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Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas.
  Comentários sistemáticos. Primeira e Segunda Partes

 

 

Gecivaldo Vasconcelos Ferreira*

 

O presente trabalho está sendo publicado em partes.
A Primeira Parte foi publicada em 26/04/2005.
A Segunda Parte, publicada em 19/05/2005, encontra-se logo abaixo da Primeira.


PRIMEIRA PARTE

UNIDADE I – FALÊNCIA: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

          1. EVOLUÇÃO DO INSTITUTO

          A palavra "falência" vem do latim: fallere (faltar).

          Utilizava-se como sinônimo de falência a expressão quebra, haja vista que, a banca dos devedores era quebrada pelos credores.

          Usava-se, ainda, a palavra bancarrota para definir a situação relativa à falência, sendo que tal palavra deriva da expressão italiana banco rotto, que significa banco quebrado, pois era costumeiro, na Idade Média, se quebrar o banco em que negociava o comerciante em praça pública.

          Quanto à evolução do instituto falimentar, percebemos que na antigüidade a execução do devedor não se restringia somente ao patrimônio, atingindo, também, a sua pessoa, ocorrendo aprisionamento, escravização e até morte como sanção àqueles que não pagavam suas dívidas. Tal fato pode ser observado nas legislações das antigas civilizações: Índia (Código de Manu), Egito, Judeus e Grécia.

          Com o Direito Romano, a execução das dívidas começou a ter alguma aparência com o sistema atual. Por exemplo, através da bonoruim distractio, os bens do devedor eram administrados por um curador nomeado pelo pretor e, posteriormente, vendidos a varejo e sob a observância dos credores, venda cujo valor ia até o montante da dívida.

          Na Idade Média, a grande inovação foi a atribuição da Justiça ao Estado, ficando sob a incumbência deste a execução do patrimônio do devedor. Nessa época, ainda permanecia o caráter de repressão penal do instituto falimentar, mas sem distinção entre comerciantes e não comerciantes.

          A falência, de acordo do Arnoldi [1], passa a ter cunho eminentemente comercial a partir do Código de Comércio de 1807 da França, mais conhecido como Código Napoleônico, que serviu de inspiração para as legislações falimentares de grande parte dos países da Europa Continental e dos latino-americanos.

          2. CONCEITO JURÍDICO E ECONÔMICO

          O conceito econômico de falência prende-se à noção de que ela se constitua um estado de insolvência, levando em consideração primordialmente a situação patrimonial do devedor.

          Já o conceito jurídico leva ao entendimento de que o primordial para caracterizar a falência não é o estado de insolvência, mas sim o próprio estado de falência.

          Destaca Ruben Ramalho [2] que um dos melhores conceitos de falência foi formulado por Amaury Campinho, no qual este aglutina tanto a noção econômica como a noção jurídica de falência. Assim define-a: "Falência é a insolvência do devedor comerciante que tem seu patrimônio submetido a um processo de execução coletiva".

A falência, destarte, pode ser analisada por dois aspectos: o estático e o dinâmico.

          Estaticamente é a situação do devedor empresário que não consegue pagar pontualmente seu débito, líquido, certo e exigível (insolvência).

          Dinamicamente é um processo de execução coletiva, instituído por força da lei em benefício dos credores.

          Perceba-se, ainda, que na falência há uma presunção de insolvência, que por seu turno é diferente do inadimplemento, pois este é um fato relativo à própria pessoa; enquanto a insolvência é um estado que diz respeito ao patrimônio.

          Para Sampaio de Lacerda, "A falência se caracteriza como um processo de execução coletiva, decretado judicialmente, dos bens do devedor comerciante ao qual concorrem todos os credores para o fim de arrecadar o patrimônio disponível, verificar os créditos, liquidar o ativo, saldar o passivo, em rateio, observadas as preferências legais" [3].

          A Lei nº 11.101/2005, conhecida como nova Lei de Falências, fiel ao princípio de preservação da empresa, que lhe norteia, conduze-nos a formular o seguinte conceito de falência (art. 75): "é o processo que, pelo afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa".

          3. PROCESSO DE EXECUÇÃO

          A falência constitui-se um processo de execução coletiva, onde todos os credores do falido, ressalvadas as exceções previstas legalmente, acorrem a um único juízo e em um único processo executam o patrimônio do devedor empresário.

          Diferencia-se, portanto, da execução individual, onde são executados algum(s) bem(s) do devedor, visto que na falência todo o patrimônio penhorável do devedor é comprometido pela execução. E, ainda, na execução temos um ou alguns credores determinados acionando o devedor, já na falência temos todos os credores, ressalvadas as exceções legais, executando coletivamente o patrimônio do falido.

          4. FALÊNCIA DO DEVEDOR EMPRESÁRIO E DO DEVEDOR CIVIL

          Não pode ocorrer a falência (submetida à Lei nº 11.101/2005) do devedor civil, somente aplicando-se tal instituto ao devedor empresário (seja ele individual ou sociedade empresária), conforme se depreende do artigo 1º da referida norma.

          A insolvência do devedor civil é regida pelos Códigos Civil e Processual Civil.

          5. SOCIEDADES EMPRESÁRIAS NÃO SUJEITAS À FALÊNCIA

          A LFR é enfática (art. 2º) que não estão submetidos à falência e recuperação as seguintes pessoas jurídicas:

          a) empresa pública e sociedade de economia mista;

          b) instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

          Note-se que o regime de exclusão de algumas sociedades empresárias do regime falimentar já era uma realidade na vigência da lei anterior, sendo apenas endossado pelo novel diploma normativo.

          Ressalve-se, ademais, que o fato das pessoas jurídicas enunciadas ao norte não estarem sujeitas à LFR não significa que estas não possam ser liquidadas quando em crise, pois existem leis específicas que autorizam esta solução, mas que ao mesmo tempo estabelecem procedimentos diferenciados para levar a liquidação a efeito. É, por exemplo, nesse desiderato que a Lei nº 6.024/1974 disciplina a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras, dando poderes ao Banco Central do Brasil para intervir, ou até liquidar referidas pessoas jurídicas.


UNIDADE II – RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

          1. A RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS NO DIREITO BRASILEIRO

          O instituto da recuperação de empresas ingressou no direito pátrio via Lei nº 11.101/2005.

          Como é sabido, o Decreto-lei nº 7.661/1945 (antiga Lei da Falências) não fazia qualquer referência à recuperação em evidência, apesar de disciplinar o instituto da concordata que também se prestava a possibilitar ao empresário o retorno à normalidade via intervenção judicial em seu empreendimento. Assim, tinha-se a concordata preventiva que era decretada (quando cabível) antes da falência, propiciando ao empresário evitar a quebra; e a concordata suspensiva que era decretada (também se cabível) quando já em curso o processo falimentar, e que visava sustá-lo, fazendo o empresário retornar ao comando de sua atividade econômica.

          As semelhanças entre concordata e recuperação, conquanto, são muito pequenas, visto que se fosse diferente não haveria necessidade de se revogar o DL 7661/1945 e promulgar uma nova Lei.

          A recuperação de empresas, nos moldes instituídos pela Lei nº 11.101/2005, pode ser judicial ou extrajudicial. A judicial é decretada pelo Judiciário, mediante a aprovação de um plano de recuperação judicial. Já na extrajudicial, o Judiciário funciona apenas como órgão homologador de um acordo extrajudicial já entabulado entre o devedor empresário e alguns credores.

          2. A RECUPERAÇÃO JUDICIAL FACE À CONCORDATA

          Como já adiantamos, o instituto à disposição do devedor empresário para recuperar judicialmente o seu empreendimento em dificuldades, quando ainda em vigor o DL 7661/1945, era a concordata, em sua forma preventiva ou suspensiva. Por tal medida, o empresário poderia conseguir uma remissão parcial de suas dívidas, uma dilatação nos prazos de vencimento ou, ainda, as duas coisas de uma só vez. Acontece que tal desconto (remissão) e a dilatação de prazo eram engessados pelo diploma regulador, pois este previa que tal desconto poderia ser de no máximo 50% (cinqüenta por cento) e o prazo, obedecidas as amortizações anteriores impostas legalmente, dilatado apenas até 2 (dois) anos. Além do quê, a concordata, fosse ela suspensiva ou preventiva, somente afetava os créditos quirografários.

          Logo, revelou-se a concordata como ineficiente para apresentar-se como solução viável para possibilitar ao empresário a recuperação de sua atividade econômica pela via judicial, pois a Lei não lhe dava nenhuma solução quanto aos débitos com garantias reais e trabalhistas; que são geralmente os grandes causadores da derrocada das empresas. Além do mais, as únicas alternativas que a Lei disponibilizava para recuperação da empresa em dificuldades era o desconto e a dilatação nos prazos de vencimento, limitando a criatividade do devedor e seus credores no sentido de encontrarem soluções alternativas para salvar o empreendimento. Por exemplo, se o devedor resolvesse vender um estabelecimento para recuperar-se, mas não saldasse suas dívidas trabalhistas e tributárias, o adquirente de referido estabelecimento, por mais que estivesse de boa-fé, responderia por débitos trabalhistas e tributários do alienante.

          Com a recuperação judicial instituída pela LFR, além de se propiciar uma maior participação dos credores nas discussões no sentido de encontrar alternativas de recuperação da empresa em crise, através da assembléia de credores, a Lei também propicia várias formas de recuperação (art. 50 LFR) que podem ser adotadas, isoladamente, ou de forma conjunta.

          Na recuperação judicial há a sujeição, com exceção dos créditos fiscais e obedecidas algumas outras restrições, de todos os créditos existentes na data do pedido (art. 49). Portanto, enquanto na concordata havia a sujeição somente dos créditos quirografários, na recuperação judicial, através da ampliação dos credores sujeitos à medida, o devedor tem maiores possibilidades de conseguir se restabelecer economicamente.

          Outro ponto que conta bastante para que possamos ser otimistas no sentido de que a recuperação judicial será um instituto utilizado com sucesso pelas empresas com dificuldades econômico-financeiras, é o fato de que, havendo alienação judicial de estabelecimento como forma de recuperação, o adquirente não poderá ser responsabilizado pelas obrigações tributárias do alienante. Nesse sentido dispõe o art. 60 da LFR:

          Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

          Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no parágrafo 1º do art. 141 desta Lei.

          Quanto à sucessão trabalhista, achou o legislador por bem mantê-la em caso de recuperação judicial, assumindo o adquirente de estabelecimento responsabilidade por eventuais créditos trabalhistas inadimplidos pelo alienante.

          O Senado justificou a manutenção, no substitutivo que aprovou (transformado na Lei nº 11.101./2001), da sucessão trabalhista com os seguintes argumentos [4]:

          O substitutivo mantém a sucessão trabalhista na recuperação judicial (art. 60, parágrafo único).

          Justificação:

          - Ao contrário da falência, o dinheiro obtido com a venda de estabelecimentos da empresa na recuperação judicial não fica sob o controle do juiz, razão pela qual a exclusão da sucessão trabalhista poderia prejudicar os trabalhadores.

