SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DO
CONTRATO DE SHOPPING CENTER
Nazareno César Moreira Reis acadêmico de Direito na Universidade Federal do Piauí
Shopping Center, segundo a ABRASCE
(Associação Brasileira de Shopping Centers), é
“um centro comercial planejado sob uma administração única,
composto de lojas destinadas exploração comercial e à
prestação de serviços, sujeitas a normas contratuais
padronizadas, para manter o equilíbrio da oferta e da funcionalidade,
assegurando a convivência integrada e pagando um valor de conformidade
com o faturamento”.
Do conceito, extrai-se facilmente que a essência
da estrutura organizacional do Shopping está calcada no conceito
de contrato. Todavia, pergunta-se, que contrato? Por outras palavras, qual
a natureza jurídica do contrato de Shopping Center?
Para respondermos a essa vexatissima questio,
passaremos por um critério exclusivo, eliminativo de possibilidades
assentes em figuras próximas, até chegarmos ao que nos parece
o ponto de vista mais plausível de acordo com a melhor doutrina.
Em primeiro lugar, cumpre evidenciarmos que
não se trata de condomínio. Embora os lojistas, antes mesmo
do prédio estar construído, já comecem a contribuir
com certa quantia para ultimação do empreendimento, pagam
uma res sperata, que é o sobrefundo de comércio do
Shopping, ou seja, pagam para ter um lugar no centro comercial,
não para adquirirem a propriedade do imóvel (fala-se a respeito
em ágio). E sem domínio, não pode haver condomínio.
Por outro lado, uma vez edificada a obra,
os lojistas continuam despendendo um quantum mensal em favor do dono do
imóvel, chamado empreendedor, que parece ser o título de
locação (assim o trata a Lei 8245/91, no seu art. 54). Mas
é mera aparência, pois só haveria locação
se o preço pago decorresse unicamente do uso e gozo da coisa, ou
melhor se a causa do contrato fosse a posse do imóvel; o que não
é o caso, já que essa quantia é variável segundo
o lucro do lojista que também pode ser o valor devido, dependendo
de qual é o maior. Se a porcentagem sobre o lucro bruto superar
a quantia mínima (fixa), aquele será o valor devido; se não
houver a superação , a quantia impõe-se. Ademais,
em dezembro a quantia mínima é sempre cobrada em dobro, o
que mostra que efetivamente se tem em mira, nesse contrato, o lucro obtido
pelo lojista, já que é de supor-se que esse mês é
o de maior incremento de vendas. De outra parte, o comerciante instalado
em Shopping sofre sérias restrições no uso
do imóvel uma vez que qualquer alteração a que ele
vise realizar tem de seguir os rígidos padrões do tenant
mix (planta do centro comercial); sem olvidar o fato de que o empreendedor
(proprietário do imóvel) pode exercer severa fiscalização
sobre os ganhos brutos dos lojistas, o que definitivamente descaracteriza
esse contrato como sendo de locação.
Seguindo essa ordem de idéias, chegou-se
a levantar a hipótese de que o Shopping seria uma sociedade
em cota de participação, pela comunhão de interesse
que há entre os lojistas e o empreendedor pois ambos almejam o lucro.
Todavia, um único argumento pode profligar essa tese: falta a affectio
societatis no contrato de Shopping Center. E isso tanto é
verdade que, se imaginássemos os lojistas como sócios do
empreendedor só pelo fato de buscarem o lucro, estaríamos
a admitir que um empregado que aufere percentagens sobre vendas seria igualmente
sócio de seu empregador, já que ambos buscam o máximo
de vendas possível.
Houve quem dissesse também que o Shopping
Center seria uma joint venture, ou seja, uma associação
de duas ou mais empresas, por tempo limitado, para a consecução
de um fim lucrativo comum, sob uma única personalidade jurídica.
É facilmente rechaçável esse pensamento, basta dizer
que o Shopping não possui personalidade jurídica.
Por fim, após a conclusão dessas
refutações necessárias, coloquemos a opinião
que achamos a mais acertada.
O contrato de Shopping Center é,
em realidade, um contrato atípico misto, ou seja, embora guarde
características de todos os contratos supracitados, não se
confunde com nenhum deles; tem unidade orgânica autônoma, por
consistir em instrumento jurídico que reflete, em boa parte, a complexidade
econômica do centro comercial. Não se pode nem dizer que ele
é constituído por um conjunto de contratos coligados, em
outras palavras, uma união meramente externa de negócios
jurídicos. O que ocorre é verdadeiramente a aparição
contrato ex novo, fruto da autonomia privada no campo cinzento deixado
pelo legislador.
É preciso que se diga que, no direito
positivo, não é essa a opinião vigente, dados os termos
expressos da Lei 8245/91, tratando o Shopping como locação.
Força é convir, entretanto, que é muito mirrado o
esquema de aluguel para abarcar essa figura e cremos que, de lege ferenda,
o que se deve afirmar é a independência do centro comercial
como contrato autônomo.
Este texto foi originalmente
publicado no Libertas, órgão informativo do Centro
Acadêmico da UFPI,
edição de
novembro de 1995.