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FORMAS DE REPRESSÃO
 AO ABUSO DO PODER ECONÔMICO

 

 
                                                     Por  Wilges  Ariana  Bruscato
 
 
 
 

                  1. INTRODUÇÃO  2. O  ABUSO  DO  PODER  ECONÔMICO 3.
                  COMPETÊNCIA  DO  CADE  4. ATUAÇÃO  PREVENTIVA  DO  CADE  5. DO
                  PROCESSO  ADMINISTRATIVO  6. A ATUAÇÃO REPRESSIVA DO CADE
                  7. EXECUÇÃO  JUDICIAL  DAS  DECISÕES  DO  CADE  8. CONCLUSÃO

 
 
         1. INTRODUÇÃO
 
                            Desde os primórdios de sua existência, o homem tem
         buscado dominar. Assim, ao longo da história, dominou recursos
         naturais, através de descobertas científicas e tecnológicas.  Em
         conseqüência do  desenvolvimento social, também  domina seu
         semelhante, individual e coletivamente,  através do Poder Político,
         Militar, Cultural e Econômico. Jorge  Medeiros da Silva preleciona que  o
         homem sempre aspirou o poder.
                            Por domínio ou poder entendemos a capacidade de controlar.
                            Assim, Poder Econômico é o controle  exercido por
         empresas, sejam do setor primário, secundário ou terciário, sobre a
         sociedade, impondo-lhe padrões de comportamento, manipulando o
         mercado.
                            O Poder Econômico influi na vida de um país e não é nunca
         desprezado.
                            A  relevância  do tema do Abuso do Poder Econômico é,
         relativamente, recente na história humana, sendo produto das
         Revoluções Industrial e Trabalhista.
                            No presente texto, nos interessa mais diretamente o abuso do
         Poder Econômico nas sociedades capitalistas.
                            Colhendo, ainda, os ensinamentos de Jorge Medeiros da Silva
         (A Lei Antitruste Brasileira, São Paulo: Resenha Universitária, 1979),
         vislumbramos que no capitalismo a atividade do Estado é mais
         complexa, porque além de procurar equacionar o binômio composto por
         distribuição de renda e  acumulação de capital, ainda lhe cabe exercer
         vigilância sobre os entes econômicos, sem contudo sufocá-los com
         esterilizações burocráticas, buscado atuar com a necessária agilidade que
         as regras de mercado exigem, mas sem perder de vista as garantias
         mínimas de segurança, sempre com o objetivo de promover e manter  a
         Paz e a Justiça Sociais.
                            Para isso, o Estado vale-se de mecanismos diversos, que vão
         desde a alavanca tributária ao Poder de Polícia. É facilmente constatável
         que a passividade dos órgãos públicos frente aos acontecimentos
         econômicos, denominada liberalismo mercantilista,  é postura superada.
                            O Estado tem mecanismos de intervenção na economia e,
         entre eles, a repressão ao abuso do poder econômico, tencionando
         preservar os princípios da livre iniciativa e concorrência.
                            O Poder  da  Sociedade é exercido pelo Estado. Os Estados,
         em tese, devem limitar-se a agir nas raias da Lei. No Brasil, para que a
         lei seja modificada e o Estado possa acompanhar a evolução social de
         todos os seus  cidadãos e suas múltiplas formas associativas, é necessária
         a elaboração de um processo legislativo muitas vezes moroso, que
         esbarra nas mais variadas formas de resistência.
                            De outro lado, os complexos econômicos têm muito mais
         mobilidade em suas ações. Podem agir com rapidez, sem excessivas
         formalidades e  inúmeros trâmites e rotinas, que caracterizam a atuação
         estatal.  Eles dispõem de recursos, que o aparelho estatal muitas vezes
         não tem ou não consegue utilizar com eficiência, e traçam manobras
         para tangenciar a lei, “sonegando, ocultando, fraudando, sob poderosa
         cortina de fumaça de balanços formalmente perfeitos, relatórios
         angelicais, notas public relations, comunicações, enfim, uma bateria de
         meios sofisticados” (Jorge Medeiros da Silva, op. cit.).
                            A sociedade exige uma forma de controle sobre o poder
         econômico, para garantir, ainda,  que não seja ilimitado ou excessivo, a
         ponto de facilitar o aparecimento de centros de poder paralelo ao estatal,
         com interesses próprios, que procure  nele influir ou pressioná-lo.
                            Ante este desequilíbrio, não pode a sociedade, quer
         representada pelo cidadão comum, enquanto consumidor, ou pelo
         mercado de determinada área econômica,  ficar à mercê do mau uso do
         poder econômico, ou seja, do abuso por parte daqueles que estejam em
         posição de dominância, quer econômica, quer politicamente.
                            Em conseqüência,  a produção legislativa que regula o
         assunto vem evoluindo para reprimir os crimes contra a economia
         popular e o abuso do poder econômico. Prova disso é a lei nº 4.137/62,
         que criou o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica,
         sucedida pela lei nº 8.884/94.
                            Com base nos princípios  constitucionais (art. 173, § 4º) de
         liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade,
         defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico, a
         sociedade brasileira, através do Poder Legislativo Federal, fez elaborar a
         Lei nº 8.884/94, que transformou o CADE em autarquia e dispôs sobre a
         prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.
 