          3. A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

          No tocante à recuperação extrajudicial, pode-se adiantar nesse momento preliminar que esta é uma inovação sem precedentes no direito comercial nacional, pois na legislação anterior não era possível tal medida. Aliás, o devedor que convocasse seus credores para propor renegociação coletiva de dívidas estava sujeito que fosse pedida e decretada sua falência por atos de falência, pois o artigo 2º, III, do DL 7661/1945, previa que: "art. 2º. Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante:[...] III – convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens; [...]".

          4. A VIGÊNCIA DAS NORMAS DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

          Como já adiantamos nos tópicos anteriores, a recuperação judicial e extrajudicial foi instituída pela Lei nº 11.101/2005. Como tal diploma legal somente entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação (que ocorreu em 09.02.2005), a recuperação de empresas nos moldes por ela instituído somente poderá ser posta em prática quando esta estiver vigorando.

          Ressalte-se, ainda, que a LFR, de acordo com seu artigo 192, não se aplicará aos processos de falência ou de concordata ajuizados [5] anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do DL 7661/1945.

          Estabelece, ainda, o novel diploma falimentar, que:

a.      Fica vedada a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência em curso (art. 192, parágrafo 1º);

b.     A existência de pedido de concordata anterior à sua vigência não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata, vedado, contudo, o pedido baseado no plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte (art. 192, parágrafo 2º);

c.      Deferido o processamento da recuperação judicial, no caso descrito na letra anterior, o processo de concordata será extinto e os créditos submetidos à concordata serão inscritos por seu valor original na recuperação judicial, deduzidas as parcelas pagas pelo concordatário (art. 192, parágrafo 3º);

d.     As disposições da atual lei aplicam-se às falências decretadas em sua vigência resultantes de convolação de concordatas ou de pedidos de falência anteriores, às quais se aplica, até a decretação, o DL 7661/1945;

e.     Os devedores proibidos de requerer concordata nos termos da legislação específica em vigor na data da publicação da LFR ficam proibidos de requerer recuperação judicial ou extrajudicial; ficam excetuadas de tal disposição, entretanto, as empresas aéreas ou de infra-estrutura aeronáutica, que eram proibidas de impetrar concordata ex vi art. 187 da Lei 7565/1986, mas que agora podem requer recuperação judicial ou extrajudicial (arts. 198 e 199).


UNIDADE III – REGRAS GERAIS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E DA FALÊNCIA

          1. JUÍZO COMPETENTE

          A competência para apreciar pedidos de falência, recuperação judicial e extrajudicial é do juízo do local onde estiver situado o principal estabelecimento do devedor. Caso o principal estabelecimento deste esteja situado fora do país, será competente o juízo do local onde estiver situada sua filial aqui no Brasil.

          Quanto ao conceito de estabelecimento principal [6], conforme notamos, não há consenso na doutrina e na jurisprudência acerca do mesmo.

          Inclusive, no Conflito de Competência nº 37.736-SP (relativo ao caso SHARP), julgado pelo STJ, vemos o quão controvertido é a exata delimitação do conceito de principal estabelecimento, pois os ministros que compõem a Segunda Seção defenderam posicionamentos variados, saindo vencedor, mas por maioria de votos, o entendimento esposado pela Douta Ministra Nancy Andrighi.

          Isto posto, de antemão podemos adiantar que é pacífico na jurisprudência superior (STJ e STF) somente o entendimento de que deve ser considerado como principal estabelecimento "o centro vital das principais atividades do devedor". Agora, no tocante a se definir a exata interpretação do que seja esse centro vital; conforme notamos, não há consenso. Porquanto, dada essa polêmica, estamos elaborando artigo específico tratando sobre essa peculiaridade, onde aprofundaremos mais essa problemática.

          2. DISPOSIÇÕES BÁSICAS COMUNS

          Tanto na falência quanto na recuperação judicial deve-se atentar para as seguintes regras básicas:

          a) Créditos inexigíveis

          Não são exigíveis as obrigações a título gratuito contraídas pelo devedor (ex: doação), nem as despesas que os credores fizerem para tomar parte na recuperação judicial ou na falência, salvo as custas judiciais decorrentes de litígio com o devedor.

          b) Suspensão do curso da prescrição e das ações

          Diz o art. 6º da LFR que: "A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário".

          Destaque-se que a suspensão ora evidenciada é somente daquelas obrigações que o falido ou recuperando são devedores, e das ações que estes figurem no pólo passivo. Portanto, aquelas obrigações em que o falido ou recuperando são credores; e as ações que estes figurem no pólo ativo não são suspensas pela superveniência da recuperação judicial ou da falência.

          No tocante às ações e execuções de natureza fiscal e trabalhista, conforme acreditamos, o dispositivo em tela não pode ser interpretado sem uma análise contextualizada da Nova Lei. Assim, em caso de recuperação judicial não temos dúvida que as execuções trabalhistas devam ser suspensas somente pelo prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, ex vi art. 6º, parágrafo 5º, da LFR; já as ações trabalhistas que não sejam executivas, de acordo com nosso entendimento, não sofrem qualquer suspensão com a superveniência da recuperação judicial, pelo que se extrai do artigo 5º, parágrafo 2º. Na falência, defendemos que as execuções trabalhistas devam ser suspensas, pois o credor deverá habilitar seus créditos junto ao juízo falimentar; no entanto, não tem para quê se suspender as ações de conhecimento e cautelar que estejam sendo processadas contra o falido na Justiça do Trabalho; encontrando esse posicionamento guarida no artigo 76 da LFR.

          Quanto às ações de natureza fiscal, o parágrafo 7º do artigo 6º diz claramente que as execuções de tal natureza não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial. De outra banda, conforme pensamos, nem mesmo as ações fiscais cognitivas devem ser suspensas pela recuperação judicial, visto que este processo em nada interferirá nas mesmas. No caso de falência, entende a doutrina [7] (com amparo no artigo 187 do CTN) que as execuções fiscais também não devem ser suspensas; devendo, igualmente, prosseguir seu curso normal as ações fiscais cognitivas (art. 76, parágrafo único, da LFR).

          Registre-se, ainda, que mesmo as ações comerciais e cíveis, que não sejam executivas, não serão suspensas pela superveniência da falência ou da recuperação judicial ex vi §1º do artigo 6º.

          c) Prevenção do Juízo

          Uma vez realizado novo pedido de recuperação judicial ou de falência face a devedor que já tenha pedido de falência ou de recuperação judicial sendo processado, o juízo para qual foi distribuído o primeiro pedido tornar-se-á prevento, sendo competente para apreciar o novo pleito.

          3. O ADMINISTRADOR JUDICIAL

          Quando é decretada a falência ou deferido o processamento da recuperação judicial incumbe ao juiz nomear um administrador judicial que assumirá atribuições administrativas na condução do processo. Diríamos que, na recuperação judicial, o seu principal papel seria de fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial, haja vista que, em tal situação não há, necessariamente, o afastamento do devedor de suas atividades. Já na falência, as atribuições do administrador judicial aumentam, pois nesse caso há o afastamento do falido da administração de seus bens, passando aquele a representar a massa falida do devedor.

          As atribuições gerais (na recuperação judicial e na falência) do administrador judicial estão elencadas no artigo 22, caput, e inciso I, da LFR. As específicas, no tocante à recuperação judicial estão dispostas no artigo 22, II; e as específicas, relativas à falência, no artigo 22, III.

          Diz a LFR que o administrador judicial deve ser um profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada (art. 21). Tal profissional deve ser nomeado pelo juiz, conforme já frisamos, no momento da decretação da falência (art. 99, IX) ou por ocasião do deferimento do processamento da recuperação judicial (art. 52, I).

          Pela atividade desempenhada o profissional em evidência faz jus a uma remuneração a ser fixada pelo juiz, que estipulará o valor e a forma de pagamento da mesma, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. Tal remuneração, contudo, não poderá exceder a 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência; e será paga pelo devedor ou pela massa falida.

          4. ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES

          A assembléia-geral de credores nada mais é do que a reunião de todos os credores, observadas as exceções legais, sujeitos à recuperação judicial ou à falência de um devedor empresário.

          Tal órgão [8] terá, na recuperação judicial, a função de deliberar sobre (art. 35, I, da LFR):

          a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor;

          b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;

          c) o pedido de desistência do devedor; considerando que este, após deferido o processamento de sua recuperação judicial, somente poderá desistir de tal demanda mediante autorização da assembléia-geral de credores;

          d) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor;

          e) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.

          Na falência, à assembléia em tela incumbirá deliberar sobre (art. 35, II, da LFR):

          a) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;

          b) a adoção de outras modalidades de realização do ativo; considerando que a LFR diz que os ativos do devedor serão alienados através de leilão (por lances orais), propostas fechadas ou pregão, mas deixa aos credores a opção de escolherem outra forma de alienação (art. 145);

          c) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.

          4.1. Convocação, Quorum e Voto

          A assembléia-geral será convocada pelo juiz da falência por edital publicado no órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e filiais do falido, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias; devendo a cópia do aviso de convocação ser afixado de forma ostensiva na sede e filiais do devedor.

          Além de outros casos expressamente previstos (que veremos a medida em que formos aprofundando o estudo da LFR), credores que representem no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dos créditos de uma determinada classe poderão requerer ao juiz a convocação de assembléia-geral.

          A assembléia em questão será presidida pelo administrador judicial. Havendo incompatibilidade deste com a decisão a ser tomada em assembléia, esta será presidida pelo credor presente que tenha maior crédito. Instalar-se-á, em 1ª (primeira) convocação, com a presença de credores titulares de mais da metade dos créditos de cada classe, computados pelo valor, e, em 2ª (segunda) convocação, com qualquer número.

          O voto do credor, na assembléia, será proporcional ao valor de seu crédito, ressalvado, nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, o caso dos credores trabalhistas; que votarão referido plano (que afete seus créditos), através de voto democrático, onde cada trabalhador terá direito a um voto, independentemente do valor de seu crédito.

          Terão direito a voto na assembléia, a princípio, as pessoas arroladas no quadro-geral de credores (art. 39).

          O quorum de deliberação é norteado pela seguinte regra geral (art. 42): "considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia-geral [...]".

          4.2. Composição

          A assembléia geral será composta pelas seguintes classes de credores (art. 41):

          a) titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes do trabalho;

          b) titulares de créditos com garantia real;

          c) titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral, ou subordinados.

          5. COMITÊ DE CREDORES

          É um órgão de existência facultativa, tanto na falência quanto na recuperação judicial, composto por representantes de cada classe de credores do devedor submetidos ao processo, que tem como principal finalidade zelar pelo bom andamento deste.

          O órgão em epígrafe (assim como a assembléia-geral de credores) não era previsto no Decreto-lei nº 7661/1945 (Lei de Falências anterior), constituindo-se uma inovação da Lei nº 11101/2005.

