gradual
das restrições não tarifárias, a elaboração de um procedimento comum para as zonas francas e de processamento de
exportação, um acordo sobre o intercâmbio de informações estatísticas e um estudo e avaliação dos acordos bilaterais
firmados com terceiros países.

Há, ainda, a programação de elaboração de um projeto de harmonização das legislações tributárias e sobre a defesa da
concorrência e do consumidor, a cargo do Subgrupo de Trabalho nº 10, ao qual compete a coordenação das políticas
macroeconômicas, enquanto que o Subgrupo de Trabalho nº 11, das relações de trabalho e previdência social, deverá
formalizar uma carta de direitos fundamentais na área laboral e de seguro social. Finalmente, a institucionalização definitiva do
Tratado também está programada, na qual se inclui a instrumentação da participação do setor privado nas reuniões dos
Subgrupos de Trabalho do GMC.

No que tange a vários aspectos do direito comercial, como se vê, há uma omissão inexplicável. A representação comercial não
foi sequer cogitada e as sociedades mercantis só mereceram atenção indireta, por via da determinação de prazo para que o
Subgrupo de Trabalho nº 4, encarregado das políticas fiscal e monetária relacionadas com o comércio, elaborasse até
dezembro de 1993 um documento de unificação de critérios, flexibilização ou eliminação de restrições no regime de
investimentos nas Bolsas de Valores.

A mencionar ainda, por seu real significado, o Tratado para o Estabelecimento de um Estatuto das Empresas Binacionais
Brasileiro-argentinas, de 6 de julho de 1990, que, embora fora do âmbito do MERCOSUL, será, ao que tudo indica, o
modelo a ser adotado pelos demais Estados Partes.

O Estatuto das Empresas Binacionais já foi ratificado e seus instrumentos foram intercambiados a 26 de junho de 1992, com o
que está em pleno vigor.

Com o referido instrumento, pretende-se conferir às empresas binacionais no país de sua atuação, o mesmo tratamento
estabelecido ou que venha a se estabelecer para as empresas de capital nacional desse país, ainda que a maioria do capital
social pertença a investidores do outro país (artigo V). Não se cria um novo tipo societário, como lembra Paulo Roberto de
Almeida (Boletim de Integração Latino-americana, nº 5, p. 13), mas remete as binacionais aos direitos nacionais. O que se visa
é conferir-lhe o direito de igualdade de direitos e vantagens que são oferecidos às empresas puramente nacionais, no que se
vislumbra a aplicação do chamado princípio do tratamento nacional.

As empresas binacionais contam com vantagens e privilégio>
 

Transfer interrupted!

tal para sua constituição, para a remessa de lucros e deslocamento de pessoal, direitos esses que teoricamente serão
estendidos no futuro a todas as empresas situadas no Mercado Comum. Elas se submetem ao regime jurídico do país de sua
constituição, com a vantagem de que se presume sejam domiciliadas nos dois países. LUIZ OLAVO BAPTISTA explica:
"mantendo claramente a distinção entre empresas brasileiras e argentinas, para aquelas que reúnem determinados requisitos é
concedido um regime de igualdade em matéria de tributação, registro, acesso ao crédito interno, benefícios ou incentivos que
serão oportunamento objeto de regulamentação em cada um dos países; assim como o acesso às compras do Estado nos
termos estabelecidos em lei". (in Revista del Decreto Industrial, Buenos Aires, nº 38, p. 364).

Quanto ao texto em si, o tratado poderá encontrar dificuldades práticas enquanto estiver em vigor o disposto no art. 171, II, e
parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal brasileira, que concede vantagens para a empresa brasileira de capital nacional. A
norma constitucional, embora recente, é anacrônica e merece ser eliminada na revisão constitucional de 1993.

O documento só diz respeito às empresas novas que se constituirem dentro das regras do tratado e estabelece várias
condições para o seu reconhecimento como binacionais: o artigo I, 2, c, exige que o conjunto dos investidores nacionais de
cada um dos dois países tenha direito de eleger, no mínimo, um membro em cada um dos órgãos de administração e um
membro do órgão de fiscalização interna da empresa. Pela Lei das Sociedades por Ações brasileira os acionistas, em regra, só
elegem seus representantes no Conselho de Administração e não na Diretoria. Como os 30% exigidos como mínimo para
investidores do outro país só dizem respeito ao capital social, é de se admitir que surja a hipótese em que os investidores sejam
detentores de ações sem direito a voto, com o que ainda não conseguiriam eleger seu representante no Conselho de
Administração, ou ainda, eleger seu representante no Conselho Fiscal, sujeito a regras próprias para sua composição. Só o
acordo de acionistas pode solver o problema.

Por fim, o artigo III, 1, pretende alterar a Lei das Sociedades por Ações ao determinar sejam agregadas à denominação da
sociedade as palavras Empresa Binacional Brasileiro-Argentina, ou as iniciais E.B.B.A. ou E.B.A.B., enquanto que o artigo IX,
3, permite que a autoridade de aplicação, quando comprovadas infrações a este estatuto ou à legislação do respectivo país,
cometidas por ua empresa binacional, poderá tornar sem efeito a qualificação de binacional de tal empresa. A norma é
excessivamente rigorosa, por vaga e genérica, permitindo a prática de abusos e de arbitrariedades.