         2. O  ABUSO  DO  PODER  ECONÔMICO

 
                            O poder econômico  é conceituado como uma forma de
         dominação exercida por indivíduos, grupos ou países possuidores de
         grandes recursos econômicos. Esse poder é exercido tanto no plano dos
         mecanismos de mercado – eliminação da concorrência, controle das
         fontes de matéria-prima, imposição de preços e produtos ao consumidor
         – como também no plano político, por meio de direcionamento dos
         negócios do Estado, tendo em vista os interesses de pessoas ou empresas,
         segundo  Paulo Sandroni, em seu Novo Dicionário de  Economia.
                O poder econômico é visto como a independência  no poder de
         escolher que uma empresa tenha em relação às leis de mercado.
                            Quando um indivíduo  ou empresa  dominam, em certos
         setores de atividade, os meios de produção, evitando que outros possam
         deles dispor, há abuso do poder econômico.
                            O poder econômico, gerado no capitalismo pelo surgimento
         de grandes unidades produtivas, legitimamente exercido não é mau. O
         que é nocivo é a forma abusiva de se utilizar o poder econômico, ou seja,
         quando elimina a livre concorrência ou iniciativa, de alguma maneira,
         ou impõe preços ou produtos ao mercado, quando entrava o
         desenvolvimento, afrontando a justiça social.
                            Caso haja esse abuso, praticado sob as mais diversas
         condutas, o direito Antitruste será utilizado para apurá-lo e reprimi-lo,
         corrigindo o desvirtuamento.
 

