A "Lei de Gérson" (O certo é levar vantagem em tudo, certo?)
JOãO ANTONIO CéSAR DA MOTTA
No caso dos bancos, é inegável, a pouco feliz publicidade
estrelada pelo tri-campeão se
mostra de visceral atualidade. E tal se verifica pela edição
da MEDIDA PROVISóRIA Nº 1.925, de 14 de outubro
de 1999, já reeditada 5 (cinco) vezes, onde, a pretexto de
introduzir um novo título, a Cédula de Crédito Bancário,
que é absolutamente desnecessário e sem utilidade,
veio, em verdade, procurar legalizar as práticas da capitalização
e flutuação de juros, garantias e formas de execução
(cheque especial) que são absolutamente repudiadas pelo Poder Judiciário,
inclusive em matérias sumuladas pelos Tribunais Superiores.
Assim, a edição anômala da lei pelo Poder Executivo
em nada contribui com o
aperfeiçoamento do Sistema Financeiro Nacional o qual possui
normas que, se interpretadas e aplicadas à luz dos
novos tempos, em especial com os novos ares do Direito das Obrigações
conforme delineado pelo Código do
Consumidor e de Proteção ao Meio Ambiente, são
amoldadas a integrar o País realmente em um quadro de
globalização.
Já a instituição da Cédula de Crédito
Bancário pela MEDIDA PROVISóRIA Nº 1.925,
que com pesar se posta a abandonar toda a tradição
legislativa quanto aquelas editadas para Crédito Rural
(DL 167/67), Industrial (DL 413/69) e Comercial (Lei 6.840/80), tem a única
função de sacramentar a teoria da
esperteza, onde se procura dar foros de legalidade ao que a Sociedade,
em repulsa, já buscou e obteve junto ao
Poder Judiciário.
Aliás, as forças de lobby dos Bancos são tão
poderosas e tão umbilicalmente ligadas ao que
pejorativamente convencionou-se chamar "Lei de Gérson" (a
de levar vantagem em tudo) que, acossadas pela
pressão popular junto ao Poder Legislativo quanto ao verdadeiro
fim da MEDIDA PROVISóRIA Nº 1.925,
providenciaram a inclusão na MEDIDA PROVISóRIA Nº
1.963-17, de 30 de março de 2000 da permissão quanto
a hoje ilegal e repudiada (pelo STJ e STF) prática da capitalização
dos juros !!!
Aliás, a técnica legislativa é interessantíssima.
Tal qual a MEDIDA PROVISóRIA Nº 1.410 que, em maio de 1996,
a pretexto de dispor
sobre as fontes de custeio para fortalecer o capital do Banco do
Brasil S/A, buscou carrear foros de legalidade ao
que, sem dissenso, vinha sendo repudiado pelos Tribunais do País,
à testa os Superiores Tribunais; igualmente a
MEDIDA PROVISóRIA Nº 1.963-17, em sua 17ª reedição
(e só agora), coloca um curioso tema à legalidade.
É que, como se sabe, esta MEDIDA PROVISóRIA Nº 1.963
é com o fim declarado de
dispor '... sobre a administração dos recursos
de caixa do Tesouro Nacional, consolida e atualiza a
legislação pertinente ao assunto e dá outras
providências', logo, e basta ler para compreender, não dispõe
sobre
a forma ou meios de operacionalizar as operações de
crédito junto ao Sistema Financeiro Nacional.
Ocorre que, isoladamente e sem nenhuma correlação com a finalidade
da lei executiva, lá
pelas tantas, consta na MEDIDA PROVISóRIA Nº 1.963-17:
Art. 5o Nas operações realizadas pelas instituições
integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível
a
capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.
Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando
solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da
obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo
credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo
claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor
principal da dívida, seus encargos e despesas
contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência,
a parcela correspondente a multas e demais penalidades
contratuais.
Art. 6o Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida
Provisória no 1.963-16, de 2 de março de 2000.
