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A aplicação da disregard doctrine no direito brasileiro: um enfoque jurisprudencial
Matheus Carneiro
Assunção
A personalização das
sociedades empresárias traz em seu bojo relevantes conseqüências. Da separação
entre a pessoa jurídica e os membros que a integram nasce o princípio da autonomia
patrimonial, segundo o qual o patrimônio da sociedade não se confunde com o
dos seus sócios ou com o de outras empresas das quais estes participem: a
entidade coletiva passa a constituir um centro autonômico de relações
jurídicas.
Também como efeito
da personalização, exsurge a limitação das
responsabilidades individuais pelas dívidas da sociedade. Tanto esta quanto
aqueloutra conseqüência se justificam pela própria
natureza da pessoa jurídica, realidade técnica destinada a atender às
necessidades sociais advindas do desenvolvimento das atividades comerciais.
Todavia,
ancorando-se nesses princípios basilares do Direito Societário
– autonomia patrimonial e limitação da responsabilidade - pode a
sociedade empresária servir de escudo para a perpetração de fraudes e abusos de
direito. Nesse caso, torna-se indispensável desconsiderar a personalidade
jurídica, afim de que o “véu” da personalização não se torne instrumento para o
cometimento de ilícitos.
A teoria da
desconsideração da personalidade jurídica (disregard
doctrine) capitaneada pela construção jurisprudencial do
direito anglo-saxão e sistematizada na Alemanha pelo Prof. ROLF SERICK - surge,
ao contrário do que possa parecer, não para desvalorizar a pessoa jurídica, mas
antes buscando preservar o importante instituto, coibindo seu desvirtuamento.
A doutrina
brasileira acolheu a disregard of legal entity no final de
1960, na ocasião de conferência proferida pelo professor RUBENS REQUIÃO, que
passa a defender a sua aplicação pelos juízes independentemente de previsão legal:
“Ora, diante do
abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz
brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de
consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a
personalidade, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que
dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos.”[1]
(grifamos)
Ao relativizar o conceito de pessoa jurídica e de separação
patrimonial, dantes absoluto, dando permissão ao magistrado para penetrar o
manto da personalidade (lifting the corporate veil), no intuindo
de combater abusos e fraudes, a teoria da desconsideração mostra-se como um
importante remédio para combater o descrédito causado pelo desvio do instituto
da personalização.
Com a evolução das
construções jurisprudenciais e doutrinárias no direito pátrio, duas teorias da
desconsideração passaram a coexistir: a maior, que autoriza o magistrado a
ignorar a autonomia patrimonial nos casos de fraudes e abusos praticados
através do “escudo” da personalidade jurídica; e a menor, onde o prejuízo de
credores é bastante para afastar a separação patrimonial.
A teoria menor, com
aplicação nas searas do Direito do Consumidor e do Direito Ambiental, tem como
pressuposto da desconsideração o mero desatendimento de crédito titularizado perante a sociedade, não se preocupando em
distinguir a utilização fraudulenta da regular do instituto, nem indagar se
houve ou não abuso de forma[2].
De outro turno, a
teoria maior alerta que não se deve afastar a autonomia da pessoa jurídica
tão-somente com vistas à satisfação dos interesses de credores. Apenas na
hipótese de desvirtuamento do instituto da personalização, seja pela fraude
ou abuso de direito (formulação subjetiva), seja pela confusão
patrimonial (formulação objetiva), é que se justifica a imputação de
ineficácia do ato constitutivo da sociedade.
O novo Código Civil,
sensível à problemática, tratou de disciplinar o assunto, trazendo em seu art.
“Art. 50. Em caso
de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade,
ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da
parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os
efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” (grifamos)
Desse modo, poderá
ser aplicada a teoria da desconsideração tanto quando a pessoa jurídica,
mediante atos abusivos, se desvirtuar de suas finalidades, como quando houver
confusão patrimonial.
No primeiro caso, a
pessoa jurídica atua em desacordo com os fins de sua constituição, estando a fraude aí compreendida. Já em se tratando de confusão
patrimonial, esta ocorrerá quando não houver uma separação nítida entre o
patrimônio da sociedade e aquele dos respectivos sócios ou de empresas do mesmo
grupo econômico.
