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A REFORMA DA LEI DAS SOCIDEADES POR AÇÕES

LUIZ LEONARDO CANTIDIANO

Advogado no Rio de Janeiro. Membro do Conselho
do Bndespar - Bndes Participações. Membro do
Conselho do Ibmec - Instituto Brasileiro de
Mercado de Capitais. Membro da Comissão
Permanente de Direito Comercial do IAB.
Ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários.
Ex-membro do Conselho de Recursos do Sistema
Financeiro Nacional.

I. INTRODUÇÃO

A partir do final dos anos 80, começaram a surgir, entre os especialistas, pleitos variados no sentido de se proceder à reforma da legislação que regula as sociedades por ações e o mercado de valores mobiliários. Em defesa da tese que pugnava pela necessidade de reforma, apontava-se o fato de a realidade econômica do país ter-se alterado bastante nos últimos tempos, o que exigia uma adaptação do regime legal à nova conjuntura empresarial. De outro lado, argüia-se que, em função da prática de princípios normativos introduzidos pela reforma de 1976 (tais como, dentre outros, o acordo de acionistas e o estabelecimento de critério para a fixação do preço de emissão de ações em aumentos de capital), seria conveniente aprimorar alguns dispositivos, ajustando-os ao que, no dia-a-dia das companhias, se mostrava mais adequado.

Em decorrência, surgiram alguns anteprojetos de alteração da Lei nº 6.404/76, dentre os quais aquele elaborado pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM no início do ano de 1992 (e que foi colocado em audiência pública pelo Ofício Circular/CVM/CGP/Nº118, de 11.3.92, o qual, posteriormente, a pedido da CVM (então presidida por Luiz Carlos Piva), foi alterado por novo anteprojeto preparado (em meados do ano de 1993), por ilustres juristas (dentre eles Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, autores do anteprojeto que resultou na Lei nº 6.404/76).

Em paralelo, eram elaborados pela CVM anteprojetos de mudanças na Lei nº 6.385/76, destacando-se um deles preparado sob a coordenação de Nelson Eizirik (no ano de 1987) e o outro na gestão de Ary Oswaldo Mattos Filho (na segunda metade do ano de 1990), todos eles objetivando fazer com que se concedesse maior poder à autarquia encarregada de regular e de fiscalizar o mercado de valores mobiliários.

Em 28.2.96, o então Deputado Antonio Kandir apresentou o Projeto de Lei nº 1.564, de 1996, visando introduzir alterações nas Leis nº 6.404/76 e 6.385/76, o qual foi apensado ao Projeto de Lei da Câmara nº 106, também de 1996, de iniciativa do Deputado José Fortunati.

Na sua justificação o Deputado Antônio Kandir salientava que o Projeto tinha o objetivo de adequar alguns aspectos das Leis nos 6.404/76 e 6.385/76 à nova realidade econômica brasileira, destacando que:

"O objetivo último da iniciativa é incentivar o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil. De modo específico, a iniciativa cuida de criar condições adequadas à capitalização das empresas brasileiras, à efetiva democratização do capital e a processos de reorganização societária necessários à reestruturação produtiva do país, numa quadra histórica marcada pela globalização produtiva e financeira e por níveis de concorrência sem precedentes.

Por fim, com base no entendimento de que o desenvolvimento do mercado de capitais exige fiscalização eficaz por parte de seu órgão regulador, o projeto de lei define modificações que melhor instrumentalizam a CVM para desincumbir-se de suas atribuições de proteção ao investidor".

Nomeado Relator de ambos os Projetos, na Câmara dos Deputados, o Deputado Luís Carlos Hauly participou de reuniões com entidades representativas dos diversos segmentos do mercado e com especialistas interessados na matéria, debatendo amplamente as propostas de mudança da legislação citada, tendo destacado, em seu relatório, que foi acompanhado de substitutivo, que:

"As proposições iniciais e as sugestões apresentadas no decorrer das discussões foram cuidadosamente apreciadas, tendo em vista o fortalecimento do mercado de capitais de risco, a conciliação dos interesses envolvidos nas sociedades por ações e a busca do ponto de equilíbrio desejável nas relações entre a maioria e a minoria, visando, assim, melhorar o sistema adotado, que se baseia na efetiva responsabilidade do controlador da empresa, e de seus administradores, na precisa definição dos direitos do minoritário e na ampla publicidade para o que é imperioso, também ensejar à Comissão de Valores Mobiliários melhores condições para bem exercer a fiscalização que lhe cabe, na defesa da empresa, do minoritário, do crédito público e das instituições que atuam no mercado".

Submetido ao exame do Senado Federal, o projeto obteve aprovação naquela casa do Congresso Nacional, ressaltando em seu voto, o Senador José Serra, relator do projeto, que:

"Tendo em vista a forte e recente abertura da economia brasileira, que expõe o empresário à concorrência internacional, torna-se indispensável a reeestruturação das empresas no sentido da maior eficiência e competitividade. Isto envolve a necessidade de se efetuar nas companhias reorganizações societárias, mediante fusões, incorporações e cisões.

A legislação atual que regula  as sociedades anônimas está claramente desatualizada, dificultando e gerando custos elevados nos processos de reorganização societária. Diante disto, o projeto efetua ajustes nas normas relativas à alienação de controle das companhias, ao direito de retirada e na sistemática de reembolso.

A proposição traz, ainda, uma série de alterações pertinentes na lei, no sentido de ampliar os direitos dos acionistas minoritários e detentores de ações preferenciais, buscando o equilíbrio de forças entre a maioria e a minoria. Como exemplo, vale ressaltar a fixação de vantagem econômica, relativa ao direito a dividendos de, no mínimo, dez por cento maiores do que os atribuídos às ações ordinárias.

Adicionalmente, o projeto de  lei propõe modificações na Lei nº 6.385/76, no sentido de tornar mais eficaz a atuação da CVM na fiscalização, controle e autuação de infrações do mercado de capitais.

Tendo em vista a pertinência e relevância do projeto em exame para o fortalecimento do mercado de capitais, bem como para facilitar a reestruturação de empresas, somos favoráveis à aprovação do Projeto de lei da Câmara PLC - Nº 106/96 (PL 622-C/95, na Casa de origem), com as emendas de redação, a seguir apresentadas, que não alteram o teor da matéria ora em apreciação por esta Casa."

Sancionada no dia 5.5.97, a Lei nº 9.457 entrou em vigor 30 dias após a sua publicação (que se deu no Diário Oficial da União, Seção 1, de 6.5.97), aplicando-se, todavia, imediatamente, a partir da sua publicação, às companhias que viessem a se constituir.

Ainda a título de introdução, deve ser destacado que as alterações apresentadas pela nova lei podem ser divididas em três categorias distintas:

a) as que objetivam adequar a legislação societária à eliminação dos valores mobiliários emitidos sob as formas ao portador e/ou endossável;

b) as que visam corrigir equívocos decorrentes de falhas na revisão do texto da Lei promulgada em 1976; e

c) as que pretendem modificar e/ou aperfeiçoar princípios normativos aplicáveis às sociedades por ações.

II. ADEQUAÇÃO DA LEGISLAÇÃO

SOCIETÁRIA À NOMINATIVIDADE

DOS VALORES MOBILIÁRIOS

Tendo presente a eliminação, pelos arts. 5º e 6º, da Lei nº 8.021, de 12.4.90,  das ações ao portador e/ou endossáveis1, o legislador decidiu expurgar de diversos dispositivos constantes da Lei nº 6.404/76 todas as referências às outras formas que, admitidas à época da sanção da citada Lei nº 6.404/76, passaram a contrariar o princípio da nominatividade dos valores mobiliários.

Deve ser ressaltado que os dispositivos abaixo indicados já se encontravam implicitamente revogados, na medida em que uma lei de caráter geral havia vedado, desde 1990, a possibilidade de existir valor mobiliário emitido sob as formas "ao portador" e/ou "endossável".

Limitou-se a lei nova, no particular, a explicitar aquilo que, desde a entrada em vigor da Lei nº 8.021/90, já vinha prevalecendo.

