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Filicio Costa Gonçalves*
RESUMO
À pequena e à
microempresa brasileira foi reconhecida constitucionalmente a necessidade de
tratamento favorecido e diferenciado tendo em vista suas peculiaridades.
Baseado nisto o novo direito falimentar introduzido pela Lei n° 11.101/05
destaca um capítulo especialmente voltado para estas empresas dentro do tema da
recuperação judicial da empresa. Neste trabalho, é apresentado o panorama atual
das pequenas e microempresas brasileiras, enfocando sua importância na geração
de emprego e renda e sua função social. Após, demonstrou-se como tem sido a
aplicação do instituto da recuperação judicial no direito estrangeiro.
Finalmente, após a análise da disciplina conferida ao instituto da recuperação
judicial pela Lei n° 11.101/05 e, mais especificamente, suas disposições
encaminhadas às pequenas e microempresas, procurou-se verificar se o objetivo
almejado pela nova legislação para o instituto da recuperação judicial veio
efetivamente ajudar na recuperação das pequenas e microempresas ou se sua
eficácia é limitada.
Palavras-chave: pequenas e microempresas – função social – recuperação judicial
SUMÁRIO:Resumo. Introdução. 1. Microempresa e Empresas de Pequeno Porte –
importância e função social. 1.1 Importância das Microempresas e Empresas de
Pequeno Porte. 1.2 Função social das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.
2. A recuperação das empresas em outros países. 2.1 Estados Unidos. 2.2 França.
2.3 Itália. 3. O regime da recuperação judicial das Microempresas e Empresas de
Pequeno Porte na Lei n° 11.101/05. 3.1 A preservação e a recuperação da empresa
em crise econômico-financeira. 3.2 A recuperação judicial na Lei n° 11.101/05.
3.3 Análise dos principais instrumentos jurídicos de recuperação judicial das
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. 3.3.1 O plano geral de recuperação
judicial e seu procedimento. 3.3.2 O plano especial de recuperação judicial
para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. 3.3.3 Posicionamento crítico ao
plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno
porte. Conclusão. Bibliografia
Introdução
A atividade
empresarial assumiu nas últimas décadas uma grande importância econômica e
social. A empresa é hoje encarada como uma entidade de suma importância, não só
pela geração de empregos e circulação de riquezas, mas, também, pela função
social que possui, propiciando, assim, a busca pela sua manutenção.
Cumpre esclarecer
que será adotado o uso da palavra "empresa" segundo seu perfil
funcional, como ensina Asquini. É dizer: a empresa como a própria atividade
empresarial, ou seja, a força de movimento que implica na atividade empresarial
dirigida para determinada finalidade produtiva.
Dentro deste
contexto, as empresas de pequeno porte e as microempresas assumem um papel de
grande destaque no número total de sociedades empresárias em atividade no
Brasil, porquanto, consoante dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE, as microempresas representam 93,6%, as pequenas
5,6%, do total das empresas em atividade. Tomadas em conjunto, as pequenas e
microempresas somam 99,2% do total (IBGE, 2005). E é de sabença geral que a
maioria dessas empresas não tem movimento econômico suficiente para suportar o
peso da carga tributária e o custo burocrático para a sua formalização. É
grande, portanto, o número de empresas que não consegue sobreviver
competitivamente por muito tempo no mercado de trabalho.
Visando, assim, a
dar maiores subsídios para as empresas em crise econômico-financeira, foi
promulgada a Lei n° 11.101/05 em 9 de fevereiro de 2005, trazendo em seu bojo a
recuperação judicial, um instituto inovador em matéria de manutenção e
soerguimento da empresa em estado econômico-financeiro crítico.
Após mais de três
anos da publicação da sobredita lei, é importante tecer considerações com o
fito de aprimorar os debates em torno de sua aplicabilidade e eficácia.
Este trabalho
pretende verificar se o objetivo almejado pela nova legislação para o instituto
da recuperação judicial – tendo em vista a grande função social assumida pela
empresa no direito empresarial moderno – veio efetivamente ajudar na
recuperação das pequenas e microempresas brasileiras, levando em consideração suas
particularidades, ou se sua eficácia e alcance serão limitados.
Vale destacar que
restou importante destacar a função social da empresa e o atual papel por ela
exercido, sendo transformadora da realidade sócio-econômico-cultural. Neste
contexto, enfatizam-se as pequenas e microempresas, ressaltando a sua
relevância na geração de empregos e renda.
Em breve síntese,
buscou-se abordar a existência da recuperação judicial em outros países, a
título de exemplificação e para dar amplitude concreta ao esboço teórico. Após,
verifica-se a análise do instituto da recuperação judicial previsto na Lei n°
11.101/05 e, mais especificamente, suas disposições encaminhadas às pequenas e
microempresas.
Por derradeiro,
sem a intenção de esgotar o assunto, tampouco revestir-se de verdade absoluta,
procurou-se assumir uma posição diante do tema, explicitando as conclusões
obtidas.
De se ressaltar
que a escolha do tema é de grande valia, porquanto a recuperação judicial
aplicada às pequenas e microempresas é instituto ainda recente, implementado
pela Lei n° 11.101/2005, que aos poucos se vai colocando em prática.
1. MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE - IMPORTÂNCIA E FUNÇÃO
SOCIAL
1.1 Importância das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
Atualmente, a
empresa é encarada como exemplo de dinamismo, que tem poder de influência e de
transformação. Constitui-se, na verdade, em uma instituição dotada de poder de
transformação da sociedade contemporânea. É da empresa que o Estado arrecada a
maior parcela de tributos. Em torno dela tudo circula: os investidores de
capitais; os fornecedores; os distribuidores de seus produtos; até mesmo o
desempregado da esquina. A importância social da empresa é tamanha que vai além
de suas relações econômicas e tributárias. Ela influi no comportamento das
pessoas, dita a moda. Influi até no destino de outras empresas. E como se não
bastasse, hodiernamente ela atua junto aos mais diversificados segmentos
sociais, tais como os setores de educação, saúde, cultura e desporto.
Realmente, a
empresa ocupa hoje um status privilegiado
dentro da sociedade civil e econômica. Refletir e pensar sobre ela é sinônimo
de reflexão da própria sociedade, tal a importância de seu papel e significado.
Mas não se pode olvidar que isto se refere não só às sociedades empresárias de
grande porte. As pequenas e microempresas também são peças fundamentais para o
funcionamento do sistema capitalista.
Com efeito, as
pequenas e microempresas, de acordo com o ensinamento de Bezerra Filho, citando
dados coletados pelo IBGE, desempenham um relevante papel na economia
brasileira, tanto na geração de emprego (60% da oferta de emprego), quanto na
geração de renda (21% do PIB), representando 99,2% do total de empresas
existentes no Brasil.