         3. COMPETÊNCIA  DO  CADE

 
                            No artigo 7º da citada Lei, está estabelecida a competência
         do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Uma leitura rápida
         basta para verificar a elasticidade e abrangência do poder do CADE em
         coibir os ilícitos do poder econômico.
                            O fato de  a normatização que substituiu a Lei 4.137/62  ter
         conferido legitimidade a qualquer interessado para representar junto ao
         CADE também foi salutar, posto que os atos empresariais  ficam a mercê
         de todas as pessoas envolvidas/prejudicadas, o que é um universo
         bastante amplo, auxiliando no controle do uso ilícito do poder
         econômico.
                            Estão dentro da competência do CADE, desde instruir o
         público, responder consultas e decidir sobre a existência de  infração,
         aprovar compromissos de cessação de prática ou compromisso de
         desempenho,  fiscalizar o seu cumprimento através da SDE (Secretaria
         de Defesa Econômica), requisitar informações a quaisquer pessoas e
         ordenar diligências, exames, vistorias, estudos  (às expensas do
         investigado), requisitar medidas, serviços e pessoal para cumprimento da
         lei a qualquer órgão da administração nas esferas federal, estadual e
         municipal, até ordenar providências que conduzam à cessação da
         infração, que podem ir até a intervenção e extinção da empresa,
         requerendo ao Poder Judiciário a execução de suas decisões.
                            Certamente, o anseio social foi preservar a Paz e a Justiça,
         fazendo uso dos princípios constitucionais acima expostos, protegendo o
         mercado, o que, indiretamente, protege o consumidor,  para o que dotou
         o órgão especialmente criado para coibir os abusos dessa natureza de
         poderes  tão amplos, que conferem  efetividade ao objetivo visado.
                            As infrações da ordem econômica contempladas pela lei
         podem ser praticadas por pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou
         privado, ainda que constituídas de fato.
                            A responsabilidade da empresa e de seus dirigentes ou
         administradores é solidária, podendo ser aplicada a teoria da disregard
         doctrine, em caso de abuso de direito, excesso de poder, infração à lei,
         prática de ato  ilícito ou violação dos estatutos, falência, insolvência ou
         encerramento da pessoa jurídica. Evidentemente que a repressão às
         infrações de ordem econômica não excluem as punições por outros atos
         ilícitos descritos na legislação nacional.
                            A responsabilidade objetiva quanto às infrações da ordem
         econômica  abrange todos os atos que tenham por fim limitar, falsear ou
         prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, dominar o mercado
         relevante, aumentar, de forma arbitrária, os lucros ou exercer posição
         dominante de forma abusiva.
                            A lei elenca, em seu artigo 21, várias condutas que podem
         configurar  infração à ordem econômica, mesmo que os fins não sejam
         alcançados pelos infratores.
 

         4. ATUAÇÃO  PREVENTIVA  DO  CADE

 
                            Conforme já exposto, o CADE age de modo preventivo e
         repressivo.
                            Formas de atuação preventiva do CADE são a consulta,  o
         compromisso de  desempenho  e o controle de atos e contratos.
                            Assim, os atos que possam representar  limitação ou prejuízo
         à livre concorrência ou dominação de mercados relevantes, deverão ser
         submetidos à apreciação do CADE, previamente ou no prazo máximo de
         quinze dias úteis de sua realização. Incluem-se entre estes atos aqueles
