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CONTRATO DE FIANÇA:
A RENÚNCIA AO BENEFÍCIO DE
ORDEM NOS CONTRATOS DE ADESÃO

Carlos Alberto Etcheverry
juiz de Direito do 3º Juizado Especial Cível de Porto Alegre (RS)


 

 
          O contrato de fiança, em que terceiro, normalmente a título gratuito, assume a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações assumidas pelo afiançado em outro negócio jurídico, é largamente utilizado entre nós, principalmente em contratos de locação e bancários.

          Nada dispondo as partes em contrário, a regra é gozar o fiador do benefício de ordem, ou seja, quando acionado pelo locador, tem o direito de exigir que sejam vendidos primeiramente os bens do afiançado. A indicação dos mesmos deve ser feita desde logo, sendo imprescindível que estejam livres e desonerados de qualquer ônus, devendo ainda situar-se no mesmo município em que tramita o processo. Mas fiador e beneficiário da garantia podem estabelecer a renúncia a esse direito, hipótese em que, independentemente de o afiançado ter patrimônio capaz de responder pelo pagamento do débito, primeiramente serão constritos os bens do dador da garantia.

          Idêntica conseqüência se verificará se houver convenção estabelecendo que o fiador responderá pela dívida solidariamente ou como principal pagador. É o que dispõem os arts. 1.491 e 1.492 do Código Civil. 

          O afastamento do benefício de ordem, contudo, assume contornos bem diferentes quando o conteúdo do contrato de fiança é inteiramente predisposto pelo credor, limitando-se o fiador a aderir, sem qualquer possibilidade de negociação. Nesta última hipótese, verifica-se um caso típico de violação da ordem pública. A renúncia ao benefício de ordem e/ou assunção de obrigação solidária resultam, aqui, em ruptura da ordem jurídica: sem a intervenção do Poder Legislativo, são derrogadas regras de direito supletivo, que normalmente regeriam o negócio jurídico ou algum de seus aspectos, em havendo omissão das partes.

          A possibilidade de renúncia foi introduzida, na lei, tendo em vista situações excepcionais, como seria o caso, por exemplo, de o patrimônio do afiançado estar localizado em local distante, tornando difícil ou excessivamente onerosa sua responsabilização pelo cumprimento das obrigações afiançadas.

          A assunção da condição de devedor solidário, por seu turno, é justificável em circunstâncias análogas, excepcionando a regra geral inerente à fiança: trata-se de contrato benéfico, daí decorrendo que, por uma questão de eqüidade, sejam excutidos primeiramente os bens do afiançado.

          A utilização sistemática dessas cláusulas em contratos de adesão não responde à qualquer das necessidades mencionadas acima, transformando em letra morta - pelo uso indiscriminado de regime diverso - disposições legais supletivas que, como é da sua natureza, na maioria das vezes proporcionam uma regulação mais eqüitativa dos interesses dos contratantes. Pode-se falar até, neste e em outros casos de condições negociais gerais, do estabelecimento de uma "codificação privada", o que é intolerável.Vale observar que o uso generalizado das cláusulas sob exame não autoriza falar na existência de direito costumeiro. Pressupõe este a voluntariedade de sua observância, ausente, como explica Larenz, se "um grupo econômico ou politicamente poderoso o soube impor coactivamente aos restantes participantes no comércio, contra a sua convicção jurídica consciente. Com efeito, se fosse este o caso, o comportamento de facto usual não poderia valer como expressão da vontade de se comportar 'de acordo com o Direito', mas estaria sujeito a um mero condicionamento de facto". 


                                                        Retirado de www.jus.com.br/doutrina