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A dimensão social da preservação da empresa no contexto da nova legislação falimentar brasileira (Lei nº 11.101/05). Uma abordagem zetética
Ecio Perin Junior*
Sumário:1. Introdução. 2. A dignidade da pessoa humana como núcleo da
preservação da empresa e a aparente antinomia em relação à eficiência
econômica. 3. A crise econômico-financeira da empresa: um componente permanente
dos sistemas empresariais. 4. Da recuperação de empresa no Brasil. 5. Hipóteses
concretas na novel legislação de estímulo à preservação da empresa e
conseqüente dignificação da pessoa humana. 6. Da recuperação judicial. 7. Da
recuperação extrajudicial. 8. Conclusão crítica. 9. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A abordagem que se
pretende dar a esta investigação científica consiste na apresentação da
relevância objetiva e subjetiva da dimensão social na preservação da empresa
como instrumento capaz de proporcionar a tutela da dignidade da pessoa humana
em paralelo à busca pela eficiência econômica.
O nosso vetusto
sistema legal (Dec.-Lei 7.661/45), bem como a recém sancionada legislação (Lei
11.101/05), tratam do lado negativo da economia contemporânea, baseados em um
modelo iniciado com a revolução industrial no século XVIII, com um
desenvolvimento político sobressaltado que cresceu e vingou como opção na
sociedade atual.
A figura da
empresa revela-se como um dos principais alicerces desse sistema, posto que é
vista como agente econômico e sustentáculo imprescindível da sua própria
sobrevivência. Por isso, a ineficiência ou inoperacionalidade da empresa deve
ser resolvida, através de tratamento específico sujeito as regras judiciais,
destinadas ou ao seu regresso produtivo ou à sua extinção como operador
econômico.
No século passado,
o tema da empresa insolvente, bem como sua abordagem, modificou-se. Desde o
período romano o objetivo era "tutelar
créditos" abandonando-se a devedora à venda, por via executiva. Com
o passar do tempo, germinou em várias legislações, dentre outras, a legislação
norte-americana, inglesa, francesa, belga, alemã, portuguesa, espanhola e, em
certa medida a italiana, além de, mais recentemente, nossa legislação
brasileira, a preocupação com a preservação da empresa, como forma de
reabilitá-la.
Em nosso
ordenamento, particularmente, busca-se absorver essa corrente do pensamento
europeu e, ao lado do mecanismo falimentar, busca-se consagrar esquemas de
viabilidade empresarial em harmonia com o princípio da preservação da empresa.
Eis pois, a questão que se levanta. Será que a adoção indiscriminada do
princípio da preservação da empresa associada ao processo de recuperação
proporcionará a tão desejada simplificação, celeridade e redução de riscos, no
processo falimentar, e consequentemente a diminuição do chamado spread bancário [02]? É
essa a questão que pretendemos debater, no curso deste estudo.
Nesse sentido,
focamos nossa análise nessa nova direção dada ao direito falimentar, em
congruência com as mudanças inseridas pelo novo Código Civil que substituiu o
sistema francês da teoria dos atos do
comércio pela empresarialidade
do sistema italiano, trazendo à discussão a maior intervenção dos credores nas
lides, com uma atuação de caráter dúplice decorrente da defesa do crédito e da
busca pela recuperação da devedora.
Esta dualidade
aparente é, talvez, o maior dilema a ser enfrentado e a maior preocupação dos
agentes econômicos envolvidos no processo recuperatório, pois haveria, senão
ostensivamente, de forma sutil um conflito de interesses entre a busca pela eficiência econômica na recuperação
do crédito e a busca da manutenção da fonte produtiva que conseqüentemente
conserva o emprego e tutela a dignidade
da pessoa humana. Esse aparente conflito, na filigrana jurídica, muitas
vezes parece insuperável.
O elemento
econômico do direito, segundo FRANCESCO CARNELUTTI [03], é o que
caracteriza o conflito de interesses, portanto, inafastável sua compreensão.
Segundo o autor, "l’elemento
economico del diritto è il conflito di interessi. Dove il conflito di interessi
non c’è, non ha ragione di esssere il diritto; non esiste um fenomeno giuridico
alla radice del quale l’analisi non rintracci tale conflito."
Outrossim, os
credores, reunidos em assembléia geral ou em comitê, auxiliados por um gestor
ou administrador judicial, impulsionam, orientam, fiscalizam e decidem o
processo, debaixo da fiscalização do juiz, no objetivo de dirimir o controverso
e, com maior ou menor contraditório, atingir o consenso.
É nesse sentido
que a recuperação judicial deve ser tratada, como forma de preservar o agente
econômico empresarial viável, respeitada a função social da empresa. O direito
falimentar, em seu sentido lato, deve, mais do que tudo, proporcionar uma
convivência saudável entre os agentes econômicos, assegurando o crédito, o que
é essencial para a preservação das relações empresariais e o desenvolvimento da
economia.
A empresa age
essencialmente através do mecanismo do crédito, o que por si só indica o
sentido de seu interesse público, característico da atividade econômica
empresarial.
O empresário,
figura relevante no processo da distribuição da riqueza, não é simplesmente um
agente econômico de interesses privados, mas, também, participa diretamente da
atividade econômica da coletividade, o que denota também sua responsabilidade
social [04].
Essa participação
mais clara se fortalece quando ocorre a hipótese de falência, uma vez que se
torna índice de desequilíbrio financeiro do empresário repercutindo com maior
ou menor intensidade, na lesão dos credores.
O mecanismo da
circulação de riquezas tem, pois, no crédito um dos elementos essenciais de sua
propulsão. As organizações empresariais modernas, quaisquer que sejam, sem o
crédito, não podem desenvolver com amplitude os seus negócios, atuar de forma
eficiente em um mercado concorrencial acirrado.
Quando afirmamos
que a lei falimentar deve assegurar o crédito [05], não fazemos
referência ao crédito individualmente considerado, dos credores contra o
devedor, mas sim ao meio ou o ambiente em que se praticam inter-relacionamentos
de créditos privados. Protegido esse ambiente coletivo de concessão de crédito,
cria-se uma atmosfera mais segura para a concessão do crédito privado, isto é,
entre os agentes econômicos individualmente considerados.
Em outras
palavras, ao assegurarmos instrumentos eficazes de recuperação de crédito,
estamos protegendo, por via de conseqüência, esse ambiente propício que
facilita a criação, bem como a manutenção de um sistema saudável de concessão
de créditos privados aos empresários para o desenvolvimento das mais diversas
atividades econômicas.
Sob o ponto de
vista econômico, o crédito é, como dissemos, fator de crescente relevância para
o desenvolvimento das atividades econômicas das mais diversas naturezas, correspondendo
ao combustível indispensável para a geração de riquezas.
O capital, ainda
sob a ótica econômica, apenas pode multiplicar-se pela sua disponibilização em
favor da atividade produtiva, verdadeira renovadora e geradora de riquezas. O
dinamismo da economia depende dessa disponibilização de capital, com o escopo
de financiar os investimentos necessários à produção.
Deve-se, portanto,
encontrar uma fórmula para que o crédito possa ser eficientemente
disponibilizado com a necessária segurança, fazendo com que o detentor do
capital seja seduzido a colocá-lo em circulação também com a certeza de contar
com formas eficazes de recuperação em caso de inadimplência do tomador.
A segurança que
favorece o credor da mesma forma beneficia o devedor de boa-fé, que, nesta
circunstância, conta com mais oferta de crédito, numa espiral de virtuosidade
econômica.
Não se pode,
contudo, afirmar categoricamente que a segurança na recuperação do crédito seja
fator determinante do custo de obtenção de recursos (dinheiro), uma vez que
depende de uma complexidade de fatores econômicos, políticos e sociais, que não
conseguiremos analisá-los integralmente nos limites deste trabalho.
Todavia, é
inegável que a capacidade de recuperação de crédito compõe a chamada "taxa de risco", que é levada em
consideração para a formação do preço da disponibilização do capital, os
malfadados juros.
Para a teoria
econômica, maiores chances na recuperação do crédito implicam menor risco, o
que tende a fomentar a circulação do crédito a custos mais baixos. Quanto maior
a disponibilização de capital, como mencionado, menores serão os juros, nessa
espiral econômica virtuosa.
A redução dos
juros é uma das componentes essenciais para o desenvolvimento econômico e
viabiliza o investimento a um custo menor, num ciclo gerador de riquezas. O
menor custo da produção implica baixa do preço do produto final em benefício do
consumidor, desde que a atividade econômica como um todo esteja inserida num
sistema concorrencial saudável, o que se procura obter através de leis
antitruste [06] e
órgãos governamentais de defesa da concorrência que, principalmente nos últimos
anos, têm cumprido, com muito acerto e competência, sua função.
Portanto, pode-se
afirmar que a livre iniciativa é um dos princípios constitucionais basilares
para o atendimento dos fins reservados à ordem econômica e social.
Segundo MODESTO
CARVALHOSA [07], "os
limites impostos ao princípio da livre iniciativa, quer de ordem ‘positiva’,
quando o Estado condiciona a atividade às vetorealizações propostas nos planos
econômicos globais, setoriais ou regionais, visando o desenvolvimento nacional
e à justiça social, ou ‘negativa’, quando o Estado exerce as funções de
controle, colocando os limites à livre iniciativa, a fim de que não se desenvolva
contrariamente aos interesses sociais também erigidos em princípios de ordem
econômica (harmonia e solidariedade entre as categorias ecossociais de produção
e a abstenção de abuso de poder econômico) devem ser entendidos restritivamente".
O produto cujo
acesso ao mercado é facilitado é, inexoravelmente mais consumido, o que gera
aumento de produção, de empregos, requerendo mais investimento e, novamente,
mais crédito. A empresa, neste cenário, como atividade econômica, é elemento
fundamental e a base sobre a qual se processa todo o ciclo virtuoso.
Dessa forma, nesse
mesmo diapasão em que deve ser protegido o ambiente propício à concessão do
crédito, deve ser preservada a empresa. Nesse sentido, no nosso pensar, essa
talvez seja uma das grandes, complexas e paradoxais tarefas daqueles que se
dedicam à aplicação do direito falimentar: encontrar uma fórmula capaz de
proteger a possibilidade de concessão de crédito, eliminando agentes econômicos
que colocam esta verdadeira instituição em risco, e, na mesma medida, buscar
preservar a empresa, sob o ponto de vista de sua dimensão social.
Aproveitando a
experiência francesa, a pretensão finalística é preservar a empresa, dissociada
da figura do empresário, titular da empresa, que de alguma forma a controla,
direta ou indiretamente, através de participação societária.