Como se percebe,
mesmo com todos os problemas vivenciados, as pequenas e microempresas são,
atualmente, no Brasil, um segmento dos mais importantes, visto serem o grande
fator gerador de ocupação, pois funcionam como agentes de inclusão econômica e
social, sendo responsável pela esmagadora maioria dos postos de trabalho
gerados no País.
Por meio do
fortalecimento de suas atividades, têm o potencial de contribuir com o combate
à pobreza, através da geração de trabalho, emprego e melhor distribuição da
renda.
Outro ponto que
demonstra a preocupação com esse segmento de empresas foi a promulgação da Lei
Complementar n° 123/06, denominada "Estatuto Nacional da Microempresa e da
Empresa de Pequeno Porte", que almeja, entre vários objetivos, uma maior
simplificação e aumento na arrecadação tributária, fortalecendo simultaneamente
o setor empresarial e a economia brasileira.
Portanto, à vista
de todas essas informações não há como negar a grande importância das pequenas
e microempresas dentro da sociedade moderna.
1.2 Função social das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
De início, cumpre
esclarecer que o presente trabalho, ao abordar o tema da função social das
pequenas e microempresas, não se filia à idéia de que somente as grandes
empresas são capazes de exercer esta função.
Neste sentido, não
há que se discutir, aqui, a abrangência da função social pelo porte da
sociedade empresária, porquanto quando nos referimos à função social da
empresa, portanto, diz-se a qualquer empresa, independentemente do seu porte.
Como bem concluiu
Fábio Konder Comparato, não há que se discutir qual delas (pequenas ou grandes
empresas) têm sido o instrumento de maior eficiência na economia atual, uma vez
que "a grande empresa é mais eficiente para a consecução de certos
objetivos, e a pequena empresa para a realização de outros".
O fato de uma
pequena ou microempresa continuar a existir, diante de um mercado extremamente
competitivo, com a presença dos grandes grupos econômicos, de per si já é representativo no seio
de uma sociedade, gerando benefícios, não significando que o poderão ser ainda
maiores. E a mesma função social, logicamente em medida proporcional ampliada,
exerce também a empresa de grande porte, por sua força econômica e de atuação.
A empresa é,
atualmente, a grande protagonista do mundo do trabalho e isto significa dizer
que sobre ela se constroem relações de sobrevivência e da própria formação e
expansão da personalidade. O trabalho, depois da família e da escola, é a
principal fonte de aprendizado de relações interpessoais e de superação de desafios
intelectuais e emocionais. O salário não é apenas fonte de subsistência; ele é,
também, o veículo de realização de sonhos e aspirações pessoais. Portanto, o
trabalho não é apenas sinônimo de sobrevivência e o seu significado emocional é
muito mais amplo.
Dentro desse
contexto é que podemos pensar a verdadeira função social da empresa.
O legislador
constituinte consagrou o princípio da função social inserindo-o na Constituição
Federal no artigo 5º, XXIII, artigo 170, III, e, ainda, no artigo 182, § 2º e 186.
Em todos estes dispositivos a função social veio sempre vinculada à idéia de
propriedade. Entretanto, no artigo 5º, a propriedade é tratada como direito
individual e nos incisos II e III do artigo 170 como princípios da ordem
econômica. A Constituição Federal, ainda, em seu art. 170, IX, dispensou a
obrigatoriedade de se dar tratamento favorecido para as empresas de pequeno
porte, subentendo, também, o mesmo tratamento para as microempresas.
Atento a essa
realidade, o legislador ordinário, percebendo que modernamente o conceito de
empresa é algo que transcende uma questão meramente econômica, possuindo uma
atuação cada vez vai intrínseca no desenvolvimento da realidade social, também
consolidou o sobredito princípio na Lei de Recuperação de Empresas e Falências
(Lei n° 11.101/05), consoante demonstra o artigo 47, abaixo transcrito:
Art. 47. A
recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de
crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,
promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. [sem grifo no
original]
O mestre
Comparato, delineando o conceito, explica que:
[...] função, em
direito, é um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de
outrem, jamais em proveito do próprio titular.
[...]
Algumas vezes,
interessados no exercício da função são pessoas indeterminadas e, portanto, não
legitimadas a exercer pretensões pessoais e exclusivas contra o titular do
poder. É nessas hipóteses, precisamente, que se deve falar em função social ou
coletiva.
Quando se trata da
esfera social está-se referindo a decisões, ações, atos que levam em conta uma
coletividade. O princípio da função social, seja da propriedade, seja da
empresa, apareceu com o intuito de inserir a esfera social no que era tratado
preponderantemente de forma individual, ou liberal.
Por conseguinte, é
importante ressaltar que para a compreensão do princípio da função social da
empresa foi estabelecida a mudança de uma visão liberal, individualista, que
colocava o interesse da empresa como interesse do proprietário ou de quem
detivesse o poder de controle, para uma visão em que a atuação no mercado deve
ser limitada pelos interesses de uma coletividade. E ainda, não se pode
esquecer a existência de uma cooperação mútua entre empresa e sociedade, com a
possibilidade de se desenvolverem relações de solidariedade entre eles.
Portanto,
percebe-se a necessidade de envolvimento dos diferentes representantes da
sociedade organizada, os quais devem se mobilizar a partir da união de seus
esforços e seus interesses para a realização de um fim precípuo, qual seja, a
função social da empresa.
Portanto, para a realização
da função social da empresa há a necessidade de verdadeira interação entre os
diversos interesses envolvidos em favor de uma coletividade. É o que conclui
Comparato:
Função significa
um poder, mais especificamente, o poder de dar ao objeto da propriedade destino
de vincula-lo a certo objetivo. O adjetivo social mostra que esse objetivo
corresponde ao interesse próprio do dominus;
o que não significa que não possa haver harmonização entre um e outro. Mas, de
qualquer modo, se está diante de um interesse coletivo, essa função social da
empresa corresponde a um poder-dever do proprietário sancionável pela ordem
jurídica.
Vale abordar
também um ponto de extrema complexidade, afinal, sendo a empresa uma
instituição que exerce uma atividade economicamente organizada, preocupada em
buscar sempre o lucro e a sua maximização, como poderá ainda exercer um papel
social?
Esse é o principal
desafio das sociedades empresárias: conciliar o fato de que, não obstante a
luta diária pela sobrevivência em um mercado competitivo, onde se busca o lucro
e a maximização dos bons resultados obtidos, também há a necessidade de
exercerem uma função social.
Nesse ponto, se a
atuação das empresas é voltada para a maximização dos lucros e a ocupação de um
máximo espaço no mercado, não se pode esperar outra atitude delas senão a
realização dessa função social. E essa atitude, aliás, agrega valor à empresa,
que só tem a ganhar, sobretudo porque, como se disse, há uma competição no
mercado a ser vencida. Destarte, os empresários começaram a ter a consciência
de que a atividade empresarial vai além da geração de empregos e do crescimento
econômico, influindo diretamente no desenvolvimento social.