3 - PERSPECTIVAS DE UNIFICAÇÃO JURÍDICA

Antes de abordarmos o tema referente à forma e ao conteúdo da uniformização jurídica, cabe a indagação se tal unificação do
direito privado, e mais especificamente do direito comercial, é desejável. Para responder a essa pergunta é recomendável se
faça uma análise da evolução jurídica da Comunidade Econômica Européia (CEE) ao longo de seus mais de trinta anos de
existência.

Todos sabem, e os juristas europeus em especial, que um mercado comum exige um mínimo de direito comum a fim de
assegurar as liberdades de circulação de bens, de pessoas e de constituição de sociedades e empresas no âmbito geográfico da
comunidade. A CEE, a par de ter uma constituição única, é dotada de poder legiferante para atuar no plano infraconstitucional,
qual seja, a do chamado direito comunitário secundário. PETER ULMER, professor da Faculdade de Direito da Universidade
de Heidelberg, RFA, aponta para a riqueza da produção legislativa da CEE, informando que o órgão de publicação dos atos
oficiais da comunidade, de 1981 até 1990, tem 125.000 páginas, contra apenas 23.676 da Alemanha (JuristenZeitung - JZ,
10.01.92, p. 1).

Trata-se de verdadeiro direito supranacional, que se estende desde o destabelecimento de uma tarifa externa comum até a
eliminação de barreiras alfandegárias internas, como o conhecido caso da lei de pureza da cerveja alemã.

São normas de direito público:

Em seu trabalho sobre a conveniência de uniformizar-se o direito privado na Europa, ULMER lembra que o direito público
sempre predominou a nível de direito europeu, pois se esperava que a integração econômica acontecesse com a mera queda
das barreiras alfandegárias, o que se confirmou em grande parte, tendo em vista o notável incremento do comércio exterior
verificado. A existência de um direito privado interno não atrapalhou esse incremento, principalmente porque, nos países
envolvidos, vigia a economia de mercado, o princípio da livre iniciativa e o da livre concorrênica. Caso inverso se verifica hoje
na ex-Alemanha Oriental, sugendo o jurista alemão, onde existe uma legislação única em relação à ex-Alemanha Ocidental,
mas cuja economia não reage adequadamente até agora em face de sua economia estatal e planejada, anterior à reunificação.

Na CEE existem dois processos legislativos: o primeiro, de formação de um direito supranacional, chamado direito europeu,
introduzido por via de decretos, e o segundo, indireto, por via das chamadas diretrizes, endereçadas aos Estados membros que
têm prazo para introduzir as inovações ou alterações em seus ordenamentos jurídicos internos. A diretriz é vinculativa, mas
deixa a cada Estado membro decidir acerca da forma de implantá-la (art. 189 do Tratado da CEE).

Dentre as modernas normas de direitos europeu podemos citar o decreto que criou a Assocciação Européia de Interesses
Econômicos (ou Agrupamento Europeu de Interesses Econômicos, como é conhecida em Portugal), que é uma novíssima
forma societária, assemelhada às cooperativas e concebida como instrumento de apoio para as atividades autônomas de seus
sócios, que podem ser empresas ou profissionais liberais. Como visto, não há necessidade de incorporar-se as regras da AEIE
ao direito interno dos países. A AEIE não é sociedade alemã, francesa ou italiana, é sociedade européia. As suas regras,
segundo ULMER, são rudimentares, pois ainda remete os interessados para o direito interno do país da sede da nova
sociedade no que tange à sua constituição e seu registro.

Digno de nota é o projeto de uma lei européia para as sociedades anônimas, já em sua segunda versão e cuja origem se
encontra nos anos 60. Hoje, a Alemanha e a Holanda bloqueiam a chamada Societas Europaea (SE) porque receiam a
adaptação de suas sociedades reguladas pelo direito interno ao modelo europeu para fugir às normas da co-gestão dos
empregados na administração das empresas, regime jurídico existente nesses dois países, o que criaria problemas sociais e
trabalhistas de porte.

Já no âmbito das chamadas diretrizes (Richtlinien), MARCUS LUTTER registra que o Tratado da CEE autoriza, em seu art.
54, 3, g, a edição de diretrizes para a harmonização do direito societário. Trata-se de harmonização das leis internas e não de
loi uniforme nem de direito societário internacional.

Dentre as diretrizes, já editadas ou ainda em forma de projeto, mencionam-se as que regulam a publicidade dos atos sociais, o
capital social (capital mínimo, prazo de integralização, integralização em bens, aumento e redução do capital), o conteúdo
mínimo do estatuto social, o número de membros da diretoria, a igualdade de tratamento dos sócios, as fusões e cisões, as
demonstrações financeiras, o estabelecimento de filiais, as sociedades de sócio único, a oferta de aquisição do controle, a
liquidação, o problema do insider, a bolsa de valores e as sociedades de investimento, etc. (LUTTER, Europaeisches
Unternehmensrecht, 3ª edição, P. 33 e seguintes).

Mencione-se, ainda, a diretriz para a coordenação do regime jurídico do representante comercial autônomo, de 18 de
dezembro de 1986, regulando as obrigações de representante e representado, a comissão (montante, vencimento,
descabimento), a rescisão, a indenização, o aviso prévio, a concorrência, etc.

O objetivo dessas diretrizes é o de fomentar a economia e os negócios, facilitando as operações pelo conhecimento prévio das
suas implicações e desdobramentos jurídicos. Fomenta-se o estabelecimento de empresas e sua mudança de domicílio sem
necessidade de extinção e nova constituição, as fusões internacionais (diretas ou indiretas), dá-se transparência às
demonstrações financeiras em deferência aos credores da sociedade, ao mercado financeiro e ao mercado de capitais.

