O ENDOSSO
Antônio Augusto Gonçalves Tavares
1- INTRODUÇÃO
Muito
se discute entre os doutrinadores sobre a localização no
tempo
e no espaço do surgimento do endosso. Entretanto,
inquestionável
é que o endosso não era conhecido pelo direito
romano,
em razão do caráter eminentemente personalista do
vínculo
obrigacional, tanto que não admite, de forma direta, a
cessão
do crédito.
É
bem verdade que a prática do endosso está ligada à
própria
razão
de ser da circulação dos títulos de crédito,
no seu aspecto
translativo.
Em sua concepção primitiva, com raízes no final do
século
XVI, na Itália, o endosso apresentava uma conotação
diversa,
isto é, um banqueiro encarregava outro de proceder
ao
pagamento da quantia correspondente, de tal sorte que o
próprio
devedor apunha seu nome e autorizava a efetivação da
transação.
Já
no século XVII, na França, o endosso recebe feições
inequívocas
de transferência do próprio título, ainda que em
caráter
único. É na seqüência de sua evolução
que surge nova
tendência
que recepciona a possibilidade do endosso em
branco,
até que atinja o ponto mais seguro das relações
cambiárias,
mediante sucessivos endossos validamente
reconhecidos.
Destacando
a importância do instituto do endosso, ROBLOT,
citado
por LUIZ EMYGDIO F. DA ROSA JÚNIOR, escreve: "A
utilização
do endosso como modo de transmissão das letras de
câmbio
constitui um marco importante na história dos títulos de
crédito.
Tornadas facilmente transferíveis, as letras puderam
ser
remetidas diretamente pelos comerciantes a seus credores
como
modo de pagamento, sob dedução de um desconto e sem
a
intervenção necessária de um banqueiro encarregado
de
executar
o regulamento na feira por compensação", noticiando,
ainda
que o endosso resistiu à oposição dos banqueiros e
à
manobra
de alguns autores que denunciaram tal prática como
usura.
O
endosso desempenha relevante função no sentido de facilitar
a
circulação do crédito e por isso evoluiu de mero instrumento
de
pagamento para a concepção mais moderna de instrumento
de
crédito, sendo assim a sua negociabilidade a característica
fundamental.
É,
pois, o título de crédito um documento com característica
eminentemente
de circulação dos direitos que dele emergem e
estes
se transferem juntamente com o título que os representa.
A
regularidade da circulação decorrerá da livre e inequívoca
declaração
unilateral de vontade por parte de seu portador e
pela
qual o adquirente do título conta com direito novo,
abstrato,
autônomo e o que é primordial, totalmente
desvinculado
da relação causal que lhe deu origem. À luz
dessas
premissas, conclui-se que o endosso é o meio cambiário
específico
para transferência dos direitos consubstanciados em
um
título de crédito, inclusive e principalmente a sua
propriedade.
A
verificação etimológica revela que a expressão
endosso,
adotada
pelo direito cambiário, decorre do fato de ser a
declaração
unilateral de vontade, da qual resulta este ato
cambiário,
lançada nas costas, ou no dorso, de um título de
crédito.
Esse uso em latim assim se exprimia: quia in dorso
inscribit
solet; no francês, endossement, no direito
norte-americano
indorsement e no direito italiano girata.
2 - CONCEITO
É
inegável que o fundamental papel desempenhado pelo
endosso
está na circunstância de configurar a transferência
dos
direitos
intrínsecos ao título que incorpora as relações
obrigacionais.
Conceitua-se o endosso como sendo um negócio
jurídico
unilateral, onde tem o condão de apontar a
transmissibilidade
do título e ingressar no seu âmbito de
validade.
Corresponde, pois, o endosso, a uma declaração
unilateral
e acessória, adquirindo a eficácia relacionada no
documento
por intermédio do endossante. Analogamente, o
endosso
se identifica com a projeção de um novo saque, com a
transferência
de todos os direitos inerentes à cambial e, desta
forma,
o endossador responde solidariamente pela obrigação
assumida,
a tal ponto de criar maior garantia em prol do
endossatário.