A empresa é, numa
visão moderna e menos obtusa, muito mais social do que privada. Social no
sentido de que ao mesmo tempo em que serve aos interesses do empresário,
credores e acionistas em geral, serve também aos interesses da sociedade.
A empresa serve ao
empresário e acionistas em geral como fonte de obtenção de lucros decorrentes
do capital investido para sua constituição e desenvolvimento; aos credores,
como garantia de venda de seus produtos, e por conseqüência, também a obtenção
de lucros; à sociedade serve uma vez que gera empregos, recolhe tributos e
produz ou circula bens ou serviços, exercendo desta forma, função social
indispensável, que proporciona em sentido lato, a tutela da dignidade da pessoa
humana.
2. A dignidade da pessoa humana como núcleo da preservação da empresa e a
aparente antinomia em relação à eficiência econômica
Inicialmente,
devemos observar a significação de dignidade
da pessoa humana. O vocábulo dignidade
possui múltiplos significados, daí poder-se afirmar que é dotado de amplitude
conceitual que extravasa o campo do direito positivo, assumindo conotações de
ordem subjetiva, moral, religiosa e social, dentre outras, como, aliás, todos
os direitos fundamentais comportam.
Etimologicamente,
dignidade, do latim dignitas,
[08] significa valor, distinção, princípio ao qual está baseado o
proceder que enseja respeito, e corresponde à tradução feita pelos escolásticos
da palavra grega aksióma –
axioma -, que segundo ARISTÓTELES significa a proposição primeira a qual parte
qualquer demonstração.
Para NORBERTO
BOBBIO [09] tanto a liberdade quanto a igualdade interagem sob o
ponto de vista político e histórico e ambos "se enraízam na consideração do homem como pessoa. Ambos pertencem à
determinação do conceito de pessoa humana, como ser que se distingue ou
pretende se distinguir de todos os outros seres vivos. Liberdade, indica um
estado; igualdade, uma relação. O homem como pessoa – ou para ser considerado
como pessoa – deve ser, enquanto indivíduo em sua singularidade, livre;
enquanto ser social, deve estar com os demais indivíduos numa relação de
igualdade."
IMMANUEL KANT
[10], em clássica obra, talvez traga o melhor conceito lógico-filosófico
da dignidade da humana. Ele procura demonstrar que o ser humano possui um valor em si mesmo, uma dignidade, e constrói o famoso
imperativo prático: "Age de tal
maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer
outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio".
Para que o ser humano identifique a limitação que esse imperativo prático impõe
às suas ações, KANT propõe a seguinte reflexão: "Age sempre segundo aquela máxima cuja universalidade como lei possa
querer ao mesmo tempo". E, essa seria a fórmula para extrair ou
identificar uma vontade boa. Atualmente, esse imperativo prático kantiano é muito citado como significado da
expressão "dignidade da pessoa
humana".
Cumpre ainda
mencionar que KANT emprega o termo para significar que a razão humana é livre
em matéria de moral e que as leis que ela impõe à vontade são universais e
absolutas. É neste ponto que se insere a tão conhecida distinção estabelecida
pelo referido filósofo entre o uso público e o uso privado do entendimento -
que irá servir de eixo para toda a sua argumentação. A moral kantiana se rege
por três princípios: a universalidade da lei, a dignidade absoluta do indivíduo humano e a autonomia da vontade.
Dignidade, pois, apresenta-se como um conjunto de atributos inerentes à pessoa humana e dela indissociáveis,
de conteúdo inegavelmente axiológico, pois retrata valores próprios do homem, mas que refletem no coletivo.
Tais valores não são passíveis de substituição nem de alteração, nem se
sujeitam a qualquer ordem de hierarquia ou classificação, pois não estão no
campo da relatividade. São absolutos e embora formem um conjunto, são autônomos
em sua individualidade.
Esses preceitos
morais e religiosos transferiram-se com facilidade aos cânones jurídicos,
ampliando a noção do que seja a dignidade da pessoa humana, no contexto em que
tudo se volta para o homem, existe pelo homem e tem no homem sua finalidade
essencial.
Pode-se, portanto,
dizer que a dignidade é um estado, uma condição de todo ser humano, que deve
ser tutelada pelo ordenamento positivo e assegurada pela ação efetiva do
Estado. Nesse sentido é que entendemos o princípio da preservação da empresa no
contexto da Lei 11.101/05, ou seja, como forma imperiosa de tutela da dignidade
da pessoa humana [11]. O aspecto social é, pois, fundamental para a
compreensão da dimensão do ser humano.
Por outro lado,
uma questão que já foi trazida à baila no âmbito deste trabalho, diz respeito a
busca da eficiência econômica, como forma de sustentabilidade da recuperação da
empresa. Haveria um aparente paradoxo, entre a preservação da empresa, sob o
ponto de vista da dignidade da pessoa humana e a busca pela eficiência
econômica, o que desde já refutamos.
Nesse aspecto,
entendemos que a eficiência econômica é mitigada com o princípio da preservação
da empresa, uma vez que não se excluem, se complementam. Exatamente, porque não
exortamos o discurso maniqueísta das virtudes da preservação da empresa sob o ponto
de vista humano, em detrimento da implacável perseguição da eficiência
econômica que poderia destruir a base da empregabilidade [12]. Não.
Definitivamente, esta não é nossa intenção, como já pudemos salientar e ainda
sustentaremos no capítulo seguinte, a empresa deve buscar, em uma análise
criteriosa, sob o auspício do judiciário e de todos os atores envolvidos nesse
processo reorganizatório, um equilíbrio entre a efetiva busca da eficiência
econômica, com a redução de salários, transferência de ativos e do controle da
empresa, fusões, cisões, etc.., e a manutenção da fonte produtiva, como forma
de humanização das relações empresarias.
Esse ponto de
equilíbrio é, talvez, a grande dificuldade na análise dos casos em concreto,
contudo, se mostra essencial, diante da dimensão social que a preservação da
empresa encerra.
Para os
economistas defensores da ortodoxia, em uma economia capitalista e de mercado,
é absolutamente natural esperar o encerramento da atividade econômica de
empresas insolventes que se mostram incapazes de gerar e manter ativos
necessários para a satisfação de seus compromissos com fornecedores,
empregados, instituições financeiras, previdência e o fisco.
Da mesma forma, é
também comum observar empresas em crise econômico-financeira demandando uma
reestruturação de dívidas e/ou o suporte financeiro de seus credores e da
comunidade para manter suas atividades em funcionamento.
Essas operações de
reestruturação e salvamento de empresas devem ser colocadas e avaliadas de
forma imediata, pois é sempre melhor dar solução a essas eventuais dificuldades
em fase de gestação, quando ainda há solução, do que deixá-lo evoluir a caminho
da irreversibilidade.
Contudo, nem
sempre essa atitude é possível no campo prático das relações interempresariais,
aliás, uma característica interessante, sob o ponto de vista psicológico,
quando a empresa se vê diante da crise, é a refratária oposição dos dirigentes
estatutários, à implementação de medidas alternativas radicalizando a condução
dos negócios.
Em muitos casos,
considerando-se o universo empresarial brasileiro [13], o empresário
tenta de forma desesperada, reconduzir a empresa ao caminho da obtenção de
lucro, retardando ainda mais, as medidas saneadoras que poderiam estancar a
crise instalada, o que acaba definitivamente por inviabilizar sua atividade
econômica, tornando a superação da crise econômico-financeira irreversível.
Retornando à
questão da eficiência, sob o ponto de vista econômico, os defensores da chamada
"utopia liberal" [14], consideravam-na uma medida para a
verificação da capacidade dos agentes de melhor atingir seus objetivos, de
produzir o efeito deles esperados, em função dos recursos utilizados.
Em 1989, FRANCIS
FUKUYAMA [15] "escandalizou" o mundo ao afirmar que a
queda do Muro de Berlim era a prova de que a utopia liberal, na iminência de se realizar, marcava o culminar
da evolução histórica e ideológica da humanidade. Com a utopia liberal, a história, no sentido Hegeliano, teria chegado
ao fim porque se teria alcançado a perfeição e a verdade humana teria,
finalmente, sido reconhecida na realidade.
Segundo os
utópicos do liberalismo econômico os atores sociais, no exercício de sua
liberdade, possuem a missão de definir o espaço que o mercado deve ocupar na
sociedade.
A expansão da
importância do mercado, sob o ponto de vista do racionalismo econômico, tem
como catalisador um argumento liberal poderoso, que defende que a única solução
para resolver as eventuais imperfeições do mercado é exatamente a sua expansão,
isto, é, parte do pressuposto de que se o mercado é imperfeito, só o
alargamento da sua área de influência na sociedade poderia gerar o seu
aperfeiçoamento.
Com o triunfo do
racionalismo, surgiu o conceito de "eficiência econômica". Os
liberais colocam o acento tônico no racionalismo como denominador comum das
relações interpessoais, o que segundo seus defensores, é perfeitamente
compatível com a visão individualista da natureza humana, visão essa em que se
baseia a utopia liberal.
Contudo, ao deixar
as relações humanas entregues ao calculismo frio das transações econômicas e ao
defender a expansão do mercado até onde esse mercado puder chegar - sob a ótica
da eficiência -, asfixiando a sociedade e condicionando a liberdade das
relações interpessoais, cria as novas empresas "funcionais" que se
baseiam no intercâmbio volátil dos seus atores e na despersonalização das suas
relações pessoais, efêmeras, por definição.
E, aqui está o
verdadeiro paradoxo e a incoerência do liberalismo, sob o ponto de vista da
eficiência econômica, quando por um lado, pretende defender a felicidade humana
reforçando o espaço privado do cidadão, ao mesmo tempo em que, com a defesa do
crescimento sem restrições do mercado, ameaça de morte essa mesma área privada
da sociedade.
Por outro lado, o
conceito ortodoxo, expresso pelo ótimo
de Pareto [16], vê
como eficiente uma condição onde os agentes maximizam seus resultados
econômicos, ou seja, segundo VILFREDO PARETO, é eficiente, para a empresa,
maximizar o lucro ou minimizar os custos de produção e, para o consumidor, maximizar
a satisfação ou minimizar as despesas.