A par das citadas, existem diretrizes relativas ao consumor e à responsabilidade pelo produto, aguardando-se novas
disposições acerca das Condições Gerais de Negócios e nas áreas do direito do trabalho e previdenciário e da propriedade
industrial.

No contexto geral, considerado o direito privado como um todo, esse elenco legislativo representa pouco, segundo ULMER
(op. cit.), nada havendo de significativo nas áreas do direito das coisas e das obrigações, na parte geral do Código Civil alemão
(BGB) ou no Código Comercial (HGB). O jurista, ante o difícil consenso dos doze países membros, pouco espera nessas
áreas.

Mas, inclusive em relação às medidas isoladas, existem claras desvantagens, apontadas por ULMER como segue: 1)
dificuldades de definição e de clara contrastação das matérias específicas das que remanescem em vigor internamente; 2)
dificuldades na interpretação da norma em última instância pelo Tribunal de Justiça Europeu ante as regras de interpretação
próprias de cada país membro; e 3) dificuldades quanto às lacunas do direito unificado, que não podem legalmente ser
preenchidas pelo direito interno.

Assim, só seria recomendável a adoção de uma harmonização gradual quando (1) houvesse clara definição das matérias a
serem reguladas, e (2) a matéria fosse de significado fundamental, como, por exemplo, o direito societário, a livre concorrência
e a propriedade industrial. No mais, segundo ULMER (op. cit., p. 6), a adoção de um moderno direito internacional privado,
que é o ramo do direito que indica a lei nacional aplicável aos litígios nas relações privadas de pessoas de países distintos, é o
instrumento adequado para aharmonização necessária. Na Europa, por sinal, o direito internacional privado já está
harmonizado em suas partes essenciais.

A legislação comercial anda na frente dos outros ramos do direito privado, como no-lo demonstram o Código Comercial
brasileiro e o alemão, anteriores aos Códigos Civis desses países (1900 e 1916). E isso se deve primordialmente ao fato de
que a vida econômica é dinâmica, por assentada justamente no primado da economia de mercado.

Dentro dos espaços econômicos dos mercados comuns, a atividade mercantil representará, sem dúvida, a vanguarda do
processo. A aproximação e a integração começa exatamente com a representação comercial. Luiz Carlos Tomazeli, Secretário
para Assuntos Internacionais do Estado do Rio Grande do Sul afirmou, com razão, que o caminho da aproximação entre as
empresas do MERCOSUL é o da representação comercial, e, depois, sentindo melhor o mercado, as empresas começam a
arriscar algum investimento, com o que surgem as empresas binacionais e as associações.

É indubitável que o processo de integração se fará pela força do mercado e, nesse contexto, assumem posições relevantes os
contratos de representação comercial e de direito societário.

A esta altura, parece-nos claro, dentro da concepção da harmonização jurídica fragmentária, preconizada por ULMER, que
esses institutos jurídicos exigem tratamento mais adequado dos órgãos responsáveis pelos destinos do MERCOSUL nessa fase
transitória.

4 - CONCLUSÕES E PROPOSTAS

Segundo GERT REINHART, diretor acadêmico e professor do Instituto de Direito Internacional da Universidade de
Heidelberg, o direito pode ser unificado de duas formas: através do direito internacional privado ou através da unificação do
direito material (in UN-Kaufrecht, p. 1).

Na segunda hipótese, de unificação do direito material, restam as alternativas de se adotar um direito supranacional ou de
harmonizar os ordenamentos jurídicos internos de cada EStado Parte.

No caso específico do MERCOSUL, o Tratado de Assunção indica claramente que os Estados Partes assumiram o
compromisso de harmonizar as suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração
(art. 1), com o que se preservam os ordenamentos jurídicos internos e se afasta a possibilidade de edição de direito
supranacional.

Harmonizar é promover mudanças nos ordenamentos internos para criar uma similitude e facilitar o atingimento do objetivo
principal.

Em conseqüência, de acordo com a concepção da harmonização jurídica fragmentária, entendemos relevante sugerir a adoção
imediata de medidas para a unificação do regime legal dos contratos de representação comercial e de partes essenciais do
direito societário.

Por outro lado, não podemos olvidar o papel da ciência jurídica e da doutrina na conscientização da classe política acerca da
necessidade de harmonização de pontos específicos de nossas legislações internas. Devemos também promover um diálogo
intenso entre os juristas dos Estados membros. Se a doutrina deseja manter sua influência na formulação legal, a sua presença
deve ser marcante. PETER ULMER recomenda mesmo que a doutrina deveria elaborar fundamentos jurídicos comuns,
obtidos por consenso, acerca de temas importantes e atuais, como os relativos a contratos bancários, seguros, leasing, locação,
etc., a fim de que esses fundamentos possam ser implantados nos ordenamentos internos independentemente da administração
central do Mercado Comum. Há muito a fazer.

A nível universitário, há que se dar maior importância ao direito internacional privado e ao direito comparado. Nós não
podemos mais nos ignorar mutuamente. O presente congresso é um belo exemplo dessa cooperação e desse despertar.