          5.1. Composição

          Como já se disse anteriormente, o Comitê de Credores é um órgão facultativo, cabendo a uma das classes de credores, em assembléia-geral, deliberar por sua constituição.

          Será composto por:

a.      um representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com dois suplentes;

b.     um representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com dois suplentes;

c.      um representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com dois suplentes.

          Caso uma(s) das classes decida(m) não apresentar representante para compor o Comitê em evidência, mesmo assim este poderá ser constituído e funcionar normalmente.

          Na escolha dos representantes de cada classe no Comitê de Credores, somente os respectivos membros poderão votar. Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam na sua classe com o total de seu crédito, mesmo considerando que os créditos trabalhistas acima de 150 salários mínimos, por credor, serão considerados quirografários. Já os titulares de créditos com garantia real votam na sua classe somente no limite do valor do bem onerado, e na classe dos quirografários pelo restante do valor de seu crédito. Portanto, cada credor com garantia real, caso o(s) bem(s) específico(s) vinculado(s) ao seu crédito não possua(m) valor suficiente para solvê-lo, votará em duas classes distintas.

          Destaque-se, ademais, que o juiz da falência poderá, mediante requerimento subscrito por credores que representem a maioria dos créditos de uma classe, independentemente da realização de assembléia, nomear o representante e suplentes dessa classe, se porventura ainda não representada no Comitê; ou substituir o seu representante ou suplentes.

          Uma vez escolhidos os membros do órgão referenciado (seja em assembléia ou na forma referida no parágrafo anterior), estes serão nomeados pelo juiz da falência, que determinará a intimação pessoal dos mesmos para, em 48 (quarenta e oito) horas, assinarem, na sede do juízo, o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidades a ele inerentes.

          Os próprios membros do Conselho escolherão, entre eles, quem irá presidi-lo.

          5.2. Atribuições

          Na recuperação judicial e na falência, o Comitê de Credores terá, dentre outras, as seguintes atribuições:

a.      fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;

b.     zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;

c.      comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores;

d.     apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;

e.      requerer ao juiz a convocação da assembléia-geral de credores;

f.       manifestar-se nas hipóteses previstas na LFR.

          Especificamente na recuperação judicial, o Comitê terá, dentre outras, as seguintes atribuições:

a.      fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta) dias, relatório de sua situação;

b.     fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;

c.      submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nas hipóteses previstas na LFR, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e outras garantias, bem como atos de endividamento necessários à continuação da atividade empresarial durante o período que antecede a aprovação do plano de recuperação judicial.

          Caso não haja Comitê, na recuperação judicial ou na falência, as atribuições deste serão exercidas pelo administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, pelo juiz.

          Não será paga qualquer remuneração aos membros do Comitê pelo devedor ou pela massa falida. Daí se entendendo que estes não terão remuneração (serão voluntários não remunerados) ou que tal despesa será assumida pelos membros de cada classe no tocante ao seu respectivo representante.

          5.3. Impedimentos

          Não podem ser membros do Comitê quem, nos últimos cinco anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada.

          Igualmente, não pode integrar referido órgão quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o terceiro grau com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente.

          Os mesmos impedimentos acima também se aplicam ao administrador judicial.

          5.4. Destituição

          Cabe ao juiz da falência, de ofício ou mediante requerimento fundamentado, destituir o membro do Comitê, quando verificar desobediência aos preceitos da LFR, descumprimento de deveres, omissão, negligência ou prática de ato lesivo às atividades do devedor ou a terceiros.

          Destituído membro do Comitê, no mesmo ato o juiz convocará o respectivo suplente para assumir as funções do destituído.

          Ressalte-se, ainda, que os membros do Comitê, assim como o administrador judicial, responderão pelos prejuízos causados à massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa. Assim sendo, prevê a LFR (art. 32) que o membro que não concorde com determinada decisão do Comitê, que possa causar prejuízos a terceiros, deve consignar sua discordância em ata para eximir-se de responsabilidade.

          6. O REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

          O representante do Ministério Público tem participação efetiva nos processos de falência e de recuperação judicial; sendo, pois, também um órgão de tais processos.

          Por oportuno, frise-se que o art. 4º da LFR que previa participação irrestrita do Ministério Público no processo falimentar ou de recuperação judicial; e, ainda, nos processos movidos pela massa falida contra terceiros fora do juízo falimentar, foi vetado pelo Presidente da República.

          Ante tal veto, fica sendo obrigatória a intervenção do MP somente nos casos expressa e legalmente previstos [9].

          Nesse sentido foram alinhavadas as razões do veto abaixo transcritas [10]:

          O dispositivo reproduz a atual Lei de Falências – DL 7661, de 21 de junho de 1945, que obriga a intervenção do "parquet" não apenas no processo falimentar, mas também em todas as ações que envolvam a massa falida, ainda que irrelevantes, e. g. execuções fiscais, ações de cobrança, mesmo as de pequeno valor, reclamatórias trabalhistas etc., sobrecarregando a instituição e reduzindo sua importância institucional.

          Importante ressaltar que no autógrafo da nova Lei de Falências enviado ao Presidente da República são previstas hipóteses, absolutamente razoáveis, de intervenção obrigatória do Ministério Público, além daquelas de natureza penal.


UNIDADE IV – RECUPERAÇÃO JUDICIAL

          1. CONCEITO

          A recuperação judicial é o processo que tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

          Tal conceito é extraído do artigo 47 da LFR, e deixa bem claro que as motivações da mudança da legislação falimentar, principalmente no tocante à criação do instituto de recuperação de empresas, estão ancoradas na busca de prevalência do interesse coletivo da sociedade. Não se quis com tais alterações (pelo menos ao que se declara) facilitar a vida do empresário, mas sim propiciar a preservação da empresa como unidade produtiva, visando os interesses da sociedade no tocante à preservação de empregos, produção de riquezas e arrecadação de tributos.

          2. REQUISITOS PARA SE TER ACESSO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL

          Primeiramente, reitera-se que somente o empresário (coletivo ou individual) pode ter acesso à recuperação judicial. As restrições, contudo, não param por aí. Mesmo sendo empresário o interessado, este ainda tem que atender a certos requisitos impostos pela LFR.

          Nessa linha, poderá requerer recuperação judicial o devedor empresário que atenda os seguintes requisitos (art. 48):

a.      no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos;

b.     não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;

c.      não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;

d.     não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte;

e.      não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na LFR; salvo se referidas pessoas já foram reabilitadas na forma da lei.

          Atente-se que a regra que enunciamos na letra "a" exige que o empresário exerça regularmente suas atividades. Logo, o empresário de fato (posto que este não exerce regularmente sua atividade) não tem direito de acesso à recuperação judicial.

          Destaque-se, ademais, que, conforme já se adiantou em tópico anterior, os devedores proibidos de requerer concordata nos termos da antiga Lei de Falências na data de publicação da LFR também ficam impedidos de requerer a recuperação judicial, com exceção das companhias aéreas e de infra-estrutura aeronáutica.

          3. CRÉDITOS SUJEITOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL

          Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos que se tenha contra o devedor recuperando na data do pedido de recuperação, ainda que não vencidos. Esta é a regra geral, inserta no artigo 49.

          Cabe ressaltar, entretanto, que esta regra possui exceções, visto não estarem sujeitos à recuperação judicial os seguintes créditos:

a.      no qual o credor tenha a posição de credor fiduciário de bens móveis ou imóveis. É o caso, por exemplo, da alienação fiduciária em garantia, forma contratual muito utilizada em nossos dias;

b.     relativos a arrendamento mercantil (leasing);

c.      no qual o credor seja proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias;

d.     cujo credor seja proprietário de bem objeto de venda com reserva de domínio;

e.      decorrentes de adiantamento de contrato de câmbio para exportação onde o recuperando seja devedor;

f.       os créditos fiscais (vide artigo 191-A do CTN, acrescentado pela LC 118/2005)

          Esclareça-se, outrossim, que no tocante aos credores elencados nas letras "a", "b", "c" e "d", considerando que estes são proprietários de bens que estão na posse do recuperando, e que são vinculados em garantia de seu crédito, traz a LFR restrição no direito desses ditos credores reaverem os bens junto o devedor, o que nós poderíamos classificar como uma relativa restrição ao exercício dos direitos de tais credores em caso de recuperação judicial. Nesse particular, o parágrafo 3º do artigo 49 diz que não se permite, durante o prazo de 180 (cento e oitenta dias) em que se processa o pedido de recuperação judicial, a venda ou retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. Portanto, quando o devedor pede sua recuperação judicial, caso o juiz determine o processamento [11] da mesma, no prazo de 180 (cento e oitenta dias) serão entabulados os atos necessários ao deferimento ou não da recuperação judicial, e nesse prazo, ocorrerá a restrição ora evidenciada.

          4. MEIOS DE RECUPERAÇÃO

          Enquanto que na concordata o devedor, a princípio, poderia conseguir mediante pronunciamento judicial somente um desconto em suas dívidas, uma dilatação no prazo de vencimento das mesmas, ou as duas coisas ao mesmo tempo; na recuperação judicial, o leque de opções dos benefícios legais que podem ser conseguidos com o objetivo de recuperar a empresa amplia-se sobremaneira.

 Assim sendo, a LFR, através de seu artigo 50 traz um rol exemplificativo dos meios de recuperação pelos quais a empresa pode optar de forma isolada ou conjunta.

          Eis os meios expressamente mencionados na LFR:

a.      concessão de prazos e condições especiais para pagamentos das obrigações vencidas ou vincendas;

b.     cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;

c.      alteração do controle societário;

d.     substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

e.      concessão aos credores de direitos de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;

f.       aumento de capital social;

g.      trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

h.      redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;

i.        dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;

j.       constituição de sociedade de credores;

k.     venda parcial dos bens;

l.        equalização dos encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

m.    usufruto da empresa;

n.      administração compartilhada;

o.     emissão de valores mobiliários;

p.     constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor;

          Note-se que o rol de medidas que podem ser adotadas na recuperação da empresa é bem extenso, e ainda, é apenas exemplificativo, podendo, conforme entendemos, ser adotadas outras espécies de medidas não enunciadas expressamente na LFR.

          Assim, percebe-se que o processo de recuperação judicial não fica engessado por alternativas limitadas, podendo o devedor e os credores utilizar sua criatividade com vistas a encontrar os melhores meios de recuperar a empresa em dificuldades.

          5. O PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

          Podem requerer a recuperação judicial: a) o próprio devedor; b) o cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor ou inventariante, em caso de falecimento do devedor; c) sócio remanescente.

