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Luiz Cezar P. Quintans*
Desde 1988, com
a edição da atual Constituição Federal, o legislador constituinte procurou dar
um tratamento favorecido aos pequenos empresários que, sob as
leis brasileiras, tenham sua sede e administração no País (inciso IX, do art.
170 da CF) e no mesmo sentido, no art. 179 da Carta Magna, procurou garantir um
tratamento jurídico diferenciado visando incentivá-los pela
simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias
e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas obrigações por meio de lei.
Oito
anos depois de editada a Constituição nenhuma lei, de cunho administrativo,
previdenciário ou creditício, havia sido promulgada até que surgiu a Lei n.
9.317/96, que dispõe sobre o SIMPLES, que nada mais fez que dar um tratamento
diferenciado de tributação, dependendo da receita bruta anual auferida,
destinado a algumas categorias de negócios, não franqueando o benefício a todos
os tipos de pequenos empreendimentos.
Na
mesma linha, três anos mais tarde, foi editado o Estatuto da Microempresa, Lei
n. 9.841/99, que apenas definiu (para fins tributários) o que seja
microempresário e pequena empresa, mantendo o tratamento da legislação do
SIMPLES e novamente considerando a receita bruta anual para a concepção do
conceito.
Como
há muito precisávamos renovar o Código Comercial (que data de 1850) e
precisávamos tratar das atividades negociais dos comerciantes e prestadores de
serviços, hoje chamados de empresários, o Novel Código Civil (lei n. 10.406/2002),
em seu artigo 970, abordou a questão e, em linha com a Constituição, assentou
que a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao
empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí
decorrentes. No mesmo diapasão, no parágrafo segundo, do artigo 1.179 do Código
Civil, o legislador dispensou escrituração especial prevista no caput do
próprio artigo 1.179, aos empresários descritos no citado art. 970.
A
grande polêmica objeto de debates, neste aspecto, é que não há no Direito
Comercial e no Direito Civil a definição de "pequeno empresário".
Para
a análise hermenêutica da questão precisamos nos socorrer dos suplementos da
analogia e da equidade e avaliar o que os outros ramos do Direito nos impõem,
notadamente, as normas de Direito Público e especialmente as de Direito
Constitucional e Financeiro.
O
Direito Tributário definiu seu conceito baseado na Receita Bruta Anual do
empreendedor, considerando a Lei do SIMPLES e o Estatuto da Microempresa, acima
citados. Se não temos qualquer outra norma impositiva ou expositiva para
definirmos pequeno empresário temos que usar as já existentes, visando o
objetivo colimado pelo legislador que, efetivamente e constitucionalmente, quer
que pequeno empresário não tenha a obrigatoriedade de observar normas complexas
e científicas, próprias das Ciências Contábeis.
Se
ultrapassada essa questão, ainda teríamos alguns aspectos de ordem prática
como, por exemplo: a obrigatoriedade de utilização do Livro Diário? O que
usaria o pequeno empresário para controlar suas contas, seus resultados, seus
bens?
Mais
uma vez, nos socorrendo da legislação tributária, a resposta estaria no
parágrafo único do artigo 190, do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99 –
Decreto n. 3.000/99), que concede à microempresa e a empresa de pequeno porte,
inscritas no SIMPLES a dispensa de escrituração comercial desde que mantenham
em boa ordem e guarda e enquanto não decorrido o prazo decadencial e não
prescritas eventuais ações que lhes sejam pertinentes.
Essa
dispensa é autorizada desde que se observe o seguinte:
I - Livro
Caixa, no qual deverá estar escriturada toda a sua movimentação financeira,
inclusive bancária;
II - Livro
de Registro de Inventário, no qual deverão constar registrados os estoques
existentes no término de cada ano-calendário;
III - todos
os documentos e demais papéis que serviram de base para a escrituração dos
livros referidos nos incisos anteriores.
Como
o artigo 190, supramencionado, trata apenas das empresas que ingressaram no
"SIMPLES", o pequeno empresário que não está integrado ou aquele que
é legalmente proibido de integrar o "SIMPLES" (veja o art. 20, da IN
SRF 355/2003) tem ainda a faculdade de optar pelo regime de tributação com base
no lucro presumido, que da mesma forma desobriga a escrituração contábil
exigida pelo artigo 1.179 do Código Civil, à luz do disposto no parágrafo
único, e respectivos incisos, do artigo 527, do RIR/99, que quase reprisam a
dispensa prevista no artigo 190, do mesmo regulamento.
As
verdadeiras condições para o pequeno empresário não utilizar o sistema contábil
exigido no Código Civil são o seu enquadramento ou opção; a sua vontade de
estar dispensado; e a observância de manter em boa ordem e guarda o Livro
Caixa, o Livro de Inventário e todos os demais documentos que servirão de base
para a escrituração desses livros e para a movimentação financeira da
sociedade.
O
Livro diário é obrigatório, na forma do artigo 1.184. Portanto, o pequeno
empresário deve mantê-lo. As disposições contidas no próprio artigo 1.184 e
artigos seguintes são obrigatórias aos empresários e sociedades empresárias que
devem seguir o sistema contábil e a escrituração uniforme estabelecida no
Código Civil (veja art. 1.179).
Por
último, é de suma importância salientar que independentemente da
obrigatoriedade ou não de uso de sistema contábil, a escrituração dos livros do
empresário ou da sociedade empresária deverá ficar sob a responsabilidade de
contabilista legalmente habilitado, salvo se nenhum houver na localidade (veja
art. 1.182 do Código Civil). Portanto, mesmo usando o livro caixa, toda a
escrituração e os documentos pertinentes devem ficar a cargo de contabilista
profissional.
*advogado
tributarista e comercialista no Rio de Janeiro (RJ), titular do Quintans &
Advogados Associados
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/
Acesso em: 27 fev. 2007.