Ante o exposto, fazemos as seguintes proposições:

A) que se sugira à Reunião de Ministros de Justiça, criada pela Dec. nº 08/1991 do CMC, e aos respectivos grupos de
trabalho que se dê prioridade à harmonização das legislações internas quanto ao regime jurídico da representação comercial e
de partes essenciais do regime jurídico das sociedades mercantis;

B) que se sugira à Comissão de Valores Mobiliários do Brasil, CVM, que considere as legislações dos demais Estados Partes
do MERCOSUL na reforma da atual Lei das Sociedades por Ações, promovida por aquela entidade;

C) que se faça idênticas sugestões à Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL;

D) que se sugira aos parlamentares brasileiros, integrantes da Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL que envidem
esforços para eliminar, durante a revisão constitucional brasileira de 1993, a restrição às empresas brasileiras de capital
estrangeiro, contida no art. 171, II e parágrafos 1º e 2º, da Constituição da República Federativa do Brasil;

E) que se sugira à administração superior das Universidades envolvidas que dêem tratamento adequado ao ensino do direito
internacional público e privado e que se incremente o intercâmbio de informações de cunho jurídico com universidades de
outros Estados Partes;

F) que se busque, nas Segundas Jornadas Internacionais sobre o Direito da Integração, soluções para a harmonização do
direito internacional privado interno dos Estados Partes.
UNIFICAÇÃO DO DIREITO COMERCIAL NO MERCOSUL *

Haroldo Pabst **
 

1 - INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi concebido como forma de contribuição para a busca de caminhos que levem à uma conformação
jurídica desburocratizada e pragmática do MERCOSUL, pois acreditamos que essa nova entidade necessita de uma estrutura
legal adequada aos seus objetivos mercantis. A lei não deve ser capaz de transformar regras básicas do direito comercial, qual
seja a de viabilizar o comércio garantindo um mínimo de segurança nas relações jurídicas e sem atrapalhar o incremento e a
realização de negócios, que são um dos principais objetivos do Tratado de Assunção.

Encontrar esse ponto de equilíbrio é, sem dúvida, uma tarefa difícil e complexa, principalmente porque temos pouca expriência
em matéria de direito internacional privado e de direito comparado. Se temos dado pouca atenção a esses ramos do direito, tal
fato deve-se, não apenas à nossa omissão e falta de visão da realidade sul-americana, mas também às distâncias geográficas, à
diversidade cultural de nossos povos e, last but not least, ao nosso crônico atraso econômico.

O ponto de equilíbrio será atingido quando a estrutura legal do MERCOSUL proporcionar a seus atores a segurança jurídica
necessária para realização dos negócios e para a consecução dos objetivos finais do Tratado e, simultaneamente,
conceder-lhes a liberdade de ação necessária para um frutífero desenvolvimento da atividade mercantil, sem óbices
burocráticos desnecessários ou restrições legais limitadoras.

Assim, entende-se que o MERCOSUL não pode e nem deve ser um problema para os cidadões e para as empresas, mas uma
oportunidade de crescer cultural, social e economicamente. Fornecer-lhe esse ponto de equilíbrio jurídico é tarefa dos juristas.
Partindo, pois, deste ponto de vista, decidimos apresentar nosso trabalho em três partes: a primeira pretende refletir o atual
estágio da estrutura jurídica do MERCOSUL, principalmente no que concerne ao direito privado; a segunda parte oferece uma
perspectiva da evolução da sua conformação jurídica no futuro; e a terceira quer oferecer conclusões e propostas para o
aperfeiçoamento do processo.

2 - ESTADO ATUAL DA ESTRUTURA JURÍDICA

Segundo o artigo 1 do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, o chamado Mercado Comum do Sul, ou
MERCOSULl, implica não só na livre circulação de bens, serviços e de fatores produtivos entre os quatro países, e nem
apenas na coordenação de políticas macro-econômicas ou no estabelecimento de uma tarifa externa comum, mas também no
compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do
processo de integração.

Há, portanto, a nível de tratado, uma obrigação assumida pelos Estados Partes de harmonizar as suas legislações internas, o
que, de princípio, exclui a hipótese de formulação de um novo direito supranacional, como ocorre hoje com o novo direito
europeu.

A própria existência do MERCOSUL e de seu futuro tem sido posta em dúvida, não sem alguma dose de razão, por setores
menos entusiasmados com a idéia, cujos adeptos, tal qual os eurocéticos também proliferam por aqui. Tal fato deve-se,
pensamos, à desinformação generalizada acerca do assunto, fenômeno que ocorre na Europa em relação à Comunidade
Econômica Européia, desinformação que suscita vôos de imaginação dissociados da realidade dos fatos e das circunstâncias
políticas e econômicas do Cone Sul, fazendo com que alguns confundam MERCOSUL com turismo e oportunidade de
promover seminários e congressos, e com que outros imaginem um futuro político comum entre os quatro países. Há ainda os
que duvidam da capacidade dos países envolvidos de superar suas tradicionais deficiências administrativas e econômicas para
viabilizar o projeto.

No entanto, o fato inarredável é que o nosso mercado comum é oportuno e irreversível. A oportunidade decorre de
circunstância temporal. Vivemos em plena fase de formação de grandes e potentes blocos comerciais, o que gera a
necessidade da formação de um forte bloco sul-americano com um forte poder de barganha. O momento é de formação de
grandes espaços econômicos e de globalização do cenário econômico internacional, oportunidade própria, importante e crucial
para que o Cone Sul consiga alcançar uma proveitosa inserção econômica internacional.

