® BuscaLegis.ccj.ufsc.br


CHEQUE PRÉ-DATADO: Enfoque Legal e Moral

        Marcos Antônio Cardoso de Souza

              A relevância da questão, ora proposta, subsiste em razão da corriqueira emissão
              de cheques, como meio a viabilizar compras à prazo. Esta forma de transação
              comercial encontra-se de tal maneira difundida nas relações de consumo, que
              representa uma das principais modalidades de parcelamento de débitos no
              comércio.

              Outro fator que comprova a consagração do cheque pré-datado, revela-se na
              propagação de empresas com o intuito precípuo de viabilizar, aos empresários que
              trabalham com os mesmos, permutá-los de imediato por dinheiro, em troca de
              desconto percentual sobre o valor do títulos. Faz-se referência às empresas de
              factoring. Atividade esta, altamente lucrativa, em razão do montante de recursos
              movimentados por meio de cheques pré-datados. Cabe neste momento ressalvar
              que tais entidades jurídicas têm várias obrigações legais para sua constituição e
              desenvolvimento. Acontece que, notoriamente, as empresas de factoring que
              deveriam desenvolver uma série de serviços, a fim de fomentar as atividades
              mercantis, atualmente, limitam-se a lidar com os citados títulos de créditos.

              Pode-se claramente observar, portanto, que os cheques pre-datados, além de
              amplamente difundido entre a população, também, são objetos de negociação de
              um representativo número de empresas no país.

              Tais dados, quando analisados de forma isolada não concederiam motivo para
              qualquer controvérsia, na medida que, através desta prática, estimula-se a
              circulação de riquezas e o desenvolvimento comercial. O cheque pré-datado
              consubstancia-se como forma hábil e ágil de concessão de crédito. Ao ser
              defrontar, porém, a emissão destes títulos com a legislação vigente, observa-se
              seu caráter ilegal.

              A Lei do Cheque, L. nº 7.357 de 2 de setembro de 1985, preceitua o seguinte em
              seu art. 32, in verbis:

              "Art. 32. O cheque é ordem de pagamento à vista. Considera-se não-escrita
              qualquer menção em contrato. Parágrafo único.O cheque apresentado para
              pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da
              apresentação."

              A norma determina, com isso, que o cheque pode ser, a qualquer momento,
              descontado na entidade bancária corresponde. Destarte, a emissão de cheque
              pré-datado não tem qualquer suporte legal. Em face do dispositivo acima trascrito, a
              data expressa no documento, quando posterior ao dia de apresentação, não produz
              qualquer restrição ao imediato pagamento da quantia prevista no instrumento.

              Todavia, em recente acórdão o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através de seus
              membros, (Resp 223486) julgou procedente ação de indenização movida por
              particular contra sociedade comercial, que descontou cheque pré-datado antes da
              data, previamente, estipulada. Em razão desta conduta, a emitente foi incluída em
              sistema de proteção ao crédito, sob a justificativa de o cheque não possuía a devida
              provisão de fundos.

              Trata-se de decisão polêmica, já que a parte ré foi condenada por ato, que,
              conforme anteriormente ventilado, admite-se como legítimo no ordenamento jurídico
              vigente. A lei concede ao portador do título a prerrogativa de, em observados os
              prazos para a apresentação, descontá-lo a qualquer momento.

              A manifestação do mencionado tribunal superior revela a ineficácia da norma que
              impõe a utilização do cheque como ordem de pagamento à vista. Além desta
              disposição ser inobservada de forma reiterada e habitual pela comunidade, a corte
              máxima para questões infraconstitucionais ora registra precedente jurisprudencial
              em absoluta oposição a tal preceito.

              Questionamentos podem ser formulados acerca da regularidade do
              posicionamento do STJ. Tal decisum, contudo, não se encontra eivado de vício;
              pois adequou-se, através do mesmo, a norma positivada à vigente noção de justiça.
              A justa prestação jurisdicional representa a razão de ser, a finalidade, o objetivo do
              direito. Não se pode, sob a escusa de uma obediência cega e irrestrita a legislação,
              macular os princípios de justiça.

              Ao disponibilizar compras por meio de cheques pré-datados, o comerciante, ou
              prestador de serviço, propõe e aceita utilização deste título para fins diversos
              daquele previsto na legislação. Dessa forma, observa-se ser totalmente incoerente
              e inaceitável que o mesmo pólo da relação ofereça, de forma desprovida de
              qualquer supedâneo legal, a possibilidade de pagamento mediante cheque
              pré-datado e, paradoxalmente, exija a observância da lei, no que diz respeito ao
              desconto correlato.

              Acentua-se, ainda, que aquele que recebe o cheque pré-datado compromete-se,
              moralmente, a somente apresentá-lo na data indicada no documento. Quando age
              de forma diversa do ajustado, o portador do cheque, frustrando expectativa do
              emitente, adota comportamento ardiloso, contrário aos preceitos morais e aos usos
              e costumes do comércio. Configura-se, nesta hipótese, traição à confiança
              depositada no detentor do título. Deste ato podem decorrem sérias conseqüências
              para o correntista, como a vexatória inclusão do seu nome no sistema de proteção
              ao crédito.

              Diante do exposto, urge-se um posicionamento expresso dos legisladores. Cumpre
              ao Poder Legislativo editar normas que regulem este costume comercial, que se
              reveste de incertezas e imprecisões. Deve-se analisar os benefícios e as
              temeridades da consagração legal do cheque pré-datado. A celeuma pode ser
              resolvida com a revogação das vigentes disposições atuais, ou com a manutenção
              das normas atuais; mas que, neste caso, cominem-se penalidades àquele que
              oferecer ou aceitar esta forma de pagamento. Faz-se necessário que, em sua
              decisão, o legislador pátrio considere a existência da, já mencionadas, empresas
              de factoring, as quais dependem dos cheques pré-datados para manutenção de
              suas atividades. Há de se ponderar, ainda, sobre a enorme incidência de operações
              mediante os cheques pós-datados, denominação esta preferida pelos
              doutrinadores. Dúvidas não subsistem com relação a um aspecto da questão, o
              legislador pátrio, em função da notoriedade da inobservância das regras enfocadas,
              não pode permanecer omisso.

Retirado de: http://www.direito.adv.br/artigos/cheque_pre_datado.htm