          Entendemos que a letra "b" aplica-se somente ao empresário individual falecido; já a letra "c" aplica-se somente à sociedade empresária, pois somente nela teremos a figura do sócio remanescente. Parece-nos, entretanto, e à primeira vista, imprecisa a referência feita pelo parágrafo único do artigo 48 ao sócio remanescente, como legitimado para pedir a recuperação judicial, pois quem pode pedir a recuperação judicial da sociedade empresária é justamente o seu representante legal (estando devidamente autorizado para tanto nas condições da lei que rege a espécie societária representada e dos atos constitutivos de referido ente empresarial). Ora, se um sócio faleceu ou retirou-se da sociedade, e não é ele o representante legal da mesma, pode perfeitamente, independentemente de previsão na LFR, o sócio remanescente que seja representante legal (estando devidamente autorizado), pedir a recuperação judicial da empresa. Talvez, porém, a disposição em epígrafe seja útil no caso do sócio remanescente não ser representante legal da sociedade e/ou não estar autorizado para realizar tal pleito, aí sim teria relevância o disposto na LFR, garantindo a este, mesmo não sendo legitimado ordinariamente para tanto, requerer a recuperação judicial da pessoa jurídica de que faz parte unicamente como sócio prestador de capital [12] e/ou minoritário.

          5.1. A petição Inicial de Recuperação Judicial

          Como toda petição inicial que se sujeite ao processamento no juízo cível em sentido lato, a exordial da recuperação judicial deve, a princípio, atender aos requisitos do artigo 282 do CPC.

          Deve, ainda, especialmente ser instruída com (artigo 51 da LFR):

          a) a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões de crise econômico-financeira;

          b) as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:

·        balanço patrimonial;

·        demonstração de resultados acumulados;

·        demonstração do resultado desde o último exercício social;

·        relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;

          c) a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente;

          d) a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;

          e) certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;

          f) a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor;

          g) os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;

          h) certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;

          i) a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.

          A LFR não exige que já com a inicial da recuperação judicial o requerente junte as certidões negativas de débitos tributários. Não pense, contudo, que o devedor com débitos tributários não parcelados legalmente poderá ter acesso à recuperação em questão, pois não terá; apenas a LFR determina que a exigência das certidões negativas de dívidas tributárias seja feita em um momento futuro, qual seja: após a juntada aos autos do plano de recuperação judicial aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no artigo 55 sem objeção dos credores. Logo, quando do ingresso do pedido de recuperação, ainda não há a obrigação de se juntar certidões negativas de débitos tributários, mas antes do deferimento de tal benefício legal deve-se fazer tal juntada, no prazo que a Lei estipula, atendendo-se o disposto no artigo 191-A do CTN (acrescido pela LC 118/2005), que assim determina: "A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei".

          Robson Zanetti faz alguns comentários sobre a exigência acima destacada, frisando a mudança feita na LFR na fase final de aprovação desta. Vejamos:

          Da possibilidade de ser requerida recuperação judicial com débito tributário. O artigo 57 do substitutivo do Senado Federal sofreu uma pequena modificação, ao ser retirado o prazo de 5 dias para o empresário apresentar certidões negativas de débitos tributários. Também foi retirado o parágrafo único que estabelecia que o juiz declararia a falência se essas certidões não fossem apresentadas dentro desse prazo. Foi deixado um prazo em aberto para sua apresentação após a aprovação do plano de recuperação judicial [13].

          5.2. Momento de Ingressar com o Pedido de Recuperação Judicial

          Como é conhecido, na sistemática do DL 7661/1945 existia a concordata preventiva e suspensiva; sendo que com esta se ingressava no curso do processo falimentar (objetivando suspendê-lo), e com aquela ingressava-se antes da falência.

          No tocante à recuperação judicial não há oportunidade para o devedor conseguir este benefício legal se já tiver sido decretada a sua falência. Dessa forma, cabe-se postular a recuperação judicial somente antes da falência.

          Quando dizemos antes da falência, entenda-se antes da decretação, pois mesmo após o pedido, no prazo da defesa, ainda pode o devedor requerer o benefício legal, consoante expressa o artigo 95 da LFR: "Dentro do prazo de contestação, o devedor poderá pleitear sua recuperação judicial".

          6. O PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

          Estando em termos a documentação exigida para o pedido de recuperação judicial, e percebendo que este é feito por parte legítima, o juiz deferirá o seu processamento.

          Logo, no exame inicial do pedido de recuperação judicial o juiz não irá se deter em apreciar o mérito do mesmo, limitando-se apenas a verificar se este atende as exigências de ordem processual impostas pela legislação processual comum (CPC) e pela LFR.

          Assim, quando o juiz defere o processamento da recuperação judicial não está concedendo ao devedor a recuperação em si, está apenas admitindo tal pedido como processualmente idôneo, deixando o exame de mérito, após o qual irá deferir ou não a recuperação judicial, para um momento futuro.

          Não pense, contudo, que o provimento jurisdicional que defere o processamento da recuperação judicial não produz nenhum efeito sobre as relações do devedor requerente com seus credores, pois isso não corresponde à realidade.

          Conquanto, no mesmo ato que o juiz defere o processamento da recuperação judicial, este já deve (art. 52):

a.      nomear o administrador judicial;

b.     determinar a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditórios, porém em seus atos negociais o devedor deverá acrescer ao seu nome empresarial a expressão "em recuperação judicial";

c.      ordenar a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, ressalvadas aquelas que digam respeito a créditos não sujeitos à recuperação judicial ou que a lei prevê que não devam ser suspensas;

d.     determinar ao devedor que apresente contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus adminstradores;

e.      ordenar a intimação do Ministério Público e comunicação por carta à Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento;

f.       ordenar a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, com vistas a dar publicidade de sua decisão, no qual conterá o resumo do pedido do devedor e da decisão, relação nominal de credores apresentada pelo requerente e a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos e para apresentação de objeção por parte dos credores ao plano de recuperação judicial.

          Após o deferimento do processamento de seu pedido de recuperação judicial o devedor, salvo aquiescência da assembléia-geral de credores, não poderá mais desistir do pleito de recuperação; tendo que aguardar a apreciação do mérito do pedido, que redundará com o deferimento do benefício legal ou seu indeferimento; neste último caso, acarretando a decretação da falência do devedor.

          Deferido o processamento em questão, já podem os credores (que representem, no mínimo, 25% do valor total dos créditos de uma determinada classe) solicitarem ao juiz a convocação da assembléia de credores para deliberarem sobre a constituição do comitê de credores.

          Percebam que no ato do deferimento do processamento da recuperação judicial ainda não há a obrigatoriedade do juiz, de ofício, convocar a assembléia-geral de credores. Isso ocorrerá somente após a apresentação do plano de recuperação judicial, caso ocorra objeção de credor (artigo 56, caput) a referido documento.

          Note-se, ademais, que junto com o seu pedido de recuperação judicial ainda não é obrigado o requerente a apresentar em juízo o plano mencionado no parágrafo anterior, posto que tem até sessenta dias, contados da publicação da decisão que deferir o processamento de sua recuperação judicial, para realizar tal ato, conforme se verá de forma mais analítica no tópico em que trataremos especificamente sobre o plano em epígrafe.


Notas da Primeira Parte

1.       Paulo Roberto Colombo Arnoldi, Falências e Concordatas, Ed. de Direito, 1997, pág. 29.

2.       Ruben Ramalho, Curso Teórico e Prático de Falências e Concordatas, Ed. Saraiva, 1993, pág. 4.

3.       J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de Direito Falimentar, Ed. Freitas Bastos, 1999, pág. 18.

4.       Conforme texto extraído do site www.senado.gov.br.

5.       Observar que, no caso de falência, se esta foi requerida antes da vigência da nova Lei, mas se for decretada quando a novel diploma já estiver vigorando, aplica-se a lei nova (art. 192, parágrafo 4º).

6.       Quando o empresário possui mais de um; pois se tiver um único estabelecimento, por certo que este deve ser considerado como principal.

7.       COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falênicas e de recuperação de empresas, Saraiva, 2005, pág. 38/39.

8.       Considere que a assembléia-geral de credores, o administrador judicial e o Comitê de Credores são órgãos da falência e da recuperação judicial.

9.       Casos estes que abordaremos futuramente quando estivermos discorrendo sobre atos específicos que necessitem da intervenção obrigatória do MP.

10.     Mensagem nº 59, de 09/01/2005, expedida pela Presidência da República – Casa Civil – Subchefia para Assuntos Jurídicos.

11.     Note-se que deferir o processamento da recuperação judicial não significa deferir tal recuperação nos moldes propostos, pois quando o juiz defere o processamento apenas autoriza que seja devidamente apreciado o plano de recuperação judicial do devedor, que poderá ser aprovado ou não, culminando (ao final de 180 dias) com o deferimento ou não do benefício legal.

12.     Segundo Ulhoa (op. cit., 2005, pág. 126) esse é o entendimento que a doutrina e a jurisprudência acabará consagrando; acrescenta, ainda, que, nessa mesma linha de raciocínio, existe a possibilidade de um sócio minoritário (e não representante) da sociedade empresária requerer a recuperação judicial desta, mesmo que exista a discordância dos demais sócios (que representam a maioria do capital social) em reunião ou assembléia de sócios. Portanto, conforme entende Ulhoa, a possibilidade do sócio requerer a recuperação judicial da sociedade de que faz parte não se restringe ao caso em que ele seja remanescente na correta acepção técnica da palavra.

13. ZANETTI, Robson. A futura Lei de Recuperação de Empresas e Falências aprovada pelo Legislativo, vista de forma geral. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, nº 505, 24 nov. 2004. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5975. Acesso em: 21 fev. 2005.


SEGUNDA PARTE

          7. VERIFICAÇÃO E HABILITAÇÃO DOS CRÉDITOS

          Como já expressamos na primeira parte dos presentes comentários, quando o juiz defere o processo da recuperação judicial, ele já deve nomear o administrador judicial. E, dentre as atribuições de tal profissional está realizar a verificação de créditos (1); procedimento este que se inicia com a habilitação dos credores.

          7.1. Habilitação dos Credores (art. 7º, §1º)

          Após publicado o edital que comunica o deferimento do processamento da recuperação judicial, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados no referido edital.

          Note-se que no prazo para habilitações podem também os credores, não somente se habilitar, mas também apresentarem divergências quanto aos créditos relacionados no edital publicado logo após o deferimento do processamento da recuperação, considerando que neste documento constará a relação de credores apresentada em juízo pelo devedor. Logo, caso o credor perceba alguma discrepância nessa relação de credores, pode manifestar-se quanto a isso no mesmo prazo de habilitação.

          A habilitação de crédito, a seu turno, deverá conter (art. 9º):

          a) o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação de qualquer ato do processo;

          b) o valor do crédito, atualizado até a data do pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação;

          c) o original ou cópia autenticada (caso estejam juntados a outro processo) dos documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a serem produzidas;

          d) a indicação da garantia prestada pelo devedor, se houver, e o respectivo instrumento;

          e) a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor.

          Perceba-se que as informações que devem constar na petição de habilitação, e os documentos que devem instruí-la são absolutamente necessários para se averiguar a idoneidade do crédito habilitando.