         que visem a concentração (fusão ou incorporação) de empresas ou
         qualquer forma de agrupamento societário, cujos participantes, empresa
         ou grupo de empresa, represente no mínimo trinta por cento de mercado
         relevante ou que tenham tido, qualquer deles, faturamento bruto anual
         no último exercício equivalente a cem milhões de UFIR (hoje, R$
         106.410.000,00).
                            A eficácia de tais atos condiciona-se a sua aprovação pelo
         CADE, caso em que retroagirá à data da realização. Porém, se a questão
         não for apreciada no prazo máximo de trinta dias, os atos serão
         considerados aprovados, automaticamente, mas o órgão fica com a
         possibilidade de rever as decisões tomadas, caso se constate ter havido
         informação falsa por parte do interessado ou se este descumprir
         obrigações assumidas ou se os benefícios apontados na proposta não
         forem alcançados.
                            Sendo uma concentração de empresas levada à apreciação
         preventiva do CADE, o plenário do órgão  definirá o compromisso de
         desempenho dos interessados, para garantir o cumprimento das
         condições estabelecidas no § 1º do artigo 54. Ou seja,  para assegurar
         que do ato resultará aumento de produtividade, melhora na qualidade
         dos bens ou serviços ou tornar mais eficientes os meios tecnológicos ou
         econômicos, a justificar  o agrupamento das empresas. Haverá a
         previsão de metas qualitativas e quantitativas e dos  prazos, que serão
         acompanhados pela SDE. Caso não se concretize o cumprimento,  o
         CADE revogará sua aprovação e dará início a processo administrativo
         para adotar as medidas cabíveis.
                            A consulta, devidamente instruída,  deverá ser levada a efeito
         quando o interessado desejar obter do CADE prévia manifestação sobre a
         legalidade de atos que poderiam configurar infração à ordem econômica,
         sem que do resultado de tal consulta decorram quaisquer sanções ao
         consulente. Esta, em nossa opinião, a forma mais pura e singela de
         prevenção aos abusos. Ao menos para  as empresas de boa fé.
                            Parece lógico que, com todos os custos operacionais que as
         modificações de empresas de grande porte despendem, os atos sejam
         levados a análise prévia do CADE. Conduta diversa se afigura bastante
         temerária. É claro que não se consideram aqui as grandes jogadas e
         manobras empresariais, que têm aparência e formato de prejuízo, mas
         que justificam ganhos desconhecidos da sociedade em  geral. Nestes
         casos, a regra deverá ser não consultar e dar a melhor aparência possível
         ao ato. Referimo-nos aos casos legítimos, que não correriam riscos de ter
         que voltar atrás em decisões tomadas por não se adequarem aos
         parâmetros legais. Isso sem mencionar os  investimentos feitos, que, no
         mais das vezes, não retornam, se a empresa for obrigada a reverter seus
         atos.
                            De qualquer modo, iniciado o processo administrativo, como
         veremos adiante, o representado pode apresentar  ao CADE
         compromisso de cessação da prática sob investigação. Tal atitude não
         configura confissão nem o reconhecimento da ilicitude da conduta
         analisada e pode ser entendida, também, como forma de prevenir os
         abusos.  Nesse caso, preenchidos os requisitos, o processo fica suspenso
         até total cumprimento do compromisso, sendo arquivado ao final do
         prazo fixado, se atendidas todas as condições estabelecidas. Caso haja
         descumprimento, há previsão de multa diária que será imposta ao
         representado, constituindo-se, ainda, o termo do compromisso em título
         executivo extrajudicial.
 