Em conseqüência, foram alterados os seguintes dispositivos da Lei nº 6.404/76:

a) é extinta, na redação original do art. 16 daquele diploma legal, a possibilidade de a companhia fechada ter classes diferenciadas de ações em função da "forma ou conversibilidade de uma forma em outra", pelo que a nova redação apenas explicita que, mesmo nas sociedades fechadas, não é lícito emitir classes diferenciadas de ações ordinárias em função da "forma ou conversibilidade de uma forma em outra".

b) os incisos IX e X da redação original do art. 24 da lei de 1976, para deixar claro que dos certificados de ações não pode mais constar (i) a cláusula ao portador, (ii) assim como a declaração de sua transferibilidade mediante endosso;

c) a redação do art. 39 da lei, que dispõe sobre o penhor e a caução de ações, revogando os dispositivos que tratavam dos procedimentos para averbação do gravame dos títulos ao portador e/ou endossáveis, remanescendo a previsão de que "o penhor ou caução de ações se constitui pela averbação do respectivo instrumento no Livro de registro de Ações Nominativas";

d) de igual modo, na redação do art. 40, que trata da averbação de usufruto, de fideicomisso, de alienação fiduciária em garantia e de quaisquer cláusulas ou ônus que gravarem a ação, também é revogado o inciso que cuidava das ações endossáveis, permanecendo válidos os princípios que estabelecem que ditos gravames devem ser averbados (i) se nominativa a ação, no livro de "Registro de Ações Nominativas" e. (ii) se escritural nos livros da instituição financeira, que os anotará no extrato da conta de depósito fornecido ao acionista;

e) foi expurgada, da redação constante dos arts. 42, § 1º, e 43, a menção a ações endossáveis e ao portador;

f) foram revogados os incisos VII e VIII, do art. 49, que admitiam a existência de certificados de partes beneficiárias com (i) a cláusula ao portador,(ii) ou com a declaração de sua transferibilidade por endosso; complementando, foi excluída, do art. 50, qualquer menção à existência de partes  beneficiárias ao portador e/ou endossáveis;

g) nos arts. 63 e 64, que tratam das formas das debêntures e de seus certificados, foram eliminadas as referências sobre as debêntures ao portador e/ou endossáveis;

h) no art. 72, § 1º, revogou-se a possibilidade de as cédulas lastreadas em debêntures (anteriormente tratadas como cédulas pignoratícias de debêntures) serem emitidas sob as formas "ao portador" e/ou endossáveis;

i) no art. 79, inciso VI, foi eliminada a referência aos bônus de subscrição emitidos sob as formas "ao portador" e/ou endossáveis;

j) no art. 100, inciso I, foi afastada a referência à existência de Livro de Registro de Ações Endossáveis, eliminando-se, na alínea c, do mesmo inciso I, a referência à eventual conversão da ação de uma forma em outra;

l) no inciso IV, do aludido art. 100, afastou-se a menção aos livros de "Registro de Partes Beneficiárias Endossáveis", de "Registro de Debêntures Endossáveis" e de "Registro de Bônus de Subscrição Endossáveis".

m) no art. 126, quando se permite que a companhia possa solicitar das pessoas presentes à Assembléia Geral  que comprovem a qualidade de acionista, foram eliminados os incisos II e III, que regulavam os procedimentos a serem exigidos, respectivamente, dos titulares de ações endossáveis e ao portador;

n) na alínea c, do § 2º, do mesmo art. 100, quando se regula o pedido de procuração, eliminou-se a referência aos titulares de ações endossáveis, cujos endereços constem da companhia.

III. CORREÇÃO DE EQUÍVOCOS

DECORRENTES DE FALHAS NA

REVISÃO

A Lei nº 6.404/76, ao regular (em seu art. 250, § 1º) a elaboração de demonstrações financeiras consolidadas, pretendia determinar que fosse destacada, no balanço patrimonial e na demonstração do resultado do exercício, a participação dos acionistas não controladores no patrimônio líquido e no lucro líquido do exercício; por equívoco de revisão, quando da aprovação pelo Congresso Nacional, do então projeto de lei que estava sendo submetido à apreciação do Poder Legislativo, ficou constando, do texto legal promulgado e publicado, a menção à participação dos acionistas controladores.

Sempre se entendeu que, naquele dispositivo, o que se pretendia era identificar, nas demonstrações financeiras consolidadas, as parcelas do patrimônio e do lucro consolidados que pertenciam aos acionistas que não integravam o grupo de controle.

Tanto é assim que a própria comissão de valores mobiliários, no item 5.9. da Nota Explicativa CVM 21/80 (de 4.11.80) esclarece que:

"A participação dos acionistas minoritários, quer no patrimônio líquido das sociedades controladas, quer no lucro ou no prejuízo do exercício dessas mesmas sociedades controladas, representa recursos de terceiros empregados nos negócios sociais da unidade econômica. Por conseguinte, deve a participação dos acionistas minoritários ser excluída do patrimônio líquido e destacada, em grupo isolado, no balanço patrimonial consolidado, e ser também destacada e apresentada como dedução do lucro ou do prejuízo líquido consolidado (sem grifos no original)"

Não foi por outra razão, aliás, que todas as companhias abertas, que estavam obrigadas a apresentar demonstrações financeiras consolidadas, sempre destacaram, em suas demonstrações assim elaboradas, a participação de seus acionistas não controladores nos respectivos patrimônios e no resultado do exercício.

A nova lei, ao corrigir o equívoco de redação antes existente, limitou-se a reconhecer a falha da revisão apontada, nada tendo, no particular, de inovadora.

Outra falha de revisão, de natureza idêntica, agora corrigida, existia na redação do caput do art. 264 da Lei nº 6.404/76, que trata da incorporação, pela sociedade controladora, de sociedade controlada.

Em tais situações, nas quais a vontade de ambas as sociedades envolvidas no processo de concentração empresarial resulta da vontade única do acionista controlador da sociedade controladora, a lei procurou assegurar proteção adicional aos acionistas minoritários da controlada, que seria absorvida, no curso daquela incorporação, pela sociedade controladora.

Para permitir que aquele objetivo pudesse ser alcançado, estabeleceu a lei que, naquelas operações, resultando a relação de troca de ações (de emissão da controlada, a ser extinta, por ações da sociedade controladora/incorporadora) de propriedade dos acionistas minoritários numa situação menos vantajosa da que resultaria de uma troca efetivada com base na comparação dos patrimônios das sociedades envolvidas (controladora e controlada), avaliados os dois patrimônios segundo os mesmos critérios e na mesma data, a preços de mercado, os minoritários da sociedade controlada teriam direito de se retirar da referida sociedade, mediante o reembolso de suas ações.

Quando da aprovação, pelo Congresso Nacional, do texto da Lei nº 6.404/76, o caput do art. 264, e seu § 3º, se referiram, por equívoco, aos acionistas controladores da sociedade controlada, quando pretendiam referir-se a acionistas não controladores da mesma sociedade controlada, equívoco agora corrigido pela lei nova.

IV. ALTERAÇÕES SUBSTANTIVAS

NA LEI DAS SOCIEDADES POR

AÇÕES

1. Tentativa de valorizar a ação preferencial

A Diretoria da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, então presidida por Ary Oswaldo Mattos Filho2, procurou fazer um diagnóstico sobre o funcionamento do mercado de ações em nosso país, especialmente em decorrência de sua reduzida importância como instrumento de capitalização da empresa privada nacional.

Ouvidos diversos segmentos do mercado (incluindo especialistas de formação variada, intermediários, analistas, representantes de companhias emissoras e investidores), chegou-se à conclusão de que, dentre outro fatores (tais como (i) o grave processo inflacionário com que há anos o país vinha convivendo, (ii) a redução/eliminação de incentivos fiscais antes existentes, (iii) o apego de empresários ao modelo da empresa familiar, (iv) a inexpressiva taxa de poupança interna, combinada com as dificuldades impostas para a atração de poupança externa direcionada a aplicações na subscrição/compra de ações e (v) a falta, entre os investidores, de uma cultura verdadeiramente voltada para o investimento de risco), o pequeno desenvolvimento do nosso mercado acionário também era decorrente da pouca valorização do produto ação.

Foram apresentados argumentos sobre o tema, destacando-se o fato de que, face ao modelo adotado pela legislação (admitindo que o controle acionário da companhia pudesse ser exercido por acionistas titulares de pouco mais de 16% do capital total da companhia), não se tinha, salvo honrosas exceções, a negociação pública de ações ordinárias.