          A habilitação não apresentada no prazo legal será recebida como retardatária; não tendo o credor retardatário (salvo se for trabalhista) o direito de voto nas deliberações da assembléia-geral de credores (art. 10).

          Considerando que a habilitação é dirigida ao administrador judicial, pode-se dizer que ela não se configura ato de postulação judicial; e por esse motivo, pensamos possa ser feita pessoalmente pelo credor, independentemente da assistência de advogado.

          7.2. Publicação da Segunda Relação de Credores (art. 7º, § 2º)

          Como vimos, quando o devedor ingressa com o pedido de recuperação já apresenta ao juiz uma relação de credores, que é publicada através de edital logo após o deferimento do processamento da recuperação. Depois isso, é aberto prazo para os credores se habilitarem.

          Findo o prazo para habilitação (de quinze dias), e tendo verificado os créditos com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, o administrador fará publicar, no prazo de quarenta e cinco dias, edital, no qual deverá constar: relação de credores; e o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas legitimadas para apresentar impugnações terão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração dessa relação. Aí está a segunda relação de credores a que estamos nos referindo.

          7.3. Impugnação Contra a Relação de Credores (art. 8º)

          No prazo de dez dias, contados da publicação referida anteriormente, o Comitê (se houver), qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores elaborada pelo administrador judicial; onde apontarão a ausência de qualquer crédito ou manifestação contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado.

          Nessa fase, há a oportunidade para os legitimados manifestarem a sua discordância no tocante à segunda relação de credores, elaborada pelo administrador judicial. Desse modo, constate-se que a primeira relação de credores é unilateral, apresentada pelo devedor. A segunda relação de credores, por sua vez, já é um documento cuja presunção de idoneidade é bem maior, visto que produto de uma análise feita pelo administrador judicial frente às habilitações e divergências apresentadas pelos credores, e ainda, face aos documentos trazidos pelo devedor e credores aos autos.

          A discordância manifestada pelos legitimados quanto à relação de credores não se limita à existência de determinado crédito, pode ser no que concerne ao valor, classificação etc, pois na relação de credores tais créditos já constaram com seu respectivo valor e classificação.

          Sendo apresentada impugnação esta será autuada em separado. Devendo a petição inicial ser dirigida ao juiz da recuperação, e ser instruída com os documentos que tiver o impugnante; indicando este, ainda, demais provas que pretenderá produzir.

          A petição em destaque deve ser subscrita por advogado, visto a impugnação caracterizar-se como ato de postulação judicial.

          As impugnações que visam atacar um mesmo crédito serão autuadas juntas; pois o juiz decidirá quanto à idoneidade de cada crédito impugnado; não havendo justificativa para autuar em separado impugnações voltadas ao mesmo crédito.

          7.4. Demais Manifestações Após a Impugnação (arts. 11 e 12)

          Os credores cujos créditos forem impugnados serão intimados para contestar a impugnação no prazo de 5 (cinco) dias; devendo, por ocasião da defesa, juntar os documentos que julguem necessários e indicando outras provas que pretendem produzir (art. 11).

          Por força da apresentação da impugnação deve ser instituído o contraditório para que o juiz possa, dando oportunidade de defesa aos envolvidos, ao final julgar a procedência ou não do incidente instaurado. Nesse desiderato é que se dá possibilidade ao credor que teve seu crédito impugnado apresentar a sua defesa face às alegações de um ou mais legitimado(s) impugnante(s), posto que um crédito pode ser alvo de várias impugnações diferentes, desde que estas partam de pessoas legitimadas para tanto.

          Prevê a LFR (art. 12), ainda, que uma vez transcorrido o prazo para manifestação do credor que teve seu crédito impugnado, o devedor e o Comitê, este se houver, serão intimados pelo juiz para se manifestar sobre a impugnação no prazo de 5 (cinco) dias. Percebe-se com tal disposição, que a Lei quer dá amplas possibilidades para que o julgamento da impugnação seja o mais justo possível, haja vista que há a previsão de serem ouvidos todos os interessados (pessoalmente ou representados pelo Comitê) no evento.

          Transcorrido o prazo para o Comitê e o devedor se manifestarem, o administrador será intimado pelo juiz para emitir parecer no prazo de cinco dias sobre a impugnação (art. 12, §único), devendo juntar à sua manifestação todos os documentos e informações que tiver acesso acerca do crédito impugnado, e que serão úteis ao julgamento da impugnação.

          7.5. Julgamento da Impugnação (art. 15)

          Após os prazos para impugnações e manifestações quanto a estas, dispõe o artigo 15, que os autos de cada impugnação, caso haja alguma, serão conclusos ao juiz, que:

          a)determinará a inclusão no quadro-geral de credores das habilitações de créditos não impugnadas, no valor constante na relação (2) apresentada pelo administrador judicial anteriormente;

          b)julgará as impugnações que entender suficientemente esclarecidas pelas alegações e provas apresentadas pelas partes, mencionando, de cada crédito, o valor e a classificação;

          c)fixará, em cada uma das restantes impugnações, os aspectos controvertidos e decidirá as questões processuais pendentes;

          d)determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.

          Nas impugnações que haja necessidade de dilação probatória, na forma referida na letra "d" supra, após realizados os atos processuais necessários; caberá ao juiz, por óbvio, prolatar a respectiva decisão.

          Da decisão judicial sobre a impugnação caberá agravo, seja esta prolatada na forma descrita no parágrafo anterior, ou conforme o referido na letra "b" ao norte.

          7.6. Consolidação do Quadro-Geral de Credores (art. 18)

          Decididas as impugnações, caberá ao administrador consolidar o quadro-geral de credores, a ser homologado pelo juiz. Referido quadro será consolidado com base na relação de credores antes elaborada por tal administrador e, ainda, levando em consideração as decisões das impugnações.

          O art. 18, §único, dispõe, ademais, quanto ao quadro em epígrafe, que este será assinado pelo juiz e pelo administrador judicial, mencionará a importância e a classificação de cada crédito na data do requerimento da recuperação judicial, e será juntado aos autos e publicado no órgão oficial, no prazo de cinco dias, contado da data da decisão que houver julgado as impugnações.

          Com a homologação do quadro-geral de credores, tem-se uma posição final (modificável apenas via recurso ou através de ação própria) quanto aos débitos do recuperando, ficando aberto o caminho para um juízo de mérito quanto à viabilidade da proposta de reorganização apresentada pelo devedor, através da comparação entre a situação vislumbrada no quadro em tela e os meios de recuperação indicados no plano de reorganização apresentado.

          De outra banda, destaque-se, por oportuno, que mesmo após procedida a homologação do quadro-geral de credores, ainda é possível o administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do Ministério Público, pedirem (até o encerramento da recuperação judicial) a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores. Para tanto, porém, deverão se socorrer nos meios ordinários previstos no CPC; devendo o pedido ser feito junto ao juízo da recuperação (salvo nas hipóteses previstas no art. 6º, §§ 1º e 2º, da LFR; pois nestes casos o pedido deverá ser feito junto ao juízo que tenha, originariamente, reconhecido o crédito).

          Prevê a LFR, outrossim, que uma vez proposta a ação visando questionar determinado crédito, conforme referido acima, o pagamento ao seu titular (do crédito) por ela atingido somente poderá ser realizado mediante a prestação de caução no mesmo valor do crédito questionado.

          Por fim, observe-se que todo o procedimento complexo de instrução e julgamento de impugnações somente é necessário, por evidente, se estas forem apresentadas, pois em caso contrário, o juiz deverá homologar, como quadro-geral de credores, a relação dos credores elaborada pelo administrador judicial logo após as habilitações de créditos; não havendo necessidade também da publicação do quadro após homologação, visto que a relação elaborada pelo administrador já foi publicada através do edital previsto no art. 7º, §2º, e esta valerá como quadro-geral de credores.

          7.7. Habilitações Retardatárias e Quadro-Geral de Credores (art. 10, §§ 5º e 6º)

          A homologação do quadro-geral de credores é um marco divisório no tocante ao procedimento que deve ser adotado para habilitar crédito retardatário.

          Nesse passo, se a habilitação retardatária for apresentada antes da homologação do quadro-geral de credores ela será recebida como impugnação e processada na forma explicitada nos subtópicos 8.3 a 8.5 supra (com as devidas adaptações, por óbvio). O procedimento culmina com o julgamento da pretensão do credor retardatário. Desse jeito, sendo o crédito idôneo, o juiz deferirá a habilitação do mesmo determinando a inserção do crédito retardatário no quadro-geral de credores. Em caso contrário, apenas afastará a pretensão.

          De outro modo, se no momento que o credor retardatário for se habilitar já estiver sido homologado o quadro multicitado, aquele deverá utilizar-se do procedimento ordinário (previsto no CPC) para postular a retificação do quadro em questão. Com certeza, nesse caso, terá maiores dificuldades para se inserir na relação de credores do recuperando.

          8. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

          O artigo 53 da LFR é enfático em estabelecer que: "o plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência [...]"

          Logo, o devedor tem um termo final para apresentação do plano de recuperação judicial, não podendo realizar tal ato a qualquer tempo. A pena para o descumprimento do prazo é a decretação de sua falência; ou, nos termos utilizados pela LFR, a convolação da recuperação em falência.

          De se destacar, também, que o procedimento de habilitação e verificação de crédito que enfocamos no tópico anterior em nada interfere no transcurso do prazo para apresentação do plano de recuperação.

          8.1. Conteúdo do Plano de Recuperação

          Por óbvio, que o plano de recuperação judicial deverá conter a estratégia que se pretende utilizar para recuperar a empresa em crise. Nesse passo, obriga a Lei que este contenha (art. 53, incisos I a III):

          a)discriminação detalhada dos meios de recuperação a serem utilizados, e seu resumo;

          b)demonstração de viabilidade econômica;

          c)laudo econômico-financeiro e de avaliação dos ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

          Os três elementos exigidos pela Lei são de extrema importância; pois não se tem como analisar a consistência de um plano de recuperação se este não expressar os meios que se pretende empregar na reorganização empresarial, os argumentos favoráveis à viabilidade da proposta, e, ainda, a exata demonstração da situação econômico-financeira da empresa, aí se incluindo a avaliação de seus ativos (bens e direitos).

          Portanto, a documentação que se exige seja apresentada juntamente com o plano de recuperação vem complementar a documentação já apresentada pelo empresário por ocasião do ingresso da petição inicial, dando possibilidades aos terceiros envolvidos no processo de terem uma visualização da situação da empresa, bem como da consistência da proposta apresentada.