         5. O  PROCEDIMENTO  ADMINISTRATIVO

 
                            A atuação repressiva do CADE pode ser exercida de  diversas
         maneiras, sempre derivando do processo administrativo que é iniciado de
         ofício ou atendendo a solicitação ou denúncia de conduta ilícita ou
         abusiva.  A decisão do CADE é soberana, não podendo questões de
         mérito serem reapreciadas pelo Poder Judiciário.
                            O processo  administrativo perante o CADE foi  moldado no
         procedimento adotado para os feitos penais, como bem ensina Jorge
         Medeiros da Silva. Desdobra-se em três etapas: averiguações
         preliminares, o processo – com instrução e julgamento – e a execução,
         parcialmente a cargo do próprio CADE, sendo, por vezes, delegada ao
         Poder Judiciário.
                            Do mesmo modo como no processo penal temos o inquérito,
         sem faculdade de ampla defesa, o processo no CADE tem a fase
         investigatória. Após, os requisitos para a instauração do processo se
         identificam com  os necessários ao oferecimento da denúncia, devendo
         restar um mínimo de indícios do fato e sua autoria ou sérias suspeitas
         fundadas nos elementos colhidos na averiguação preliminar, que deve
         estar encerrada em sessenta dias.
                            Encerrada a fase preliminar, caso haja indícios suficientes a
         justificar a instauração do processo, este será iniciado em oito dias,
         contados do encerramento das averiguações, quando o feito foi iniciado
         através de solicitação ou da data do fato, quando o feito iniciou-se  ex
         officio ou mediante representação. Tem lugar, então, a fase de instrução
         do processo, quando o representado terá oportunidade de se defender e
         apresentar suas provas.
                            Após a instrução, o processo vai para o presidente do CADE,
         que determinará  abertura de vistas à Procuradoria do órgão, sendo, ao
         depois, distribuído a um dos relatores, que poderá determinar a
         realização de diligências complementares. Então, o processo será levado
         à sessão plenária para julgamento, do que serão intimadas as partes e o
         procurador-geral, que terão direito à palavra. A decisão, tomada por
         maioria absoluta,  será publicada no Diário Oficial da União.
                            O processo administrativo perante o CADE não será revisto
         pelo Poder Executivo, como já mencionado, e difere do direito de ação
         que os prejudicados mantêm perante a Justiça para  defender interesses
         individuais ou homogêneos, que objetiva a obtenção da cessação da
         prática de infração à ordem econômica e indenização, se for o  caso. O
         processo perante o CADE não se suspende pela superveniência de
         processo judicial ajuizado em decorrência da prática abusiva.
                            Durante o curso do processo administrativo,  pode ser
         determinada medida preventiva, quando houver indício ou fundado
         receio de que o representado possa causar, ainda que indiretamente,
         lesão irreparável ou de difícil reparação ao mercado. Para tanto, o
         secretário da  SDE ou o conselheiro-relator do CADE determinarão a
         cessação da prática considerada prejudicial, inclusive com a reversão ao
         estado anterior, caso possível. O representado que descumprir a medida
         fica sujeito à multa diária.
 