De outro lado, à expressiva maioria das ações sem direito de voto, emitida pelas companhias abertas, era assegurada, como vantagem, uma simples prioridade no reembolso de capital. Ou seja, pela subtração do direito de voto, inerente a qualquer ação, o titular da preferencial comumente emitida tinha que aguardar a extinção da companhia para tornar efetiva a vantagem que lhe havia sido outorgada. Um verdadeiro paradoxo!

Tendo presente a necessidade, manifestada pelo mercado, de valorizar o produto ação, a CVM apresentou, em meados de 1992, para discussão no mercado, um ambicioso anteprojeto de reforma integral da lei das sociedades anônimas (6.404/76).

Especificamente em relação ao tema, a proposta da CVM (a) reduzia de 2/3 para 40% do capital social o limite para emissão de ações preferenciais sem direito a voto; (b) estabelecia um dividendo mínimo de 6% ao ano, sobre o capital social, para as ações daquela espécie, dividendo esse que deveria ser pago independentemente da apuração de lucro líquido no exercício; (c) por solicitação do acionista, admitia a transformação, em ordinárias votantes, das preferenciais que não tivessem recebido seu dividendo até 120 dias após o término do exercício social; (d) reduzia para 2 anos o prazo para reaquisição do voto pela preferencial (que tivesse como vantagem uma prioridade para o recebimento de um dividendo mínimo ou fixo) que não tivesse recebido, naquele período, o dividendo prioritário.

Realizados inúmeros debates entre os especialistas e entidades diretamente interessadas (Bolsas de Valores, Abrasca, etc), aquele projeto sofreu críticas acentuadas, até mesmo porque contrariava, em alguns aspectos, certos princípios fundamentais do funcionamento das companhias, podendo ser citados, como principais exemplos, (i) o pagamento de dividendo sem que a sociedade tivesse apurado lucro e (ii) a possibilidade de a ação preferencial ser convertida em ordinária, mediante simples requerimento do seu titular, caso o dividendo prioritário não tivesse sido pago até 120 dias após o término do exercício social.

No novo anteprojeto, apresentado pelo CVM, então presidida por Luis Carlos Piva, era proposto, em relação ao tema ora examinado (a valorização do produto ação): (a) reduzir de 2/3 para 50% do capital social o limite para emissão de ações preferenciais sem direito a voto; (b) estabelecer que somente seriam admitidas à negociação no mercado ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito que conferissem direito a dividendo prioritário, fixo ou mínimo, definido no estatuto como percentual igual ou superior a 6% do valor nominal (para as ações com valor nominal) ou como determinada importância em moeda igual ou superior a 6% da parcela do preço de emissão destinada à formação do capital social (no caso de ações sem valor nominal); e (c) fixar que o dividendo prioritário, estipulado como porcentagem do valor nominal, deveria ser calculado com base na expressão monetária desse valor atualizada até a data do balanço que servisse de base à distribuição.

Deve ser esclarecido que esse anteprojeto elaborado pela CVM teve o cuidado de, dentro da boa técnica legislativa, e em sintonia com o princípio constitucional que determina a plena observância ao direito adquirido, estabelecer que (i) o requisito de dividendo prioritário para admissão de ações à negociação no mercado não seria aplicável às ações emitidas antes da entrada em vigor do novo diploma legal, nem às ações que resultassem de seu desdobramento, grupamento ou conversão, assim como da conversão de debêntures ou do exercício de direito conferido por bônus de subscrição emitidos antes da entrada em vigor da lei, (ii) e que o limite de emissão de ações preferenciais não seria aplicável às companhias cujos estatutos tivessem estabelecido, antes de sua entrada em vigor, relação diversa daquela que, a partir de sua promulgação, deveria prevalecer (prevendo um limite máximo de 50% de ações preferenciais sem direito de voto ou com voto restrito).

O Deputado Luiz Carlos Hauly, na busca da pretendida valorização do produto ação, embora tivesse admitido, quando do início das discussões com o público especializado, alterar aquela relação entre as ações ordinárias e as ações sem direito de voto, acabou mantendo, no substitutivo que apresentou à apreciação da Câmara dos Deputados, a atual relação entre ações ordinárias (votantes) e ações preferenciais, desprovidas de voto.

E, para atingir aquele objetivo a que se propunha, modificou a redação original do art. 17 da Lei nº 6.404/76, nele fazendo inserir regra que estabelece ser direito daquelas ações preferenciais, que apenas assegurem prioridade no reembolso de capital (as "falsas preferenciais", cuja vantagem só se materializava quando da extinção da companhia, com a partilha do eventual acervo), receber dividendos superiores, em 10% (dez por cento), aos dividendos que vierem a ser pagos às ações ordinárias.

Para facilitar o entendimento da mudança introduzida, transcrevemos, abaixo, a redação original do citado dispositivo legal, assim como a sua nova redação, resultante da modificação aprovada quando da promulgação da nova lei:

Redação original do art. 17 da Lei nº 6.404/76

"Art. 17. As preferências ou vantagens das ações preferenciais podem consistir:

I – em prioridade na distribuição de dividendos;

II – em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele;

III – na acumulação das vantagens acima numeradas."

Nova redação do art. 17 da Lei nº 6.404/ 76

"Art. 17. As preferências ou vantagens das ações preferencias:

I – consistem, salvo no caso de ações com direito a dividendos fixos ou mínimos, cumulativos ou não, no direito a dividendos no mínimo dez por cento maiores do que os atribuídos às ações ordinárias;

II – sem prejuízo do disposto no inciso anterior e no que for com ele compatível, podem consistir:

a) em prioridade na distribuição de dividendos;

b) em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele;

c) na acumulação das vantagens acima numeradas."

Da leitura da redação original do aludido dispositivo, verifica-se que, como contrapartida pela subtração do direito de voto, poderiam ser asseguradas, às ações preferenciais, as seguintes vantagens:

a) uma prioridade no recebimento de dividendos (fixos ou mínimos), cumulativos  ou não;

b) uma prioridade no reembolso de capital, com prêmio ou sem ele;

c) a eventual acumulação de ambas as vantagens.

Aquela prioridade no recebimento de dividendo (fixo ou mínimo) podia, como ainda pode, ser estipulada em determinada quantidade de moeda, num percentual (incidente sobre o capital investido ou sobre o lucro objeto de distribuição), ou segundo outro critério, preciso e determinado, que não sujeitasse o acionista ao arbítrio da maioria. Estabelecia, ainda, o § 2, do referido art. 17, que, "salvo disposição em contrário do estatuto, o dividendo prioritário não é cumulativo, a ação com dividendo fixo não participa dos lucros remanescentes e a ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo", sendo certo que a Lei nº 9.457/97 manteve inalterada a redação do mencionado § 2º daquele art. 17.

Não havia, como não há, qualquer razão ou motivo, de ordem jurídica e/ou econômica, para alterar a regra que admitia atribuir, como vantagem aos acionistas, pela subtração do direito de voto, uma prioridade no recebimento de dividendo (fixo ou mínimo).

O que existia era uma forte e crescente objeção à prática, bastante generalizada no mercado, de se atribuir, como vantagem pela retirada do direito de voto, apenas uma prioridade no reembolso de capital, a qual só se materializava quando da extinção da companhia, constituindo-se, portanto, aquela vantagem, em inequívoco paradoxo.

Sobre o tema é importante destacar trecho da exposição justificada do anteprojeto elaborado pela CVM, sob a presidência de Luiz Carlos Piva:

"No sistema da legislação brasileira em vigor desde 1932, a eliminação ou restrição do direito de voto é admitida como contrapartida de vantagens patrimoniais, sob a forma de prioridade da distribuição de dividendos ou no reembolso de capital, em caso de liquidação.

Esse regime vem, todavia, sendo elidido pela prática – usual entre nós – de redação  de dispositivos estatutários que, na verdade, não conferem às ações sem voto prioridade na distribuição de dividendos, e pela distribuição no mercado de ações com prioridade limitada ao reembolso de capital. Tais ações são, virtualmente, ordinárias sem direito a voto, pois a experiência demonstra que a liquidação de companhia aberta é hipótese que raramente acontece."

É inconteste, portanto, quanto às vantagens asseguradas às ações preferenciais sem direito a voto, que se pretendia corrigir aquele sistema mediante o qual era permitido às companhias distribuir no mercado ações, das quais o voto era subtraído, tendo como vantagem excluída a prioridade de participar do rateio do acervo social quando da hipotética liquidação da companhia emissora das referidas ações.

