CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - ANATOCISMO
SENOMAR TEIXEIRA JÚNIOR
Advogado - Recife/PE
A cobrança de juros de juros nos
contratos de mútuo feneratício foi vedada
pelo direito positivo pátrio desde
o advento da Lei de Usura, o Decreto
22.626, de 7.4.1933. Também conhecido
técnicamente como anatocismo, essa
prática consiste em somar os juros
obtidos ao capital, para que sirva esse
resultado de base de cálculo a nova
contabilização de juros. Em linguagem
matemática existem o cálculo
de juros simples e o cálculo de juros
compostos, este último é
a capitalização que nos propomos a dissertar.
Convém salientar que o Código
Civil, em seu art. 1.262, autorizava a
cobrança de juros "com ou sem capitalização"
nos contratos de mútuo.
Todavia, com a edição posterior
da norma da Usura, acima mencionada, tal
faculdade não mais vige.
O Decreto nº22.626, de 7.4.1933, conhecido
como a Lei da Usura, previu a
vedação da cobrança
dos juros capitalizados em nosso sistema jurídico, de
forma clara, em seu artigo 4º, prevendo
que: " É proibido contar juros dos
juros; esta proibição não
compreende a acumulação de juros vencidos aos
saldos líquidos em conta-corrente
de ano a ano".
O mesmo Diploma em seu art. 11, dispôs
acerca da nulidade dos contratos
celebrados contra legis, asseverando que
: " O contrato celebrado com
infração desta lei é
nulo de pleno direito, ficando assegurado ao devedor a
repetição do que houver pago
a mais".
O antigo Supremo Tribunal Federal consagrou
o entendimento da vedação do
art. 4º, em sua Súmula de nº121,
cujo teor transcrevemos, in verbis:
Súmula 121 - É vedada a capitalização
de juros ainda que expressamente
convencionada.
Com o advento da vigência da Lei 4.595/64,
que provocou o enunciado da
Súmula 596 daquela Suprema Corte,
as instituições financeiras insistiram
em que essa vedação havia
sido superada para os entes desse gênero, ou
seja, os que integrassem o Sistema Financeiro
Nacional. Todavia, julgado do
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, sedimentou
entendimento contrário, através de
sua 4ª Turma, no REsp nº1.285-O
(89.0011431-0), cuja ementa é comemorada a
seguir:
"Ementa: Direito privado. Juros. Anatocismo.
Vedação incidente também sobre
instituições financeiras.
Exegese do enunciado 121, em face do n. 596,
ambos do STF. Precedentes da Excelsa Corte.
A capitalização de juros
(juros de juros) é vedada pelo nosso direito,
mesmo quando expressamente convencionada,
não tendo sido revogada a regra
do art. 4º do Decreto nº22.626/33
pela Lei 4.595/64. O anatocismo,
repudiado pelo verbete 121 da súmula
do Supremo Tribunal Federal, não
guarda relação com o enunciado
596 da mesma súmula."
Esse entendimento reverbera plenamente em
todas as decisões da Corte
Superior de Justiça, sendo mister
salientar que deram-se na vigência da
Carta Política Federal de 1988,
depreendendo-se também a recepção do
Decreto 22.626/33, pela Norma Fundamental
em voga.
Aliás, esse já era o entendimento
do antigo Supremo Tribunal Federal,
segundo dispõe julgado de Recurso
Extraordinário Cível originário da
Comarca de Recife, o qual colacionamos:
"EMENTA: JUROS, CAPITALIZAÇÃO.
A CAPITALIZAÇÃO SEMESTRAL DE JUROS DA ANUAL,
SÓ É PERMITIDA NAS OPERAÇÕES
REGIDAS POR LEIS OU NORMAS ESPECIAIS, QUE
EXPRESAMENTE O AUTORIZEM. TAL PERMISSÃO
NÃO RESULTA DO ART. 31, DA LEI NO.
4595, DE 1964. DECRETO NO. 22.626/1933,
ART. 4. ANATOCISMO: SUA PROIBIÇÃO.
IUS COGENS. SÚMULA 121. DESSA PROIBIÇÃO
NÃO ESTÃO EXCLUÍDAS AS INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS. A SÚMULA 596 NÃO
AFASTA A APLICACÃO DA SÚMULA 121. EXEMPLOS DE
LEIS ESPECÍFICAS, QUANTO A CAPITALIZAÇÃO
SEMESTRAL, INAPLICÁVEIS À ESPÉCIE.
PRECEDENTES DO S.T.F, RECURSO EXTRAORDINÁRIO
CONHECIDO, POR NEGATIVA DE
VIGÊNCIA DO ART. 4 , DO DECRETO NO.