Em
razão da transferibilidade do título de um detentor para
outro
assemelhando-se essa transferência à cessão, é
comum
certa
confusão entre a cessão e o endosso. Todavia, são
dois
institutos
inconfundíveis, pois, o endosso é ato unilateral de
declaração
de vontade que se impõe de forma escrita ao passo
que
a cessão é um contrato bilateral que pode se concluir de
qualquer
forma. Ainda há que se destacar que o endosso,
quanto
aos seus efeitos, confere direitos autônomos, enquanto
que
da cessão resultam direitos derivados. No endosso, a
eventual
imprestabilidade de um não contamina os demais,
isso
em razão da já citada autonomia da relação.
Já na cessão,
a
nulidade de uma condena as posteriores.
Com
efeito, o endosso é um instituto típico criado pelo direito
cambiário.
É o meio adequado para transferir o direito sobre o
título.
Em outras palavras, ao endossar o endossador transfere
o
título e em conseqüência os direitos nele incorporados.
A
própria
Lei Uniforme em seu artigo 14 normatiza que: "o
endosso
transfere todos os direitos emergentes da letra".
Pontifica
GIORGIO DE SEMO que o endosso é um negócio
acessório,
posto que se lastreia numa antecedente, relação
entre
o titular do crédito e o seu respectivo devedor,
estabelecendo
um vínculo de subordinação formal.
Conceitua-se
o endosso, seguindo o autorizado professor LUIZ
EMYGDIO
F. DA ROSA JÚNIOR, "como sendo o ato
cambiário
abstrato e formal correspondente a uma declaração
unilateral
de vontade, eventual, sucessiva, lançada no título de
crédito
ainda que do mesmo não conste a cláusula ‘à ordem’,
pela
qual o seu subscritor, denominado endossante, transfere a
outra
pessoa, designada endossatário, que pode ou não ser
identificado
pelo endossante, os direitos emergentes do título,
sendo,
em regra, o endossante responsável não pelo aceite
como
também pelo seu pagamento".
Insta
salientar que não é suficiente a declaração
do endosso
para
que se aperfeiçoe a transferência do título de crédito
ao
endossatário,
pois este só será titular do direito adquirido
através
do endosso se a esse seguir a tradição. Para o já
citado
professor
são as seguintes as razões que justificam a
afirmação:
"a) o título de crédito é um título de apresentação,
pelo
que o credor só pode exercer os direitos dele constantes
mediante
a sua exibição, inclusive em razão do princípio
da
literalidade;
b) porque o endossante pode, antes de passar o
título
às mãos do endossatário, cancelar o endosso dado no
título,
inclusive e especialmente se após o endosso frustrou-se
a
negociação que o justificaria, ou então, tratando-se
de
endosso
em preto (aquele em que se identifica a pessoa do
endossatário),
mudou o nome do beneficiário ou ainda preferiu
o
endossante efetivar um endosso em branco (consistente no
lançamento
de sua simples assinatura sem identificar a pessoa
do
endossatário) ao invés de um endosso em preto: o
cancelamento
do endosso é permitido pelo § 1º do art. 44 do
Dec.
2.044 de 1.908, e pela alínea 1ª do art. 16 da lei
uniforme,
prescrevendo esta que os endossos riscados
consideram-se,
para efeito de legitimação do portador do título
de
crédito no caso de pluralidade de endossos como não
escritos.
"
Diante
disso extraem-se duas conclusões imperativas e
cumulativas
para que a transmissão dos direitos decorrentes do
título:
o endosso (lançamento da declaração formal) e a
tradição,
sendo certo que no caso de endosso em branco, a
simples
tradição é suficiente para a transferência dos
direitos
cartulares.
Por
fim, o endosso se corporifica no papel cartular, ou seja, ele
se
solidifica num documento de crédito, o qual contém os
requisitos
próprios da cambial. Insculpido no verso do título,
especialmente
frente à circunstância típica das cambiais, o
endosso
por si mesmo externa a manifestação de vontade
dirigida
a uma finalidade específica: a transmissão do direito.