De se ressaltar,
por fim, que a função social assegura a função social dos bens de produção, o
poder-dever do proprietário de dar uma destinação compatível com o interesse da
coletividade. Em contrapartida, a função social não significa uma condição
exclusivamente limitativa para o exercício da atividade empresarial, mas seu
intuito é também proteger a empresa, principalmente as pequenas e
microempresas, contra a ferocidade patrimonialista do mercado, evitando que o
próprio mercado se negue.
2. A RECUPERAÇÃO DAS EMPRESAS EM OUTROS PAÍSES
2.1 Estados Unidos
Nos Estados
Unidos, a corporate reorganization,
implantada desde 1938, através do Chandler
Act, busca salvaguardar a grande sociedade anônima insolvente, através
da reorganização econômica e administrativa necessária ao superamento da crise.
A principal
característica do instituto norte-americano para a recuperação das empresas é
buscar, sobretudo, salvaguardar o interesse público da economia regional ou
nacional. Difere, assim, da simples concordata, que visa exclusivamente ao
interesse privado do devedor e de seus credores.
Pressuposto da reorganização
societária é a insolvabilidade da companhia, entendida não apenas como déficit
patrimonial, mas também inaptidão em adimplir suas dívidas quando do
vencimento.
O aspecto mais
importante da corporate reorganization
reside na elaboração e aprovação de um plano de reorganização da
companhia, que deverá conter indicações precisas acerca dos recursos com que
conta ou contará a sociedade para fazer face ao seu passivo, atual ou futuro,
como a venda de parte do seu ativo, a fusão ou incorporação societária e a
obtenção de novos financiamentos.
É feita, ainda,
uma análise da capacidade de lucro operacional da companhia, conforme os
últimos balanços apresentados e a evolução da conjuntura do mercado.
Tudo isso
demonstra o realismo jurídico norte-americano, ao encarar a insolvabilidade da
empresa fora dos quadros jurídicos tradicionais, pautando-se fundamentalmente
nos problemas administrativos e financeiros enfrentados por aquela.
2.2 França
Em meados da
década de 80, a França promoveu uma reformulação em sua legislação falimentar,
com edição das Leis n° 84.148 de 01/03/84 e n° 85.980 de 25/01/85. Tais leis
instituíram os procedimentos da recuperação e liquidação judiciais, em que se
procura garantir ao máximo a sobrevivência da empresa, muitas vezes até mesmo
em detrimento de seus credores (GUIMARÃES, 2001, p. 141).
A Lei n° 84.148
está voltada, sobretudo, para a prevenção das dificuldades, valendo-se, para
tanto, de informações sobre as atividades empresariais e da concessão de
financiamentos. Foi, assim, o caráter preventivo das informações, a grande
inovação da lei francesa, porquanto naquele país a prática demonstrou que
grande parte dos problemas enfrentados pelas empresas poderiam ser eliminados,
caso houvesse informações suficientes sobre sua situação econômica e
financeira.
Estas informações
consistem em demonstrativos do ativo e do passivo exigível em quadro de
financiamento contendo os recursos disponíveis e, nos gastos realizados no
exercício anterior, além da divulgação de um plano de financiamento, quando
houver.
O sigilo de tais
informações é preservado, sendo reveladas apenas aos acionistas por ocasião das
assembléias gerais, já que a divulgação precipitada de informações poderia
aumentar as dificuldades das empresas.
A Lei n° 85.980,
por sua vez, disciplina a recuperação judicial, adotando como fato
caracterizador da abertura do processo da recuperação a concessão dos
pagamentos.
Entre as fases
mais importantes do procedimento de recuperação está o chamado período de
observação, no qual o administrador deve traçar com fidelidade a situação da
empresa, visando à criação de um plano de recuperação para saneá-la.
Como se vê, a
legislação francesa rompeu com o sistema tradicional de falências e concordatas,
principalmente com a criação do chamado período de observação, que possibilita
realizar uma real avaliação das condições da empresa.
Por esta razão, a
Lei 85.980 pode ser considerada um real avanço, já que publicizou institutos
anteriormente considerados apenas sob a ótica privada objetivando, assim, a
manutenção da atividade empresarial e do nível de empregos.
2.3 Itália
A Itália, além de
unificar os códigos da legislação civil e comercial promulgou, também, um novo
Código de Processo Civil, além de dar um novo tratamento ao Direito Falimentar,
através do Régio Decreto n° 267, de 16/03/1942, que trouxe a figura da
administração controlada (amministrazione
controllata), uma tentativa de recuperação das empresas em crise.
De acordo com o
art. 187 da lei Falimentar italiana, o empresário que se encontra em temporária
dificuldade de adimplir suas obrigações e, comprovando a possibilidade de
saneamento da empresa, pode requerer ao Tribunal o controle da gestão de sua
empresa e da administração de seus credores por um período não superior a 2
(dois) anos.
A função da
administração controlada é o saneamento da empresa, para que ao final do
procedimento judicial ela volte a ser viável, com capacidade de cumprir suas
obrigações.
Um dos pontos de
destaque do instituto italiano da administração controlada é a apuração das
condições da empresa para que seja iniciado o procedimento. Portanto, a crise
econômica deve ser temporária e não caracterizada pela insolvência do devedor
de forma definitiva e insuperável.
Jorge Lobo, não
poupou elogios ao procedimento da administração controlada. Segundo ele:
[...] o
procedimento da administração controlada revela-se como o mais idôneo para
realizar a não utópica finalidade da conservação em vida do complexo
empresarial com seu nível ocupacional, sem a traumática dissolução da atividade
da empresa.
Eis, portanto,
três exemplos de aplicação do instituto da recuperação judicial em diversos
ordenamentos jurídicos. E, como se vê, nesses diversos ordenamentos a questão
da recuperação judicial tem recebido diferentes tratamentos. Cada país procura
fornecer uma solução própria que atenda aos seus interesses e particularidades
sócio-econômicos.
Ao contrário
desses países, que já haviam reformulado seu sistema falimentar há algum tempo,
apenas recentemente é que o Brasil modificou a sua legislação concursal,
instituindo o modelo de recuperação judicial.
No item que se
segue, buscou-se analisar se tal inovação foi bem sucedida.
3. O REGIME DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE
PEQUENO PORTE NA LEI Nº 11.101/05
3.1 A preservação e a recuperação da empresa em crise
econômico-financeira
No item 2,
procurou-se abordar, em breve síntese, como funciona a recuperação judicial no
direito estrangeiro.