22626/1933, E CONTRARIEDADE DO ACORDÃO
COM A SÚMULA 121, DANDO-SE-LHE PROVIMENTO.
(RECURSO EXTRAORDINÁRIO CÍVEL;
Nº do Processo:1003367/00 - Comarca: RECIFE
- Relator:NERI DA SILVEIRA - Órgão
Julgador: PRIMEIRA TURMA S.T.F.
-Decisão: Unanime - Data Julgamento:
10/12/84 - Publicação: D.J.U.
24/05/85 - Registro:10/12/84 )
Nesse esteio os Tribunais pátrios
são unanimes em suas decisões, não mais
havendo diapasão ante a orientação
jurisprudencial. No Tribunal de Justiça
de Pernambuco, por exemplo, destacamos
acórdão cristalino nesse mesmo
sentido:
"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL.
COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. CUMULAÇÃO COM CORREÇÃO
MONETÁRIA. PROIBIÇÃO.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. VEDAÇÃO. COBRANÇA
SUPERIOR AO
DEVIDO. OBRIGAÇÃO DE DEVOLUÇÃO
DO VALOR EQUIVALENTE. É PROIBIDA A COBRANÇA
CUMULATIVA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA
COM CORREÇÃO MONETÁRIA, CONFORME
ESTIPULA A SÚMULA N.30 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTICA. É VEDADA,
OUTROSSIM, A COBRANÇA DE JUROS SOBRE
JUROS, MESMO QUE EXPRESSAMENTE
PACTUADA NA CONFORMIDADE DA SÚMULA
N.121, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, COM
A RESSALVA DITADA PELA SUA SÚMULA
N.596, QUE DESTACOU A VIGÊNCIA DO ART.4º
DO DECRETO N.22626/33. A CAPITALIZAÇÃO
DE JUROS SÓ É ADMITIDA QUANDO
EXPRESSAMENTE AUTORIZADA POR LEI ESPECÍFICA.
FINALMENTE, A COBRANÇA FEITA A
MAIOR DO QUE O VALOR DEVIDO, OBRIGA O DEMANDANTE
A DEVOLVER AO DEMNANDADO O
EQUIVALENTE AO VALOR EXIGIDO(ART.1531 DO
C.P.C.). APELO IMPROVIDO, A
UNANIMIDADE DE VOTOS".
(APELAÇÃO CÍVEL -
Processonº32603-8/96 - Comarca: RECIFE - Relator: MARCIO
DE ALBUQUERQUE XAVIER -
Órgão Julgador: PRIMEIRA
CÂMARA CIVEL Decisão:Unanime - Data
Julgamento:16/10/97 - Registro: REG.. NO
L.2114 FLS.211-222)
(grifo nosso)
Saliente-se que a doutrina tem inclusive
alertado e recomendado igual
repúdio a prática da contagem
de juros de juros com outra denominação, a
exemplo de "renda diferida de termos postecipados".
Nós inclusive aderimos
a posição de que a edição
de vários contratos sucessivos, com o transporte
de saldo devedor, para se disfarçar
a cobrança de juros capitalizados não
encontra guarida legal. Para tanto, ressaltamos
a importância do Código de
Defesa do Consumidor, a Lei 8.078/90, que
resguarda a hiposuficiência do
consumidor com a proteção
de seus direitos ante tais práticas dos
fornecedores de serviços.
Não encontram também respaldo
as alegações declinadas por diversos patronos
das instituições bancárias,
sofismando acerca da inaplicabilidade do CDC às
relações mantidas entre os
bancos e seus clientes. O parágrafo segundo, do
art. 3º, daquele Diploma, que define
a conceituação do fornecedor serviço,
não poderia ser mais claro, ao dispor
que: "Serviço é qualquer atividade
fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de
natureza bancária, financeira de
crédito e securitária...".
De seu turno, necessário se faz frisar
que existem inúmeras exceções para a
cobrança de juros de juros, de onde
destacam-se as normas específicas que
estipulam operações de crédito
onde expressamente existe a autorização para
tal prática. Como por exemplo, nas
cédulas de crédito específicas ou ainda
nas hipóteses de desapropriação.
Alertamos nesta oportunidade para o anteprojeto
do novo Código Civil, que
tramita no Congresso Nacional. Aguardamos
ansiosos para a literalidade dos
dispositivos que tratarão do mútuo
feneratício, pois consideramos que a
prática da capitalização
deve de uma vez ser banida das relações de
empréstimo, do ponto de vista ontológico
que o cientista jurídico deve
sempre adotar, para obtenção
da essência da Justiça, na definição
kelseniana. *retirado de: http://www.teiajuridica.com/gl/Faleimp.html
*retirado de: http://www.teiajuridica.com/af/capjur.html