3 - NATUREZA JURÍDICA
Em
razão dos inúmeros debates em torno da figura do endosso,
várias
teorias se desenvolveram, dentre elas a do contrato de
câmbio
de POTHIER; a da delegação de UNGER, KUNTZE,
WENDT
e GIDE; a teoria da nova letra de THOL; de cessão
simplificada,
segundo BRAVARD-VEYRIÈRES e a de contrato
sui
generis proposta por MARTEL. Ocorre que segundo a
doutrina
mais moderna, todas essas teorias restaram
deficientes
para explicar o fenômeno cambiário chamado
endosso,
principalmente, em razão de sua base contratualista o
que
dificultaria a explicação da inoponibilidade das exceções
pessoais
ao terceiro adquirente de boa-fé, nem o fato de o
portador
do título ser considerado legítimo dono, mesmo que o
anterior
não o seja.
As
principais características que norteiam o endosso residem na
unilateralidade
da declaração, sua abstração, integralidade
e
incondicionamento.
Assim sendo, todo e qualquer pressuposto
de
que se reveste o endosso, revelam-se como elementos
carregados
de certeza e segurança jurídicas que emprestarão
sua
contribuição para a maior garantia da obrigação
negocial e
principalmente
da proteção do endossatário. Resulta disso, que
a
transferência do documento implica manifestação de
natureza
unilateral,
livre e expressa em relação a todos os direitos
cartulares.
É o que decorre do já referido artigo 14 do Decreto
57.663
de 24 de janeiro de 1.966, (LU), in verbis:
"O endosso transmite todos
os direitos emergentes da
letra."
Mais importante é que nessa relação entre endossador
e endossatário surge um vínculo real capaz de permitir
a esse exigir dos co-obrigados a totalidade da
prestação, incidindo o efeito da inoponibilidade das
exceções. É por força desse vínculo
que o endossante
torna-se garantidor tanto da aceitação como do
pagamento da letra.
4 - REQUISITOS DO ENDOSSO
A
lei uniforme dispensa qualquer solenidade para a
caracterização
do endosso, podendo-se, com isso, identificá-lo
por
qualquer fórmula que traduza a vontade do endossante. O
endosso
deve corresponder a uma declaração da vontade.
Entre
nós são inúmeros os exemplos de formalização
do
endosso:
"por endosso a X", "pague-se a X" ou, simplesmente,
a
assinatura do endossador no dorso da cártula sem
determinação
da pessoa em favor de quem é passado, sendo
esse
o denominado endosso em branco, que será objeto de
análise
futura.
Conforme
já visto, o endosso revela-se em uma declaração
unilateral
de vontade pura e simples. Isso quer dizer, nas
palavras
de LUIZ EMYGDIO F. DA ROSA JÚNIOR que: "a)
trata-se
de uma declaração abstrata, não interessando ao
direito
cambiário a relação extracartular porventura existente
entre
endossante e endossatário; b) é igualmente autônoma
em
relação às demais declarações constantes
do título, tanto
que
a pessoa que o detém não deixa de ser considerada pela
lei
como portador legítimo se um dos endossatários adquirir a
cambial
a non domino (e mesmo assim ocorre a transferência
da
propriedade a seu favor), ou se a assinatura de um dos
endossantes
for falsa ou tiver sido falsificada, decorrendo tal
legitimação
do portador da consagração da teoria da aparência,
e,
em conseqüência, basta que o portador prove que seu
direito
se justifica em razão de "uma série ininterrupta de
endossos,
mesmo que o último for em branco" (art. 16, I da
L.U.);
e c) o endosso não pode ter sua eficácia subordinada a
um
evento futuro, incerto (condição) ou certo (termo), nem a
qualquer
encargo, prescrevendo a segunda parte da alínea I do
art.
12 da L.U. que no caso de ser estipulada, no título, uma
cláusula
de condição, a mesma é considera como não escrita,
ou
seja, tal cláusula não interessa para o direito cambiário,
e o
endosso
é havido como puro e simples, ignorando-se
completamente
a existência da cláusula condicional."
Não
obstante a inexigência de solenidades para o endosso, por
se
tratar de um ato cambiário, haverá de ser um ato formal
somente
sendo lançado no próprio título de crédito
ou em seu
prolongamento.
É o que decorre do artigo 13 da Lei Uniforme:
"O endosso deve ser escrito
na letra ou numa folha
ligada a esta (anexo).
Deve ser assinado pelo
endossante."