JAIRO SADDI
[17], abordando a questão do ótimo
de pareto, faz a seguinte observação: "Daí porque muitos acabam entendendo que o objetivo do movimento de
Direito & Economia é sobrepor a justiça pela eficiência. Isso é
parcialmente falso. Quando uma mudança leva a uma situação Pareto superior,
pelo menos uma pessoa ficou melhor, sem que ninguém tenha ficado pior. O
conceito do ótimo de Pareto é exatamente este: melhorar a situação de A, sem
piorar a de B. Claro que se trata de um conceito econômico que não leva em
consideração quem tem ou não tem razão, se a decisão prolatada é justa,
equânime ou mesmo correta. Porém, a constatação de que se obteve ganho de
eficiência, do ponto de vista econômico, ainda que a nova situação possa ou não
ser mais eqüitativa, depende da posição relativa de quem se beneficiou. Pelo
princípio da eficiência, e sem considerações morais, mudanças de regras que
levem a uma situação Pareto superior são sempre desejáveis. Entretanto, uma mudança
que não seja eqüitativa, no longo prazo acarreta problemas de distribuição de
renda, por exemplo. Assim, eficiência e eqüidade não são necessariamente
divorciadas."
Contudo,
insistimos que esse equilíbrio presente na proposição paretiana, deve ser mitigado com os benefícios sociais da
manutenção da atividade econômica sob o ponto de vista da manutenção do
emprego, da arrecadação de tributos e da circulação de bens ou serviços.
Em última análise,
com o ideal da justiça social cresceu o número de normas imperativas, as quais
entendemos enquadrar-se a nova lei falimentar, destinadas a proteger a situação
da parte considerada social ou economicamente mais débil e a tutelar certos
valores que passam a ser considerados fundamentais. Passaremos agora a abordar
a questão da crise econômico-financeira, como componente permanente dos
sistemas empresariais.
3. A crise econômico-financeira da empresa: um componente permanente dos
sistemas empresariais
Não obstante,
tenhamos até aqui abordado a necessária mitigação do conceito de eficiência econômica com o princípio
da preservação da empresa como forma de dignificação
da pessoa humana, devemos destacar que a partir dos anos 70, e em um
ritmo crescente, as crises econômico-financeiras das empresas deixaram de ser
um fenômeno episódico, ligadas à incapacidade dos empresários e seus
administradores, especialmente vinculados a um comportamento culposo ou mesmo
delituoso. Passam a ser um fenômeno, recorrente, diariamente veiculado na
mídia.
Nessa realidade,
percebe-se a entrada de inteiros setores, e não apenas específicas empresas;
empresas que a um tempo eram prósperas e bem administradas, e agora passam por
perigosa e rápida redução de sua capacidade de gerar lucro.
Percebe-se, pois,
que a freqüência dos períodos de crise na vida da empresa se tornam constantes,
caracterizando-se hoje como um fenômeno difuso, coligado ao dinamismo da
instabilidade do ambiente empresarial. Este não é um fenômeno, apenas
brasileiro, mas diz respeito a uma ampla gama de países economicamente
desenvolvidos ou não.
Desta forma,
procuraremos descrever uma série de circunstâncias e fatores que assumem
particular relevância ao tema da crise, senão vejamos:
1) Devemos nos
recordar, primeiramente, das variações espaciais dos níveis de custo do
trabalho. Esse fenômeno anula para alguns países, vantagens concorrenciais, em
decorrência dos baixos custos de trabalho (para não mencionarmos o chamado dumping social), que acreditavam
alguns, teria uma dinâmica lenta de alteração. Contudo, a velocidade desse
processo ocorreu rapidamente e com o desenvolvimento de países como a China,
por exemplo, será cada vez mais célere;
2) Outro fator
relevante diz respeito às correntes mundiais de exportação que são objeto de
consideráveis e rápidas modificações em relação à entrada no mercado de novos
países produtores, há um custo baixo de produção, em decorrência da mão-de-obra
barata, os quais incluímos o Brasil, a China, a Coréia do Sul, Taiwan, etc..
3) Os preços do
petróleo e de outras matérias primas fundamentais, nos últimos 15 anos,
sofreram fortes aumentos, provocando acentuadas variações nos custos de
produção e conseqüentemente amplos movimentos financeiros provocaram uma maior
migração de recursos de alguns países a outros, em particular, aqueles que são
demasiadamente dependentes de importação de fontes de energia e de matéria
prima;
4) A instabilidade
das correntes mundiais de importação e exportação acabam por refletir nos
sistemas operacionais de câmbio. Essa variação constante abre e fecha mercados
exportadores e modifica as barreiras alfandegárias de entrada de produtos
estrangeiros. Desta forma, é comum acontecer que os mercados a um tempo
acessíveis, em decorrência dos níveis favoráveis de câmbio, passam a ser
inviáveis rapidamente, instalando-se a crise em determinados setores;
5) A aceleração da
evolução técnica e dos rápidos processos inovativos relacionados aos processos
produtivos (otimização de recursos para a maximização de resultados) são, em muitos
setores, um fator extremamente relevante. A automatização ligada à computação,
à robótica, à transformação do trabalho mecânico em eletrônico, são os aspectos
essenciais desse fenômeno. Assim, o alto dinamismo que caracteriza os produtos
(e via de regra os processos produtivos) se tornam insustentáveis para as
empresas caracterizadas de uma escassa capacidade inovativa. O abreviamento do
chamado "ciclo vital"
dos produtos incide sobre chamado "portfoglio
de produtos" de muitas empresas, impondo uma capacidade de
substituição e dados de inventivos que nem sempre estão disponíveis;
6) Outro fator,
não menos importante, diz respeito à constante elevação da carga tributária
incidente sobre a atividade produtiva, o que asfixia a capacidade de concorrer
em mercados já extremamente acirrados, proporcionando uma instabilidade
econômica relevante, capaz de propiciar a quebra de empresas.
Portanto, nessas
condições a empresa em crise econômico-financeira, em particular aquelas de
pequeno porte, tendem a sofrer uma acentuada diminuição no mercado, podendo
ocasionar uma crise de proporções ainda maiores, afetando diretamente o aspecto
social.
Por outro lado,
não podemos deixar de concordar que ocorrerá somente a manutenção de empresas
mais eficientes sob o ponto de vista econômico, e em razão disso, com
capacidade inovativa maior ou que pelo menos tenham compreendido quais são os
mecanismos de proteção aos riscos.
Nessa medida, esse
acaba sendo um processo natural de seleção, no qual o resultado é um
melhoramento dos níveis médios de eficiência que pode gerar o estímulo à busca
de inovações tecnológicas. A bem da verdade, isso significa endereçar de forma
sustentável, recursos disponíveis, muitas vezes escassos, a fim de proporcionar
uma maximização de resultados.
Em reforço dessa
observação, fazemos referência à posição esposada por M. BIONE [18],
que discorrendo sobre a subestimação da empresa no ordenamento italiano
[19], expõe o seguinte: "il
ruolo secondario dell’impresa (...) risponde tuttavia all’ideologia e all’assetto
di uma economia liberale. Lo stato garantisce ai privati la più ampia liberta
di intraprendere attività economiche e si astiene dall’intervenire nella
organizzazione e nella direzione delle stesse. Il compito di discriminare le
imprese in ragione della rispettiva efficienza e funzionalità è rimesso allá
dinamica de mercato e alle leggi naturali della concorrenza; il fallimento
consacra sul piano formale gli effetti relativi naturalmente prodotti;
l’eliminazione dal mercato dell’operatore insolvente, evita la propagazione del
dissesto (...)"
Partindo-se destas
premissas, derivam algumas relevantes conseqüências. Se é certo que a razão
social, possui enorme relevância na manutenção de empresas sanáveis, por outro
lado, a política indiscriminada de proteção e de defesa a todo custo das empresas em estado de crise
econômico-financeira, para superá-la e conservar os postos de trabalho é uma
ilusão. O alto custo de similares interventos pode revelar-se totalmente
despropositado em relação às vantagens efetivamente obtidas.
Em realidade
deve-se observar atentamente e valorar-se os riscos caso a caso,
para se verificar a conveniência ou não de uma intervenção de fato na empresa
em crise. Isto porque, alguns interventos equivocados [20] de "salvamento" da empresa em crise,
ineficiente e obsoleta, pode gerar custos sociais ainda maiores e
desproporcionais que significarão a manutenção das condições de dificuldade
econômico-financeira dessa empresa.
Desta forma, esses
interventos, na inútil esperança de recuperar empresas de fato condenadas,
podem por via oblíqua acabar colocando em risco, e contaminado empresas
saudáveis, com vitalidade suficiente para competir no mercado.
Nesse sentido,
NATALINO IRTI, discorrendo sobre, o que chama "luta entre competidores", descreve que toda empresa corre o
risco do insucesso de sua
atividade e que o próprio mercado deve acomodar situações de desequilíbrio,
portanto a falência teria essa função sistêmica. Assim, nas palavras de IRTI
[21], "L’istituto del
fallimento acquista cosi la sua propria collocazione sistematica, come fase
insopprimibile del circuito competitivo. Esso va riguardato nella regolare
funzionalità del mercato, e non già tenuto per ecezione ed anomalia."
Ainda nesse mesmo sentido, dastacamos a posição de
MARIA ISABEL CANDELARIO MACÍAS [22]: "No es necesario señalar que el ‘riesgo de quiebra’ constituye un
elemento esencial en las relaciones comerciales junto con el conocimiento de
las normas aplicables a las empresas, de ahí que tal riesgo quizás deba ser
asumido por todo empresario sin necesidad de acudir a la intervención estatal
perturbadora de la competencia. Creemos en la idea que el riesgo es
consustancial con la economía de mercado, y por ello es necesario mantener un
cierto grado de inseguridad que obligue a una dinámica competitiva en el
sistema, ya que en caso contrario, el salvamento de una empresa en crisis
podría favorecer las actuaciones irresponsables y de competencia desleal, y
resultaría intolerable el derecho de quien abusa de la libertad para acogerse a
la solidaridad de la sociedad y de los contribuyentes, puesto que deberá
evitarse que el saneamiento de la empresa en crisis afecte al eficiente
funcionamiento del sistema de mercado como asignador de recursos. Tampoco sería
admisible si la empresa de grandes dimensiones está hasta tal punto arruinada y
resultará insanable, y las ventajas consiguientes de la continuación del
complejo empresarial se preanunciarán irrisorias. Sin embargo, se podría
defender la conservación de la empresa siempre y cuando tal conservación cumpla
su función sólo en presencia de determinados condicionantes, tales como que el
sacrificio de ciertos acreedores no sea desproporcionado, o de su mantenimiento
se deriven posibles beneficios para el pago de los acreedores. No obstante y en
nuestra opinión, esta intervención debe constituir una solución última y
desesperada en la medida en que, la solicitud de salvamento público se formule
una vez desatendidas las solicitudes de salvamento privado o, lo que es lo más
frecuente, a las entidades crediticias y financieras privadas y siempre que
existan posibilidades reales de salvamento sin excesivos costes."