          Agora, um plano bem feito, apesar de fazer presumir maiores chances de efetiva recuperação, não é garantia absoluta de que esta realmente ocorrerá, porquanto sabemos que a atividade empresarial é vulnerável a diversos fatores externos, como por exemplo, de política governamental, acontecimentos econômicos internacionais etc. Desse jeito, a aprovação de um plano de recuperação judicial é, via de regra, um "tiro no escuro", pois apesar de toda a documentação exigida pela Lei para que se averiguar a viabilidade do plano, a decisão dos credores e do juiz sempre será baseada na previsão de acontecimentos futuros, o que de per si nos faz concluir seja esta baseada em incertezas. Contudo, na maioria das vezes, é melhor arriscar minimizar os prejuízos (por parte dos credores) do que, de pronto, assumi-los.

          Uma vez recebido o plano de recuperação deve o juiz determinar a publicação de edital, avisando os credores acerca do recebimento do plano e fixando-lhes prazo para manifestar eventuais objeções.

          8.2. A Previsão de Pagamento dos Créditos Trabalhistas no Plano de Recuperação

          O plano de reorganização pode se resumir a outras estratégias de recuperação que não sejam descontos ou dilatação nos prazos de pagamentos. Se assim for, não tem que se falar em limitações no tocante à incidência deste sobre os créditos trabalhistas.

          Caso o meio, ou um dos meios escolhidos para recuperação, impliquem na dilatação no prazo de pagamento dos créditos trabalhistas, é imperioso que se observe as limitações legais estabelecidas para tanto.

          Nesse particular a LFR traz as seguintes limitações:

          Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.

          Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.

          As limitações, pois, a princípio parecem muito claras. A primeira delas ordena no sentido de que qualquer crédito trabalhista ou de acidente do trabalho, vencido até a data do pedido, deverá ser pago dentro de um ano. A segunda comanda no sentido que os créditos trabalhistas estritamente salariais vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação, até o limite de 5(cinco) salários-mínimos por trabalhador, devem ser pagos em prazo não superior a trinta dias.

          Existe, porém, segundo pensamos, uma relevante omissão no artigo 54 que dará combustível para significativas discussões doutrinárias, qual seja: o dispositivo transcrito não estipula a data inicial (termo a quo) para contagem dos prazos lá estabelecidos; ou seja, diz que determinados créditos devem ser pagos em um ano, e que outros lá especificados devem ser pagos em 30 (dias), mas não explicita a partir de que data começa a contar tal prazo.

          Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 160), enfrentando a problemática exposta no parágrafo anterior, opina no sentido de que a contagem deve iniciar a partir do vencimento da obrigação.

          Discordamos, todavia, de tal posicionamento; por acharmos que se prevalecer tal entendimento, chegaremos ao absurdo de termos situações em que o prazo de trinta dias terá escoado mesmo antes da apresentação do plano de recuperação judicial, visto que este pode ser apresentado até 60 (sessenta) dias após o juiz deferir o processamento da recuperação; o que acontece, por óbvio, após o ingresso do pedido de tal benefício.

          Para nós, melhor seria entender que o termo a quo para tais prazos dar-se-á na data do deferimento da recuperação judicial, pois antes disso ainda não existe vinculação compulsória do devedor ao plano de reorganização, visto que a decisão de deferimento da recuperação, com eficácia de título executivo extrajudicial, é que fará com que as condições previstas no plano possam ser impostas coercitivamente. E, ainda, o artigo 54 remete à previsão no plano de recuperação judicial dos pagamentos de créditos trabalhistas lá discriminados. Ora, caso o plano nem tenha sido aprovado, como poderá se exigir do devedor que cumpra um prazo com base em tal documento?

          Por outro vértice, poder-se-ia criticar o nosso posicionamento com o argumento de que o trabalhador cujos salários estão atrasados por mais de três meses na data do pedido de recuperação será extremamente prejudicado se tiver que esperar até ser prolatada a decisão judicial concessiva para poder receber seus créditos, considerando ainda que não pode este executar tais direitos (se por ventura sejam líquidos e certos) por força da suspensão das execuções operada pelo deferimento do processamento da recuperação. Porém, quem pensar levantar esta crítica deve lembrar que somente estão sujeitos à recuperação os créditos existentes na data do pedido. Assim sendo, o trabalhador que está com salários atrasados na data do pedido, no tocante a estes créditos sofrerá os efeitos da recuperação, mas no que diz respeito aos salários subseqüentes não há que se falar em subordinação a tais efeitos; podendo executá-los (uma vez reconhecidos judicialmente) tranqüilamente.

          8.3. Objeção dos Credores ao Plano de Recuperação

          Imediatamente depois de receber o plano de recuperação judicial, o juiz deverá ordenar a publicação de edital informando os credores de tal ocorrência e, na mesma oportunidade, já fixando prazo para estes manifestarem eventuais objeções ao plano.

          Diz a LFR, em seu artigo 55, que o prazo para manifestação (objeção) dos credores deve ser de 30 (trinta) dias, contado da publicação da relação de credores que o administrador judicial deverá elaborar após as habilitações de créditos.

          Então, vejamos a seguinte seqüência de acontecimentos para podermos compreender o momento da apresentação das objeções dos credores:

          1º) ingressa-se com o pedido de recuperação;

          2º) juiz defere o processamento;

          3º) juiz ordena expedição de edital (para publicação no órgão oficial) com o resumo da decisão que defere o processamento da recuperação judicial e a relação nominal de credores;

          4º) no prazo de até quinze dias após a publicação do edital mencionado acima, os credores apresentarão ao administrador judicial suas habilitações de crédito ou suas divergências quanto aos créditos relacionados no referido edital;

          5º) no prazo de até quarenta e cinco dias, contado do fim do prazo supra, o administrador terá que fazer publicar edital contendo a relação dos credores;

          6º) No prazo de até dez dias, contado do transcurso do prazo do item anterior, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores;

          Paralelamente à seqüência acima descrita, também deverão ser observados os seguintes prazos no tocante à apresentação do plano de recuperação judicial:

          1º) No prazo de até sessenta dias após a publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial (vide item 3º ao norte) será apresentado pelo devedor em juízo o plano de recuperação judicial;

          2º) Após receber o plano, o juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento, e fixará prazo para a manifestação de eventuais objeções;

          3º) Em até trinta dias, contados da publicação da relação de credores (vide item 5º ao norte), qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial; caso, na data da publicação da relação de credores referida, ainda não tenha sido publicado o aviso mencionado no item imediatamente anterior, contar-se-á da publicação deste o prazo de trinta dias para as objeções.

          Esclarecido o caminho a ser percorrido no procedimento da recuperação judicial até que se chegue à objeção dos credores ao plano de recuperação, necessário se faz agora demonstrar o que ocorrerá após a apresentação de tal manifestação.

          Diz a Lei que, ante à apresentação de objeção, deve o juiz convocar a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação (art. 56). Referida assembléia deve ser realizada em data não superior a cento e cinqüenta dias, contados do deferimento do processamento da recuperação judicial. Nela poderá se aprovar alterações no plano de recuperação apresentado, desde que haja expressa concordância do devedor e, ainda, que as alterações não impliquem diminuição dos direitos exclusivamente dos credores ausentes.

          Portanto, os credores têm, basicamente, três opções no momento da deliberação em assembléia-geral quanto ao plano apresentado: a) aprovam o plano; b) não aprovam, mas propõem alterações; c) simplesmente não aprovam. No primeiro caso, após apresentadas certidões negativas de débitos tributários, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor. No segundo caso, seguir-se-á o mesmo procedimento, caso acatadas, na forma da lei, as alterações propostas pelos credores. No terceiro caso, em vista da não aprovação do plano de reorganização, o juiz decretará a falência do devedor.

          8.4. Deliberação Acerca do Plano de Recuperação

          No subtópico acima falamos da aprovação ou não aprovação do plano de recuperação. Contudo, faltou esclarecermos como se dará, em termos específicos, a deliberação quanto ao plano em tela.

          Primeiro, de pronto adiantemos, que somente haverá deliberação relativamente ao plano de recuperação judicial se houver apresentação de objeção, pois o artigo 58 da LFR é muito claro no sentido de que, caso o plano apresentado pelo devedor não tenha sofrido objeção de credores, o procedimento seguirá com a apresentação de certidões negativas de débitos tributários por parte do devedor, e logo após, o juiz (caso o plano atenda às exigências legais) concederá a recuperação judicial.

Destarte, somente se apresentadas objeções é que o plano multimencionado será objeto de deliberações.

          De outra banda, sendo submetido a deliberações em assembléia, será aprovado se:

          a)aprovado em cada uma das três classes de credores (3), observadas as condições constantes nas letras seguintes;

          b)aprovado na classe dos credores trabalhistas e de acidentes de trabalho pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor do crédito de cada um;

          c)aprovado em cada uma das outras duas classes por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria (4) simples dos credores presentes;

          Quanto aos legitimados para deliberar, pode-se dizer, observado o disposto no art. 39, que poderá votar todos os credores que constarem regularmente no quadro-geral de credores. Não terá direito a voto, porém, o credor que não estiver sujeito a alterações no crédito que possui face ao devedor por força do plano de recuperação em deliberação.

          Isto posto, verifica-se que a concessão da recuperação judicial, a princípio, está condicionada à aprovação do plano de reorganização pelos credores na forma explicitada anteriormente. Há previsão, não obstante, na LFR de situação em quê o plano não é aprovado pelos credores, mas mesmo assim pode o juiz decretar a recuperação judicial.

          Nesse passo, faculta o art. 58, §1º, conforme segue:

          O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa:

          I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;

          II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;

          III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.

          Note-se que as condições acima são cumulativas; exigindo a LFR, ainda, que além de atendidas tais condições, o plano a ser aprovado judicialmente não implique tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado (art. 58, §2º).

          Logo, para ser decretada a recuperação judicial deve ocorrer manifestação favorável da maioria dos credores face ao plano de recuperação em apreciação. Esta aprovação pode se dar pelas vias usuais (aprovação em todas as classes, isoladamente) ou nas condições explicitadas no art. 58, §1º, na forma transcrita retro. Sendo que, nesse segundo caso, a Lei é muito clara ao facultar ao juiz a decisão de conceder ou não o benefício legal perseguido pelo devedor. Dessa forma, torna-se límpido que tal decisão (nesse último caso), após superados os requisitos objetivos estabelecidos legalmente, se norteará pela análise do magistrado quanto à viabilidade da reorganização proposta.

          Seguindo adiante o procedimento recuperatório, e em formalidade que antecede a decretação da recuperação judicial, a LFR estabelece que o devedor deverá apresentar certidões negativas de débitos tributários; deixando claro que o empresário que possuir débitos exigíveis de tal natureza não terá acesso ao benefício em tela.

          Concedida a recuperação judicial, terá este decisum efeito de título executivo judicial, implicando em novação dos créditos anteriores ao pedido, obrigando o devedor e todos os credores sujeitos ao plano de recuperação, e é atacável pelo recurso de agravo, que poderá ser manejado por qualquer credor ou pelo representante do Ministério Público.

          9. A SUCESSÃO DAS OBRIGAÇÕES DO DEVEDOR

          A questão da sucessão nas obrigações do devedor torna-se relevante a partir do momento que constar no plano, como uma das medidas de reorganização, a alienação de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor.