Estão, pois, presentes as características da oportunidade e da irreversibilidade, não só face ao avançado estágio das
negociações entre os Estados Partes, mas, principalmente, pela necessidade de se evitar a marginalização de nossos países no
futuro mapa econômico do mundo.

A discussão, hoje, na verdade, limita-se aos aspectos instrumentais e conjunturais, como, por exemplo, se o Brasil pode reduzir
sua tarifa externa para compatbilizá-la com a dos outros países, que utilizam tarifas mais baixas.

Mas, mesmo que a razão fique ao lado dos céticos e o Mercado Comum se inviabilize, restará, inevitavelmente um intercâmbio
comercial muito mais rico do que antes do início do processo, como resultado das novas relações despertadas pela só
deflagração do sistema. Essa nova postura econômica e cultural por si só já bastaria para instigar o jurista a procurar e oferecer
novas soluções jurídicas necessárias para a instrumentalização legal da nova realidade emergente.

Segundo prevê o Tratado, a implantação do mercado comum ocorrerá em duas etapas: uma transitória, com duração limitada a
31 de dezembro de 1994 - e outra definitiva. Na fase de transição, como previsto no art. 3 do Tratado, os Estados Partes
adotarão, dentre outros, um Sistema de Solução de Controvérsias, e a administração e execução do Tratado estará a cargo de
dois órgãos específicos: o Conselho do Mercado Comum (CMC), integrado por Ministros de Estado, e o Grupo Mercado
Comum (GMC), formado por quatro membros de cada país, sob a coordenação dos Ministérios das Relações Exteriores e da
Economia e do Banco Central.

Segundo o cronograma existente, já a partir de 1º de janeiro de 1995 deverá estar em vigor um Sistema Permanente de
Solução de Controvérsias para o Mercado Comum e haverá, ainda antes do estabelecimento desse Mercado Comum - que se
dará, como visto, a 31 de dezembro de 1994 uma reunião extraordinária dos Estados Partes com o objetivo de determinar a
estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercado Comum, assim como as atribuições específicas de
cada um deles e seu sistema de tomada de decisões (art. 18 do Tratado).

Os órgãos administrativos transitórios já funcionam regularmente e o Sistema de Solução de Controvérsias, também conhecido
como Protocolo de Brasilia, foi firmado durante o primeiro encontro de Presidentes do MERCOSUL, em Brasília, no dia 17
de dezembro de 1991. A sua entrada em vigor só ocorrerá depois de ser ratificado por todos os Estados Partes e, segundo
consta, só o Brasil ratificou o protocolo até a presente data.

Dignas de nota são também as Decisões 03/92 e 05/92, do CMC, que aprovam, respectivamente, o procedimento de
Reclamações e Consultas sobre Práticas Desleais do Comércio, permitindo a qualquer empresa formular reclamações por
escrito quando se considere lesada ou ameaçada por importações realizadas por qualquer dos países do MERCOSUL que
sejam objeto de dumping ou de subsídios, e o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil,
Comercial, Trabalhista e Administrativa, que tem como um dos seus objetivos estabelecer um marco jurídico que permita aos
cidadãos e aos residentes acessar o Judiciário de seus países em igualdade de condições, estando este último ainda pendente
de ratificação.

No mais, como já visto, o Tratado prevê expressamente a harmonização das legislações dos Estados Partes, sem, no entanto,
definir como tal harmonização será alcançada. Existe, no entanto, um cronograma de medidas que deverão ser adotadas antes
de 31 de dezembro de 1994, aprovado pelo Conselho do Mercado Comum durante a sua IIª Reunião, realizada a 26 e 27 de
junho de 1992, em Las Leñas. Segundo esse cronograma, o Subgrupo de Trabalho nº 1, que se ocupa de assuntos comerciais,
deverá elaborar um regulamento relativo à defesa contra importações que sejam objeto de dumping ou de subsídios, uma
política de salvaguardas, uma legislação para os regimes aduaneiros especiais (draw back, admissão temporária, etc.),
definição de instrumentos financeiros e tributários de promoção e estímulo às exportações, uma proposta de nomenclatura
comum, a elaboração de normas administrativas comuns para importações e exportações, um programa de eliminação gradual
das restrições não tarifárias, a elaboração de um procedimento comum para as zonas francas e de processamento de
exportação, um acordo sobre o intercâmbio de informações estatísticas e um estudo e avaliação dos acordos bilaterais
firmados com terceiros países.

Há, ainda, a programação de elaboração de um projeto de harmonização das legislações tributárias e sobre a defesa da
concorrência e do consumidor, a cargo do Subgrupo de Trabalho nº 10, ao qual compete a coordenação das políticas
macroeconômicas, enquanto que o Subgrupo de Trabalho nº 11, das relações de trabalho e previdência social, deverá
formalizar uma carta de direitos fundamentais na área laboral e de seguro social. Finalmente, a institucionalização definitiva do
Tratado também está programada, na qual se inclui a instrumentação da participação do setor privado nas reuniões dos
Subgrupos de Trabalho do GMC.

No que tange a vários aspectos do direito comercial, como se vê, há uma omissão inexplicável. A representação comercial não
foi sequer cogitada e as sociedades mercantis só mereceram atenção indireta, por via da determinação de prazo para que o
Subgrupo de Trabalho nº 4, encarregado das políticas fiscal e monetária relacionadas com o comércio, elaborasse até
dezembro de 1993 um documento de unificação de critérios, flexibilização ou eliminação de restrições no regime de
investimentos nas Bolsas de Valores.