Parte-se da idéia de
que a função elementar da pessoa jurídica é a criação de um centro de
interesses autônomo, o qual não dá margens à fluidez patrimonial ou a desvios
de finalidade. De conseguinte, quando este centro de interesses não estiver
presente, perfeitamente cabível é a desconsideração da personalidade jurídica.
Vale trazer a lume a colocação de FÁBIO KONDER
COMPARATO:
“Sendo a pessoa
jurídica nada mais do que uma técnica de separação patrimonial, se o
controlador, que é o maior interessado na manutenção deste princípio,
descumpre-o na prática, não se vê bem porque os juizes teriam de respeitá-lo,
transformando-o em uma regra puramente unilateral”[3].
Referida confusão
patrimonial dá-se em duas situações distintas: quando houver uma confusão entre
os sujeitos de responsabilidade ou entre as massas patrimoniais, em razão da
desobediência a regras societárias, ou mesmo em virtude de qualquer outra causa
que leve a essa confusão de esferas jurídicas (sócios e empresas do mesmo grupo
econômico).
De acordo com JOSÉ
TADEU NEVES XAVIER[4],
verifica-se a ocorrência da mistura de sujeitos de responsabilidade quando
houver em duas ou mais sociedades identidade das pessoas que compõem a
administração ou a gerência, não obediência às formalidades sociais, bem como a
utilização de uma única sede para a atuação de várias sociedades, com firmas e
ramos destinados à exploração de atividades semelhantes.
Caracterizada a
confusão patrimonial, impõe-se de imediato a aplicação da teoria da
desconsideração. É o que assevera LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES[5]:
“Quem não
observa as regras da separação patrimonial não pode se amparar na separação de
patrimônios perante os credores, devendo responder pessoalmente pelas
dívidas da sociedade. Quando ocorre confusão de esferas jurídicas, e a
sociedade e os sócios desenvolvem a mesma atividade, tendo a
mesma sede, as mesmas instalações, a mesma linha telefônica e os mesmos
funcionários, e a separação não é identificável para o público, não podem eles
argüir a separação jurídica existente perante credores. A aparência jurídica
de identidade leva imperativamente à identidade também da responsabilidade.”
Dentro dessa
formulação objetiva, desnecessário é perquirir da existência de malsinação de
finalidade ou fraude: autoriza-se prontamente o levantamento da cortina da
pessoa jurídica para coibir o “mau uso” da personalização. Nessa senda, casa à
perfeição os ensinamentos da jurista ELISABETH CRISTINA CAMPOS MARTINS DE FREITAS[6]:
“Há de se ter em
mente que, ante as mais variadas espécies de injustiças cometidas sob o manto
legal, por meio da pessoa jurídica, as formas de fraudar os credores e até
mesmo o fisco utilizando-se da responsabilidade limitada devem ser freadas de
uma vez por todas. Casos, por exemplo, no qual se transfere ao sócio todo o
patrimônio da empresa, ficando esta sem meios para solver suas dívidas, ou, de
forma inversa, nos quais a pessoa física devedora fica insolvente, sendo porém, sócio de empresa de grande patrimônio, devem ser
severamente coibidos. Além desses, existem inúmeros outros casos que ensejariam
a desconsideração da personalidade jurídica, como, por exemplo, este que apesar
de não ser muito citado pela doutrina, não deixa de ser relevante: trata-se
do caso de duas empresas com sócio
Em virtude da
confusão patrimonial referida no trecho doutrinário acima transcrito, a
aplicação da diregard doctrine
cai como uma luva às mãos dos magistrados, permitindo
que empresas emaranhadas sejam encaradas como um único centro de relações
jurídicas. Mais ainda: suspendendo-se a eficácia do princípio da autonomia
patrimonial, é possível reputá-las, ambas, solidárias na obrigação de saldar
dívida contraída formalmente por uma delas. Assim caminha a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça:
“Processo civil. Recurso ordinário em mandado de segurança.
Falência. Grupo de sociedades. Estrutura meramente formal. Administração sob
unidade gerencial, laboral e patrimonial.
Desconsideração da personalidade jurídica da falida. Extensão do decreto falencial às demais sociedades do grupo. Possibilidade.