Em absoluta sintonia com aquele desejo, a nova lei veio estabelecer que, salvo no caso de ações com direito a dividendos fixos ou mínimos, cumulativos ou não, a vantagem da ação preferencial (que só assegurava prioridade no reembolso de capital) consiste no direito a dividendos no mínimo dez por cento maiores do que os atribuídos às ações ordinárias.

A ressalva constante da nova redação do inciso I, do mencionado art. 17 da Lei nº 6.404/76 (salvo no caso de ações com direito a dividendos fixos ou mínimos, cumulativos ou não) se justifica plenamente na medida em que as referidas ações (que asseguram uma prioridade no recebimento de dividendos, fixos  ou mínimos, cumulativos ou não) já fazem jus a uma vantagem econômica efetiva que, não sendo auferida ao final de certo período (que o estatuto pode estabelecer que seja de, no máximo, três exercícios sociais consecutivos), restabelece, transitoriamente, o poder político da ação, até que voltem a ser pagos os dividendos prioritários assegurados como vantagem pela perda do direito de voto, incluindo os dividendos atrasados, na hipótese de o acionista fazer jus a receber dividendos cumulativos.

Não podemos concordar, portanto, com opiniões recentes de ilustres juristas que afirmam (i) que as ações preferenciais que asseguram uma prioridade no recebimento de dividendo mínimo readquirem o direito de voto se dito dividendo preferencial for estabelecido em montante que não supere, em 10% (dez por cento), o valor dos dividendos pagos, aos acionistas ordinários, ou que (ii) até mesmo as ações preferenciais com prioridade no recebimento de um dividendo fixo também readquirem o direito de voto se aquele dividendo for pago em montante que não supere, em 10% (dez por cento), o valor pago a título de dividendos, aos acionistas ordinários.4

Segundo pensamos, a alteração oportunamente introduzida pela Lei nº 9.457/97 apenas modifica o tratamento que deve ser assegurado às ações preferenciais que atribuam, como vantagem exclusiva aos seus titulares, uma prioridade no recebimento de reembolso de capital, mantendo-se inalterada a regra aplicável às ações sem direito de voto que tenham, como vantagem, uma prioridade no recebimento de dividendo fixo ou mínimo, cumulativo ou não, qualquer que seja o montante daquele dividendo prioritário a elas atribuído.

Discordamos, também, da opinião manifestada pelos festejados Professores Nelson Eizirik e Modesto Carvalhosa quanto à necessidade de se fazer inserir, nos  estatutos das companhias, regras determinando o pagamento daquele dividendo adicional (superior em 10% ao valor dos dividendos pagos às ações ordinárias), na medida em que, independentemente de qualquer previsão estatutária, a simples menção, no estatuto, a ações preferenciais sem direito de voto, que tenham como vantagem exclusiva, a prioridade no reembolso de capital, lhes dará direito, por força de expresso dispositivo legal, a receber  a parcela adicional de dividendos.

Parece-nos indubitável que, não dispondo a sociedade de lucros, impedindo-a, assim, de atribuir dividendos aos seus acionistas, não readquirem os titulares das ações preferenciais, que assegurem como vantagem exclusiva a prioridade no reembolso de capital, o direito de voto, visto que, como expressamente indicado no art. 111 da Lei nº 6.404/76 (com a redação original, mantida inalterada pela nova lei), apenas os titulares de ações com prioridade no recebimento de dividendos fixos ou mínimos é que readquirem o direito político se, ao final de certo prazo (que não pode superar três exercícios consecutivos), não tiverem recebido aquela vantagem patrimonial que lhes foi prometida como contrapartida pela subtração do voto. O titular dessas ações preferenciais tem direito de receber o dividendo suplementar de 10% independentemente, até mesmo, de deliberação da assembléia. Se a sociedade tiver auferido lucro e tal dividendo não lhe for pago, ainda assim ele não adquire direito de voto, mas lhe será facultado cobrar da sociedade a importância devida.

Outra hipótese que não pode deixar de ser aventada é aquela que decorrerá da eventual distribuição da totalidade do dividendo mínimo obrigatório, para atender a distribuição de dividendos prioritários (fixos ou mínimos) assegurados às ações preferenciais que façam jus a tal vantagem, sem que os titulares de ações ordinárias venham a ser contemplados com o pagamento de dividendos. Em tal situação, como nada terá sido pago aos titulares de ações ordinárias, em determinado exercício, como dividendo, os titulares de ações que tenham como vantagem exclusiva a prioridade no reembolso de capital nada terão a reclamar (já que 10% de zero é igual a zero), não lhes sendo atribuído qualquer direito político em decorrência do não recebimento daqueles dividendos adicionais.

Questão extremamente relevante, que não foi adequadamente tratada na Lei nº 9.457/97, e que tem gerado grande controvérsia, está relacionada à aplicação do novo sistema de cálculo dos dividendos (atribuíveis, como visto, apenas às ações preferenciais que assegurem, como vantagem exclusiva, prioridade no reembolso de capital) a situações pré-constituídas, ou seja, ao estoque de ações existente no mercado antes da promulgação da nova lei, assim como às ações que resultarem do grupamento, desdobramento e/ou bonificação das ações ante- riormente emitidas e às ações que vierem a ser emitidas pela conversão de debêntures e/ou partes beneficiárias antes emitidas e ainda pelo exercício de direito conferido por bônus de subscrição emitidos anteriormente à entrada em vigor do novo texto legal.

Quando nos deparamos com as regras que incidem na constituição das sociedades por ações, referentes à estruturação organizacional da companhia (incluindo a sua gestão, a formação da vontade social nas assembléias gerais, a repartição dos lucros e a fiscalização dos negócios sociais), sabemos que elas podem ser de dois tipos diversos: normas estatutárias, decorrentes de expressa previsão legal, e normas contratuais, originadas da livre vontade dos acionistas quando decidiram regular o funcionamento da companhia, e que se constituem em ato jurídico perfeito entre os contratantes (os acionistas que aderiram ao pacto social).

As normas estatutárias, a lei nova pode alterar, fazendo com que as mudanças prevaleçam, desde logo, inclusive quanto às sociedades já existentes.

As normas contratuais, no entanto, porque derivadas na livre vontade das partes contratantes, e porque geram direitos que se incorporam ao patrimônio dos acionistas, delas destinatários, não podem ser modificadas pela lei nova, sob pena de alterar ato jurídico perfeito. E ofender direito já adquiridos.

As condições estabelecidas no estatuto da companhia em relação às ações preferenciais já emitidas se constituem, inequivocamente, em normas contratuais. A emissão de ação com determinados direitos, segundo a lei vigente, constitui um ato jurídico perfeito, que não pode ser modificado por uma lei posterior.

Como bem argumentado pelo ilustre advogado Marcelo Ferro, em intervenção que fez durante seminário organizado pelo Sindicato dos Bancos do Estado do Rio de Janeiro (realizado no dia 5.5.97, exatamente aquele em que foi sancionada pelo Presidente da Republica a Lei nº 9.457/97), em que se debatia o então anteprojeto de reforma da lei das SA:6

"No que concerne à aplicação da lei nova aos fatos pendentes - os únicos que merecem considerações mais aprofundadas, já que os fatos pretéritos não são atingidos pela lei nova, e os fatos futuros são inteiramente governados pelo novo diploma –, Paul Roubier7 distingue na situação jurídica três momentos: o da constituição, o dos efeitos e o da extinção, sendo certo que o primeiro e o último representam a fase dinâmica, e o segundo a fase estática da situação jurídica.8

Quando a constituição ou extinção da situação jurídica se operou pela lei antiga, a ela será estranha a lei nova, salvo disposição retroativa, se permitida pelo sistema jurídico. Todavia, quando a constituição da situação jurídica estiver pendente, a regra será a aplicação imediata, respeitado o período de vigência da lei anterior. E, por fim, quanto aos efeitos da situação jurídica constituída, a norma é que a lei nova não pode, sem retroatividade, atingir os já produzidos sob a lei anterior.

Em relação à nova redação do art. 17 da Lei nº 6.404/76, conferida pelo anteprojeto, as novas disposições não se aplicam aos detentores de ações ordinárias, os quais já têm situação jurídica plenamente consolidada sobre a égide da lei anterior. Isso porque, de acordo com a tese de Roubier, a constituição da situação jurídica de acionista ordinário já se operou plenamente, e isso sob o império da redação original do art. 17 da Lei nº 6.404/76.