Assim como todo ato jurídico, o endosso, para sua
validade desafia a presença da regularidade da forma
a fim de configurar a validade e eficácia naturais à
transferência da cambial. Por isso, a declaração de
endosso deverá ser integral e incondicional, ou seja,
deverá representar a totalidade do valor expresso no
título, reclamando, ainda, a capacidade do agente,
com a consecução do seu objeto lícito a sua real
essência.
Como
já foi dito, a declaração do endosso eqüivale
ao
surgimento
de outra obrigação com estabelecimento de uma
nova
relação jurídica, ao ponto de assinalar a realidade
que se
infere
entre o endossante e o endossatário. Por isso tudo, a
validade
e a sua própria eficácia decorrem da perfeita
adequação
que se reveste o título cambial e a sua tradição,
não
se
observando qualquer defeito a servir como óbice à
subsistência
do crédito.
Ainda
em sede do estudo da validade do endosso, há que se
destacar
a hipótese do endosso falso lançado numa cadeia de
transferência.
A falsidade deste endosso não enodoa a eficácia
e
inteireza do título. O vínculo entre os demais coobrigados
permanece
íntegro. Isso porque, as assinaturas são
independentes
e autônomas, fato que revela o aspecto
particularizado
da irregularidade ocorrida, sendo certo que
nenhum
efeito terá em relação aos demais envolvidos na
obrigação.
Em
verdade, o endosso, no que pertine à sua forma de ser e
geração
de efeitos, está estreitamente ligado à presença do
portador
de boa-fé. A tradição, que se viabiliza com o
endossatário
de boa-fé, é condição de eficácia do
próprio
endosso
e como tal, assume aspectos importantes na
identificação
do liame jurídico.
5 - O ENDOSSO PARCIAL
Nos
termos do artigo 12, II da Lei Uniforme, o endosso parcial
é
nulo, assim se considerando a transferência da propriedade
do
título de parte do valor nele referido. LUIZ EMYGDIO F.
DA
ROSA JÚNIOR justifica tal regra porque: "a) o título de
crédito
corresponde a uma coisa indivisível, não podendo, pois,
ser
parcial a transmissão de sua posse; b) a soma cambiária é
igualmente
indivisível face à unidade do crédito cambiário;
c) o
título
de crédito, sendo um título de apresentação,
o portador
dele
necessita para poder exercer seus direitos cambiários
contra
os coobrigados, com o que seria também inviável na
prática
o endosso parcial, porque tanto o endossante quanto o
endossatário
necessitam do título para mover as ações
cambiárias
que lhes competissem."
O
Decreto 2.044/08 em seu artigo 8º, parágrafo 3º, proibia
o
endosso
parcial, sem, contudo, estabelecer a sua nulidade. Por
esse
motivo a construção doutrinária caminhou no sentido
de
entender
que, se efetivado, devia ser considerado como
cláusula
não escrita para os efeitos cambiais, nos termos do
artigo
44, IV. Conclui-se, pois, que o endosso parcial não afeta
as
demais obrigações cambiárias em razão da autonomia
e
independência
das mesmas.
6 - A LEGITIMAÇÃO PARA ENDOSSAR
Estará
legitimado a prestar o endosso aquele que tenha
capacidade
jurídica e que legitimamente possa dispor do título.
Em
se tratando o endosso do meio cambiário adequado para
pôr
em circulação o título de crédito, que nasce
para circular e
não
para permanecer imóvel, as pessoas que primeiramente
podem
endossá-la são o tomador da letra e o beneficiário
da
nota
promissória. A seguir daí, os demais portadores poderão
lançar
endosso validamente.
De
outro norte, não estarão habilitados para prestar o endosso
o
portador do título por força de endosso-mandato ou de
endosso-caução,
uma vez que esses tipos de endosso não são
próprios,
como se demonstrará. Não têm eles o condão de
transferir
a propriedade do título ao endossatário. Segundo a
norma
do artigo 16, I da Lei Uniforme, a legitimação do
portador
se revelará quando o mesmo "justifica o seu direito
por
uma série ininterrupta de endossos, mesmo se o último for
em
branco."
Destaque-se,
ainda, que se o título cambial contiver no seu
bojo
a cláusula não à ordem aposta pelo sacador, significa
que
a
mesma não poderá ser endossada, pois tal cláusula
é em
verdade,
uma proibição de endossar.