A decisão pela
recuperação da empresa, portanto, em nossa opinião, deve estar fundada em uma
prévia e profunda verificação das causas que levaram à crise, dos instrumentos
idôneos para a reestruturação empresarial e respectivos custos, inclusive
sociais, e por último, da avaliação da possibilidade de sucesso em relação aos
resultados esperados na intervenção. A análise criteriosa da crise e o plano de
recuperação são, pois dois momentos essenciais deste necessário processo de
verificação.
4 Da recuperação de empresa no Brasil
Uma coisa é a
empresa ter atingido uma irreversível inviabilidade econômica, outra, assaz
diversa, é atravessar conjunturalmente uma crise passível de superação.
Tratar com a mesma
panacéia as duas hipóteses é divórcio da realidade, ou seja, é incluir num
único saco, realidades completamente distintas; é arredio do verdadeiro cerne
da questão; é, em síntese, prejudicar gregos e troianos.
Todavia, o que a
novel legislação bem separa, foi até pouco tempo, objeto de similar tratamento:
passível ou não de recuperação, a falência constituía a vala comum da empresa
cujo passivo superava seu ativo.
Percebe-se que
esse status quo é superado com
a promulgação da nova lei falimentar. O processo comum de execução, como o
processo falimentar, deixaram de responder in totum à vida concreta do vigente universo empresarial.
Deve-se salientar
que agora, para além do binário credor/devedor, surgem outros interessados: os
dadores de trabalho, ou seja, aqueles que ao concederem ao trabalhador a
possibilidade de emprego, executam função social importantíssima, capaz de
gerar e manter a atividade econômica e, por conseqüência, o desenvolvimento
econômico e social do país.
E mais: a empresa
atual não constitui apenas o instrumento jurídico da atividade lucrativa dos
sócios ou uma fonte abastecedora da remuneração dos trabalhadores. Com maior ou
menor preponderância, a empresa passou a ser peça fundamental da atividade
produtiva nacional e um decisivo elemento, quer de economia regional, quer da
vida local. Desta forma, a eliminação judicial da empresa representa uma
verdadeira agressão ao equilíbrio social, de que o Estado não poderá se
desinteressar.
Por outro lado e
ainda, a liquidação advinda de um processo de falência, não contempla a
possibilidade de uma recuperação econômica mediante o recurso à utilização das
mais diversas formas de auxílio financeiro e de assistência técnica.
Daí surge, a
pertinência da introdução no nosso ordenamento jurídico, com caráter
sistemático e coerente, de um direito pré-falimentar, intencionalizado à
recuperação da empresa e à adequada proteção dos credores; com isso,
obviamente, haverá a tutela dos interesses dos trabalhadores.
Resta, pois, a
falência para as empresas com situação econômico-financeira irremediável,
deixando o processo de recuperação reservado a todas quantas se encontrem em
condições de sobreelevação de crise.
Contudo, vale
ressaltar a observação de FÁBIO ULHOA COELHO [23], quanto à
recuperação da empresa em crise "a
questão (...) tem recebido respostas diferentes dos direitos que dela se
ocuparam. Até o momento, por exemplo, não está em pauta na Comunidade Européia
nenhuma proposta de harmonização da disciplina jurídica sobre a matéria. No
tema relacionado à crise das empresas, a Europa limitou-se a aprovar regras de
competência jurisdicional para os procedimentos falimentares [24], que entraram em vigor em 2002."
E, ainda, o autor
conclui o raciocínio: "Como se
vê, cada direito procura seus próprios caminhos no emaranhado da difícil
questão da recuperação das empresas em crise. A grande diversidade das
respostas dadas parece sugerir que ninguém tem a solução para o problema. E
talvez não haja quem saiba mesmo o que fazer quando o assunto é a superação
‘fora do mercado’ do estado crítico de uma atividade empresarial."
5. Hipóteses concretas na novel legislação de estímulo à preservação da
empresa e conseqüente dignificação da pessoa humana
Objetivamente, no
que se refere à preservação da empresa cumpre destacar, como forma de
contribuição à discussão doutrinária, dispositivos previstos na novel
legislação que entendemos adequados à tese, ora guerreada, bem como alguns dispositivos
que afrontam tal princípio.
1) O artigo 27,
II, alínea "c", prevê uma atuação direta e objetiva do Comitê de
Credores [25], que possui função fiscalizatória [26],
primeiro na defesa dos seus interesses próprios e de seus pares, e segundo,
numa perspectiva mais ampla e conseqüente, de preservação da unidade produtiva.
Isso ocorre, pois
a lei determina que, na hipótese excepcional de nomeação de gestor judicial em
decorrência do afastamento do devedor, autorizado pelo juiz, o Comitê poderá
promover a alienação de bens do ativo permanente, constituição de ônus reais e
outras garantias e a assunção de dívidas necessárias à continuação da atividade
econômica, como medidas de urgência para o período que antecede a aprovação do
plano recuperatório.
2) Depois,
encontramos como principal mecanismo legal de preservação da empresa, o artigo
47 da LFRE que demonstra o espírito paradigmático da conservação da unidade
produtiva, quando supera a idéia paternalista
[27] da concordata, que
previa a hipótese de concessão de um "favor legal" (pelo Estado) ao
comerciante que, preenchidos determinados requisitos legais, obrigava,
nas palavras do art. 147 do Dec.-Lei 7.661/45, todos os credores quirografários
à sujeição das condições estabelecidas pelo concordatário e aprovadas pelo
juízo competente.
Essa profunda
alteração conceitual se percebe quando analisamos a redação do artigo em
comento que dispõe que, o objetivo precípuo da recuperação judicial é "viabilizar a superação da situação de crise
econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,
promovendo, assim a preservação da empresa, sua função social e o
estímulo à atividade econômica." (grifos nossos)
Nota-se que o
Estado deixa de conceder um favor
legal e passa a auxiliar o devedor propondo a viabilização da superação da crise, como forma de exercício do
legítimo interesse social. Algo que nos parece, completamente distinto, pois
deixa ao arbítrio dos credores em compasso com o devedor, ou seja, a quem
possui legítimo interesse, a discussão quanto ao mérito da dívida global e a
possibilidade de seu equacionamento.
3) O artigo 49,
por sua vez, ampliou a gama de credores sujeitos à recuperação judicial, o que
pode viabilizar a superação da crise econômico-financeira, uma vez que o
devedor pode controlar melhor a negociação e o pagamento dos credores sujeitos
aos efeitos do plano recuperatório. Algo que na legislação passada não era
possível diante da concordata, pois, como já dissemos, lá apenas os credores
quirografários se sujeitavam aos seus efeitos, o que engessava a recuperação da
empresa.
4) O artigo 50 é
outro exemplo importante de estímulo à preservação da empresa, pois apresenta
um amplo rol exemplificativo (não exaustivo) de hipóteses de reorganização
societária, sem limitá-lo a outras soluções possíveis [28]. O que
nos parece acertado. Nesse sentido, houve um grande avanço em relação à
legislação passada, pois o modelo na concordata era tão rígido, que na prática
inviabilizava a condução da recuperação da empresa levando uma maioria
esmagadora à falência.
5) Por sua vez, o
artigo 57, revela uma flagrante antinomia da norma falimentar em relação ao
princípio da preservação da empresa, pois quando trouxe a exigência da
apresentação das certidões negativas de débitos tributários, sem a previsão de
seu parcelamento regulamentada em lei especial, impôs uma condição para a
concessão da recuperação judicial que inviabiliza, na prática, a possibilidade
de recuperar a empresa, posto que um dos primeiros sintomas da crise
econômico-financeira é justamente a insuperável satisfação dos compromissos
tributários e previdenciários.
Em nossa opinião,
a medida adequada caracterizadora da boa-fé do devedor, considerando a até
então ausência de regulamentação do parcelamento, consiste na apresentação da
quitação pelo menos das três últimas parcelas dos tributos incidentes à
empresa, nas três esferas (Federal, Estadual e Municipal). Assim, estaria
também preservada uma arrecadação mínima por parte do Estado [29].
6) O artigo 58,
parágrafo 1o, como dissemos no âmbito desta investigação, prevê o
mecanismo do cram down, que é
uma forma de o juiz forçar a aprovação do plano de recuperação judicial,
preenchidos determinados requisitos legais. Esse mecanismo copiado do sistema
norte-americano outorga, em certa medida, discricionariedade ao juiz para
decidir pela preservação da empresa, mesmo que não tenha sido aprovado em
assembléia pela maioria dos credores [30]. Trata-se de uma exceção
importante que reforça nossa tese.
7) O artigo 71, I,
também, nosso ponto de vista, afronta na prática o princípio da preservação da
empresa, pois como é cediço no direito falimentar brasileiro, as concordatas
preventiva e suspensiva, eram considerados mecanismos obsoletos uma vez que não
atingiam seu escopo precípuo, ou seja a recuperação da empresa.
A maioria
esmagadora das empresas concordatárias convolavam em falência, em decorrência
do âmbito de incidência da norma, pois somente os credores quirografários
estavam sujeitos aos efeitos da concordata.
Portanto, quando o
legislador determinou no dispositivo acima descrito que apenas os
quirografários [31] estarão sujeitos aos efeitos da recuperação
judicial para microempresas e empresas de pequeno porte, muito embora tenha
ampliado o prazo de parcelamento (36 meses), engessou, ou melhor, diminuiu em
muito, como no passado sua possibilidade de vir a recuperar-se.
8) O artigo 75,
parágrafo único, em certa medida reforça o princípio da dignidade da pessoa
humana, dentro da dimensão social da preservação da empresa, pois informa que o
procedimento falimentar deverá atender aos princípios da celeridade e da
economia processual, buscando, desta forma, minimizar os efeitos da falência em
relação aos seus credores.
9) Fazemos ainda,
referência ao artigo 83, I, da LFRE. Mencionado dispositivo, diante de sua
redação precária que raia a ambigüidade, poderia em tese, demonstrar uma
antinomia da norma falimentar aos princípios norteadores da preservação da
empresa e da dignidade da pessoa humana. Isso porque em sua redação o
legislador fixou a limitação de 150 salários mínimos ao crédito trabalhista,
como classe privilegiada, remetendo o excedente, se existente, à condição de
crédito quirografário. Acontece que, com a limitação determinada entre
vírgulas, em aposto,
poder-se-ia, em tese, suscitar que essa limitação seria extensiva aos
acidentários do trabalho, pois se interpretássemos o dispositivo em ordem
inversa, teríamos: "os créditos
trabalhistas e os decorrentes de acidente do trabalho, limitados a 150 (cento e
cinqüenta) salários mínimos".