Já no Brasil, a
legislação concursal vigente desde 1945, o Decreto-lei n° 7.661, tornou-se
obsoleta para os dias atuais, pois não possuía mais o dinamismo necessário à
nova realidade das empresas. Com as mudanças advindas da globalização, a partir
de um aumento na circulação de riquezas e na expansão das multinacionais,
conseqüentemente sobrevieram alterações econômicas e sociais no mercado
brasileiro, o que, inevitavelmente, se refletiu nas atividades desenvolvidas
pelas empresas, sobretudo no tocante às pequenas e microempresas.
Bezerra Filho
assim se manifestou:
O que se
verificava é que o sistema do Dec.-lei 7.661/45 não conseguia proteger os
credores da empresa concordatária ou falida e não conseguia também, por outro
lado, preservar a atividade empresária, apresentando-se como sistema incapaz de
preservar qualquer tipo de interesse, atendendo apenas, na grande maioria das
vezes, ao empresário oportunista e desonesto.
Em 2005, com a
edição da Lei n° 11.101, o legislador brasileiro visou a adequar os
instrumentos jurídicos concursais aos atuais reclamos empresariais,
notavelmente com a adoção do instituto da recuperação.
É assim que, com
objetivos bem ousados, a recuperação judicial foi acolhida por nosso
ordenamento jurídico, a fim de ajudar a empresa em crise econômico-financeira a
superar esta fase e se tornar saudável novamente.
A propósito, como
se caracteriza uma situação econômico-financeira crítica que reclame o uso do
instituto da recuperação judicial?
Não obstante a
ausência de definição legal na lei em comento não é difícil entender quando uma
crise econômico-financeira encontra-se efetivamente instalada sobre uma
empresa. Aliás, diga-se, o fez bem o legislador, pois não cabe, à legislação,
nesse caso específico, fornecer definições trazendo, assim, o risco de engessar
um sentido que, num determinado momento histórico, pode não corresponder à
realidade ou, então, o risco de a norma esquecer de alguma outra hipótese à
qual também ela se aplique.
O processo de
negativização da empresa oferece diversos estágios. A recuperação judicial é
remédio para salvar empresas em estágios ainda não tipificadores do chamado
ponto sem volta. É medida processual indicada para um marco em que o empresário
devedor ainda tem tempo e predisposição para enfrentar suas dificuldades
financeiras. A cessação de pagamentos pela impossibilidade de solver, de
natureza patrimonial e não apenas financeira, é causa de falência. A iminência
dessa situação, não sua cristalização, se a empresa for viável, é causa de
recuperação.
Na verdade, essa
crítica situação verifica-se a partir de uma série de elementos conjunturais
que devem ser analisados simultaneamente, numa relação de complementaridade. É
o caso, pois, quando da ocorrência da chamada "crise de caixa" – o
devedor, embora solvente, não consegue cumprir seus compromissos com
pontualidade. Ele possui patrimônio suficiente para quitar suas obrigações, mas
se encontra em dificuldade de fazê-lo, pois não dispõe imediatamente das
quantias necessárias para tanto.
Uma crise
patrimonial seria outra modalidade de situação crítica. Segundo Fazzio Júnior,
configura-se na insuficiência de bens do ativo para atender à satisfação do
passivo. Citando o exemplo de Fábio Coelho, é o caso em que "o patrimônio
líquido negativo pode significar apenas que a empresa está passando por uma
fase de expressivos investimentos na ampliação de seu parque fabril".
Por fim, outra
hipótese seria quando a empresa, apesar de possuir um patrimônio líquido
positivo, ainda viável, verifica que necessita de uma reorganização de suas
atividades e, preventivamente, se vale da recuperação, demonstrando que sua
insolvência é previsível, através de indícios razoáveis.
Frise-se que não
há aqui o objetivo de esgotar todos os casos a ensejar a recuperação judicial.
O importante é que, diante de todas as dificuldades existentes, se demonstre
que a empresa seja viável economicamente, oferecendo condições de superar a
fase crítica, apresentando um laudo econômico-financeiro e de avaliação dos
bens e ativos do devedor, segundo a regra inscrita no art. 53 da Lei n°
11.101/05.
3.2 A recuperação judicial na Lei n° 11.101/05
Com a promulgação
da atual Lei de Recuperação de Empresas e Falências, o fenômeno jurídico da
concordata foi definitivamente abolido do sistema concursal brasileiro. Para
substituí-la, foi instituída a recuperação judicial.
Destarte, como uma
das principais inovações da Lei n° 11.101/05, que entrou em vigor em 8 de junho
2005, o instituto da recuperação judicial, previsto mais especificamente em seu
Capítulo III, tem por escopo:
[...] viabilizar a
superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de
permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos
interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua
função social e o estímulo à atividade econômica. (art. 47)
É notório, pois,
que a recuperação judicial destina-se às empresas em situação de crise
econômico-financeira, com possibilidades, porém, de superação. Caso contrário,
seu destino natural será a falência.
Logo, a
recuperação judicial visa a sanear a empresa em crise econômico-financeira a
fim de permitir sua manutenção. Tal tentativa de recuperação encontra-se
vinculada ao valor social que possui uma empresa em funcionamento, como frisado
alhures.
De acordo com o
artigo 48, apenas o devedor, empresário individual ou sociedade empresária
[01], em estado de crise econômico-financeira, que conte com mais de 02
(dois) anos de exercício regular de suas atividades possuirá legitimidade para
requerer recuperação judicial (caput,
do art. 48).
Aqui o legislador
entendeu que não seria razoável que uma empresa com menos de dois anos de
existência seja colocada pelo devedor numa tal situação que precisasse de
socorro judicial para se recuperar.
Ora, sob nossa
ótica, este prazo mínimo de existência legalmente definido resta absurdo e é
passível de críticas, haja vista que o índice de mortalidade das pequenas e
microempresas dentro do período de 2 (dois) anos chega a 44% [02], segundo
dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE,
2002). Logo, observa-se que a atual Lei de Recuperação e Falências não levou em
consideração a realidade deste segmento empresarial.
Contudo, apenas o
requisito do tempo de exercício exigido não é suficiente para obter-se a
recuperação judicial. É preciso também que o devedor preencha os requisitos
cumulativos enumerados pelo art. 48. Já o art. 50 enumera as várias formas com
as quais constituem meios de recuperação judicial.
A Lei optou por
deixar ao alvedrio das partes interessadas, devedor e credores, a escolha da
melhor forma de recuperação trazendo um rol de hipóteses exemplificativo, de
modo que poderá haver outras situações que autorizem a recuperação judicial.
Uma vez decidida
qual a forma ou quais as formas (já que o devedor pode optar por mais de uma)
pelas quais se dará a recuperação judicial da sociedade em crise, tem início o
processo desta recuperação.
Na primeira etapa
deste processo, chamada de fase postulatória por Coelho, o devedor apresenta
uma petição inicial com seu pedido de recuperação ao juiz que poderá recebê-la
ou não.