Se
um endosso é prestado por um incapaz, o ato não
contaminará
as demais obrigações assumidas no contexto
cambiário
face ao princípio da autonomia e independência
existente
entre as mesmas. Não prejudicará a circulação
do
título,
nem tornará ilegítimo o portador do título, desde
que a
cadeia
de endossos que ampara seu direito esteja com regular
aparência.
7 - EFEITOS DO ENDOSSO
Segundo
os artigos 14 e 15, I da Lei Uniforme, são os seguintes
os
efeitos do endosso: a) transferir os direitos emergentes da
cambial
e b) responsabilizar o endossante pelo aceite e
pagamento
do título.
O
primeiro efeito do endosso decorre de sua própria natureza,
isto
é, de sua finalidade. Visa conferir a transferência ao título
de
crédito do endossador para o endossatário. Com isso,
poderá
o seu novo titular exercer, na qualidade de credor,
todos
os direitos cambiários decorrentes do documento contra
o
devedor principal bem como devedores indiretos. Esse efeito
tem
caráter real.
O
segundo efeito decorrente da declaração cambial do endosso,
esse
de caráter pessoal, fixa-se na responsabilidade do
endossador
pelo aceite e pelo próprio pagamento da letra junto
com
o devedor principal. É esse efeito que empresta ao título
de
crédito a segurança que necessita para sua circulação.
De se
lembrar
que esse efeito decorre do art. 47 da Lei Uniforme e
artigo
43, 2ª parte do Dec. 2.044 de 1.908 e reside no princípio
de
que não existem assinaturas inúteis em títulos de
crédito.
Todos
aqueles que ali apõe sua firma, se obrigam, de uma
forma
ou outra. Aquele legitimado que lança o endosso na letra
está,
na verdade, assumindo uma nova obrigação autônoma e
independente
das demais, de modo que sua eventual
imprestabilidade
não macula qualquer outra constante do
contexto
cambiário. (artigo 7º da Lei Uniforme e artigo 43 do
Dec.
2.044 de 1.908)
8 - MODALIDADES DE ENDOSSO
Como
dito acima, a principal característica do endosso é
conferir
transmissibilidade ao título de crédito. O estudo das
diversas
modalidades de endosso merece destaque na medida
em
que estabelece os limites em torno da própria exigibilidade
do
crédito, aspectos relativos à inoponibilidade de exceções
dentre
outros.
A
primeira modalidade de endosso é o chamado endosso em
branco,
que se caracteriza pelo simples lançamento da
assinatura
do endossante no dorso da letra sem registro do
nome
do beneficiário; simplesmente a assinatura do legítimo
titular
do crédito. Essa forma de endosso é tida como a mais
singela
de todas, uma vez que não encerra qualquer
formalidade
nem aponta seu beneficiário. Operado o endosso,
o
novo titular do crédito poderá, de posse da letra,
apresentá-la
ao pagamento, reendossa-la, ou até mesmo
transferi-la
a terceiro sem qualquer tipo de solenidade, ou seja,
sem
necessidade de lançar no título sua assinatura. Vê-se,
pois,
que
a grande característica do endosso em branco é emprestar
à
letra aspectos de título ao portador, operando-se a sua
transmissibilidade
pela simples tradição manual.
Com
efeito, por conferir à letra características de título
ao
portador,
o endosso em branco dá ao seu detentor (aquele que
se
apresenta com a cártula) o direito de exigir o cumprimento
da
obrigação delineada no documento de todos os obrigados.
Isso
porque presume-se a boa-fé do titular da posse,
característica
essa que prevalecerá até que se prove o
contrário.
É o que decorre da leitura do artigo 39, § 1o do
Decreto
2.044/08: "O possuidor é considerado legítimo
proprietário
da letra ao portador e da letra endossada em
branco."
Outra
forma de endosso é aquela denominada de endosso em
preto,
completo ou pleno. Surgirá essa figura quando o
endossador,
ao contrário do que ocorre no endosso em branco,
preferir
designar na própria cártula o nome da pessoa
favorecida
(o endossatário). Diante disso, tem-se que o
endosso
está completo sob o aspecto da circulação do crédito.
Em
sendo pleno (ou em preto) o endosso poderá ser lançado
em
qualquer parte do título, pois não há como confundi-lo
com
outra
declaração cambiária em face de sua expressa
caracterização.