Terceiros alcançados pelos efeitos da falência. Legitimidade recursal.
- Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com
estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas
do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral
e patrimonial, é legítima a desconsideração da personalidade jurídica da falida
para que os efeitos do decreto falencial alcancem as
demais sociedades do grupo.
- Impedir a
desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implica prestigiar a
fraude à lei ou contra credores.
- A aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de
ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o
Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva),
levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja
os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de
fraude à lei ou contra terceiros.
Os
terceiros alcançados pela desconsideração da personalidade jurídica da falida
estão legitimados a interpor, perante o próprio Juízo Falimentar, os recursos
tidos por cabíveis, visando à defesa de seus direitos.” (STJ,
Terceira Turma, RMS 14168 / SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJ 05.08.2002 p. 323)
“Processual Civil. Recurso especial. Ação de embargos do
devedor à execução. Acórdão. Revelia. Efeitos. Grupo de sociedades. Estrutura
meramente formal. Administração sob unidade gerencial, laboral
e patrimonial. Gestão fraudulenta. Desconsideração da personalidade jurídica da
pessoa jurídica devedora. Extensão dos efeitos ao sócio majoritário e às demais
sociedades do grupo. Possibilidade.
- A presunção de
veracidade dos fatos alegados pelo autor em face à revelia do réu é relativa,
podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o
princípio do livre convencimento do Juiz. Precedentes.
- Havendo gestão
fraudulenta e pertencendo a pessoa jurídica devedora a grupo
de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que
ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades
sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é
legitima a desconsideração da personalidade jurídica da devedora para que os
efeitos da execução alcancem as demais sociedades do grupo e os bens do
sócio majoritário.
- Impedir a
desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implicaria prestigiar
a fraude à lei ou contra credores.
- A aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de
ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o
Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletivo),
levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja
os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de
fraude à lei ou contra terceiros.”
(REsp 332763 / SP; RECURSO ESPECIAL
2001/0096894-8 Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) Órgão Julgador T3 -
TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 30/04/2002 Data da Publicação/Fonte DJ
24.06.2002 p. 297 JBCC vol. 196 p. 103)
Ainda sob outro
enfoque, configurado eventual desvio de finalidade e abuso de forma por parte
de sócios que ousam deturpar a função da personalidade jurídica para fraudar
credores, revela-se imprescindível a aplicação da disregard doctrine,
a fim de que sejam eles, sócios, solidariamente responsabilizados pelas dívidas
acumuladas pela sociedade. É ver o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul:
“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INCLUSÃO DOS
SÓCIOS NO PÓLO PASSIVO.
A tendência tanto
doutrinária como jurisprudencial é no sentido de admitir a incidência da Teoria
da Desconsideração da Personalidade Jurídica na prática de atos contrários à lei
e ao contrato, lesando direito de credor. A dissolução irregular de sociedade
por quotas de responsabilidade, estado de insolvência, infração da lei por fato
ou ato ilícito, acarreta a responsabilidade de seus sócios, com a penhora de
bens particulares. Logo, afigura-se cabível a inclusão dos sócios no pólo
passivo da demanda executiva. Agravo improvido.”
(TJRS, Agravo de Instrumento n.º 70001750785, Desembargador Relator Manuel José
Martinez Lucas, julgado em 13/12/00)
“DESCONSIDERAÇÃO
DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Diante da ausência de bens passíveis de penhora da
empresa devedora, possível a desconsideração para fins de responsabilizar o
sócio da empresa com seus bens pessoais. Agravo provido.” (TJRS, Agravo de
Instrumento nº. 70004382164, Desembargador Relator José Francisco Pellegrini,
julgado em 12/09/02)
“Direito
Processual Civil. Execução. Desconsideração da personalidade jurídica dos
grupos empresariais que compõem o executado. Cabimento. Comprovação da fraude.