Contudo, refutamos
veementemente essa argumentação relacionada a aspectos sintáticos da linguagem
jurídica, pois feririam de morte os aspectos principiológicos que permeiam a
própria lei, em particular a dignidade da pessoa humana, caso pudéssemos
interpretá-la como forma de imposição de limitação ao credor por acidente do
trabalho.
10) Por sua vez, o
artigo 94, I, ao abordar a hipótese de falência por impontualidade
injustificada, quando, de acordo com a própria redação, "o devedor sem relevante razão de direito,
não paga obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos
protestados", trouxe uma inovação caracterizadora da preservação da
empresa, pois estabeleceu um limite mínimo [32] de salários para a
realização do pedido de falência, o que desestimula a propositura de ações com
valores irrisórios (como era possível na vigência da lei passada [33]).
Muito embora o permissivo legal previsto no parágrafo 1o do
mencionado dispositivo preveja a possibilidade de reunião de credores em
litisconsórcio ativo para atingir o valor mínimo, entendemos que o princípio da
preservação da empresa está mantido, pois dificilmente os credores conhecerão
seus pares para buscarem a via judicial, pelo menos nos grandes centros
econômicos.
11) O artigo 95 ao
prever a hipótese inovadora de, em contestação, pleitear sua recuperação
judicial, também caracteriza a preservação da unidade produtiva, pois dá ao
devedor uma possibilidade alternativa ao depósito elisivo ou contestatório de
requerer o processamento do pedido recuperatório.
12) Destacamos
ainda, o artigo 98, em paralelo ao que dispõe o artigo 95, pois demonstra
novamente a intenção do legislador em ampliar a possibilidade de superação da
crise, quando altera o prazo para a apresentação da contestação. Na legislação
passada, inúmeras empresas sofriam a quebra,
pois existia na lei um prazo extremamente exíguo para que o devedor pudesse
efetuar o depósito elisivo ou embargasse o pedido falimentar. Esse prazo era de
24 horas, da citação válida do devedor. Portanto, com a ampliação do prazo para
10 (dez) dias, da citação válida, e a possibilidade mencionada no item
anterior, percebe-se o caráter preservacionista da novel legislação.
13) Mencionamos
ainda, o disposto no artigo 99, XI, que mantém a hipótese, excepcional de
continuação do negócio do falido, como fora previsto no artigo 74 do Dec.-Lei
7.661/45. Contudo, a diferença relevante consiste no fato de que cabe na novel
legislação ao juiz pronunciar-se ex
officio [34], se haverá a continuação ou não com a condução do
administrador judicial.
Essa medida, muito
embora não tenha o significado direto de manter a unidade produtiva, acaba por
via oblíqua preservando os ativos do falido para futuro pagamento dos credores
e, fundamentalmente, mantendo os empregos dos trabalhadores. Desta forma,
proporcionaria, mesmo que indiretamente, a dignificação da pessoa humana, em
decorrência da valorização do trabalho humano.
14) Finalmente,
temos o artigo 161, que prevê a possibilidade de recuperação extrajudicial.
Além de ser uma inovação, caracterizadora de um novo paradigma legal, pois na
legislação passada qualquer hipótese de acordo extrajudicial, era considerado ato de falência [35]
(também chamada de falência presumida), a nova legislação estimula a composição
amigável através desse mecanismo homologatório. O que o insere como uma forma
alternativa de preservação da unidade produtiva.
Desta forma, após
reconhecermos hipóteses concretas de preservação da empresa e eventuais
antinomias relacionadas a esse princípio, passaremos a abordar o tema da
recuperação judicial, posto que é uma das espécies do gênero recuperação da
empresa.
6 Da recuperação judicial
A Lei 11.101/05
inseriu no direito brasileiro a figura da recuperação da empresa a qual poderá
ser realizada de forma judicial ou extrajudicial. Constitui-se em importante
instrumento legal posto à disposição da sociedade. Não se trata de um
substituto da concordata que é extirpada da lei de falência.
A Recuperação
pretende estabelecer novos paradigmas para o tratamento da empresa que se
encontrar com problemas. A crise econômico-financeira da atividade empresarial,
que poderá levar à quebra, passa a ser vista não mais como um problema
individual daquela empresa, mas sim, um problema coletivo em que estão
inseridos - agrade ou não -
todos aqueles que mantêm relações diretas ou indiretas - comerciais,
trabalhistas ou mesmo institucionais - com aquela empresa.
A partir da
assunção da problemática pela coletividade envolvida, é possível pensar até
mesmo no afastamento do empresário ineficaz com a nomeação de um administrador
(gestor), o qual terá a função de comandar a recuperação da empresa. Não se
trata apenas de administrar os créditos ou garantir a satisfação dos credores,
é muito mais do que isso.
O objetivo
principal do instituto da recuperação é a manutenção da atividade empresarial,
como fonte de alto interesse social (como já analisamos), o pagamento dos
credores será apenas a conseqüência. Daí, também, uma mudança paradigmática.
Ao empresário é
viabilizada a oportunidade de reunir seus credores, expor as dificuldades
econômicas e propor uma composição sustentada por uma série de acordos para
saneamento da empresa. Esta providência não mais se configurará em falência da
empresa como acontecia no Dec.-Lei 7.661/45.
O interesse social
na manutenção da empresa é evidente e já foi explorado no âmbito desta
investigação. A atividade empresarial deve ser incentivada. Pequena, média ou
grande empresa, todas contribuem para a manutenção e incremento de riquezas no
país, gerando empregos, tributos, promovendo a circulação dessas riquezas,
portanto devem estar protegidas pelo instituto em comento.
O instituto da
recuperação, inserido na lei, busca trazer os instrumentos necessários para que
o espírito da recuperação se concretize. A gestão compartilhada - empresário e gestor-credor - ou mesmo a gestão através dos credores, deverá
ter como premissa a manutenção das atividades empresariais, criando recursos
para sanear os pontos nevrálgicos em que se encontra a empresa, sejam esses
financeiros, sejam produtivos ou mesmo administrativos.
O objetivo é
salvar a empresa da falência, mantê-la ativa, preservando seus qualificativos
alcançados e corrigindo as deficiências. Em suma, sanear a empresa
financeiramente, porém mantendo a qualidade de seus produtos de forma a, no
mínimo, conservar seu potencial de mercado, podendo ocorrer reformulações e
adequações com vistas a melhorias e, assim, proporcionando, mesmo que
indiretamente, a dignificação da pessoa humana, em decorrência da valorização
do trabalho humano.
Diante disso,
cumpre novamente destacar objetivamente o mecanismo fundamental da recuperação
judicial e norteador desse novo paradigma do direito falimentar brasileiro. É
ele, o artigo 47 da Lei 11.101/05 que traz uma definição do seu objetivo, com
conteúdo ideológico extremamente relevante:
"A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar
a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de
permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos
interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua
função social e o estímulo à atividade econômica." (grifos nossos)
Ao estabelecer que
a recuperação judicial é o instrumento pelo qual objetiva-se a superação da
situação de crise da empresa, o artigo 47 deixa claro a ratio legis do legislador no interesse de preservação da
empresa, por seu valor social como fonte produtora, como fonte de empregos,
fonte arrecadatória de tributos, fonte de fomento da circulação de bens ou
serviços, pelo interesse dos credores.
Outrossim, o
objetivo econômico genérico da recuperação judicial é permitir às empresas em
dificuldades financeiras sérias que elas voltem a se tornar participantes competitivas
e produtivas da economia.
Os beneficiados,
sob esse ponto de vista, serão não somente os atores econômicos diretamente
envolvidos (controladores, credores e empregados), mas principalmente, a
sociedade como um todo.
Cumpre novamente
destacar as brilhantes palavras de ROGER HOUIN [36], jurista francês
que na década de 60 trouxe uma contribuição angular às letras jurídicas, quanto
aos chamados procedimentos concursais, senão vejamos: "Numa economia de grandes empresas, tomando geralmente a forma de sociedades, ela
interessa também aos assalariados, que a liquidação do negócio dispersa;
interessa também aos sócios, especialmente aos acionistas, que não cometeram
outra imprudência senão a de deixar dirigentes incapazes ou desonestos tomar o
poder e exercê-lo. Enfim, ela pode concernir à economia do país, que sofrerá a
desaparição de uma unidade econômica em estado de funcionamento que, melhor
gerida, teria sido viável e produtiva."
O autor, conclui
seu pensamento com a seguinte colocação: "De nossa parte, consideramos que uma legislação moderna da falência
deveria dar lugar à necessidade econômica da permanência da empresa. A vida
econômica tem imperativos e dependências que o Direito não pode, nem deve,
desconhecer. A continuidade e a permanência das empresas são um desses
imperativos, por motivos de interesse tanto social, quanto econômico. Eles
deveriam ser assegurados pelo direito da falência todas as vezes que fosse
útil. Assim contribuir-se-á para fazer aparecer melhor a noção de empresa na
vida jurídica."
Para FÁBIO ULHOA
COELHO [37], um dos vetores que viabilizam a recuperação da empresa
e que devem ser analisados pelo Judiciário, diz respeito à relevância social da
mesma. Pondera o autor que "a
viabilidade da empresa a recuperar não é questão meramente técnica, que possa
ser resolvida apenas pelos economistas e administradores de empresa. Quer
dizer, o exame da viabilidade deve compatibilizar necessariamente dois aspectos
da questão: não pode ignorar nem as condições econômicas a partir das quais é
possível programar-se o re-erguimento do negócio, nem a relevância que a
empresa tem para a economia local, regional ou nacional. Assim, para merecer a
recuperação judicial, a sociedade empresária deve reunir dois atributos: ter
potencial econômico para reerguer-se e importância social. Não basta que os
especialistas se ponham de acordo quanto à consciência e factibilidade do plano
de reorganização do ponto de vista técnico. É necessário seja importante para a
economia local, regional ou nacional que aquela empresa se reorganize e volte a
funcionar com regularidade; em outros termos, que valha a pena para a sociedade
brasileira arcar com os ônus associados a qualquer medida de recuperação de
empresa não derivada de solução de mercado".