          Essa alienação judicial será feita através de leilão, por lances orais; propostas fechadas; ou pregão; ambos conforme procedimento previsto para alienação de ativos em caso de falência do devedor.

          Referente à questão central que ora nos ocupamos, disciplina o artigo 60, §único, da LFR, a alienação sob foco, no seguinte sentido: "o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no §1º do art. 141 desta Lei".

          Quer dizer o dispositivo em evidência que o adquirente não assumirá quaisquer obrigações que porventura possua o alienante por ocasião da transferência. Não sucederá, pois, o alienante em suas obrigações. Outrossim, o produto da alienação também estará livre de qualquer ônus (hipoteca (5), por exemplo). Ressalve-se, contudo, que a sucessão nos débitos trabalhistas, nesse caso, foi mantida; não se entendendo inclusas as obrigações laborais na expressão genérica que se refere às "obrigações do devedor". Desse jeito, prevalece o disposto na CLT que garante ao trabalhador acionar o sucessor de estabelecimento ou unidade produtiva no sentido de pleitear o pagamento de verbas trabalhistas inadimplidas pelo antigo proprietário.

          10. GESTOR JUDICIAL

          Gestor judicial não se confunde com o administrador judicial. Enquanto este tem amplas atribuições no processo de recuperação judicial (principalmente na verificação de créditos, como vimos alhures), aquele tem sua atuação limitada no tocante à administração da empresa recuperanda.

          O gestor judicial, pois, é um profissional nomeado pelo juiz, sob indicação da assembléia-geral de credores, para administrar a atividade empresarial do devedor recuperando quando este (se empresário individual) ou seus administradores (se pessoa jurídica) forem afastados da administração da empresa em crise.

          Portanto, podem ocorrer situações em que é uma das medidas necessárias para recuperação empresarial já em andamento o afastamento forçado de seus administradores.

          A regra geral, porquanto, é que durante a recuperação judicial sejam os administradores da empresa em crise mantidos em seus cargos, conduzindo os rumos do negócio sob a fiscalização do Comitê (se houver) e do administrador judicial.

          Agora, existem situações supervenientes que exigem o afastamento dos administradores para que haja o transcurso seguro da recuperação. É nessa situação que se insere o gestor judicial, pois o juiz da recuperação, se por um lado afasta os administradores do devedor (ou o próprio devedor, se for empresário individual) da condução dos negócios, deve nomear para substituí-lo um administrador, que a LFR chama de gestor judicial.

          Os casos previstos legalmente (art. 64) de afastamento dos administradores ou do próprio devedor da condução da empresa em recuperação são os seguintes:

          a) condenação em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica;

          b) indícios veementes do cometimento de crime previsto na LFR;

          d) houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores;

          e) houver praticado qualquer das seguintes condutas:

          - efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial;

          - efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;

          - descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular;

          - simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de credores na petição inicial de recuperação, sem que haja para tanto relevante razão de direito ou amparo em decisão judicial;

          a)negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê;

          b)Tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial.

          Mesmo havendo nomeação de gestor judicial, a LFR (art. 64, §único) prevê que diante do afastamento dos administradores devem ser nomeados outros em substituição. Assim, fica transparente que o gestor em epígrafe não assumirá todos os encargos da administração da recuperanda, de tal sorte que teremos duas espécies de administradores para uma mesma sociedade: um nomeado judicialmente e outro (s) escolhido(s) na forma dos atos constitutivos ou do plano de recuperação. Agora, no tocante aos atos diretamente ligados ao exercício da atividade empresarial (compra, venda, contratação de serviços etc.) somente ao gestor judicial incumbirá a representação da sociedade; os demais administradores, de outro modo, representarão a sociedade nos atos que não sejam eminentemente de gestão. A verdade, contudo, é que certamente gerará confusão o fato da sociedade possuir administradores de duas espécies, pois nem sempre estes estarão coesos em suas ações, podendo ocorrer situações de indefinição quanto a quem compete representar a pessoa jurídica em determinado ato que ambos se julguem competentes ou incompetentes.

          Por outro ângulo, no tocante ao empresário individual, parece-nos que não deixa a Lei brecha para que ocorra a situação acima descrita (existência de administradores de duas espécies), pois o art. 64, §único, faz referência unicamente à escolha de novo administrador em consonância com previsão em ato constitutivo ou plano de recuperação. Logo, ressalvada a hipótese de previsão em plano de reorganização, não se tem como escolher novo administrador para o empreendimento do empresário individual com base em seu ato constitutivo, visto que este não possui contrato nem estatuto social, pois se constitui apenas por requerimento perante a Junta Comercial. Desse jeito, em se tratando de empresário individual afastado da condução da empresa, entendemos restar ao gestor judicial assumir plenamente a administração do negócio em recuperação; devendo ser chamado o empresário afastado quando for necessário prestar informações que somente ele detenha sobre seu empreendimento.

          Por imposição legal (art. 65), toda vez que o juiz for nomear gestor judicial deve, previamente, convocar a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o nome deste. Na realidade, portanto, quem deve escolher o profissional referenciado é a assembléia-geral de credores, cabendo ao juiz unicamente nomeá-lo, verificando por esta ocasião se o escolhido atende as exigências da lei.

          Quanto aos deveres, impedimentos e remuneração do gestor, devem estes ser regulados pelas normas atinentes ao administrador judicial, no que forem compatíveis.

          Finalmente, acrescente-se que pode ocorrer situação em que é imperiosa a imediata destituição do administrador da empresa em recuperação, sem que haja tempo para a assembléia-geral deliberar sobre o nome do gestor judicial. Nesse caso, manda a LFR que o administrador judicial assuma, provisoriamente, as atribuições de gestor.

          11. RESTRIÇÕES SOFRIDAS PELO DEVEDOR DURANTE A RECUPERAÇÃO

          Acreditamos que a principal restrição sofrida pelo devedor em recuperação é no sentido de estar submetido à fiscalização de terceiros. Esse simples fato, adicionado à impressão inevitável no meio empresarial, de que o empresário individual ou os administradores da sociedade em recuperação não foram competentes o suficiente para conduzir o empreendimento ao sucesso (visto que recuperação pressupõe crise), levando fornecedores a evitarem ao máximo contratar com estes, configuram-se, a nosso ver, fatores primordiais que subtraem parcela da autonomia da recuperanda.

          Traz a lei, contudo, especificidades que melhor demonstram as restrições que sofre o empresário em crise.

          Vejamos:

          a) Impossibilidade de alienar ou onerar: uma vez distribuído o pedido de recuperação, o devedor não poderá mais alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo autorização judicial, que será precedida da oitiva do Comitê de Credores (art. 66). Por óbvio, que tal restrição não se aplica para os atos de alienação e oneração previstos no plano de recuperação judicial aprovado; pois se constam neste documento (aprovado e homologado), os atos em evidência constituem-se meios de recuperação. Com a restrição em evidência, conforme é nítido, quer a Lei preservar o patrimônio do devedor, no sentido de evitar que este, utilizando-se do benefício da recuperação, ganhe tempo apenas para se desfazer de seus ativos antes da decretação de sua falência.

          b) Identificação da condição de recuperando: o empresário, estando em recuperação, deverá acrescer ao seu nome empresarial a expressão "em Recuperação Judicial" com vistas a deixar clara sua condição perante terceiros com quem entabular relações jurídicas. Nesse passo, ordena a LRF que (art. 69): "Em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito ao procedimento de recuperação judicial deverá ser acrescida, após o nome empresarial, a expressão ‘em Recuperação Judicial’ ". Quanto ao momento a partir do qual o devedor está obrigado à imposição legal transcrita, acreditamos que essa obrigação existe desde o momento em que é deferido o processamento de sua recuperação ex vi art. 52, II, da LFR. Por fim, ressalte-se que deve ser anotada no Registro de Empresas a ocorrência da recuperação, fato este que aumenta a publicidade (6) quanto à condição do recuperando.

          c) Vinculação ao Plano de Recuperação Judicial: durante a recuperação judicial o devedor se vê obrigado a cumprir estritamente o que constar no plano de recuperação judicial adotado, pois; caso contrário, será decretada a sua falência. O exercício de sua liberdade empresarial, portanto, encontra limites nas obrigações impostas pelo plano em tela.

          Em linhas gerais, são as restrições acima as principais que podemos identificar na LFR no tocante ao devedor em recuperação; considerando que, se por um lado o Estado concede um benefício à empresa em crise, de outro, também impõe restrições ao empresário em recuperação como forma de garantir o sucesso da medida e principalmente de evitar que o devedor utilize o benefício legal como mecanismo facilitador de fraudes.

          12. PRAZO DE RECUPERAÇÃO

          Pela redação do artigo 61 fica claro que o prazo para recuperação judicial é de 2 (dois) anos, contados da decisão que conceder a medida.

          Agora, devemos atentar para o fato de que a LFR não está impondo que o plano de recuperação judicial estabeleça uma estratégia de reorganização a ser empreendida somente durante dois anos. Não é isso.

          Pode muito bem, conforme pensamos, o plano de recuperação conter estratégias a serem desenvolvidas em um período maior que 2 (dois) anos.

          A grande diferença, porém, é que as obrigações constantes no plano que devem ser cumpridas pelo devedor nos dois anos seguintes à concessão do benefício têm um tratamento legal e aquelas que extrapolam tal período tem outro tratamento.

          Durante os dois anos multicitados, se o devedor descumprir qualquer obrigação prevista no plano, tal fato acarretará a decretação de sua falência; havendo, por conseguinte, a instauração do concurso de credores.

          De outro modo, se o devedor, após o período supra, descumpre obrigação imposta pelo plano, ele será cobrado pelas vias processuais normais; ou seja, o seu credor poderá executar individualmente a obrigação ou pedir a decretação de sua falência (caso seja cabível).

          13. ENCERRAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

          Caso o devedor, durante dois anos que esteja em recuperação, cumpra, nesse ínterim, todas as obrigações que o plano de reorganização lhe impõe, cabe ao juiz decretar, por sentença, o encerramento da recuperação; ocasião em quê determinará as providências necessárias para a extinção do processo, das quais arrola a LFR (art. 63) as seguintes: a) pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial, após a prestação de contas deste e a aprovação de seu relatório final; b) apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas; c) a apresentação de relatório circunstanciado do administrador judicial, versando sobre a execução do plano de recuperação pelo devedor; d) a dissolução do Comitê de Credores e a exoneração do administrador judicial; e) a comunicação ao Registro Público de Empresas para as providências cabíveis.

          Note-se que após o encerramento da recuperação, mesmo que o devedor ainda tenha obrigações a cumprir, impostas pelo plano de reorganização, não mais é obrigado a ostentar em acréscimo ao seu nome empresarial a expressão "em Recuperação Judicial".