 
         6. OS INSTRUMENTOS DE REPRESSÃO DO CADE
 
                            A lei 8.884/94 prevê em seu texto vários dispositivos
         impondo multa  em casos de descumprimento de medidas nela previstas,
         o que, a nosso ver, a despeito de estarem elencadas  na parte da lei que
         trata das medidas preventivas (p.e., art. 54, § 5º),  representa uma
         forma de repressão, posto que toda multa visa coibir um determinado
         comportamento, ou seja, um ato já concretizado, uma infração já
         cometida, tencionando impedir que a ação danosa se perpetue. Deste
         modo, a lei apresenta vários exemplos que tais como forma de repressão
         ao abuso.
                            Mesmo a previsão contida no artigo 54, § 9º tem o efeito de
         reprimir abusos. A regra prescreve  que quando  o  ato submetido à
         apreciação do CADE  não for  aprovado e não tenha sido realizado sob
         condição suspensiva ou já tiver surtido efeitos perante terceiros, o
         plenário determinará a sua desconstituição, independente da
         responsabilidade por perdas e danos. Os empresários, cientes desta
         determinação legal, certamente, serão mais criteriosos ao submeterem
         propostas ao órgão.
                            Outra medida adotada pela lei que, indiretamente, configura
         um moderador de abusos, é a que atribui ao representado o pagamento
         das custas e despesas do processo administrativo, inclusive com perícias,
         exames e vistorias, caso a empresa venha a ser punida. Eqüivaleria à
         sucumbência no procedimento da justiça comum.  A punição seria,
         então, mais pesada, pois acrescida de tais despesas, que, em muitos
         casos, podem ser extremamente altas. Exemplo similar é o da pena de
         publicação, em jornal indicado na decisão do CADE, de extrato da
         condenação, por dois dias, até três semanas consecutivas, em meia
         página, às expensas do infrator.
                            A contenção dos abusos do poder econômico conta com as
         sanções previstas  na lei nº 8.884/94, nos artigos 23 a 26, aplicáveis aos
         responsáveis pela prática da infração.
                            Configurada a transgressão, a empresa incidirá em multa  de
         um a trinta por cento do valor do faturamento bruto no seu último
         exercício, excluídos os impostos. Em todo caso, a multa nunca será
         inferior à vantagem auferida com a prática abusiva.
                            O critério valorativo utilizado pelo legislador traz
         avançosmostrando-se adequado à realidade econômica de cada empresa,
         evitando a disparidade de se aplicar multas que seriam irrisórias para
         empresas ou grupo de empresas de grande porte.
                            O administrador, de acordo com o exposto no início deste
         trabalho, também responderá, caso seja direta ou indiretamente
         responsável pela infração cometida pela empresa, sendo apenado com
         multa que pode variar de dez a cinqüenta por cento da que for aplicada à
         empresa. Esta pena é de responsabilidade exclusiva e pessoal do
         administrador.
                            Claro está que a intenção do legislador é punir também quem
         age diretamente. Para agir, a  pessoa jurídica depende de seus agentes. É
         a eles que a lei quer  coibir  as  infrações. O administrador sendo
         proprietário da empresa, será duplamente punido por força de lei, porque
         é responsável por seu empreendimento e atuou ilicitamente.
                            Existe ainda a previsão da dobra da multa, se houver
         reincidência. Isso também demonstra a importância  para a sociedade
         em geral  em reprimir tais abusos e o legislador o faz com mão de ferro.
                            Mesmo que as penas citadas sejam consideradas bastante
         eficientes por não se mostrarem inócuas devido ao critério de valor
         adotado, se o caso exigir, devido à sua gravidade ou à proteção do
         interesse público, podem ainda ser aplicadas, isoladas ou
         cumulativamente, outras penas.
                            Conforme já citado, entre as demais penalidades previstas,
         está a publicação de extrato da condenação em jornal indicado pelo
         CADE, em meia página, por dois dias consecutivos durante, no máximo,
         três semanas, às expensas do infrator. Assim, esta punição
         complementar afigura-se dupla, porque, além de ver divulgada, de modo
         reiterado, a sua condenação, ou seja, o reconhecimento da prática
         abusiva aos seus fornecedores, consumidores e concorrentes,  o infrator
         ainda deve arcar com as despesas derivadas das publicações, que não
         serão módicas.
                            À empresa condenada pode ainda ser imposta a proibição de
         contratar com entidades financeiras oficiais e de participar de licitações
         junto às administrações federal, estadual, municipal e do Distrito Federal
         e entidades da administração indireta, pelo prazo mínimo de cinco anos.