Por outro lado, como
já discorremos ao longo deste trabalho, um sistema concursal, que se pretende,
exercente de uma filosofia preservacionista da unidade produtiva não pode ficar
refém de mecanismos indiscriminados de conservação de qualquer empresa.
O direito moderno
não pode desprezar a questão fundamental de se saber em que casos, concretos,
as empresas devem desaparecer, e quando devem ser preservadas.
A manutenção de
empresas ineficientes, como já sustentamos, pode contaminar empresas saudáveis,
em um mercado potencialmente concorrencial, assim o impacto social de sua
preservação artificial atingiria em escala imensurável o interesse público.
Nesse sentido, nem
sob o auspício do interesse exclusivo dos empregados pode prevalecer a
manutenção da empresa em crise insuperável, pois os contribuintes, desta forma,
pagariam as subvenções que artificiosamente mantenham essas empresas vivas.
FRANCISCO CABRILLO
[38], como nos informa PAULO PENALVA SANTOS, em brilhante análise
econômica do direito concursal espanhol, anterior à recente modificação de seu
sistema concursal, alerta para o fato de que dentre os custos com a preservação
de uma empresa ineficiente, destaca-se o da baixa produtividade dos fatores de
produção nela empregados.
Desta forma,
segundo o autor espanhol, seria temerário elaborar uma lei que "facilitasse indiscriminadamente a
preservação de empresas em momento de crise, sem considerar o custo com a sua
manutenção. Seria, por exemplo, um erro grave decidir pela manutenção de
empresas ineficientes apenas para evitar o desemprego, pois o resultado final
dessa política dificultaria ainda mais a criação de empresas eficientes".
Interessante,
neste sentido, como pudemos notar anteriormente, as legislações existentes no
mundo que inseriram, em suas disposições, a idéia de que um procedimento
adequado de reestruturação das empresas em crise deveria, em maior ou menor
grau, concorrer com a preocupação pura e simples de liquidar os seus ativos
para quitar, na medida do possível, os seus passivos, realizando-se o direito
dos credores segundo o princípio da "par conditio creditorum".
7 Da recuperação extrajudicial
A recuperação
extrajudicial, procedimento de composição de interesses preliminar da
recuperação, previsto nos artigos 161 a 167, da Lei 11.101/05, como já
dissemos, era na vigência do Dec.-Lei 7.661/45, considerado "ato de falência" [39]
(artigo 2o, III), caracterizador da decretação da quebra.
O empresário que
convocasse seus credores para tentar uma composição extrajudicial poderia ter a
falência decretada, em face de algum credor descontente com tal procedimento.
Diante disso,
pode-se perceber que a Lei 11.101/05, nesse novo espírito de preservação da
unidade produtiva, estimula por meio da recuperação extrajudicial, uma
composição que proporcione a superação da crise econômico-financeira da
empresa.
A recuperação
extrajudicial é importante, também, por dar maior amparo e proteção jurídica
aos acordos informais que são cada vez mais comuns entre grandes empresas e
instituições financeiras, proporcionando a redução dos custos de transação e,
por conseqüência, conferindo maior transparência (disclosure) e segurança com a possibilidade de homologação
judicial do plano de recuperação que resulte dessas negociações.
Instaura-se, como
salienta WALDO FAZZIO JÚNIOR [40], "o império da realidade: os
acordos preventivos extrajudiciais são objeto de homologação judicial e aptos a
detonar o procedimento de recuperação do agente econômico devedor, pela
composição com parte ou a totalidade de seus credores".
Contudo, observa
FÁBIO ULHOA COELHO [41] que uma vez "alcançado o acordo com os credores, o instrumento contratual firmado
entre eles e a sociedade devedora é já suficiente para a produção de todos os
efeitos pretendidos pela iniciativa de recuperação. Quer dizer, se a sociedade
imagina que pode superar a crise com a dilação dos prazos de pagamento de
determinadas obrigações, procura os credores destas e obtém deles a
concordância para a prorrogação, o instrumento de aditamento ao contrato ou
contratos que formalizar a nova condição de pagamento será suficiente para
alcançar o objetivo pretendido (ou seja, a dilação daqueles prazos)".
Ainda, segundo o
autor, não seria necessário, que a empresa devedora propusesse o pedido de
homologação judicial. O requerimento de homologação judicial, no caso da medida
contratada ter sido eficaz para a recuperação da empresa, seria facultativo.
Mais adiante,
FÁBIO ULHOA COELHO [42], discorre sobre o tema observando que ao
lado da homologação facultativa do plano de recuperação extrajudicial ao qual
aderiram todos os credores, nos termos do artigo 162, da LFRE, há a
possibilidade também da homologação obrigatória, conforme artigo 163, da LFRE.
Neste último caso, o devedor conseguiu a adesão substancial dos seus credores
ao plano de recuperação, mas uma pequena minoria ainda resiste a suportar suas
conseqüências.
Desta forma, a
principal vantagem da homologação judicial de um acordo, aprovado pela maioria
dos credores, é a de poder obrigar seu cumprimento por credores minoritários, o
que tende a aumentar a participação destes e dos demais, nas negociações do
acordo. Outra vantagem importante é a de poder realizar a venda judicial de
subsidiárias ou filiais de empresa sem o ônus da sucessão tributária.
Cumpre ressaltar
que nas discussões do Congresso Nacional sobre a nova legislação, houve quem
defendesse a manutenção do instituto da concordata em harmonia com as novas
modalidades recuperatórias (judicial e extrajudicial), sob o argumento de que
ela seria útil nos processos de renegociação de dívidas, mormente por parte de
empresas de pequeno porte em situação de crise.
A novel legislação
ao substituir as concordatas preventiva e suspensiva, não albergou ao falido a
possibilidade de, depois de decretada a quebra, tentar como última medida a
recuperação através da suspensão da falência, com era possível no Dec.-Lei
7.661/45, nos artigos 177 e seguintes. Portanto, em tese, houve uma supressão
de direitos atinentes ao devedor. A justificativa residiu no fato de que, na
prática, a concordata suspensiva só afastava os credores da efetiva satisfação
de seus créditos, pois, comumente essa se convolava em falência.
Finalmente, o que
de fato prevaleceu foi o entendimento de que os benefícios da concordata são
muito contidos, em face dos novos institutos recuperatórios. Uma mera
renegociação de dívidas pode ser realizada por qualquer empresa em dificuldade,
seja na forma de composição extrajudicial, seja na forma de acordo homologado
judicialmente (recuperação judicial), com a vantagem de flexibilizar as
negociações entre devedor e credores e, poder por conseqüência, incluir outras
questões que a legislação passada da concordata não contemplava.
8. Conclusão crítica
O tênue e precário
desenvolvimento do mercado de crédito e as recentes pesquisas do Banco Mundial,
que situam o Brasil dentre os piores países para recuperação de crédito, têm
como contra partida os elevados "spreads"
cobrados pelo setor bancário que se sobrepõe às já elevada taxa de juros
básica.
Boa parte desses
problemas é originada pela vetusta Lei de Falências, que regeu nosso sistema
legal de crédito desde 1945. O Dec.-Lei 7.661/45, além de desenhado para um
ambiente empresarial simples, para não dizer rudimentar, é de uma época em que
sequer tínhamos empresas a nível nacional.
Sem dúvida um dos
objetivos precípuos de qualquer processo falimentar, mas não único, é a
satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores. Quem
intervém no tráfego jurídico, e especialmente quando aí exerce uma atividade
empresarial, assume, por esse motivo, indeclináveis deveres, sobretudo, o de
honrar os compromissos assumidos.
Do ponto de vista
econômico, uma legislação falimentar, considerada moderna, tem como objetivo
criar condições para que situações de crise econômico-financeira tenham
soluções razoavelmente previsíveis, céleres e, fundamentalmente, transparentes,
de modo que os ativos mobilizados e imobilizados, tangíveis e intangíveis,
sejam preservados no intuito de cumprirem sua função social, gerando emprego,
renda e circulação de bens ou serviços.
A vida econômica e
empresarial é vida de interdependência, pelo que o descumprimento por parte de
certos agentes repercute necessariamente na situação econômica e financeira dos
demais. Urge, portanto, numa dimensão econômica, dotar estes, dos meios idôneos
para fazer face à insolvência dos seus devedores, enquanto impossibilidade de
pontualmente cumprir obrigações vencidas.
Na dimensão
econômica da preservação da empresa, a garantia comum de todos os credores é o
patrimônio do devedor e, é a eles que cumpre decidir quanto à melhor efetivação
dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o
interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado.
Não podemos nos
olvidar que quando na massa falida esteja compreendida uma empresa que não
gerou os rendimentos necessários ao cumprimento das suas obrigações, a melhor
satisfação dos credores pode passar tanto pelo encerramento da empresa, como
também pela manutenção de sua unidade produtiva.
Nessa dimensão
econômica, é sempre da estimativa dos credores que deve depender, em última
análise, a decisão de recuperar a empresa, e em que termos, nomeadamente quanto
à sua manutenção na titularidade do devedor insolvente ou na de outrem. E,
repise-se, essa estimativa será sempre a melhor forma de realização do
interesse público de regulação do mercado, mantendo em funcionamento as
empresas viáveis e expurgando dele as que o não sejam (ainda que, nesta última
hipótese, a inviabilidade possa resultar apenas do fato de os credores não
verem interesse na continuação).
Entende-se que a
situação não corresponde necessariamente a uma falha de mercado (market failure) e que os mecanismos
próprios deste conduzem a melhores resultados do que intervenções autoritárias,
como aquelas preconizadas pelas concordatas preventiva ou suspensiva em que não
era dado aos credores sujeitos a elas, a possibilidade de opinarem sobre a
concessão das mesmas. O favor legal era do devedor, que impunha as regras
previstas em lei a todos os credores quirografários.
Ao direito
falimentar (de caráter eminentemente recuperatório) moderno compete, em um
primeiro momento, a tarefa de regular juridicamente a eliminação ou a
reorganização econômico-financeira de uma empresa segundo uma lógica de
mercado, devolvendo o papel central aos credores, convertidos, por força da
insolvência, em seus proprietários econômicos, e, mais importante, a busca da
superação deste estado de desequilíbrio por sua humanização.
Contudo, vale
relembrar ainda que, uma das causas de insucesso de muitos processos de
recuperação ou de falência nas legislações alienígenas, residiu no seu tardio
início, seja porque o devedor não era suficientemente penalizado, seja porque
os credores eram negligentes no requerimento de providências de recuperação ou
de declaração de falência, por falta dos convenientes estímulos, ou até mesmo,
pelo aspecto psicológico que mencionamos anteriormente.