A mencionar ainda, por seu real significado, o Tratado para o Estabelecimento de um Estatuto das Empresas Binacionais
Brasileiro-argentinas, de 6 de julho de 1990, que, embora fora do âmbito do MERCOSUL, será, ao que tudo indica, o
modelo a ser adotado pelos demais Estados Partes.

O Estatuto das Empresas Binacionais já foi ratificado e seus instrumentos foram intercambiados a 26 de junho de 1992, com o
que está em pleno vigor.

Com o referido instrumento, pretende-se conferir às empresas binacionais no país de sua atuação, o mesmo tratamento
estabelecido ou que venha a se estabelecer para as empresas de capital nacional desse país, ainda que a maioria do capital
social pertença a investidores do outro país (artigo V). Não se cria um novo tipo societário, como lembra Paulo Roberto de
Almeida (Boletim de Integração Latino-americana, nº 5, p. 13), mas remete as binacionais aos direitos nacionais. O que se visa
é conferir-lhe o direito de igualdade de direitos e vantagens que são oferecidos às empresas puramente nacionais, no que se
vislumbra a aplicação do chamado princípio do tratamento nacional.

As empresas binacionais contam com vantagens e privilégio>
 

Transfer interrupted!

tal para sua constituição, para a remessa de lucros e deslocamento de pessoal, direitos esses que teoricamente serão
estendidos no futuro a todas as empresas situadas no Mercado Comum. Elas se submetem ao regime jurídico do país de sua
constituição, com a vantagem de que se presume sejam domiciliadas nos dois países. LUIZ OLAVO BAPTISTA explica:
"mantendo claramente a distinção entre empresas brasileiras e argentinas, para aquelas que reúnem determinados requisitos é
concedido um regime de igualdade em matéria de tributação, registro, acesso ao crédito interno, benefícios ou incentivos que
serão oportunamento objeto de regulamentação em cada um dos países; assim como o acesso às compras do Estado nos
termos estabelecidos em lei". (in Revista del Decreto Industrial, Buenos Aires, nº 38, p. 364).

Quanto ao texto em si, o tratado poderá encontrar dificuldades práticas enquanto estiver em vigor o disposto no art. 171, II, e
parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal brasileira, que concede vantagens para a empresa brasileira de capital nacional. A
norma constitucional, embora recente, é anacrônica e merece ser eliminada na revisão constitucional de 1993.

O documento só diz respeito às empresas novas que se constituirem dentro das regras do tratado e estabelece várias
condições para o seu reconhecimento como binacionais: o artigo I, 2, c, exige que o conjunto dos investidores nacionais de
cada um dos dois países tenha direito de eleger, no mínimo, um membro em cada um dos órgãos de administração e um
membro do órgão de fiscalização interna da empresa. Pela Lei das Sociedades por Ações brasileira os acionistas, em regra, só
elegem seus representantes no Conselho de Administração e não na Diretoria. Como os 30% exigidos como mínimo para
investidores do outro país só dizem respeito ao capital social, é de se admitir que surja a hipótese em que os investidores sejam
detentores de ações sem direito a voto, com o que ainda não conseguiriam eleger seu representante no Conselho de
Administração, ou ainda, eleger seu representante no Conselho Fiscal, sujeito a regras próprias para sua composição. Só o
acordo de acionistas pode solver o problema.

Por fim, o artigo III, 1, pretende alterar a Lei das Sociedades por Ações ao determinar sejam agregadas à denominação da
sociedade as palavras Empresa Binacional Brasileiro-Argentina, ou as iniciais E.B.B.A. ou E.B.A.B., enquanto que o artigo IX,
3, permite que a autoridade de aplicação, quando comprovadas infrações a este estatuto ou à legislação do respectivo país,
cometidas por ua empresa binacional, poderá tornar sem efeito a qualificação de binacional de tal empresa. A norma é
excessivamente rigorosa, por vaga e genérica, permitindo a prática de abusos e de arbitrariedades.

3 - PERSPECTIVAS DE UNIFICAÇÃO JURÍDICA

Antes de abordarmos o tema referente à forma e ao conteúdo da uniformização jurídica, cabe a indagação se tal unificação do
direito privado, e mais especificamente do direito comercial, é desejável. Para responder a essa pergunta é recomendável se
faça uma análise da evolução jurídica da Comunidade Econômica Européia (CEE) ao longo de seus mais de trinta anos de
existência.

Todos sabem, e os juristas europeus em especial, que um mercado comum exige um mínimo de direito comum a fim de
assegurar as liberdades de circulação de bens, de pessoas e de constituição de sociedades e empresas no âmbito geográfico da
comunidade. A CEE, a par de ter uma constituição única, é dotada de poder legiferante para atuar no plano infraconstitucional,
qual seja, a do chamado direito comunitário secundário. PETER ULMER, professor da Faculdade de Direito da Universidade
de Heidelberg, RFA, aponta para a riqueza da produção legislativa da CEE, informando que o órgão de publicação dos atos
oficiais da comunidade, de 1981 até 1990, tem 125.000 páginas, contra apenas 23.676 da Alemanha (JuristenZeitung - JZ,
10.01.92, p. 1).

Trata-se de verdadeiro direito supranacional, que se estende desde o destabelecimento de uma tarifa externa comum até a
eliminação de barreiras alfandegárias internas, como o conhecido caso da lei de pureza da cerveja alemã.