         Note-se que, dependendo do ramo da empresa, isso representaria
         verdadeira sentença de morte.
                            Além disso, a empresa ainda está sujeita, com grande
         probabilidade de se concretizar nos dias atuais, à ser inscrita no Cadastro
         Nacional de Defesa do Consumidor, o que, em tese, afetaria suas vendas.
                            A condenação pode acarretar também que patentes de
         titularidade do infrator sejam compulsoriamente concedidas a terceiros e
         que não se lhe parcelem dívidas fiscais federais, sendo-lhe retirados
         eventuais incentivos ou subsídios.
                            Mas, o golpe mais duro, será se o CADE determinar a cisão
         da sociedade, a transferência de seu controle, a venda de ativos, cessação
         parcial da atividade ou qualquer outro ato necessário a por termo aos
         efeitos prejudiciais à ordem econômica. Vê-se bem a amplitude de poder
         dado pela sociedade brasileira ao órgão que deve evitar e coibir os abusos
         de ordem econômica. E de outro modo não poderia ser, já que as coisas
         da economia afetam a todos os cidadãos, direta ou indiretamente, todos
         os dias, trazendo conseqüências graves à vida das pessoas.
                            O CADE  pode entrar na personalidade, no que há de mais
         íntimo à empresa e seus proprietários, modificando-lhe a estrutura de
         controle, o patrimônio, etc.
                            E não é só. A continuidade dos atos infracionais após a
         decisão no processo  perante o CADE ( que se diferencia da reincidência,
         cuja multa será dobrada) sujeita  os infratores à  multa diária no valor
         mínimo de cinco mil UFIR (R$ 5.320,50, hoje), podendo chegar até a
         cem mil UFIR (R$ 106.410,00, hoje), caso a infração seja considerada
         grave ou a multa aplicada no mínimo não represente punição suficiente
         pelo porte econômico da empresa.
                            Idêntica multa será aplicada se houver  a prática de qualquer
         ato que configure má fé processual, nos termos da legislação processual
         civil.
                            Além das penas arroladas na lei sob este título, devemos nos
         lembrar das medidas já citadas que, aplicadas subsidiariamente e se
         necessárias, constituem um agravamento da punição (art. 54, § 5º e
         9º), por onerar ainda mais o representado. Ainda podemos citar a
         hipótese de ser necessária a intervenção na empresa, de acordo com o
         que se exporá adiante,  que prevê que todos os custos da intervenção,
         inclusive os honorários do interventor, correrão por conta da empresa
         condenada (art.  76). A fixação da competência para execução das
         decisões do CADE para a Justiça Federal do Distrito Federal ou domicílio
         do executado, a critério do CADE,  também desfavorece o representado.
                            Pelo teor das punições previstas na lei 8.884/94, vê-se que a
         intenção é dar combate eficaz ao abuso do poder econômico, pois todas
         elas interferem na vida da empresa e de seus administradores de
         maneira  efetiva.
                            Quando da aplicação das penas principais ou
         complementares, o CADE deverá levar em consideração a gravidade da
         infração, ou seja, a sua abrangência e repercussão no mercado (risco
         para a concorrência, economia nacional, consumidores e terceiros), qual
         a vantagem pretendida ou conseguida pelo infrator, se a conduta levou
         ou não à consumação da infração,  quais os efeitos econômicos
         negativos, a situação econômica do infrator (que constitui moderno
         critério em outras áreas do Direito, para garantir-se a efetividade da
         punição) e se o infrator é reincidente. É importante que a lei tenha se
         lembrado de dar critérios à aplicação das penas, para evitar-se
         arbitrariedades ou abusos, ou mesmo a pecha de  perseguição ou
         favorecimento ao CADE.
                            O legislador previu, ainda, que se leve a boa-fé do infrator em
         consideração para efeitos da aplicação das penalidades.
                            Num sistema  onde  a impunidade muitas vezes tem sido a
         regra e numa sociedade onde há leis que “pegam” e outras que “não
         pegam”, a lei 8.884/94, aplicada através do CADE, parece se destacar
         por cumprir a finalidade para a qual foi criada. A atuação do órgão
         especializado é de fundamental importância para que se acredite nos
         meios de  repressão do abuso econômico. O fundado receio de ser
         punido  funciona como um moderador das ações praticadas. Mesmo
         porque, como se viu,  as penas  contidas na legislação são duras e
         pesadas.
                            As práticas abusivas não devem ocorrer com tanta
         freqüência, porque há lei e há formas de se cobrar o seu cumprimento, o
         que está sendo francamente praticado pelo poder público.
 