O agravante ocupou as mesmas instalações do executado, contando com os mesmos
funcionários e atendendo aos mesmos clientes. Os sócios são distintos, no
entanto coincidem em ser um ex-funcionário do executado e a sogra de um dos
sócios. Processual Civil. Recurso especial. Ação de embargos do devedor à
execução. Acórdão. Revelia. Efeitos. Grupo de sociedades. Estrutura meramente
formal. Administração sob unidade gerencial, laboral
e patrimonial. Gestão fraudulenta. Desconsideração da personalidade jurídica da
pessoa jurídica devedora. Extensão dos efeitos ao sócio majoritário e às demais
sociedades do grupo. Possibilidade. (STJ, 3º Turma, REsp nº 332763/SP, Ministra
Nancy Andrighi) Desprovimento do recurso. (TJRJ,
Sexta Câmara Cível, Agravo de Instrumento n.º 2003.002.14800, Rel. Des. DES. NAGIB SLAIBI FILHO, Julgado em 09/03/2004)
De igual modo à
jurisprudência do STJ e dos demais tribunais estaduais, o colendo Tribunal de
Justiça do Estado de Pernambuco já confirmou em a aplicação da disregard doctrine
em casos de confusão patrimonial:
AGRAVO
DE INSTRUMENTO - PROCESSO DE EXECUÇÃO - EXECUTADA NÃO ENCONTRADA
- CITAÇÃO E PENHORA CONTRA OS SÓCIOS DA EXECUTADA - TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO
DA PESSOA JURÍDICA - POSSIBILIDADE. A desconsideração da pessoa jurídica
consiste na declaração da ineficácia da personalidade jurídica para certos
efeitos, conservando-se o ente coletivo apto para prosseguir em outras
atividades. Em alguns casos, os componentes de uma pessoa jurídica se ocultam
por detrás de sua autonomia formal para lesar direitos ou
infringir norma legal. Comprovada a constituição de nova empresa, no
mesmo local, com os mesmos sócios e atividade social, caracteriza uma tentativa
de descumprimento das obrigações assumidas. Agravo provido, para suspender os
efeitos do despacho agravado e ordenar o prosseguimento da execução contra os
sócios da executada. Decisão unânime. (TJPE, Segunda Câmara Cível, Agravo de
Instrumento n.º 75596-2, Rel. Des.
Jovaldo Nunes Gomes, DJ: 168 Data da Publicação:
6/9/2003)
CIVIL E
PROCESSUAL CIVIL. EMPRESAS DISTINTAS. QUADRO SOCIETÁRIO SEMELHANTE. SEDE COMUM.
CONFUSÃO PATRIMONIAL. COMPROVAÇÃO DOCUMENTAL. EXCEPCIONALIDADE. TEORIA DA
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONGLOMERADO EMPRESARIAL. PENHORA.
Em sendo comuns o quadro societário e a sede das empresas, bem assim haver
confusão acerca dos seus patrimônios, tudo documentalmente comprovado, é de ser
aplicada a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica ao caso como medida excepcional a autorizar a realização de penhora
sobre numerário de empresa distinta da devedora, mas pertencente a um mesmo
conglomerado empresarial. Apelação a que se nega provimento. Decisão unânime.
(TJPE, Segunda Câmara Cível, Apelação Cível n.º 105853-3,
Rel. Des. Jovaldo Nunes
Gomes, DJ: 188 Data da Publicação: 9/10/2004)
Todavia, qual o
momento oportuno para a decretação da desconsideração da personalidade
jurídica? Poderia a teoria da desconsideração da personalidade jurídica
ser utilizada em sede de cognição sumária, através de antecipação dos efeitos
da tutela jurisdicional?
Demonstrada a verossimilhança
das alegações de que duas sociedades são, em verdade, faces da mesma moeda,
segundo atestam as inequívocas provas de confusão patrimonial e de
desvio de finalidade arquitetados no manejo das respectivas sociedades
personificadas, e sendo clarividente o receio de dano
irreparável ou de difícil reparação, pensamos ser perfeitamente possível
a aplicação da disregard doctrine em decisão antecipatória dos efeitos da
tutela.
A providência em
tela está calcada no art. 273, I, do CPC, dado que a desconsideração da
personalidade jurídica para alcançar o patrimônio de sócios que desvirtuam a
função da limitação patrimonial, estando amparada em fartas provas e razões de
direito, servirá de antídoto ao fundado e iminente receio de dano irreparável
muitas vezes enfrentado por credores. Isso porque débitos imputados à sociedade
podem avolumar geometricamente com o decorrer do tempo, em proporção inversa ao
patrimônio remanescente da empresa e dos sócios, tornando-se impagáveis.