Note-se que a constituição da situação jurídica de acionista ordinário implica no reconhecimento de que o agente reuniu as condições para se enquadrar nesta classificação; é conceito mais específico do que o de situação jurídica de acionista, pois o qualificativo ordinário estabelece a diferenciação entre esta situação jurídica e outras eventualmente existentes (a de acionista preferencial, por exemplo).

Também não procede o argumento de que dito dispositivo deveria ser aplicável de imediato ao estoque de ações preferenciais existentes no mercado por se constituir em norma de ordem pública.

A doutrina contempla dois tipos de normas de ordem pública: as de proteção, que visam proteger um determinado segmento, ou um grupo específico de jurisdicionados (como ocorre no Código do Consumidor, nas leis de inquilinato, no que se refere à locação residencial ou na legislação do trabalho) e as de direção, destinadas a orientar e permitir a consecução e execução de determinados planos e objetivos fixados pelo Estado (tais como as leis monetárias ou as que vedam certos tipos de indexação).

A distinção entre as duas nem sempre é nítida - pois determinada lei pode, ao mesmo tempo, visar à proteção e à direção -, e a solução é analisar qual das finalidades é a que efetivamente prepondera.

Em termos filosóficos, as leis de ordem pública de proteção se manifestam por medidas de intervencionismo nas relações jurídicas em geral usa-se a coação para se evitar a coação do mais forte, ao passo que, em se tratando de norma de ordem pública de direção, sua ocorrência se efetiva através do dirigismo, isto é, pelo estabelecimento de normas padrão relacionadas com determinado instituto, instituindo-se um standard a ser respeitado.

Não me parece que a modificação introduzida pela Lei nº 9.457/97 se enquadre em qualquer daquelas hipóteses, na medida em que não é necessário corrigir, através do intervencionismo estatal, eventual desequilíbrio entre as partes que não possa ser obtido no próprio mercado de capitais, o que afasta a possibilidade de se admitir que a nova regra se constitua em norma de ordem pública de proteção; de outro lado, não vislumbro a referida norma como lei de ordem pública de direção, já que a sua edição não se insere no âmbito da consecução de objetivos econômicos mais amplos de parte do Estado. Embora seja objetivo do Estado tentar incrementar o mercado de capitais, é certo que a referida disposição legal não se caracteriza como essencial para esse objetivo, até mesmo porque o próprio inciso I do art. 17 excepciona, dentre as ações preferenciais que terão dividendos adicionais, aquelas que tenham direito a dividendos fixos ou mínimos, cumulativos ou não.

Em suma, penso que lei de ordem de pública com caráter retroativo, ou que, tendo incidência imediata, implicasse na modificação de situações jurídicas legal e plenamente constituídas sob o império da lei anterior, significaria, na verdade, lei de desordem pública".

Penso que os argumentos deduzidos com tanto brilho pelo ilustre advogado demonstram, de modo inequívoco, que a nova redação do art. 17 da Lei nº 6.404/76 (introduzida pela Lei nº 9.457/97) não é aplicável ao estoque de ações preferenciais previamente emitidas, nem às ações que resultarem do grupamento, desdobramento e/ou bonificação das ações anteriormente emitidas e às ações que vierem a ser emitidas pela conversão de debêntures e/ou partes beneficiárias antes emitidas e ainda pelo exercício de direito conferido por bônus de subscrição emitidos anteriormente à entrada em vigor do novo texto legal.

Não pode deixar de ser abordado, quando se analisa a reforma legislativa que pretendeu valorizar a ação preferencial o fato de ter permanecido inalterada a previsão constante do § 1º do art. 111 da lei vigente, assim redigido:

"As ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3(três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso."

Sempre entendemos que, sendo subtraído da ação preferencial o direito de voto a ela inerente, em troca de uma vantagem patrimonial (o direito ao recebimento prioritário de dividendos fixos ou mínimos), deveria haver, na hipótese de aquela vantagem não se tornar efetiva, o restabelecimento do poder político da ação logo após a realização da primeira Assembléia Geral Ordinária em que não fosse aprovada a distribuição daquele dividendo prioritário.

Estamos convictos de que a adoção dessa medida implicaria numa imediata e significativa valorização intrínseca da ação preferencial, já que o seu titular, não se tornando efetiva a vantagem patrimonial que lhe fora assegurada, passaria a votar logo depois da realização da 1ª AGO, o que, muito certamente, levaria os acionistas controladores das companhias a procurar sempre distribuir dividendos aos seus acionistas,  evitando, assim, eventual risco de perda temporária da maioria do capital votante da companhia.

Lembramos, a esse propósito, que a lei vigente permite, no § 5º, de seu art. 17, que o estatuto possa conferir às ações preferenciais, com prioridade na distribuição de dividendo cumulativo, o direito de recebê-lo, no exercício em que o lucro for insuficiente, à conta das reservas de capital.

A redução do prazo para reaquisição temporária do direito de voto das ações preferenciais (indicado no art. 111 da lei das SA) poderia levar os administradores e controladores das companhias abertas a conferir, às ações daquela espécie (que fazem jus ao recebimento de dividendo prioritário, fixo ou mínimo), o direito de receber aquele dividendo, nos exercícios em que o lucro fosse insuficiente, à conta das reservas de capital, o que eliminaria a possibilidade de perda, pelos controladores, da maioria do capital votante da sociedade, servindo ainda como estímulo maior para os titulares de ações daquela espécie, que poderiam ter a certeza de que estariam investindo em valor mobiliário que assegurasse um retorno (rendimento) permanente.

O Deputado Hauly, na primeira versão de seu relatório, fez incluir em substitutivo preliminar uma alteração na redação do citado § 1º, do art. 111, reduzindo para 2 (dois) anos o prazo de reaquisição do direito de voto das ações preferenciais que não recebessem, naquele período de tempo, o dividendo prioritário (fixo ou mínimo) a que fizessem jus.

Em seu parecer, o Deputado Hauly salientava que:

"A fim de abreviar para o acionista que abdicou de seu direito de voto, em função da preferência no recebimento de dividendos, a retomada desse direito na hipótese de a companhia deixar de pagá-los, substitui-se, no § 1º do art. 111, a expressão não superior a três exercícios consecutivos por não superior a dois exercícios consecutivos".

Posteriormente, quando da apresentação da versão final de seu Relatório, o Deputado Hauly excluiu, dentre as mudanças sugeridas na lei das SA, aquela redução no prazo fixado pelo § 1º do art. 111 do aludido diploma legal, mantendo inalterada a sua redação original, o que, em nosso entender, também representa uma perda de oportunidade para buscar uma maior valorização das ações de tal espécie.

Concluindo, podemos afirmar que a nova redação do art. 17 da Lei das SA representa, pelas falhas cometidas durante o processo de elaboração do novo texto legal, um inequívoco retrocesso em relação ao projeto de 1993 (elaborado sob a coordenação da CVM), que tratava da matéria de maneira bem mais ordenada.

Ainda com relação às vantagens atribuíveis às ações preferenciais, não podemos deixar de discordar da posição sustentada pelo ilustre colega Nelson Eizirik, quanto à suposta revogação da provisão constante do § 3º do art. 17, da Lei nº 6.404/76, assim redigido:

"O dividendo fixo ou mínimo e o prêmio de reembolso estipulados em determinada importância em moeda, ficarão sujeitos a correção monetária anual, por ocasião da assembléia geral ordinária, aos mesmos coeficientes adotados na correção do capital social, desprezadas as frações de centavo."

Entende Eizirik que, tendo sido revogada, pela Lei nº 9.429, de 26.12.95,9 a regra que estipulava a correção anual do capital da companhia, automaticamente estaria revogado o aludido § 3°, do art. 17 que, como visto, trata da atualização anual do valor, estabelecido em dinheiro, como dividendo prioritário (mínimo ou fixo) e do prêmio de reembolso, quando fixadas, aquelas vantagens, em determinada importância em moeda.

Admitindo a legislação vigente a correção anual de dívidas de dinheiro, parece-nos ser absolutamente legítima a manutenção do referido dispositivo, permitindo, assim, que o valor da vantagem econômica, atribuída às ações preferenciais sem direito de voto, objeto de estipulação em determinada importância em moeda, possa ser anualmente atualizado pelos índices oficiais de inflação.