A petição inicial
de um pedido de recuperação judicial, além de preencher os requisitos para
legitimação ativa, previstos no artigo 48 da Lei e os requisitos do artigo 282
do Código de Processo Civil, deverá ser instruída com os documentos indicados
no artigo 51.
Em instrumento
apartado, deverá o devedor expor as causas concretas da sua situação
patrimonial e as razões da crise econômico-financeira. Mas uma exposição vaga
como, por exemplo, uma mera referência à recessão mundial ou brasileira não
atende à exigência legal. É preciso relacionar de forma clara os fatos que
levaram o devedor à crise, pois somente com um diagnóstico bem feito da situação
existirá chance de sucesso para a recuperação. Entre as causas concretas
apresentadas pelo devedor e o seu plano de recuperação deve haver uma relação
lógica.
Em se tratando de
pequenas e microempresas, o parágrafo 2°, do artigo 51 da Lei, faculta-lhes a
apresentação de livros e escrituração contábil simplificada nos termos da
legislação específica.
Da apresentação da
petição inicial de recuperação judicial existe a hipótese de o juiz indeferi-la
ou de julgar, em tese, improcedente o pedido. O interessante para o devedor é
que, nestes casos, a Lei não prevê a decretação de falência.
Estando em termos
a documentação exigida no art. 51 da Lei n° 11.101/05, o juiz deferirá o
processamento da recuperação judicial.
Ressalte-se que o
devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o
deferimento de seu processamento, salvo se obtiver aprovação da desistência na
assembléia-geral de credores (§ 4°, do art. 52).
3.3 Análise dos principais instrumentos jurídicos de recuperação judicial
das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
3.3.1 O plano geral de recuperação judicial
O plano de
recuperação judicial deverá ser apresentado pelo devedor em juízo no prazo
improrrogável de 60 (sessenta) dias, contados da publicação da decisão que
deferir o processamento da recuperação judicial. Caso este prazo não seja
cumprido, a recuperação judicial será convolada em falência (art. 53, caput).
Para Coelho (2005,
p.173), em princípio, o plano de recuperação judicial é imutável, sob pena de
falência. Contudo, ele entende que sempre que a condição econômico-financeira
do devedor passar por consideráveis mudanças deve ser permitida a revisão do
plano. Segundo este autor, o devedor deveria apresentar, juntamente com o
requerimento de aditamento do plano, uma exposição circunstanciada dos fatos
que fundamentam a revisão. O aditamento seria admitido mediante retificação
pela assembléia-geral dos credores sujeita ao mesmo quórum qualificado de
deliberação previsto para aprovação do plano original.
Dispõe ainda a
Lei, em seu artigo 67, que os créditos decorrentes de obrigações contraídas
pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a
despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão
considerados extraconcursais para fins de classificação, em caso de decretação
de falência.
E o parágrafo
único deste mesmo artigo fixa que os créditos quirografários, sujeitos à
recuperação judicial, pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que
continuarem a provê-los nessa fase, terão privilégio geral de recebimento em
caso de decretação de falência, até o limite do valor dos bens ou serviços
fornecidos durante o período da recuperação (§ único do art. 67).
Ambas foram
excelentes inovações do legislador, pois funcionam como um incentivo para que
aqueles que negociam com a empresa continuem a fazê-lo durante a recuperação
judicial. A continuidade do fornecimento normal de bens e serviços à empresa em
recuperação com certeza em muito contribuirá para o sucesso do plano, pois
permitirá a constância do negócio do devedor.
Já o art. 68
autoriza as Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a
deferir, nos termos da legislação específica, o parcelamento de seus créditos,
em sede de recuperação judicial, nos termos do Código Tributário Nacional. Este
dispositivo poderá beneficiar, em verdade, a recuperação econômica da empresa
que possuir expressivo passivo fiscal.
Novidade bem vinda
da Lei é a dissociação do destino da empresa e o de seus administradores.
Guimarães já divulgava a instauração legal da "distinção entre o homem e a
empresa, assegurando todas as possibilidades razoáveis de sobrevivência às
empresas competitivas, vítimas de uma falha acidental imputável a seus
dirigentes ou provocada por circunstâncias excepcionais".
É claro que, se os
administradores eleitos pelos sócios ou o acionista controlador estão agindo
correta e profissionalmente, não há motivo para removê-los da administração.
Mas, se as causas da crise econômico-financeira da empresa são resultado de
administração negligente ou ruinosa, os responsáveis devem ser substituídos.
Maria Celeste
Guimarães, avançando neste tópico, alude ao direito falimentar francês, pelo
qual a distinção "homem-empresa" não se esgota no afastamento do
empresário ou na indisponibilidade dos seus bens. Neste ordenamento jurídico, o
Poder Judiciário tem o poder de forçar os administradores a ceder suas ações ou
quotas de capital, expulsando-o do quadro social da empresa, podendo, ainda,
destinar o produto dessa venda ao pagamento de débitos sociais.
A Lei então
permite que o juiz afaste o administrador se assim determinar o plano de
recuperação judicial, ou se deixar de realizar as funções que a Lei lhe
outorga, e também nas demais hipóteses indicadas nos incisos e alíneas do artigo
64.
Com a destituição
do devedor, o comando da atividade empresarial é assumido pelo administrador
judicial que passará a responder pela gestão dos negócios da empresa até que a
assembléia-geral de credores delibere sobre a escolha de um gestor judicial
[03] (art. 65).
Com o pagamento
dos credores e a satisfação de todas as obrigações assumidas no plano de
recuperação judicial e vencidas no prazo previsto no caput do artigo 61 desta Lei, o devedor fica autorizado a
requerer do juiz a sentença de encerramento da recuperação judicial.
3.3.2 O plano especial de recuperação judicial para microempresas e
empresas de pequeno porte
Correta é a
percepção que faz Comparato, alertando para a necessidade de se dispensar
tratamento diferenciado às empresas, quando afirma que:
[...] não há como
negar que sob o aspecto microeconômico, ou seja, considerando-se cada unidade
empresarial isoladamente, a importância das empresas varia, caso a caso, não só
em razão da escala de sua atuação no mercado, como também pelo setor econômico
ao qual pertencem. Portanto, é logicamente insustentável ter como iguais
perante a lei concursal a ‘sociedade multinacional e a quitanda da esquina; a
empresa de telecomunicações e a fábrica de confeitos; o conglomerado financeiro
e o conjunto de diversões circenses [...].
Aparentemente
consciente desta realidade, o legislador brasileiro elaborou um procedimento
simplificado voltado especificamente para o segmento das pequenas e
microempresas e o inseriu na Seção V, dentro do Capítulo III, da Lei de
Recuperação de Empresas e Falência.