Art. 7o Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua
publicação e, ressalvado o disposto no art. 5o, produz
efeitos a partir de 1o de janeiro de 1999.
Art. 8o Fica revogado o parágrafo único do art. 60 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.
Brasília, 30 de março de 2000;
179o da Independência e 112o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Pedro Malan
Publicado no D.O. de 31.3.2000
Como se verifica, os Bancos tem se utilizado de mecanismos de pressão
junto ao Poder
Executivo para, burlando o processo legislativo com a edição
de medidas provisórias, obter a revogação daquilo
que o Poder Judiciário vem sistematicamente há décadas
proclamando e já foi erigido à matéria sumulada (STF
nº
121; e, STJ. nº 93), no sentido da impossibilidade prática
cobrar-se juros capitalizados para incremento da dívida.
Aliás, os bancos quando questionados judicialmente sobre os abusos
que praticam, via de
regra usam a máscara de vestal ultrajada, que estariam sendo
vítimas de calotes, de golpe na praça e outras quimeras
sem nenhuma consistência.
Contudo, quando se realiza exame pericial judicial sobre os números
apresentados pelos
bancos, usualmente os Peritos nomeados pelos Juízes apresentam
profunda perplexidade:
Como as taxas pactuadas o foram em bases mensais, evidentemente, até
o prazo de 30 (trinta) dias
os juros lineares são superiores aos exponenciais, ao passo que
esta situação se inverte quando os prazos são
superiores aos mesmos 30 (trinta) dias, o que, na prática, trata-se
de engenharia econômica aplicada pelo
banco em seu próprio favor.
Processo nº 1.903/94, 35ª Vara Cível do Foro Central,
CASA MOYSÉS ENXOVAIS E
TECIDOS LTDA. vs. BANCO ECONÔMICO S/A, Perito Dr. JUBRAY SACCHI,
fls. 467
10. Queira a perícia informar se a estipulação de
contagem de juros exponenciais conduz ao cálculo de juros
capitalizados no contrato. Caso contrário explicar.
RESPOSTA
Positiva é a resposta.
No caso específico dos autos, a perícia constatou que o banco aplicou os juros de 02 (duas) formas distintas a saber:
a) Juros lineares: nos casos em que o prazo foi inferior à taxa mensal contratada;
b) Juros compostos: nos casos em que o prazo foi superior à taxa mensal contratada;
Tecnicamente falando, o acima exposto significa que o banco calculou e
cobrou os juros da forma que
melhor lhe aprouvesse. (grifo não no original).
Processo nº 1.854/94, 3ª Vara Cível do Foro Central, CASA
MOYSÉS ENXOVAIS E TECIDOS
LTDA. vs. BANCO SCHAHIN CURY S/A, Perito Dr. ARLES DENAPOLI, fls.
299
Como se vê, aos bancos não interessa a questão da capitalização
ou não dos juros, mas sim a
maior rentabilidade possível em cada operação,
relevando observar que, sempre e invariavelmente, buscam os
bancos uma engenharia em matemática financeira que lhes permita
o melhor resultado, mesmo que seja contra a Lei
Federal.
No caso, cansados de sucumbir nos Tribunais, buscam eles agora, de todas
as
formas
possíveis, tornar legal o que não é; mesmo
que seja enfiando em uma Medida Provisória que delimita a
'...
administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional'
matéria que não diga respeito ao tema e contra a
qual é diuturnamente apresentada repulsa da sociedade civil
nos Tribunais.
Realmente é de amargar. Não se observa a Lei Federal
e, pior, seguindo a prática
absolutamente censurável da esperteza, tenta-se de todo o
jeito dar legalidade àquilo que a sociedade não quer e não
precisa. Devem os bancos, sim, preocuparem-se com questões
modernas e globalizadas como o respeito ao
consumidor e ao meio ambiente, abandonando o capitalismo predatório
que vem praticando e é ratificado pelos
Tribunais com quem ousa questionar suas estipulações.
*retirado de: http://www.teiajuridica.com/gl/gerson.htm