São normas de direito público:

Em seu trabalho sobre a conveniência de uniformizar-se o direito privado na Europa, ULMER lembra que o direito público
sempre predominou a nível de direito europeu, pois se esperava que a integração econômica acontecesse com a mera queda
das barreiras alfandegárias, o que se confirmou em grande parte, tendo em vista o notável incremento do comércio exterior
verificado. A existência de um direito privado interno não atrapalhou esse incremento, principalmente porque, nos países
envolvidos, vigia a economia de mercado, o princípio da livre iniciativa e o da livre concorrênica. Caso inverso se verifica hoje
na ex-Alemanha Oriental, sugendo o jurista alemão, onde existe uma legislação única em relação à ex-Alemanha Ocidental,
mas cuja economia não reage adequadamente até agora em face de sua economia estatal e planejada, anterior à reunificação.

Na CEE existem dois processos legislativos: o primeiro, de formação de um direito supranacional, chamado direito europeu,
introduzido por via de decretos, e o segundo, indireto, por via das chamadas diretrizes, endereçadas aos Estados membros que
têm prazo para introduzir as inovações ou alterações em seus ordenamentos jurídicos internos. A diretriz é vinculativa, mas
deixa a cada Estado membro decidir acerca da forma de implantá-la (art. 189 do Tratado da CEE).

Dentre as modernas normas de direitos europeu podemos citar o decreto que criou a Assocciação Européia de Interesses
Econômicos (ou Agrupamento Europeu de Interesses Econômicos, como é conhecida em Portugal), que é uma novíssima
forma societária, assemelhada às cooperativas e concebida como instrumento de apoio para as atividades autônomas de seus
sócios, que podem ser empresas ou profissionais liberais. Como visto, não há necessidade de incorporar-se as regras da AEIE
ao direito interno dos países. A AEIE não é sociedade alemã, francesa ou italiana, é sociedade européia. As suas regras,
segundo ULMER, são rudimentares, pois ainda remete os interessados para o direito interno do país da sede da nova
sociedade no que tange à sua constituição e seu registro.

Digno de nota é o projeto de uma lei européia para as sociedades anônimas, já em sua segunda versão e cuja origem se
encontra nos anos 60. Hoje, a Alemanha e a Holanda bloqueiam a chamada Societas Europaea (SE) porque receiam a
adaptação de suas sociedades reguladas pelo direito interno ao modelo europeu para fugir às normas da co-gestão dos
empregados na administração das empresas, regime jurídico existente nesses dois países, o que criaria problemas sociais e
trabalhistas de porte.

Já no âmbito das chamadas diretrizes (Richtlinien), MARCUS LUTTER registra que o Tratado da CEE autoriza, em seu art.
54, 3, g, a edição de diretrizes para a harmonização do direito societário. Trata-se de harmonização das leis internas e não de
loi uniforme nem de direito societário internacional.

Dentre as diretrizes, já editadas ou ainda em forma de projeto, mencionam-se as que regulam a publicidade dos atos sociais, o
capital social (capital mínimo, prazo de integralização, integralização em bens, aumento e redução do capital), o conteúdo
mínimo do estatuto social, o número de membros da diretoria, a igualdade de tratamento dos sócios, as fusões e cisões, as
demonstrações financeiras, o estabelecimento de filiais, as sociedades de sócio único, a oferta de aquisição do controle, a
liquidação, o problema do insider, a bolsa de valores e as sociedades de investimento, etc. (LUTTER, Europaeisches
Unternehmensrecht, 3ª edição, P. 33 e seguintes).

Mencione-se, ainda, a diretriz para a coordenação do regime jurídico do representante comercial autônomo, de 18 de
dezembro de 1986, regulando as obrigações de representante e representado, a comissão (montante, vencimento,
descabimento), a rescisão, a indenização, o aviso prévio, a concorrência, etc.

O objetivo dessas diretrizes é o de fomentar a economia e os negócios, facilitando as operações pelo conhecimento prévio das
suas implicações e desdobramentos jurídicos. Fomenta-se o estabelecimento de empresas e sua mudança de domicílio sem
necessidade de extinção e nova constituição, as fusões internacionais (diretas ou indiretas), dá-se transparência às
demonstrações financeiras em deferência aos credores da sociedade, ao mercado financeiro e ao mercado de capitais.

A par das citadas, existem diretrizes relativas ao consumor e à responsabilidade pelo produto, aguardando-se novas
disposições acerca das Condições Gerais de Negócios e nas áreas do direito do trabalho e previdenciário e da propriedade
industrial.

No contexto geral, considerado o direito privado como um todo, esse elenco legislativo representa pouco, segundo ULMER
(op. cit.), nada havendo de significativo nas áreas do direito das coisas e das obrigações, na parte geral do Código Civil alemão
(BGB) ou no Código Comercial (HGB). O jurista, ante o difícil consenso dos doze países membros, pouco espera nessas
áreas.

Mas, inclusive em relação às medidas isoladas, existem claras desvantagens, apontadas por ULMER como segue: 1)
dificuldades de definição e de clara contrastação das matérias específicas das que remanescem em vigor internamente; 2)
dificuldades na interpretação da norma em última instância pelo Tribunal de Justiça Europeu ante as regras de interpretação
próprias de cada país membro; e 3) dificuldades quanto às lacunas do direito unificado, que não podem legalmente ser
preenchidas pelo direito interno.