Uma lei
falimentar, como nossa novel legislação, para ser considerada eficaz e atingir
efetivamente aos fins a que se destina, deve contribuir para maximizar o valor
do patrimônio do devedor sem por essa via constituir um estímulo para um comportamento
negligente.
Fundamental para
mudança de paradigma é a promoção da celeridade do processo, como é preconizada
na própria lei [43], tornando-se também necessária a adoção de
medidas no plano da organização judiciária, que complementam o regime contido
na novel legislação recuperatória.
Não basta
modernizar a legislação se não tivermos um Poder Judiciário preparado para essa
ruptura que enseja um preparo profissional dotado de capacitação não só na área
jurídica, mas também na área econômica.
E, ainda, pelas
razões expostas, somos absolutamente favoráveis à criação de varas e câmaras
especializadas na área empresarial, como timidamente já ocorre em alguns
estados, diante das particularidades envolvidas, tanto nas questões
falimentares, como também nas questões societárias de maior complexidade.
Insistimos que
para realizar-se uma eficaz salvaguarda das empresas viáveis economicamente,
deve-se ter em mente que há nítida distinção entre empresas que devem ser
socorridas e salvas e empresas que devem encerrar suas atividades econômicas.
E, mais além, o sistema legal para ser considerado eficaz deve diferenciar a
aplicação de rígidas sanções ao empresário e não à empresa.
Contudo, no âmbito
da dimensão social da preservação da empresa os argumentos acima expostos, não
se sustentam livremente, ou seja, há uma necessária simbiose entre a busca pela
eficiência econômica e a superação da crise sob o impacto humano.
Portanto,
parece-nos claro, - e é essa a tese de
nossa investigação -, que os argumentos supramencionados da eficiência
de mercado, com a decisão de recuperar sempre depender de estimativa dos
credores, não supera, como já sustentamos, as questões sociais diretamente
envolvidas na manutenção ou não da fonte produtiva, como forma de preservação
da empresa.
A essência deste
ensaio numa abordagem zetética é a reflexão sobre a necessária mitigação da
eficiência econômica com a humanização da tutela da empresa em estado crítico
como forma de dignificação da pessoa humana, ou seja, deve haver uma
desmistificação da eficiência neoliberal, no Estado contemporâneo.
O perigo da
utilização irrestrita da eficiência como justificativa de conduta pode
significar mais que um risco para a legalidade, pode significar um perigo a
própria democracia.
Para que seja
possível admitir uma interpretação diferenciada da eficiência econômica como
princípio do Estado de Direito, mitigado com a razão humana, torna-se
necessário um rompimento com o paradigma cultural em ascensão.
O viés pragmático,
característica da nova racionalidade, volta-se contra o intervencionismo
principiológico do Estado de bem estar social. Em realidade, o mito neoliberal
busca encobrir a concreta ineficiência do Estado Liberal, no atendimento das
reais necessidades do cidadão, notadamente as de cunho social.
Nesse diapasão, a
crise da empresa é tomada como justificativa para o fetichismo econômico
neoliberal, que privilegia a crença em uma eficiência autônoma à justiça,
especialmente no seu fundamento maior: a igualdade material.
A compatibilidade
entre a chamada eficiência econômica e o princípio da dignidade da pessoa
humana é uma decorrência necessária do constitucionalismo social imposto pela
Constituição Federal de 1988.
Desta forma,
torna-se premente o advento de uma nova mentalidade que desmistifique os
preconceitos e falsas percepções da contemporaneidade que contrapõem eficiência
e segurança jurídica.
A origem da
eficiência como símbolo, valor e princípio, está intimamente vinculada ao
advento da modernidade, com sua crença na capacidade do homem de forjar o seu
destino, no âmbito do Estado Social, em razão de sua preocupação ética com a
dignidade da pessoa humana, por conta de sua concreta capacidade de conter as
falhas do setor privado e responsabilizar-se pelo atendimento das necessidades
mínimas coletivas.
Parece-nos
evidente que a empresa hoje não é simplesmente um repositório especulativo de
acionistas ou sócios controladores que promovem políticas de desenvolvimento de
suas atividades econômicas, de forma autônoma e irresponsável, sem sopesar as conseqüências
da má gestão empresarial.
A empresa, muito
mais do que estritamente econômica deve ser socialmente responsável, posto que
o encerramento de suas atividades gera a extinção de empregos formais,
informais e pode ocasionar o efeito "cascata" no encerramento de
atividades de fornecedores diretamente vinculados a ela.
Além disso, com
sua extinção, o Estado deixa de arrecadar tributos e fundamentalmente a
economia e os consumidores sofrem com a falta de circulação de bens ou
serviços, gerando conseqüências também na esfera concorrencial.
Como já dissemos,
a doutrina clássica tem considerado a falência como um fenômeno patológico da
sociedade que urge combater e nas últimas décadas, seguindo uma tendência
mundial, percebeu-se a importância da adoção de um procedimento de
reorganização empresarial com o escopo de promover a recuperação da empresa em
crise, diferente dos modelos até então existentes, capaz de evitar o seu
desaparecimento quando houvesse interesse social considerado relevante.
Para finalmente
encerrar essas observações críticas, apenas por amor à argumentação, cumpre
esclarecer que essa investigação está longe de ter a pretensão exaustiva de
tema tão profundo e fecundo como a preservação da empresa em crise
econômico-financeira.
Nem se pense, de
forma maniqueísta, que os pontos de vista sustentados no âmbito deste trabalho,
teriam uma tendência interpretativa da proteção dos interesses do devedor.
Em realidade,
buscar incessantemente a sobrevivência da empresa considerada economicamente
viável e socialmente relevante, proporciona na mesma medida, a preservação dos
interesses dos credores, posto que o encerramento da atividade econômica
implica, via de regra, na perda de seus créditos.
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117, janeiro-março/2000.
Notas
02 Segundo definição
do Banco Central do Brasil, spread
bancário é a diferença entre a taxa de empréstimo e a taxa de captação
de Certificado de Depósito Bancário (CDB). Cfr. LUNDBERG, Eduardo. Economia Bancária e Crédito: avaliação de 3
anos do Projeto Juros e Spread Bancário, 2002, p. 50, (capturado:
http://www.bcb.gov.br, em 29/01/2005, às 12:10 hrs.).
03 CARNELUTTI,
Francesco. Teoria generale del diritto,
Roma: Società editrice del "Foro Italiano", 1951, p. 25.
04 Através
de práticas de boa governança corporativa, tais como: a) As assembléias-gerais devem ser realizadas em data e hora que
não dificultem o acesso dos acionistas. O edital de convocação deve conter
descrição precisa dos assuntos a serem tratados. O Conselho de Administração
deve incluir na pauta matérias relevantes e oportunas, sugeridas por acionistas
minoritários, independentemente do percentual exigido em lei para convocação de
assembléia geral. b) Quando os
assuntos objeto da pauta forem complexos, a Cia. deve convocar a Assembléia com
antecedência mínima de 30 dias. 3. A Cia. deve tornar plenamente acessíveis a
todos os acionistas quaisquer acordos de seus acionistas de que tenha
conhecimento, bem como aqueles em que a Cia. seja interveniente. c) A Cia. deve adotar e dar
publicidade a procedimento padrão que facilite ao acionista obter a relação dos
acionistas com suas respectivas quantidades de ações, e, no caso de acionista
detentor de pelo menos 0,5% de seu capital social, de seus endereços para
correspondência. d) O estatuto
da Cia. deve estabelecer que as divergências entre acionistas e Cia. ou entre
acionistas controladores e acionistas minoritários serão solucionadas por
arbitragem.
05 Hodiernamente se
destaca o significado econômico da empresa, em uma realidade distinta daquela
que vigorava no momento da criação da legislação falimentar (1945), não podendo
vislumbrar-se nesse procedimento, uma finalidade meramente coercitiva ou um fim
último privatista, direcionado ao simples pagamento dos direitos creditícios. A
expansão do crédito privado, possibilitando a ampliação do espectro das
operações empresariais de compra e venda, vinculam intensamente os interesses
da coletividade com a vida da empresa. Desta forma, como resultado dessa
interação, a falência da empresa tem um efeito de repercussões amplas, que
exigem do poder disciplinador do Estado a criação de mecanismos legais capazes
de possibilitar a recuperação e sobrevivência das empresas em momentos críticos
de sua vida econômica.
06 A repressão civil
decorre da atribuição genérica de responsabilidade pela indenização dos danos
derivados de ilícitos (art. 159 do Código Civil de 1916). Da responsabilidade
administrativa cuida a Lei 8.884/94. A repressão penal concentra-se no art. 178
do Dec.-lei 7.903/45, que define os crimes de concorrência desleal, e nos
artigos 4.o a 7.o da Lei 8.137/90, que tipificam os crimes contra a ordem
econômica e as relações de consumo.
07 Cfr. CARVALHOSA,
Modesto. A Ordem econômica na
Constituição de 1969, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, p. 140.
08 UNHA, Antônio
Geraldo da. Dicionário etimológico
nova fronteira da língua portuguesa, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2a
edição, revista e acrescida de um suplemento, 14a impressão, abril
de 2001, p. 265.
09 BOBBIO, Norberto.
Igualdade e liberdade, Rio de
Janeiro: Ediouro, tradução de Carlos Nelson Coutinho, 1996, p. 07.
10 KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes,
Rio de Janeiro: Edições de Ouro, tradução Lourival de Queiroz Henkel, 1975, p.
109.
11 Nesse sentido, a
dignidade da pessoa humana é um dado ôntico; está no mundo do ser e opera como um valor fundante,
ou valor fonte, que paira sobre todas as Ciências e inspira o ordenamento
jurídico, nele se enraizando através dos preceitos objetivados.
11 Uma das críticas
que se desenvolve a respeito da busca incessante pela eficiência econômica
consiste no seguinte fato: Se a empresa estiver em profunda crise
econômico-financeira e tiver que optar, por exemplo, pela substituição de 100
empregados por tecnologia robótica capaz de maximizar seus resultados
econômicos e assim tentar superar a crise, deverá adotar tal procedimento, independentemente
do impacto social que a perda desses empregos possa acarretar.
12 Característica
peculiar das sociedades empresariais brasileiras é a quantidade expressiva de
empresas de cunho familiar.
13 Na utopia
liberal, a economia se beneficia de um grau de autonomia extremamente amplo. Em
realidade, na esfera social, os laços entre membros da sociedade são limitados
a trocas comerciais governadas pelos mecanismos do marketing. Depois do homo
sovieticus e do homo sistemicus,
surge o homo economicus.