         7. EXECUÇÃO  JUDICIAL  DAS  DECISÕES  DO  CADE
 
                            Sendo condenado o representado e não cumprindo
         voluntariamente as determinações da condenação,  a decisão do CADE
         pode ser executada judicialmente, tendo preferência sobre todos os
         demais tipos de feito, excetuando-se o habeas corpus   e  o  mandado de
         segurança, já que constitui título executivo extrajudicial, perante a
         Justiça Federal, do Distrito Federal ou da sede ou domicílio do
         executado.
                            Se a execução  tencionar cobrar apenas multas pecuniárias
         impostas ao representado pelo CADE, esta execução atenderá ao disposto
         na lei de execução fiscal (6.830/80).
                            Porém, o objeto da execução é tornar efetivas  as medidas
         contidas na decisão do CADE. Para tanto, o juiz  concederá – e a lei é
         imperativa – a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer
         constante do título. O juiz poderá determinar todas as providências que
         entender necessárias ao cumprimento ou resultado a ele eqüivalente. A
         meta é atingir-se a concretização da medida imposta pelo CADE,
         somente convertendo-a em perdas e danos se impossível por qualquer
         meio  alcançar a tutela específica. Este posicionamento tem sido adotado
         modernamente também em outras áreas do Direito, especialmente no
         processo civil e trabalhista. E, caso haja a citada conversão, se fará
         independentemente  das multas aplicadas.
                            No entanto, não pode o Poder Judiciário reapreciar o mérito
         da decisão do CADE.  A matéria de embargos à execução deverá se ater a
         vícios da decisão, que possam torná-la ineficaz, ou seja, defeitos do título
         executivo extrajudicial. Cabe ao Judiciário, tão somente, estando o título
         em ordem, fazer cumprir a decisão, utilizando os instrumentos legais e
         coativos dos quais é aparelhado.
                            Todavia, para que os embargos, ou qualquer outra ação que
         vise desconstituir o título,   suspendam a execução, o juízo deve estar
         garantido com o depósito judicial das multas e caução que garanta o
         cumprimento da decisão, a critério do juiz.
                            Ainda que haja o depósito e a prestação da caução, se houver
         fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, o juiz pode
         determinar que sejam adotada,  incontinente,  medidas contidas no
         título.
                            Mas, a  providência mais contundente permitida pela
         legislação antitruste  é a possibilidade da determinação judicial de
         intervenção na empresa, quando necessária para permitir a execução,
         fundamentando-a e estabelecendo  as providências específicas a serem
         tomadas.
                            A intervenção deverá estar restrita aos atos necessários ao
         cumprimento da decisão judicial que a determinou.
                            A intenção continua sendo garantir o resultado efetivo do que
         foi estabelecido na decisão do CADE. E, para isso, o juiz nomeará um
         interventor, que poderá ser impugnado pelo executado sob alegação e
         prova de inidoneidade ou inaptidão. O interventor será, como é evidente,
         responsável por suas ações e omissões, principalmente se agir com abuso
         de poder e/ou desvio de finalidade, inclusive com aplicação de
         dispositivos da Lei de Sociedades Anônimas. A remuneração do
         interventor ficará a cargo do condenado e será arbitrada pelo juiz,
         considerando-se o porte da empresa e as providências que terá que
         tomar, se são numerosas e trabalhosas. Caso sobrevenha a  insolvência
         civil  do interventor ou seja ele condenado como agente passivo ou ativo
         de corrupção ou prevaricação ou descumpra seus deveres, o juiz  o
         substituirá.
                            Compete ao interventor praticar ou ordenar todos os atos
         para o cumprimento da condenação, denunciando ao juiz eventuais
         irregularidades ocorridas na empresa, apresentando relatório mensal de
         suas atividades.
                            A intervenção não poderá ultrapassar cento e oitenta dias.
         Porém, se necessário e justificável, poderá o interventor requerer dilação
         deste prazo.  O contrário também pode ocorrer, ou seja, que a
         intervenção seja encerrada antes do aprazado pelo juiz, se a empresa
         comprovar o total cumprimento da  obrigação ou das obrigações a que
         foi condenada.
                            Havendo, por parte dos administradores da empresa,
         qualquer óbice, comprovado,  aos atos do interventor, o juiz poderá
         afastá-los de suas funções. Para proceder ao afastamento, o juiz seguirá
         o estabelecido no contrato social da empresa. Se  mesmo assim as
         dificuldades persistirem, o juiz  pode determinar que o interventor
         assuma a administração total da empresa. Essas medidas serão tomadas
         independentemente de serem os responsáveis enquadrados na legislação
         penal vigente, artigos 329, 330 e 344 do Código  Penal, respondendo por
         desobediência, resistência ou coação no curso do processo.
                            Findo o prazo da intervenção, o interventor, que se
         assemelha um pouco à figura do síndico na falência ou do comissário na
         concordata, deverá apresentar relatório circunstanciado de suas ações.
         Neste ponto, ou o interventor recomenda a extinção e arquivamento do
         processo, se seu trabalho já estiver acabado e todas as medidas
         efetivadas, ou requer dilação do prazo, se não foi possível concretizar
         todo o contido na sentença de intervenção.
 

         8. CONCLUSÃO

 
                            Depois desta vista panorâmica  sobre  a repressão  ao abuso
         do  poder econômico,  reforçamos  o  que  foi exposto  na abertura deste
         texto. A sociedade brasileira, através de seu Poder Legislativo, entendeu
         que os abusos praticados no âmbito econômico são de extrema
         gravidade, devendo ser combatidos com a maior seriedade e
         contundência possível.
                            A possibilidade de divulgação das punições, inclusive em
         caráter condenatório da sentença, tem, ainda, o efeito de  servir de
         exemplo,  o que acaba sendo positivo na prevenção de práticas abusivas.
                            A condução dos processos administrativos pelo CADE e a
         efetivação das medidas de reversão dos atos abusivos, cumuladas com as
         multas e demais sanções, devem se manter eficientes para reprimi-los. A
         legislação em si apresenta vários pontos de avanço em relação à norma
         anterior, dando mais independência  e credibilidade ao CADE, órgão
         depositário das esperanças de toda a sociedade brasileira em não ver
         ameaçada sua ordem econômica, o que, indiretamente, assegura
         também a tranqüilidade política.
 
         *retirado de: http://www.wilges.com.br/formas.htm