Segundo entendemos, não havia qualquer relação entre as regras que determinavam a correção monetária das demonstrações financeiras da companhia (e que foram revogadas pela citada Lei nº 9.429/95) e a previsão constante do mencionado § 3º do art. 17, razão pela qual a revogação dos princípios gerais (aplicáveis  às demonstrações financeiras) não implica na revogação do dispositivo de natureza especial, criado para proteger o valor real da prioridade assegurada aos titulares de ações preferenciais, ao menos enquanto o sistema legal vigente admitir a correção monetária calculada com a periodicidade mínima de 12 (doze) meses.

A propósito, tomamos conhecimento de que a CVM vem determinando às companhias abertas que retirem, de seus estatutos, a previsão (expressamente admitida no § 2º, do art. 106 da Lei nº 6.404/76) sobre a incidência de correção monetária em relação ao débito de acionistas que estiverem em mora na integralização de ações.

Abstraído o fato de que entendemos não ter a CVM competência legal para determinar às companhias que procedam a alterações estatutárias, parece-nos que falta razão à agência reguladora do mercado quando apresenta dita determinação, visto que nada obsta a que a companhia possa, pelo mesmo motivo acima apontando, e observadas as regras vigentes sobre a indexação da moeda, cobrar do acionista em mora a atualização do valor da integralização, até mesmo para proteger a integridade do seu capital social.

Acresce que, constituindo-se aquela previsão em regra de caráter estritamente contratual (na medida em que só prevalecerá quando os acionistas decidirem incluí-la no estatuto), ela em nada se diferencia de outros pactos e ajustes, celebrados entre particulares, acordando a incidência de atualização monetária em obrigações, principalmente as inadimplidas, ajustes esses que não violam as determinações normativas em vigor,

2. Modificações quanto ao direito de retirada

Um dos principais objetivos visados pelo legislador, quando decidiu proceder à reforma da lei das sociedades por ações, foi o de facilitar as operações de reorganização societária, necessária à reestruturação produtiva do país, numa conjuntura marcada pela globalização produtiva e financeira e por níveis de concorrência sem precedentes.

Sabidamente, dentre os principais entraves aos processos de reorganização empresarial em nosso país, podemos apontar a extrema amplitude com que era regulado  o direito de retirada dos acionistas dissidentes.

Constituindo-se a retirada em direito de natureza excepcional, as hipóteses de recesso acabaram sendo ampliadas quando da reforma de 1976; o problema se agravou em função da pequena expressividade das cotações de mercado da maioria das ações de emissão das companhias abertas, se comparado aquele valor (de mercado) com o valor patrimonial contábil das ações, sempre crescente, até mesmo por conta da correção monetária automática de seu valor, o que acabou por se transformar em fantástico estímulo para o exercício do direito de retirada, mesmo naquelas situações em que a deliberação atendia os interesses da companhia e, por conseqüência, de seus acionistas.

De outro lado, pela imprecisão de determinados dispositivos, defrontamo-nos com situações discutíveis (quanto à incidência daquele direito de caráter especial), que aos poucos foram se aclarando em virtude das manifestações dos doutrinadores, da autoridade administrativa (a CVM) e até mesmo do Poder Judiciário.

Finalmente, para complicar um pouco as relações entre as companhias e seus acionistas, surgiu, em fins do ano de 1989, a Lei nº 7.958/89, que pretendeu revogar (como entendemos ter de fato revogado)10 algumas hipóteses legais que outorgavam o exercício do direito de retirada, mas que, por imprecisão na sua redação, gerou profunda controvérsia não só entre os estudiosos, como também junto à própria CVM (que, de início, entendeu não ter aquele diploma revogado o direito de retirada, para mais recentemente passar a sustentar o contrário).

A Lei nº 9.457/97, em relação ao tema, teve o mérito de, a um só tempo, (i) aclarar as dúvidas que existiam, tornando explícito o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre questões polêmicas já solucionadas, inclusive para afastar as hipótese de abuso no exercício do direito de retirada, (ii) corrigindo os equívocos decorrentes da promulgação da Lei nº 7.958/89 e (iii) flexibilizando certas regras que entravam ditos processos de reorganização societária.

2.1. Critério Alternativo para fixação do valor de reembolso de ações

Buscando desestimular a indústria do recesso, que vinha crescendo em nosso país, o legislador admitiu que a companhia venha a introduzir em seu estatuto regra prevendo que o valor de reembolso das ações (de propriedade do acionista que tiver exercido o direito de retirada) seja calculado e pago segundo o respectivo valor econômico (valor de fluxo de caixa futuro, descontado a valor presente).

A inovação implicou na mudança de redação do § 1º do art. 45, da Lei das SA, que estabelece que dito valor deverá ser apurado em avaliação (§§ 3º e 4º), a ser realizada por três peritos ou empresa especializada, mediante laudo que satisfaça os requisitos do § 1º do art. 8º, e com a responsabilidade prevista no § 6º do mesmo artigo.

Segundo dispõe o § 4º do citado art. 45, os peritos ou empresa especializada serão indicados em lista sêxtupla ou tríplice, respectivamente, pelo Conselho de Administração ou, se não houver, pela diretoria, sendo escolhidos pela Assembléia-geral em deliberação tomada por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco, cabendo a cada ação, independentemente de sua espécie ou classe, o direito a um voto. Ou seja, na escolha daqueles avaliadores, votam todas as ações de emissão da companhia, inclusive aquelas que estiverem desprovidas de direito de voto.

Estamos de pleno acordo com a opinião, manifestada por Nelson Eizirik, quanto ao fato de que (i) a companhia que pretender alterar o critério de fixação do valor de reembolso de suas ações, passando a adotar o valor econômico como parâmetro, deve proceder a alteração estatutária em assembléia geral extraordinária; (ii) a mudança de critério, pela companhia, não origina, para os seus acionistas, direito de recesso; e, finalmente, (iii) que a companhia, adotado o novo critério, deve mantê-lo, de forma consistente, não podendo, ao sabor de suas conveniências, pretender retornar ao critério anterior, apenas porque depois de certo tempo ele se demonstra menos oneroso.

2.2. Explicitação de hipótese de abuso no exercício do direito de retirada

A doutrina vinha assinalando, já há algum tempo, que a manutenção, pela lei de 1976, do direito de retirada nos moldes tradicionais estimulava a indústria do direito de recesso, inclusive pelo fato de, na grande maioria das situações, as cotações em mercado das ações de emissão das companhias ficar em patamar bastante inferior ao valor patrimonial contábil, até mesmo como decorrência do sistema de correção monetária das demonstrações financeiras, que elevava, de modo contínuo, o valor de livros, sem que o mercado pudesse acompanhar tal crescimento11; como visto, a reforma do art. 45, admitindo que o valor de reembolso possa ser calculado com base no valor econômico da ação, soluciona tal distorção.

Caracteriza-se o abuso, dentre outras, formas pelo fato de investigadores menos escrupulosos, quando da divulgação pública (através de publicação de fato relevante e/ou de aviso de convocação de assembléia geral de determinada companhia) de fato que originaria, quando implementado, o exercício do direito de retirada; em tais situações, alguns investidores mais espertos adquiriam ações de emissão da companhia em questão para, dias depois, quando da implementação do ato previamente anunciado, exercer o direito de retirada.

Por óbvio que, apesar do silêncio da lei sobre tal prática, nos defrontávamos, em situações como aquela ora descrita, como indiscutível exercício abusivo de um direito, instituído na legislação vigente, apenas para conciliar os direitos da maioria, inconformada com algumas alterações relevantes no pacto social, com o poder que é assegurado à maioria de alterar as condições que antes vigiam sobre assunto relevante inerente à estrutura da companhia.

Apesar de algumas decisões judiciais assim não reconhecerem, sob a alegação de que a lei não vedava tal prática, parece-nos evidente se caracterizar, naquelas situações, inequívoco abuso de direito, com a utilização de um direito previsto em dispositivo legal com finalidade diversa daquela que motivara a sua existência.

Para tornar explícito que tal comportamento não pode, e não deve ser admitido, a nova lei altera a redação do § 1º, do art. 137 da Lei nº 6.404/76, que passa a ser a seguinte:

"O acionista dissidente de deliberação da assembléia, inclusive o titular de ações preferenciais  sem direito a voto, poderá pedir o reembolso das ações de que, comprovadamente, era titular na data da primeira convocação da assembléia, ou na data da comunicação do fato relevante objeto da deliberação, se anterior" (sem destaque no original).