Desta forma, o
plano especial de recuperação judicial previsto nos artigos 70 a 72 da Lei de
Recuperação de Empresas e Falência destina-se exclusivamente às pequenas e
microempresas, cuja conceituação legal pode ser encontrada no Estatuto da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei n° 9.841, de 05.10.1999):
No entanto, não há
na Lei qualquer impedimento específico a que a pequena empresa se valha também
da recuperação judicial e extrajudicial prevista nas demais seções deste
Capítulo III e no Capítulo VI, embora, como já observado, a complexidade
daqueles procedimentos certamente desestimulará tal opção.
Reforça o
entendimento do autor, ora citado, a previsão legal do parágrafo 1° ao exigir
que a pequena ou microempresa que optar pelo plano especial afirme sua intenção
de fazê-lo na petição inicial. Conclui-se, portanto, que na ausência desta
afirmação a opção é pelo plano geral de recuperação judicial.
Eliminando
qualquer dúvida a respeito, o artigo 72 dispõe que "Caso o devedor [...]
opte pelo pedido de recuperação judicial com base no plano especial
disciplinado nesta Seção [...]", ou seja, existe a possibilidade de se
optar pelo outro plano supra mencionado.
O artigo 70 da Lei
de Recuperação de Empresas e Falências determina que as normas gerais do plano
geral de recuperação judicial aplicam-se ao plano especial, quando não
colidirem com as normas específicas deste:
Art. 70. As
pessoas de que trata o art. 1° desta Lei e que se incluam nos conceitos de
microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se às normas deste Capítulo
[sem grifo no original].
Assim, a petição
inicial deve ser apresentada de acordo com o que estabelece o artigo 51 da Lei,
ressalvado o disposto no parágrafo 2° deste mesmo artigo que permite às
pequenas e microempresas apresentar livros e escrituração contábil
simplificados, nos termos da legislação específica (art. 7° da Lei n° 9.317/96)
no intuito de atender a exigência do inciso II.
Deferido o pedido
de recuperação pelo juiz, o plano especial de recuperação judicial deverá ser
apresentado no prazo previsto no artigo 53 da Lei, ou seja, em 60 (sessenta)
dias contados da publicação da decisão que deferir o processamento da
recuperação judicial e estará sujeito a algumas condições, sob pena de
falência. Caso o pedido seja indeferido, o juiz extinguirá o feito por
sentença.
Tal qual o
revogado instituto da concordata preventiva, o plano especial abrangerá
exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasse
de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3o e 4o
do artigo 49 da Lei (inciso I, do art. 71).
Neste tipo de
plano, os credores que não forem por ele atingidos não terão seus créditos
habilitados na recuperação judicial (§ 2°, do art. 70).
De forma também
semelhante ao que previam as normas do revogado Decreto-lei n° 7.661/45, que
disciplinavam a concordata preventiva, determina a Lei de Recuperação de
Empresas e Falências que o plano especial de recuperação das pequenas e
microempresas contenha um parcelamento dos débitos do devedor (inciso II, do
art. 71).
A diferença entre
ambas as legislações está no prazo do parcelamento, já que, no plano especial,
o parcelamento pode ser firmado em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais,
iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12%
a.a. (doze por cento ao ano), enquanto, na concordata preventiva, havia mais de
uma opção de prazo para pagamento do débito.
Além disto, a nova
Lei determina que o plano contenha a previsão do pagamento da 1ª (primeira)
parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da distribuição
do pedido de recuperação judicial (inciso III, do art. 71).
Finalmente, o plano
especial de recuperação judicial deve estabelecer a necessidade de autorização
do juiz, depois de ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para
o devedor aumentar despesas ou contratar empregados (inciso IV, do art. 71).
Assim, o devedor mantém
a administração normal de sua empresa, sofrendo, porém, esta limitação em seu
poder de decisão, de tal forma que não poderá aumentar despesas ou contratar
novos empregados, a não ser com autorização judicial.
Aqui, no tocante
ao Comitê de Credores, vale citar o posicionamento crítico de Amador Paes de
Almeida. Segundo este autor, "o instituto da recuperação judicial dá
ênfase à preservação da empresa, com a manutenção do emprego, fundamental à
sobrevivência do trabalhador e de sua família". Contudo, ele rechaça a
idéia da criação de um comitê, pois representará, na prática, uma
burocratização do processo, com prejuízos manifestos ao procedimento. Em sua
opinião, melhor seria a nomeação pura e simples de um administrador, pois um
colegiado dificilmente manteria a unidade necessária.
Com relação ao
prazo prescricional, o pedido de recuperação judicial, com base em plano
especial, não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e
execuções por créditos não abrangidos pelo plano (§ único, do art. 71).
Conseqüentemente,
como somente os créditos quirografários estão abrangidos por este plano, será
muito difícil a recuperação de uma pequena ou microempresa, já que, como visto,
depois dos créditos quirografários, suas maiores dificuldades em pagar seus
credores concentram-se nas áreas trabalhista, fiscal e de empréstimos
bancários.
Da mesma forma,
não se concede ao pequeno e microempresário a manutenção, pelo período de 180
(cento e oitenta) dias, de máquinas, equipamentos e veículos que estejam alienados
fiduciariamente ou arrendados.
Também nesta
hipótese, não será convocada assembléia-geral de credores para deliberar sobre
o plano, e o juiz concederá a recuperação judicial se atendidas as demais
exigências desta Lei (art. 72).
Determina o
parágrafo único, do artigo 72 que o juiz julgará improcedente o pedido de
recuperação judicial e decretará a falência do devedor se houver objeções, nos
termos do artigo 55 desta Lei, de credores titulares de mais da metade dos
créditos descritos no inciso I do caput do artigo 71 desta Lei.
Assim, em relação
às objeções que porventura façam os credores ao plano especial de recuperação
judicial, aplica-se o disposto no artigo 55. Os credores devem ter a iniciativa
de fazê-lo, pois não serão intimados, citados, nem convocados por edital para
fazê-lo.
Denota-se da Lei,
portanto, que o pedido de recuperação judicial com base no plano especial
envolve um risco bastante considerável, pois basta que haja objeções de
credores titulares de mais da metade dos créditos quirografários sujeitos à
recuperação para que o juiz esteja autorizado a decretar a falência da pequena
ou microempresa.
A única vantagem
aparente deste tipo de recuperação é a de que uma vez homologada a proposta de
parcelamento por sentença judicial, operam-se os efeitos do benefício, como a
suspensão das ações e execuções e a novação das obrigações compreendidas no
plano especial.
Não cumprido o
plano, o juiz poderá operar a convolação da recuperação judicial em falência.
Como bem observou Bezerra
Filho, o novo sistema de recuperação, delineado para as microempresas e
empresas de pequeno porte, assemelha-se bastante à sua predecessora concordata
preventiva, regulamentada pelos artigos 139 e seguintes do revogado Decreto-lei
n° 7.661/45.