De resto, impõe-se
relatar que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica
em sede de cognição sumária, mediante provimento liminar, não configura decisão
judicial temerária. Tanto assim que o STJ tem decidido pela possibilidade da
aplicação da disregard doctrine
nos próprios autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de
ação autônoma[7].
Por sinal, tal vem sendo igualmente o entendimento dominante no Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, quando deparado com fatos inescusáveis:
EMENTA:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVOCATÓRIA. Verificando-se que a ouvida da parte
contrária com a sua citação antes do exame da liminar poderá tornar ineficaz a
medida, ou quando a urgência indicar a necessidade de concessão imediata da
tutela, o juiz poderá fazê-lo inaudita altera parte, pois preenchidos os
requisitos do artigo 273 do CPC. Efeitos da desconsideração da personalidade
jurídica estendidos ao agravante. AGRAVO DESPROVIDO. (TJRS - Agravo de
Instrumento Nº 70007528458, Sexta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cacildo de
Andrade Xavier, Julgado em 07/04/2004)
EMENTA:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE BENS DO
SÓCIO. POSSIBILIDADE. EMPRESA QUE DECLARA INATIVIDADE AO FISCO. INVERDADE.
LIMINAR CONCEDIDA EM 2º GRAU. Tal situação indica abuso da personalidade jurídica,
indício de confusão patrimonial, a permitir que as obrigações da empresa sejam
estendidas aos bens dos sócios. Provimento para que incida, na espécie, a
desconsideração da personalidade jurídica, efetivando-se a citação dos sócios
da parte executada, nos termos da execução sob análise. AGRAVO PROVIDO (TJRS -
Agravo de Instrumento Nº 70008518961, Sexta Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo
Ludwig, Julgado em 26/05/2004)
Portanto, impõe-se sobrelevar que a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica, como mencionado alhures, originou-se da necessidade de se
reprimir abusos na utilização da personificação jurídica, visando salvaguardar
o próprio princípio da autonomia patrimonial de ventos que lhe desvirtuem o
caminho.
Todavia, não menos
importante é sopesar as medidas de sua aplicação e interpretação, a fim de que
não haja banalização de do instituto, cuja nota de excepcionalidade
ainda deve prevalecer. Essa excepcionalidade, porém,
não impõe a estreita necessidade de aplicação da disregard doctrine
em ação autônoma, com cognição exauriente e ampla
dilação probatória. Presentes os requisitos legais, soa perfeitamente cabível o
levantamento do véu da personalidade (lifting the corporate veil) mesmo no
âmbito de antecipação dos efeitos da tutela.
Bibliografia
Livros
e Artigos:
REQUIÃO,
Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). In:
Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva,
1977.
COELHO,
Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São
Paulo: Saraiva, 2003, vol. 2.
COMPARATO,
Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade
Anônima, São Paulo: RT, 1976.
XAVIER,
José Tadeu Neves. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no novo
Código Civil. Revista da Ajuris, Porto Alegre:
169-84, março/2003.
LEÃES,
Luiz Gastão Paes de Barros. Pareceres. São Paulo: Singular, 2004.
FREITAS,
Elisabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade
Jurídica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
Internet:
Notas:
[1]
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade
jurídica (disregard doctrine).
In: Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva,
1977, p. 61.
[2]
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial.
São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 2, p. 46.
[3]
COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na
Sociedade Anônima, São Paulo: RT, 1976, p. 362.
[4]
XAVIER, José Tadeu Neves. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no
novo Código Civil. Revista da Ajuris, Porto
Alegre: 169-84, março/2003.
[5]
LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Pareceres. São Paulo: Singular, 2004,
p. 377.
[6]
FREITAS, Elisabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da
Personalidade Jurídica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.113.
[7]
Cf. RMS nº. 16.274/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ de 02.08.2004; AgRg no REsp nº. 798.095/SP, Rel.
Ministro FELIX FISCHER, DJ de 01.08.2006; REsp nº.
767.021/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ de 12.09.2005.
Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1710
Acesso: 8 de junho de 2007