No
caso de o endossatário (e agora proprietário da letra)
pretender
transferir o título a outrem, deverá fazê-lo por
intermédio
de outro endosso, seja em branco ou em preto. De
se
destacar que o endossatário, com vistas a se acautelar
contra
eventual extravio da letra, poderá transformar um
endosso
em branco em endosso em preto bastando para tanto
o
simples registro de seu nome como favorecido do crédito.
9 - ESPÉCIES DE ENDOSSO
Além
de sua característica principal de transferência de crédito,
o
endosso proporcionou ao comerciantes a sua utilização em
outras
formas de negociação. A técnica bancária foi
a principal
fonte
destas rotinas. Surge, daí, diversas formas derivadas do
endosso,
tais como o endosso para garantia, para fins negociais
e
outros. É o que se verá a seguir.
À
luz do artigo 18 da Lei Uniforme, conceitua-se o
endosso-mandato
como sendo aquele pelo qual o endossador
(titular
do crédito) cede a um terceiro portador, o exercício de
todos
os direitos que decorrem do título de crédito. É também
chamado
genericamente de endosso-procuração eis que
transmite
ao endossatário poderes de efetuar a cobrança do
título
e se for o caso, dar quitação. O importante é destacar
que
por essa modalidade de endosso não há transferência
do
valor
do crédito. Por esse motivo, o endosso-mandato é
inserido
como uma das formas do endosso impróprio. Decorre
disso
que o endossatário-mandatário não poderá passar
um
endosso
pleno por não ser o proprietário do crédito.
O
endosso-mandato somente poderá ser realizado em preto,
ou
seja, com a determinação expressa da pessoa do
endossatário-mandatário,
tendo em vista que esse instituto
rege-se
pelos princípios do direito comum não se admitindo a
procuração
ao portador. (veja artigos 1.288 do Código Civil e
140
do Código Comercial)
De
se destacar que o endossador poderá, a qualquer momento
cancelar,
o endosso-mandato, da mesma forma que poderá o
endossatário-mandatário
renunciar ao mandato. Nesses casos,
a
construção jurisprudencial caminhou no sentido de que a
simples
devolução da letra ao mandante é suficiente para
caracterizar
a renúncia, tendo em vista que tal espécie não
transfere
a propriedade, permanecendo o endossante como
titular
do crédito. De outro norte, não raro na interpretação
doutrinária
verificar-se-á a exigência de que o cancelamento do
endosso-mandato
se opere no próprio título para irradiar
efeitos
contra terceiros.
O
endosso-caução, outra forma de endosso impróprio,
vem
disciplinado
no artigo 19 da Lei Uniforme. Nessa espécie, o
endossatário
terá a letra por endosso em garantia pignoratícia
de
qualquer obrigação assumida com terceiro. A nossa lei
cambiária
(Dec. 2.044/08) não disciplinou tal modalidade, o
que
conduziu alguns estudiosos à sua ignorância no universo
cambiário.
Essa situação veio a ser resolvida, posteriormente,
com
sua expressa admissão quanto aos conhecimentos de
transporte
de mercadorias.
A
lei não exige palavras expressas para a identificação
do
endosso-caução,
podendo ser utilizadas expressões das mais
variadas,
tais como "valor em garantia", "valor em penhor",
"endosso
em garantia" dentre outros.
Conforme
pontifica o mestre TÚLLIO ASCARELLI, se o título
de
crédito pode ser objeto de propriedade, o mesmo se dá com
relação
aos demais direitos reais de garantia sobre as coisas
móveis,
tais como o usufruto e o próprio penhor.
O
endosso-caução pressupõe, pela sua natureza, a existência
de
uma relação obrigacional e, portanto, excluída do
contexto
cambiário.
Essa relação se desenvolve entre o portador da
letra
na condição de devedor e uma terceira pessoa na
condição
de credora. De se ressaltar que o credor da caução
estará
investido dos poderes para promover a notificação do
devedor
do título caucionado para que o mesmo não pague ao
seu
credor enquanto permanecer a garantia. (cf. artigo 792, II
do
Código Civil)
Finalizando,
conforme prescreve o artigo 792, V do Código
Civil,
o credor da garantia, ao receber o valor da mesma, deve
devolvê-la
ao credor caucionante se este solver a obrigação
garantida,
pois, caso contrário, estaria enriquecendo sem causa
em
manifesto prejuízo para o endossador.