Com efeito,
comparando-se a sistemática de uma e de outra, evidencia-se a similitude entre
ambas. O artigo 147 do citado Decreto-lei obrigava todos os credores
quirografários à concordata concedida, hoje isto é repetido pela Lei de
Recuperação de Empresas e Falência no seu artigo 71, inciso I. Antes, havia a
previsão no artigo 156 da oferta de pagamento parcelado, hoje, também, no
artigo 71, II; antes, o artigo 163 fixava a correção do débito e juros de 12%
(doze por cento) ao ano, hoje, também, conforme artigo 71, II. E antes, o
artigo 156 estabelecia um prazo máximo para pagamento do débito, sob pena de
falência, conforme artigo 175, § 8°, hoje, ocorre o mesmo, segundo os artigos
71, II e 73, IV.
Logo, nestes
aspectos apresentados, não houve quase inovação do legislador. A conseqüência
disto é a pequena atração que este novo instituto exercerá sobre as pequenas e
microempresas.
Reitere-se que,
apesar das empresas de pequeno porte poderem optar pelo plano geral de
recuperação judicial, sua complexidade procedimental já demonstra que este
novel instrumento jurídico só será aproveitado por empresas de grande e médio
porte.
E o mero
parcelamento das dívidas quirografárias talvez não consiga por si só atingir o
objetivo de retirar as pequenas e microempresas de sua crise, uma vez que seus
recursos são pequenos, enquanto seu passivo mais pesado concentra-se também nas
dívidas de cunho trabalhista e fiscal, excluídas deste tipo de recuperação judicial.
Não se pode perder
de vista que, em termos de recuperação de pequenas e microempresas em crise
econômico-financeira, o círculo de interesses envolvidos na tentativa de
recuperação de uma empresa menor é bem restrito. Ela movimenta poucos recursos,
possui poucos credores e empregados e seu impacto, na comunidade onde atua,
costuma não ter influência suficiente, a ponto de sua extinção provocar
prejuízos sócio-econômicos tão relevantes que levem a todos a se envolver na
sua recuperação.
Todavia, como já
se disse, não podemos considerar a pequena ou microempresa em sua
individualidade. Ao contrário, em sua totalidade são numerosas e exercem
autêntica função social.
Não há dúvida de
que o diploma legal falimentar anterior precisa ser atualizado para se adaptar
ao novo momento da atividade empresarial. A nova Lei, manifestamente, possui
boas disposições, mas foi lamentável o franco favorecimento concedido ao
capital financeiro, bem como a manutenção do privilégio fiscal sobre os demais
créditos.
Assim, seria
preciso que a Lei de Recuperação de Empresas e Falências aumentasse as
facilidades para atingir o seu objetivo, principalmente em relação aos tributos
de qualquer espécie devidos, sob pena de se tornar completamente ineficaz.
Não obstante a
acertada a opinião de Bezerra Filho (2005, p.177), para quem "a
recuperação de um devedor é mais um fenômeno econômico do que jurídico"
estando, portanto, a depender, além do interesse do devedor, da existência de
credores economicamente interessados em tal recuperação, acredita-se que uma
legislação adequada pode oferecer as soluções técnicas necessárias para sanear
uma empresa em crise, mas que seja economicamente viável.
3.3.3 Posicionamento crítico ao plano especial de recuperação judicial
para microempresas e empresas de pequeno porte
É bem provável que
a preocupação do legislador em elaborar um instrumento específico de
recuperação judicial para as microempresas e empresas de pequeno porte seja
conseqüência do reconhecimento constitucional que, sensibilizado pelas suas
peculiaridades, determinou que elas tivessem um tratamento diferenciado e
favorecido.
Ocorre que, além
da crítica de que o instituto da recuperação judicial apenas deu uma nova
roupagem à concordata preventiva, existem algumas contradições entre a finalidade
da recuperação judicial e alguns artigos da Lei que deixaram de observar a
realidade vivenciada das pequenas e microempresas brasileiras e ainda
privilegiaram certos credores.
Ao estabelecer,
por exemplo, no caput do artigo
48, que poderão requerer recuperação judicial as empresas que exercerem regularmente suas atividades há
mais de dois anos, o legislador demonstrou simplesmente ignorar o
altíssimo índice de mortalidade e informalidade das pequenas e microempresas no
Brasil. Esta exigência com certeza representa um grande obstáculo ao instituto
da recuperação judicial, imposto à maioria destas espécies empresariais.
Não obstante a
louvável introdução do princípio da conservação e manutenção da empresa, a nova
Lei de Recuperação de Empresas e Falência optou por excluir do âmbito da
recuperação judicial das pequenas e microempresas uma série de créditos,
privilegiando determinados credores, dentre os quais se destacam os fiscais, os
bancários e os trabalhistas. Esta limitação da abrangência do instituto da
recuperação judicial somente aos créditos quirografários não representa um
grande atrativo para o pequeno e microempresário, pois não raro quando estes se
encontram em estado de crise econômico-financeira suas dívidas já são muitas e,
como dito, não são meramente quirografárias.
Outra crítica já
ressaltada neste trabalho é a de que as normas relativas à recuperação judicial
são bastante parecidas com as disposições da revogada concordata preventiva,
pois elas estabelecem que o plano especial de recuperação judicial abrangerá
somente créditos quirografários, cujo pagamento poderá ser parcelado em no
máximo 36 meses.
Conseqüentemente,
como somente os créditos quirografários estão abrangidos por este plano,
acredita-se que será muito difícil a recuperação de uma pequena ou
microempresa, já que suas dificuldades em pagar seus credores concentram-se não
só nas dívidas de cunho quirografário, mas também nas áreas trabalhista, fiscal
e financeira.
Da mesma forma,
não foi concedido ao pequeno e microempresário o benefício da manutenção, pelo
período de 180 (cento e oitenta) dias, de máquinas, equipamentos e veículos que
estejam alienados fiduciariamente ou arrendados. Isto poderá tornar a
recuperação inviável, na medida em que os equipamentos, maquinários e veículos
com os quais a empresa trabalha poderão ser dela rapidamente retirados.
O pedido de
recuperação judicial, com base no plano especial, envolve ainda um risco
bastante considerável, pois basta que haja objeções de credores titulares de mais
da metade dos créditos quirografários sujeitos à recuperação para que o juiz
esteja autorizado a decretar a falência da pequena ou microempresa.
A única vantagem
aparente deste tipo de recuperação é a de que uma vez homologada a proposta de
parcelamento por sentença judicial, operam-se os efeitos do benefício, como a
suspensão das ações e execuções e a novação das obrigações compreendidas no
plano especial.
Pode haver quem
defenda a possibilidade de as empresas de pequeno porte optarem pelo plano
geral de recuperação judicial, mas a complexidade procedimental deste novo
instrumento jurídico indica que ele só será aproveitado por empresas de grande
e médio porte.