14 Francis Fukuyama,
cientista político nipo-americano, ex-funcionário da Rand Corporation (empresa
que presta serviços ao Pentágono), ficou famoso há mais de uma década atrás com
a tese do "fim da história"
(com o colapso do comunismo a democracia liberal não tinha mais inimigos pela
frente, encerrando-se assim a concepção hegeliana-marxista da história que
entendia tudo como resultante do conflito dos contrários).
15 Na obra Manuale d''economia politica (1906),
considerada a mais importante, analisou a natureza e os objetos da teoria nas
ciências sociais, desenvolveu a teoria geral do equilíbrio econômico e discutiu
os três fatores de produção: capital, trabalho e recursos naturais. Pareto é conhecido
pelo conceito de Ótimo de Pareto.
O produto é um ótimo de Pareto
se, somente se, nenhum agente ou situação pode estar em uma posição melhor sem
fazer com que outro agente ou situação assuma uma posição pior. Outrossim, uma
situação econômica é "ótima" no sentido de Pareto, se não for
possível melhorar a situação, ou mais genericamente a utilidade, de um agente
sem degradar a situação ou utilidade de qualquer outro agente econômico. Numa
estrutura ou modelo econômico podem coexistir diversos "ótimos de
Pareto". Um "ótimo de Pareto" não tem necessariamente um aspecto
socialmente benéfico ou aceitável. Por exemplo, a concentração de rendimento ou
recursos num único agente pode ser ótima no sentido de Pareto.
16 SADDI, Jairo. Eficiência ou equidade? In: Artigo
publicado no jornal O valor econômico,
de 29 de novembro de 2005.
17 BIONE, M. Della dichiarazione di fallimento. In: Commentario
Scialoja-Branca alla legge fallimentare, sub art. 5, Bologna-Roma, 1974, p.
221.
18 No âmbito deste
trabalho, já nos havíamos manifestado anteriormente sobre a subestimação do
fenômeno da empresa no ordenamento italiano.
19 Em alguns casos,
por vezes, as dificuldades econômicas decorrem do chamado "excesso de
capacidade", do mercado, ou seja, há uma oferta infinitamente superior à
demanda necessária, o que acaba inviabilizando a manutenção de uma empresa,
nessas condições. A crise, pode ser resultado da própria necessidade de, como
dizem os italianos, "alleggerimenti
dell’offerta".
20 IRTI, Natalino. L’ordine giuridico del mercato,
Roma-Bari: Editori Laterza, 3ª ed. 2004, p. 142.
21 MACÍAS, Maria
Isabel Candelario. Algunas
consideraciones sobre la intervención estatal en el derecho concursal,
Dataveni@, João Pessoa, Publicação da Universidade Estadual da Paraíba, ano
III, nº 18, agosto de 1998. Disponível em: http://www.datavenia.net/artigos/artigos_1998.htm.
Acesso em: 03 de maio de 2006, às 18:45h.
22 COELHO, Fábio
Ulhoa. Comentários à nova lei de
falências e de recuperação de empresas (Lei n. 11.101, de 9-2-2005), São
Paulo: Saraiva, 2005, pp. 113-115.
23 Trata-se do
Regulamento (CE) no 1346/2000, que trata dos procedimentos de
insolvência.
24 Não nos
esqueçamos que a constituição do Comitê de Credores é facultativa.
25 O Comitê de
Credores é órgão previsto na LFRE para, dentre outras atribuições, fiscalizar
os atos do administrador judicial. Percebe-se pois, o duplo crivo
fiscalizatório que a empresa sofre, para a manutenção e conservação da
atividade produtiva. Há também diante dessa fiscalização a diminuição das
possibilidades de fraude.
26 Já mencionado no
âmbito deste trabalho.
27 Poderíamos
mencionar, à título de ilustração, como forma alternativa não prevista nesse
rol exemplificativo, a possibilidade da constituição de um FIP. Os Fundos
de Investimento em Participações (FIP) foram regulamentados pela Instrução
Normativa CVM 391 de 16 de julho de 2003. Mencionados fundos são condomínios
fechados cujos recursos destinam-se a compra de ações, debêntures, bônus de
subscrição ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis
em ações de emissão de companhias abertas ou fechadas. Os FIPs devem
participar do processo decisório das companhias onde investem, definindo políticas
estratégicas e atuando na gestão, portanto se coadunam com a ratio legis da novel legislação
falimentar, particularmente no que se refere às hipóteses de recuperação
judicial previstas no art. 50, incisos II, III, VI, X, XIII, XIV, XV e XVI da
Lei 11.101/05 (LFRE). Desta forma, nos chamados FIPs, somente investidores
qualificados podem investir. O valor mínimo da subscrição é de R$ 100.000 (cem
mil reais). É um fundo fechado, sem direito a resgate de cotas antes do prazo
de encerramento – portanto seu regulamento deve definir prazos para subscrição,
prazo de duração e formas de desinvestimento.
28 Interessante
notar, a título de ilustração, a decisão proferida nos autos do processo nº
390/2005, da 1ª Vara Cível de Ponta Grossa, Estado do Paraná, em que o juiz,
Luiz Henrique Miranda, discorre sobre a necessária interpretação do artigo 57
da Lei 11.101/05 à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, como
sustentamos nessa tese: "(...)
Enfim, aprovado o plano de recuperação, pelos credores, reta verificar se a
Autora merece ver deferido seu pedido, uma vez que ela não cumpriu com a
exigência ditada pelo artigo 57 da Lei que rege a matéria. (...) Trata-se de
norma cogente: aprovado o plano, de forma tácita ou em assembléia, cabe ao
devedor, para ver deferido o pedido de recuperação, apresentar prova de estar
quite com o fisco. E, como a Autora não satisfaz essa exigência, a conseqüência
lógica seria o indeferimento de seu pleito, com a conseqüente extinção do
processo. A solução, contudo, não pode ser tão simplista. Como é sabido, o
instituto da recuperação judicial foi inspirado no princípio constitucional da
função social da empresa, que, por sua vez, se coliga com o princípio da
dignidade da pessoa humana. A empresa, na ordem constitucional vigente, tem
– ou deve ter – uma função social, não podendo se prestar apenas à satisfação
dos interesses do empresário. Acima destes, estão os postulados básicos da
sociedade pretendida pelo constituinte, onde a empresa se encaixa como veículo
para a livre iniciativa e livre concorrência, para a produção de riquezas
compartilháveis (mercê da tributação dos resultados positivos obtidos, e para,
sobretudo, a dignificação do ser humano, através da geração de empregos que
permitam às pessoas valorizar-se pelo trabalho e pela renda por meio dele
obtida. E uma empresa que cumpre com essa função não poderia ficar
desprotegida no cenário econômico e sujeita, indefesa, à inconstância do
mercado, notadamente nestes tempos de economia globalizada, sob pena de, em
algum momento, o interesse de um ou de poucos credores sobrepor-se ao interesse
maior da coletividade, como, aliás, vinha sistematicamente ocorrendo durante a
vigência do Dec-Lei 7.661/45 (...) Enfim, a exigência de apresentação de
certidões negativas – que, na prática, equivale a impor ao empresário estar em
dia com as obrigações fiscais e previdenciárias – inviabiliza a recuperação
judicial. Fazendo-o, conflita com o princípio constitucional da função
social da empresa e com os outros que a ele se ligam, entre os quais o da
dignidade da pessoa humana. E, na colisão de princípio e norma, prevalece
aquele, devendo ser dispensada a Autora, destarte, da apresentação das
certidões." (grifos nossos)
29 Nos termos do que
dispõe o artigo 45, da LFRE.
30 Inclusive
trazendo exceções, como por exemplo: credores quirografários decorrentes de
repasses de recursos oficiais; os créditos decorrentes da propriedade móvel e
imóvel, nos termos do artigo 49, § 3; e os chamados ACC (adiantamentos de
contrato de câmbio), nos termos do 86, II.
31 Estabeleceu que o
título ou os títulos deverão em sua soma ultrapassar o equivalente a 40
(quarenta) salários mínimos na data do pedido.
32 Não havia
dispositivo legal impedindo tal fato, muito embora a jurisprudência já tivesse
sedimentado a o indeferimento do prosseguimento de pedidos de falência de
caráter meramente executório.
33 O que na
legislação passada era de incumbência do falido. Era ele quem requeria a
continuação do seu negócio.
34 Basta
verificarmos o artigo 2o, III, do Dec.-Lei 7.661/45. Era inclusive
denominada nos meios jurídicos de "concordata branca",
caracterizadora de uma fraude.
35 HOUIN, Roger. Aspects économiques de la faillite et du
règlement judiciaire. Rapport de l’Inspection Générale des Finances,
Paris: Librairie Sirey, 1970, p. 138.
36 COELHO, Fábio
Ulhoa. Curso de direito Comercial,
São Paulo: Saraiva, 5a ed., revista e atualizada de acordo com o
novo Código Civil e a nova Lei de Falências, vol. 3, 2005, p 383.
37 CABRILLO,
Francisco. Quiebra y liquidación de
empresas, Madri: Unión Editorial, 1989, p 39, apud SANTOS,
Paulo Penalva. O novo projeto de recuperação da empresa. In: Revista de
Direito Mercantil, São Paulo: Malheiros, vol. 117, janeiro-março/2000, p. 129.
38 Comumente
chamado, como já dissemos anteriormente, de "concordata branca", onde
a composição amigável através da convocação de credores para lhes propor a
dilação, remissão ou cessão de bens, poderia determinar a falência da empresa
em estado de crise econômico-financeira.
39 Cfr. FAZZIO
JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falências e
recuperação de empresas, São Paulo: Atlas, 2005, p. 115.
40 Cfr. COELHO,
Fábio Ulhoa. Curso de direito
comercial. De acordo com a nova lei de falências, São Paulo: Saraiva,
vol. 3, 2005, p. 433.
41 Cfr. COELHO,
Fábio Ulhoa. Curso de direito
comercial. De acordo com a nova lei de falências, São Paulo: Saraiva,
vol. 3, 2005, p. 436.
42 Artigo 75, §
único da Lei 11.101/05 (LFRE).
* Head of the Business Reorganization Team;
Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar, Advogados e Consultores Legais; Doutor e
Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP; Especialista em Direito Empresarial
pela Università degli Studi di Bologna; Presidente e sócio fundador do
Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP; Membro Efetivo da
Comissão de Fiscalização e Defesa do Exercício da Advocacia da OAB/SP
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10922&p=3
Acesso em: 14 out.
2008.