3. Novo regime do direito de retirada nas operações de reestruturação societária

2.3.1. Recesso decorrente da criação de classe de ações preferenciais mais favorecidas

É normal, nos processos de reorganização empresarial, criar-se classe diferenciada de ações preferenciais, à qual são atribuídos direitos diversos daqueles que vigoravam antes de implementada dita reestruturação.

Procurando explicitar algo que já era aceito pela doutrina, e plenamente reconhecido pela jurisprudência dominante, a nova lei esclarece que, quando de alteração nas vantagens atribuídas às ações preferenciais, somente terá direito de retirada o titular de ações de espécie ou classe prejudicadas (quando antes a lei se referia ao titular de ações de espécie ou classe interessadas).

2.3.2. Operações de concentração empresarial

Outro ponto que também causava grandes dificuldades, quando da estruturação de reorganização societária, estava relacionado às operações de concentração empresarial (com incorporação, fusão ou cisão de sociedades);  com efeito, tais operações que se demonstravam, na maioria das vezes, benéfica para os acionistas das sociedades envolvidas, resultavam, em virtude de exercício do direito de recesso, de parte dos minoritários, em pesado ônus para a empresa que, em muitas situações, ficava forçada a pagar um valor expressivo a título de reembolso, anulando (pelo desembolso de caixa) os ganhos eventuais que decorreriam daquela reestruturação.

O resultado prático do sistema legal introduzido pela Lei nº 6.404/76, como bem assinalado por José Luiz Bulhões Pedreira, "é que as companhias abertas ficaram impedidas de tomar parte em operações de incorporação em outra sociedade, fusão ou cisão, ou de participarem de grupo de sociedades. E como a economia de mercado implica um processo permanente de associação e concentração de empresas, o poder de veto que o direito de retirada criou para os acionistas do mercado e os fundos de pensão tornou-se fator inibidor de desenvolvimento econômico, contrário ao interesse nacional"12.

Daí porque o ilustre jurista defendia a tese de que, naquelas operações, a lei deveria tratar, de modo diferenciado, (i) as operações de fusão e incorporação, em relação às operações de cisão, (ii) diferenciando, ainda, as operações realizadas pelas companhias abertas daquelas efetivadas pela companhias fechadas.

De acordo com aquele entendimento, a nova lei elimina em princípio o direito de recesso nas operações de cisão, porque entende, a nosso ver com acerto, que em tais operações os acionistas minoritários não sofrem qualquer prejuízo, na medida em que permanecem participando da sociedade cindida e daquelas sociedades que absorverem as parcelas originadas pela cisão.

Destacamos que, nas operações de cisão, apenas existirá recesso na hipótese de, sendo a companhia cindida aberta, não for obtido, até 120 dias após a data de realização da operação, o registro de companhia aberta da sucessora (conforme dispõem os §§ 3º e 4º do art. 223 da Lei nº 6.404/76, introduzidos pela nova lei).

Concordamos, no particular, com a opinião manifestada por Nelson Eizirik de que (a) em tal hipótese o recesso é exercível apenas em relação à parcela das ações de emissão da sucessora da sociedade cindida, que não tiver obtido o seu registro de companhia aberta naquele prazo de 120 dias; e (b) de que não deve ser aplicável qualquer sanção (aos administradores e/ou controladores da sociedade cindida), inclusive a nível administrativo, se eles resolverem não pedir dito registro de companhia aberta (para a sucessora da sociedade cindida) no referido prazo.

De outro lado a nova lei resolveu acertadamente a questão, ao restringir o direito de recesso (nas operações de reestruturação societária que envolvam incorporação e/ou fusão de companhias abertas) às situações em que o minoritário, dissidente de deliberação aprovada pela maioria, seja titular de ações (a) que não integrem índices gerais representativos de carteira de ações admitidos à negociação em bolsa de futuros; e (b) de companhias abertas das quais se encontrem em circulação no mercado menos da metade do total das ações por ela emitidas, entendendo-se por ações em circulação no mercado todas as ações da companhia menos as de propriedade do acionista controlador.

Ou seja, apenas os acionistas de companhias abertas cujas ações não tenham liquidez em mercado (aferida pela sua participação em índice geral representativo de carteira de ações admitido à negociação em bolsas de futuros) ou que não tenham atingido uma dispersão acionária relevante (com mais de metade de seu capital total distribuído no mercado) é que poderão exercer o direito de retirada.

Também prevalece, em relação às operações de incorporação e de fusão de companhias abertas, o princípio enunciado nos §§ 3º e 4º do art. 223 da Lei nº 6.404/76, sendo a ele aplicáveis os comentários acima apresentados.

Está perfeitamente claro que o novo regime, relativo ao direito de recesso, instituído para as operações de reestruturação societária de companhias abertas (que têm ações de sua emissão com liquidez em mercado e/ou que têm uma considerável dispersão acionária), teve como premissa o fato de que, em tais situações, não se justifica assegurar o direito de retirada aos minoritários dissidentes, na medida em que, discordando eles de uma decisão majoritária, terão condições de, em mercado, se desfazer das ações de que forem titulares.

Foi com o propósito de impedir que, pela inexistência do recesso, em tais casos, a companhia aberta (que se encontrar em processo de concentração) pudesse transferir compulsoriamente os seus acionistas para sociedades fechadas, que o legislador, no § 4º do art. 223 da Lei das SA, assegurou aos dissidentes da operação (apenas em relação às ações de emissão da sociedade sucessora, que lhe devam ser atribuídas em substituição das ações a serem canceladas pela companhia objeto de reorganização) o direito de recesso se a sucessora da companhia reestruturada não obtiver, no prazo de 120 dias, o seu registro de companhia aberta.

É indiscutível que o legislador pretendeu, com aquele dispositivo, assegurar aos minoritário de empresas emissoras de ações com liquidez em mercado e/ou com dispersão acionária, a manutenção do status anterior à reorganização.

Sabendo-se que a nossa legislação admite que a companhia possa obter o registro de companhia aberta mediante a emissão de valores mobiliários que não materializem uma participação societária (debêntures, bônus de subscrição, partes beneficiárias, etc), cabe indagar se, na hipótese de a companhia objeto de reestruturação ter obtido o seu registro de companhia aberta pela emissão de valor mobiliário diverso da ação, também prevalecem os princípios enunciados nos §§ 3º e 4º do art.223 da Lei nº 6.404/76.

Entendemos, sobre a questão, que os mesmos princípios devem prevalecer nas situações em que a companhia (aberta) objeto de reestruturação tiver emitido bônus de subscrição, opções de compra de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações e/ou debêntures conversíveis em ações, visto que em que tais hipóteses o titular daqueles valores mobiliários, ao adquirí-los, certamente terá levado em consideração o fato de poder transformá-los em ações com liquidez em mercado e/ou de emissão de companhia com dispersão acionária.

Nas demais situações (abertura de capital pela emissão de debêntures simples e/ou pela emissão de notas promissórias), parece-nos que não devam prevalecer tais princípios.

2.3.3. Assembléia especial de titulares de ações preferenciais

Procurando extinguir um abuso que às vezes era cometido pelos titulares do controle acionário da companhia, naquelas hipóteses em que a deliberação dos titulares de ações ordinárias dependia de ratificação dos acionistas preferenciais que tinham seus interesses atingidos, a lei nova explicita, no § 1º, do art. 136 da Lei nº 6.404/76, que dita ratificação deve ser obtida em prazo improrrogável de um ano.

2.3.4. Cisão diferenciada

A nova lei explicita, em nova redação dada ao § 5º, do art. 229 da Lei nº 6.404/76, que nas operações de cisão as ações integralizadas com parcelas de patrimônio da companhia cindida serão atribuídas a seus acionistas, em substituição às ações extintas, na proporção das que possuíam, deixando claro que aatribuição em proporção diferente requer aprovação de todos os titulares, inclusive das ações sem direito a voto.

3. Pedido de relação de acionistas de companhias abertas

À vista da experiência vivida ao longo dos últimos anos, a nova lei aperfeiçoa a redação do § 1º, do art. 100 da Lei nº 6.404/76, explicitando que o pedido (que pode ser formulado por qualquer pessoa) de apresentação de relação dos acionistas da companhia aberta seja atendido desde que se destinem à defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal ou dos acionistas ou do mercado de valores mobiliários, prevendo, ainda, que do eventual indeferimento cabe recurso à Comissão de Valores Mobiliários.