O
endosso póstumo é o que for efetuado posteriormente ao
protesto
por falta de pagamento, ou aquele levado a efeito
depois
de passado o prazo fixado para a sua efetivação. Isso é
o
que prescreve o artigo 20, I, da Lei Uniforme. De outro lado,
o
artigo 8o, § 2o do Decreto 2.044/08, considerava como
póstumo
o endosso lançado após o vencimento da letra.
Lição
do professor FRAN MARTINS, em comentário sobre a
aparente
divergência de entendimentos entre um e outro
diploma
sinaliza que para esta última "a vida ativa da letra vai
até
o momento em que se esgota o prazo para o protesto", vez
que
este é, "na verdade, o ato que comprova que o título não
foi
pago para os efeitos de poder o portador agir contra os
obrigados
regressivos". Se o endosso não tiver sido datado, a
LU
em seu artigo 20 estabelece que salvo prova em contrário,
presume-se
lançado antes de esgotado o prazo do protesto. A
idéia
é a proteção ao terceiro adquirente do título,
tendo em
vista
que o endosso tardio não lhe autoriza o exercício pleno
dos
direitos emergentes da letra.
Importante
destacar que, a forma do endosso póstumo é
exatamente
a mesma dos demais tipos. Entretanto, conforme
fixa
o artigo 20 da LU, os seus efeitos são apenas de uma
cessão
ordinária de créditos. Por isso mesmo, sendo a forma
de
endosso, não suprime o endosso tardio a característica
cambiária
do título de crédito e essa parmanecerá enquanto
não
se extinguir a vida da letra pelo cumprimento da obrigação
ou
outra forma de extinção da obrigação.
10 - A CADEIA DE ENDOSSOS
É
a principal característica do título de crédito a
circulação. O
titular
do crédito, através de sua negociação, tem
a grande
vantagem
de realizar antecipadamente o valor nele
mencionado,
antes mesmo do vencimento. Isso se opera,
como
visto, através do endosso. Normal se revela, a presença
de
uma seqüência dessas declarações, sendo certo
que a
investigação
de efeitos que cada uma delas representa no
contexto
cambiário é um imperativo.
Denomina-se
cadeia de endossos essa seqüência ininterrupta
de
endossos lançados na letra iniciada pelo seu tomador. A
cadeia
de endossos está disciplinada no artigo 16 da LU.
Na
lição do professor TÚLLIO ASCARELLI, na cadeia de
endossos
os seus titulares sucessivos são os sucessivos
proprietários
do título. Nesse caso, a titularidade se externa
através
da propriedade do título e proprietário em matéria
de
direito
cambiário é o possuidor de boa-fé. Confira-se, in
verbis,
trecho
do ensinamento do mestre: "O paralelismo entre
propriedade
do título e titularidade do direito encontra a sua
explicação
mais simples na afirmação de que a determinação
do
titular ativo do direito decorre da propriedade do título.
Justamente
por isso o direito de cada titular sucessivo é
autônomo,
isto é, independente daquele do titular anterior,
mas
da propriedade do título e, por isso, pode subsistir embora
não
existisse o direito do alienante; é, apenas, necessário e
suficiente
que exista a propriedade do título. Exata, por seu
turno,
é disciplinada pelas regras que regulam a circulação
das
coisas
móveis e, por isso, subsiste (no nosso direito, quando
concorra
a boa-fé), mesmo quando o alienante tivesse sido
apenas
possuidor e não proprietário" .
Segundo
a norma do artigo 16 da LU, para efeitos de
legitimação
do portador os endossos riscados consideram-se
como
não escritos, ou seja, é como se as assinaturas
canceladas
não tivessem sido lançadas no título, pouco
importando
a razão do cancelamento, muito menos se tal
providência
podia ou não ser tomada. Mesmo que tenha se
operado
de forma abusiva o cancelamento do endosso
permanecerá
como não escrito, restando ao portador
prejudicado
o recurso da via ordinária para ver-se ressarcido.
*retirado
de: http://www.teiajuridica.com/af/endosso.htm