Assim, só seria recomendável a adoção de uma harmonização gradual quando (1) houvesse clara definição das matérias a
serem reguladas, e (2) a matéria fosse de significado fundamental, como, por exemplo, o direito societário, a livre concorrência
e a propriedade industrial. No mais, segundo ULMER (op. cit., p. 6), a adoção de um moderno direito internacional privado,
que é o ramo do direito que indica a lei nacional aplicável aos litígios nas relações privadas de pessoas de países distintos, é o
instrumento adequado para aharmonização necessária. Na Europa, por sinal, o direito internacional privado já está
harmonizado em suas partes essenciais.

A legislação comercial anda na frente dos outros ramos do direito privado, como no-lo demonstram o Código Comercial
brasileiro e o alemão, anteriores aos Códigos Civis desses países (1900 e 1916). E isso se deve primordialmente ao fato de
que a vida econômica é dinâmica, por assentada justamente no primado da economia de mercado.

Dentro dos espaços econômicos dos mercados comuns, a atividade mercantil representará, sem dúvida, a vanguarda do
processo. A aproximação e a integração começa exatamente com a representação comercial. Luiz Carlos Tomazeli, Secretário
para Assuntos Internacionais do Estado do Rio Grande do Sul afirmou, com razão, que o caminho da aproximação entre as
empresas do MERCOSUL é o da representação comercial, e, depois, sentindo melhor o mercado, as empresas começam a
arriscar algum investimento, com o que surgem as empresas binacionais e as associações.

É indubitável que o processo de integração se fará pela força do mercado e, nesse contexto, assumem posições relevantes os
contratos de representação comercial e de direito societário.

A esta altura, parece-nos claro, dentro da concepção da harmonização jurídica fragmentária, preconizada por ULMER, que
esses institutos jurídicos exigem tratamento mais adequado dos órgãos responsáveis pelos destinos do MERCOSUL nessa fase
transitória.

4 - CONCLUSÕES E PROPOSTAS

Segundo GERT REINHART, diretor acadêmico e professor do Instituto de Direito Internacional da Universidade de
Heidelberg, o direito pode ser unificado de duas formas: através do direito internacional privado ou através da unificação do
direito material (in UN-Kaufrecht, p. 1).

Na segunda hipótese, de unificação do direito material, restam as alternativas de se adotar um direito supranacional ou de
harmonizar os ordenamentos jurídicos internos de cada EStado Parte.

No caso específico do MERCOSUL, o Tratado de Assunção indica claramente que os Estados Partes assumiram o
compromisso de harmonizar as suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração
(art. 1), com o que se preservam os ordenamentos jurídicos internos e se afasta a possibilidade de edição de direito
supranacional.

Harmonizar é promover mudanças nos ordenamentos internos para criar uma similitude e facilitar o atingimento do objetivo
principal.

Em conseqüência, de acordo com a concepção da harmonização jurídica fragmentária, entendemos relevante sugerir a adoção
imediata de medidas para a unificação do regime legal dos contratos de representação comercial e de partes essenciais do
direito societário.

Por outro lado, não podemos olvidar o papel da ciência jurídica e da doutrina na conscientização da classe política acerca da
necessidade de harmonização de pontos específicos de nossas legislações internas. Devemos também promover um diálogo
intenso entre os juristas dos Estados membros. Se a doutrina deseja manter sua influência na formulação legal, a sua presença
deve ser marcante. PETER ULMER recomenda mesmo que a doutrina deveria elaborar fundamentos jurídicos comuns,
obtidos por consenso, acerca de temas importantes e atuais, como os relativos a contratos bancários, seguros, leasing, locação,
etc., a fim de que esses fundamentos possam ser implantados nos ordenamentos internos independentemente da administração
central do Mercado Comum. Há muito a fazer.

A nível universitário, há que se dar maior importância ao direito internacional privado e ao direito comparado. Nós não
podemos mais nos ignorar mutuamente. O presente congresso é um belo exemplo dessa cooperação e desse despertar.

Ante o exposto, fazemos as seguintes proposições:

A) que se sugira à Reunião de Ministros de Justiça, criada pela Dec. nº 08/1991 do CMC, e aos respectivos grupos de
trabalho que se dê prioridade à harmonização das legislações internas quanto ao regime jurídico da representação comercial e
de partes essenciais do regime jurídico das sociedades mercantis;

B) que se sugira à Comissão de Valores Mobiliários do Brasil, CVM, que considere as legislações dos demais Estados Partes
do MERCOSUL na reforma da atual Lei das Sociedades por Ações, promovida por aquela entidade;

C) que se faça idênticas sugestões à Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL;

D) que se sugira aos parlamentares brasileiros, integrantes da Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL que envidem
esforços para eliminar, durante a revisão constitucional brasileira de 1993, a restrição às empresas brasileiras de capital
estrangeiro, contida no art. 171, II e parágrafos 1º e 2º, da Constituição da República Federativa do Brasil;

E) que se sugira à administração superior das Universidades envolvidas que dêem tratamento adequado ao ensino do direito
internacional público e privado e que se incremente o intercâmbio de informações de cunho jurídico com universidades de
outros Estados Partes;

F) que se busque, nas Segundas Jornadas Internacionais sobre o Direito da Integração, soluções para a harmonização do
direito internacional privado interno dos Estados Partes.

*retirado de: http://www.aduaneiras.com.br/getec/merco/08/notas/nota03.htm