4. Explicitação de hipótese de abuso de poder de controle

Embora todos concordem que o § 1º do art. 117 da Lei nº 6.404/76 se limita a indicar, de modo exemplificativo, algumas hipóteses de abuso de poder de controle, o legislador entendeu ser conveniente acrescentar novo exemplo de tal prática ilícita, acrescentando nova letra, h, em que torna claro que também constitui abuso de controle a subscrição de ações, para  o fim disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia.

5. Convocação de assembléia por titulares de ações preferenciais

A lei recém promulgada passa a permitir, no parágrafo único do art. 123 da Lei nº 6.404/76, que assembléia geral da companhia possa ser convocada por acionistas titulares de cinco por cento, no mínimo, dos acionistas sem direito a voto, quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 (oito) dias, a pedido de convocação da assembléia para instalação do conselho fiscal.

6. Remuneração indireta de administradores

Para evitar que abusos possam ser cometidos pelos controladores e administradores da companhia, a lei nova torna claro que a Assembléia Geral, ao aprovar a remuneração dos administradores (tendo em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado) também deve indicar os benefícios de qualquer natureza e as verbas de representação a que os referidos administradores farão jus.

6.1. Conselho fiscal

Buscando dar maior proteção aos acionistas minoritários da companhia, assim como maior efetividade ao direito que, na forma da lei, eles têm de fiscalizar os negócios sociais, a nova lei altera alguns princípios aplicáveis ao conselho fiscal, a saber:

a) é estipulado que a companhia deve reembolsar o conselho fiscal das despesas de locomoção e estada necessárias ao desempenho da função;

b) embora seja certo que a atuação do conselho fiscal é coletiva, a nova lei inova quando admite, na nova redação que dá ao § 4º do art. 163 da Lei nº 6.404/76, que, se a companhia tiver auditores independentes, o conselho fiscal, a pedido de qualquer de seus membros, poderá solicitar-lhesesclarecimentos ou informações, e a apuração de fatos específicos;

c) a nova lei acrescenta novo parágrafo (8º) ao citado art. 163, para permitir que o conselho fiscal, para apurar fato cujo esclarecimento seja necessário ao desempenho de suas funções, possa formular, com justificativa, questões a serem respondidas por perito e solicitar à diretoria que indique, para esse fim, no prazo máximo de trinta dias, três peritos, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas, de notório conhecimento na área em questão, entre os quais o conselho fiscal escolherá um, cujo honorários serão pagos pela companhia.

7. Preço de emissão de ações em aumentos de capital

Como amplamente reconhecido pela doutrina, e admitido pela própria CVM, os critérios de fixação do preço de emissão pela companhia de novas ações, decorrentes de aumentos de seu capital, podem ser utilizados cumulativa e/ou isoladamente: a nova lei altera a redação do § 1º do art. 170 da Lei nº 6.404/76, para deixar clara tal possibilidade.

A nova lei explicita (em inciso III, § 1º, do art. 170 da Lei nº 6.404/76) que o valor de mercado da ação, além de refletir o valor de cotação em bolsa, também pode decorrer do valor de cotação em mercado de balcão organizado; de outro lado, reconhecendo prática usual de mercado, explicita que, sobre o valor apurado, é admitido ágio ou deságio em função das condições do mercado.

Ainda em relação à fixação do preço de emissão das novas ações, decorrentes de aumento de capital, é acrescentado o § 7º ao art. 170 para determinar que a proposta de aumento do capital esclareça qual o critério adotado, nos termos do § 1º deste artigo, justificando pormenorizadamente os aspectos econômicos que determinaram a sua escolha.

8. Eliminação de ofertas públicas decorrentes de alienação do controle de companhias abertas

Todos nós que lidamos com a prática do direito societário bem conhecemos os problemas que decorreram, desde a promulgação da Lei nº 6.404/76, dos preceitos legais que determinavam a obrigatória apresentação de oferta  pública nas operações de alienação do controle de companhias abertas.

Quando da apresentação do anteprojeto da referida lei, elaborado por Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, algumas premissas relevantes sobre o tema foram consideradas:

a) quando há a transferência de um bloco de ações que assegura o controle da companhia, o mercado atribui à operação um sobrepreço em relação ao valor econômico de cada ação isoladamente considerada;

b) tal prática de mercado, porque salutar, não havia que ser impedida;

c) nas operações de transferência do controle acionário de companhias abertas comuns (aquelas que não dependem de autorização do governo para funcionar) o mercado deveria ser informado da transação, para que os acionistas da companhia pudessem se posicionar sobre a nova configuração de controle;

d) quando da cessão do controle de companhias abertas que dependem de autorização do governo para funcionar, o anteprojeto, além de submeter a operação à aprovação prévia do órgão incumbido de aprovar as alterações estatutárias da companhia, estabelecia a obrigatoriedade de apresentação de oferta pública aos minoritários da companhia, tendo em vista que em tais operações, parte ponderável do preço de aquisição do controle decorria do valor dos intangíveis da sociedade cujo controle estava sendo transferido, intangíveis esses que pertenciam a todos os acionistas da companhia.

Posteriormente, em função de emenda apresentada pelo Senador O. Leman, foi alterada a concepção original da lei, com a existência de novo dispositivo (o art. 254) que passou a exigir a oferta pública nas operações de alienação do controle acionário das sociedades comuns.

Em função da interpretação cada vez mais extensiva que a CVM passou a dar na aplicação do citado art. 254, problemas diversos começaram a surgir, dificultando bastante as operações de reorganização societária e de transferência de controle de companhias abertas.

A nova lei revogou o art. 254, assim como os §§ 1º e 2º do art. 255 (que tratava da oferta pública referente às sociedades que dependem de autorização do governo para funcionar), remanescendo em vigor o caput do art. 255, que exige, nas operações de alienação do controle de companhias abertas que dependem de autorização do governo para funcionar, a prévia autorização do órgão competente para aprovar a alteração do seu estatuto.

Como salientado pelo Senador José Serra, em seu relatório, a existência daquelas regras dificultava e gerava custos elevados nos processos de reorganização societária, o que motivou a revogação das normas relativas à alienação de controle das companhias.

1 Art. 4º O art. 20 da Lei nº 6.404, de 15.12.76, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 20. As ações devem ser nominativas."Art. 5º. As sociedades por ações terão um prazo de dois anos para adaptar seus estatutos ao disposto no artigo anterior.§ 1– No prazo a que se refere este artigo, as operações com ações, ao portador ou endossáveis, existentes na data da publicação desta Lei, emitidas pelas sociedades por ações, somente poderão ser efetuadas quando atenderem, cumulativamente, às seguintes condições:

a) estiverem as ações sob custódia de instituição financeira ou de bolsa de valores, autorizada a operar por ato da Comissão de valores Mobiliários - CVM ou do Banco Central do Brasil, no âmbito de sua competência;

b) houver a identificação do vendedor e do comprador.

2 Da qual participamos (no período de março de 1990 a fevereiro de 1991), tendo como colegas de diretoria os Srs. José Artur Escodro, Luiz Nelson Guedes de Carvalho e Renê Garcia Jr.

3 Nelson Eizirik, in Reforma das SA & do Mercado de Capitais, Ed. Renovar, 1997, p. 45.

4 Modesto Carvalhosa, in Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, Ed. Saraiva, vol. I, 1997, p. 144.

5 obras citadas, pp. 46 e 144, respectivamente:

6 De que foram expositores os Diretores da CVM, Francisco A. da Costa e Silva (Presidente da CVM), Maria Isabel do Prado Bocater e João Laudo de Camargo, e de que fomos debatedores, juntamente com os advogados Nelson Eizirik, Mário César de Andrade e Theóphilo de Azeredo Santos.

7 No seu Les Conflicts des lois dans les temps - Théorie dite de la non-retroactivité des lois, vols. I e II, Librairie du Recuiel Sirey, Paris, 1920.

8 Obra citada, vol.I, p. 379.

9 Obra citada, p. 50.

10 Cf. nosso Direito Societário e Mercado de Capitais, Ed. Renovar, 1996, p. 29.

11. José Luiz Bulhões Pedreira, in A Lei SA, vol. II, 2ª ed., Renovar, p. 373.

12 Ob. cit., p. 374.
retirado de http://www.forense.com.br