E reitere-se que o
mero parcelamento das dívidas quirografárias talvez não consiga, por si só,
atingir o objetivo de retirar as pequenas e microempresas de sua crise, pois,
como já dito alhures, seus recursos são pequenos, enquanto seu passivo mais
pesado concentra-se também nas dívidas de cunho trabalhista e fiscal,
lamentavelmente excluídas da recuperação judicial.
Ressalte-se que
não se está afirmando aqui que devam ser adotados, a qualquer custo, mecanismos
de manutenção indiscriminada de qualquer atividade econômica, pois também
existem outros motivos pelos quais se acredita que o instituto da recuperação
judicial não será um instrumento jurídico de grande valia para as pequenas e
microempresas.
A série de
dificuldades enfrentadas atualmente pela pequena e microempresa no Brasil como:
mão-de-obra desqualificada, falta de inovação tecnológica, falta de capital de
giro, elevada carga tributária, alto índice de informalidade, problemas
financeiros, falta de uma política de crédito e incentivo para seu
desenvolvimento, retrata uma realidade cada vez mais desestimulante para
aqueles que vivem desses negócios, refletida pelo seu alto índice de
mortalidade.
Tendo em vista que
as pequenas e microempresas constituem – como qualquer outra empresa – um lugar
onde se conjugam múltiplos interesses, desde os salários de seus empregados, os
tributos para o Estado, as obrigações com credores e os lucros almejados,
conclui-se que seu êxito no mercado depende da colaboração de todos envolvidos.
No estabelecimento
do equilíbrio dessa equação que envolve o devedor, seus credores, e a
sociedade, o Estado, como agente de regulação e implementação de políticas
públicas, será o fiel da balança. Nesse ponto, caberá observar se a partir da
vigência da "Lei Geral de Pequenas e Microempresas" este setor
empresarial será estimulado, com a redução da informalidade e a criação de um
ambiente mais propício ao desenvolvimento e fortalecimento dos pequenos
negócios.
Assim, na busca do
que é melhor para a recuperação da unidade produtiva em risco de extinção, os
credores e a figura do juiz terão papel fundamental. Aos primeiros caberá atuar
ativamente no processo. Por sua vez, a atuação dos juízes deverá, no
encaminhamento do processo, e em face da relevante função social que a
preservação da pequena e microempresa encerra, ser fundada no artigo 47 da nova
Lei, no seu amplo alcance.
Espera-se que, nos
casos em que haja real possibilidade de reorganização destas empresas,
prevaleça sempre o interesse coletivo da sua preservação em face do direito
individual de crédito envolvido na recuperação.
Conclusão
As pequenas e
microempresas, atualmente, representam 99,2% do número total de empresas em
atividade no Brasil. Devido ao alto custo para se manterem na formalidade e ao
enorme peso da carga tributária, consideradas em sua totalidade, 44% dessas
empresas não chegam, sequer, a completar dois anos em atividade.
Mesmo diante de um
quadro tão desfavorável, ainda assim é forçoso reconhecer que as pequenas e
micro empresas desempenham verdadeira função social, uma vez que são geradoras
de emprego e renda.
Países como os
Estados Unidos, França e Itália, instituíram a recuperação judicial para as
suas empresas, sendo que cada ordenamento jurídico procurou fornecer uma
solução própria que atendesse aos seus interesses e particularidades
sócio-econômicos.
A Constituição
Federal consagrou a necessidade de se dispensar tratamento favorecido o
princípio da função social da propriedade, correlacionando-o com a necessidade
de se dar tratamento favorecido à pequena e, conseqüentemente, à microempresa.
Trilhando os
passos da modernização dos seus conceitos e concepções legais e atendendo aos
reclamos empresariais e constitucionais, o direito comercial, recentemente,
reformulou sua legislação concursal. O já obsoleto Decreto-lei n° 7.661/45 foi
substituído pela Lei n° 11.101/05.
Atendo,
justamente, a esse clamor do setor empresarial, a nova Lei de Recuperação de
Empresas e Falências entrou em vigor desde 9 de junho de 2005, trazendo, dentre
várias novidades, o instituto da recuperação judicial para o nosso ordenamento
jurídico, com a finalidade de recuperar a empresa em crise
econômico-financeira, mas que fosse viável operacional e economicamente.
Restou constatado
que a sociedade empresária, uma vez em dificuldade, configurando uma situação
real de viabilidade econômica, estará ela com total legitimidade à apresentação
de um plano visando à sua recuperação.
Ao lado do plano
geral de recuperação judicial, utilizável por qualquer tipo de empresa, a nova
Lei de Recuperação de Empresas e Falências trouxe a possibilidade de
apresentação de um plano especial de recuperação judicial, voltado
exclusivamente para as microempresas e empresas de pequeno porte.
A previsão desse
plano especial de recuperação judicial na novel legislação concursal não obsta
que as pequenas e microempresas também se utilizem do plano geral.
No capítulo
reservado à recuperação judicial, ficou taxado que as sociedades empresárias,
inclusive as pequenas e microempresas, para se beneficiarem do plano de
recuperação, devem ter exercido suas atividades há pelo menos dois anos,
requisito este que não condiz com a atual realidade enfrentada por aquelas
últimas.
O plano especial
de recuperação para as pequenas e microempresas prevê apenas a renegociação dos
créditos quirografários, excetuando do plano os créditos grafados com garantia
real, trabalhistas, fiscais e bancários.
Estabelecido o
plano especial, o parcelamento do débito pode ser firmado em até 36 (trinta e
seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e
acrescidas de juros de 12% a.a. (doze por cento ao ano), com o pagamento da 1ª
(primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da
distribuição do pedido de recuperação judicial.
O pedido de
recuperação judicial, feito com base no plano especial, não acarretará a suspensão
do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos
pelo plano (§ único, do art. 71).
Cumprido o
parcelamento, será declarada extinta a obrigação por sentença judicial.
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http://www.sebrae.com.br/br/mortalidade.asp
Notas
1.
Segundo o art. 2° da Lei de Recuperação, exclui-se
da sua aplicação a empresa pública, a sociedade de economia mista, a
instituição financeira pública ou privada, a cooperativa de crédito, o
consórcio, a entidade de previdência complementar, a sociedade operadora de
plano de assistência à saúde, a sociedade seguradora, a sociedade de
capitalização e outras entidades legalmente equiparadas a estas.
2.
Disponível em: <http://www.sebrae.com.br/br/mortalidade_empresas.asp
3.
Ao gestor judicial compete dirigir a atividade econômica e executar o
plano de recuperação após sua aprovação. Ele passa a ser o representante legal
da sociedade devedor nos atos relativos à gestão da empresa.
* Advogado em Juiz de Fora (MG). Graduado pela
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11709&p=1
Acesso em: 11 set.
2008.