          Outrossim, ante à exegese do artigo 63, parece-nos deva o juiz decretar de ofício o encerramento da recuperação judicial, pois este é conseqüência do decurso de um lapso temporal previsto legalmente.

          14. CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA

          Durante a recuperação judicial fica o devedor sempre sob a ameaça (às vezes silenciosa, em outras bem veemente) de ser decretada a qualquer momento a sua falência. Por isso, deve ser ponderado que o benefício da recuperação judicial não é para ser perseguido por aquele empresário que está enfrentando moderadas dificuldades momentâneas, mas sim para aquele que não tem outra alternativa para salvar seu empreendimento que não seja ao benefício outorgado pela LFR.

          Nesse passo, o artigo 73 arrola as situações que autorizam ao juiz decretar a falência do devedor em recuperação, quais sejam:

          a) Deliberação da assembléia de credores - a assembléia de credores poderá deliberar pela decretação da falência do devedor, bastando para isso que tal ato encontre apoio de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes (art. 42). Assim, verificamos que o recuperando fica refém de seus credores, que podem, independentemente da ocorrência de justo motivo, reunidos em assembléia-geral deliberarem sobre sua quebra. E, pela imposição do art. 73, acreditamos não tenha o juiz outra alternativa (diante de uma decisão da assembléia) senão convolar (converter) a recuperação em falência. De outra banda, de se observar, ainda, que em segunda convocação a assembléia referida se instala com qualquer número de credores (art. 37, §2º), podendo ocorrer situações em que poucos credores, até mesmo sem boas intenções, terão a possibilidade de impor ao devedor a quebra. Por fim, em um primeiro momento, sentimos que a deliberação da assembléia-geral tendente a aprovar a decretação da falência do devedor possa ocorrer somente enquanto não aprovado o plano de recuperação judicial, pois não faria sentido tal órgão primeiro aprovar uma estratégia de reorganização, e logo após, mesmo que o devedor venha cumprindo-a rigorosamente, imponha-lhe a bancarrota sem qualquer justificativa. A LFR, contudo, não faz qualquer ressalva nesse sentido (art. 73, I), apenas diz que a falência do recuperando será decretada se houver deliberação da assembléia-geral. Conquanto, acreditamos que ainda deva surgir polêmica sobre o assunto.

          b) Não apresentação tempestiva do plano de recuperação - o plano de recuperação deve ser apresentado pelo devedor no prazo de sessenta dias, contados da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial. A pena para o descumprimento de tal imposição é a decretação da falência.

          c) Rejeição do plano de recuperação - acaso rejeitado o plano de recuperação judicial pela assembléia-geral, impõe-se a decretação da quebra.

          d) Descumprimento de obrigação constante no plano - o plano de reorganização constitui-se inarredável compromisso assumido pelo devedor perante os credores e a Justiça. Logo, se durante os dois anos que devem durar a recuperação o devedor vier a descumprir obrigação por ele assumida via plano, autoriza este fato a convolação da sua recuperação em falência.

          e) Inadimplemento de obrigações não atingidas pela recuperação - sabemos que existem obrigações que não são atingidas pela recuperação judicial, tais como aquelas inerentes a contratos de leasing, alienação fiduciária, adiantamento de contrato de câmbio para exportação etc. Assim sendo, essas obrigações são perfeitamente exigíveis (e na forma pactuada) durante o período de recuperação; podendo seus credores, inclusive, ante à impontualidade (7) do devedor ou à prática por parte deste de atos de falência (8), requerer a sua quebra, mesmo que este esteja em recuperação.

          Por conveniente, devemos alertar o leitor, neste tópico, para uma situação bem peculiar no tocante ao descumprimento de obrigação no curso do processo de recuperação, mas que não autoriza ao juiz decretar a falência do devedor. Estamos aqui falando do dever que tem o empresário de, antes da concessão de sua recuperação, apresentar certidões negativas de débitos tributários (art. 57). Nesse caso, mesmo que o juiz intime o requerente para apresentar tais documentos em certo prazo, e este não cumpra a intimação, não pode o magistrado prolatar a decisão de quebra; terá unicamente que indeferir o pleito de recuperação.

          15. RECURSOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

          A insatisfação com as decisões que lhe são desfavoráveis é um sentimento inerente a qualquer pessoa. Pressupondo isso é que temos um sistema processual que permite, de regra (até um certo limite, por óbvio), a manifestação do descontentamento daquele que foi desfavorecido por uma decisão judicial. E o instrumento pelo qual se materializa tal sentimento é o que chamamos de recurso.

          O processo de recuperação não diverge da premissa talhada nas linhas imediatamente pretéritas; sendo possível neste os seguintes recursos expressamente previstos na LFR:

          a) Agravo da decisão sobre impugnação de créditos (art. 17) – pode qualquer credor, o Comitê, o devedor ou seus sócios, e, ainda, o representante do Ministério Público, apresentar impugnação de créditos. Ante essa provocação cabe ao juiz instaurar o procedimento devido, e ao final, prolatar decisão. Nesse caso, prevê a LFR que este decisum é atável por agravo (recurso este previsto no art. 522 do CPC).

          b) Agravo da decisão que conceder a recuperação (art. 59, §2º) – na apreciação do mérito do pedido de recuperação pode o juiz, obedecidas as condições legais, conceder o benefício requerido. Ante tal provimento jurisdicional, igualmente cabe agravo.

          Ante o rol declinado, queremos deixar claro que ele somente diz respeito aos recursos expressamente previstos na LFR no tocante à recuperação judicial. Porquanto, devemos alertar que não são somente estes os recursos manejáveis em tal processo.

          Então, por aplicação subsidiária do CPC à LFR ex vi artigo 189 desta, o sistema recursal previsto naquele (agravo, apelação, embargos de declaração etc.) é perfeitamente cabível no processo de recuperação judicial em não havendo incompatibilidade.

          Pertinentemente à matéria recursal, Importante frisar, também, que o despacho que defere o processamento da recuperação judicial é irrecorrível, tal como ocorria no caso da concordata. Nesse sentido expressa seus ensinamentos Celso Marcelo de Oliveira (2005, p. 289): "Portanto, como ocorreu com o instituto da concordata, no caso da recuperação judicial, o despacho que defere o processamento não pode ser objeto de recurso judicial".


UNIDADE V – RECUPERAÇÃO JUDICIAL DAS "ME" E "EPP"

          1. PLANO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

          No intuito de facilitar a recuperação das microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem em crise, a LFR destinou uma Seção específica (Seção V) dentro do Capítulo referente à recuperação judicial para tratar sobre o "plano de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte".

          Percebam, não obstante, que a Lei não está estabelecendo um processo diferenciado para as empresas de porte modesto, apenas faculta-lhes apresentar um plano de recuperação especial (diferente do plano convencional). Porquanto, o procedimento a ser seguido por estas é semelhante àquele trilhado pelos demais empresários, respeitadas as especificidades que ora trabalharemos.

          Não pode se dizer, pois, que existe um processo de recuperação judicial somente para as ME e EPP e outro para as empresas que não se encaixem nesse conceito. O que existe é uma possibilidade daquelas apresentarem um plano especial de recuperação, ocasião em quê se adotará um procedimento específico. Agora, isso é uma faculdade e não uma obrigação.

          De outra banda, somente podem apresentar o plano especial multireferido os empresários que estejam enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte.

          2. LEGITIMADOS À APRESENTAÇÃO DO PLANO ESPECIAL

          Já vimos que somente a ME e EPP podem apresentar o plano em evidência.

          Resta-nos, complementarmente, relembrar quais os empresários que se encaixam em tal conceito.

          Para isso devemos lançar mão da Lei nº 9841/99. Esta, a seu turno, estabelece um limite de faturamento anual para enquadramento, além de outras condições.

          Nesse passo, será considerada microempresa aquela que tiver, atualmente (9), receita bruta anual igual ou inferior a R$ 433.755,14 (quatrocentos e trinta e três mil, setecentos e cinqüenta e cinco reais e quatorze centavos); e empresa de pequeno porte aquela que tiver receita bruta anual superior ao limite da ME e igual ou inferior a R$ 2.133.222,00 (dois milhões, cento e trinta e três mil, duzentos e vinte e dois reais) (10).

          Outrossim, mesmo que não ultrapassem os valores limitativos enunciados, não podem se enquadrar com ME ou EPP, aquelas pessoas jurídicas em que haja participação: a) de pessoa física domiciliada no exterior ou de outra pessoa jurídica; b) de pessoa física que seja empresário individual ou sócia de outra ME ou EPP, salvo se a sua participação não for superior a 10% (dez por cento) do capital social de outra empresa, desde que a receita bruta global anual ultrapasse os limites legais.

          O enquadramento é feito perante a Junta Comercial. Desse modo, quando o empresário quiser fazer jus aos benefícios da Lei Falimentar, deve (de pronto) apresentar a prova de sua condição de ME ou EPP; não cabendo ao juiz, conforme pensamos, acatar plano especial apresentado por aquele que não apresente documentação do Registro de Empresas que comprove o enquadramento sob foco.

          3. APRESENTAÇÃO DO PLANO ESPECIAL

          O empresário legitimado, querendo fazer uso da faculdade que a lei lhe outorga, já em sua petição inicial deve manifestar a intenção de apresentar plano especial.

          Quanto ao prazo de apresentação, em nada difere o regime especial ora esmiuçado do regime convencional já estudado. De tal maneira que deve ser apresentado o plano especial no prazo de sessenta dias, contados da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação.

          No tocante ao conteúdo, ao reverso, o plano especial é totalmente diferente do plano convencional.

          Nesse passo, o artigo 71 arrola as condições essenciais que devem estar insertas no documento em epígrafe, conforme segue:

          a) abrangerá exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3º (leasing, alienação, negócio fiduciário etc.) e 4º (ACC’s) do art. 49 da LFR;

          b) preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% a.a. (doze por cento ao ano);

          c) preverá o pagamento da primeira parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;

          d) estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.

          Vislumbrado que o único meio de recuperação que o plano especial sob estudo proporciona ao recuperando é o parcelamento de suas dívidas quirografárias, transparece-nos que as possibilidades de recuperação do empresário que utiliza dessa via é bem mais remota do que daquele que utiliza-se da via convencional.

          Quanto à restrição constante na letra "d", cremos que será praticamente impossível se impor restrição (na prática) a aumento não autorizado de despesa por parte do recuperando, visto que a atividade empresarial demanda variações tanto de receitas quanto de despesas. Então, quando a Lei impõe que o recuperando, salvo autorização, não pode aumentar suas despesas, por via de conseqüência acaba lhe impedindo de aumentar (sem autorização) suas receitas; o que é um despropósito. Assim, já vaticinando, acreditamos que tal determinação (que corresponde ao art. 71, IV) está fadada à inaplicabilidade por ser uma burocracia perfeitamente dispensável; até mesmo porque como todos sabemos a velocidade do Judiciário é muito mais lenta do que a dos acontecimentos de mercado (11).

          4. PROCEDIMENTO PARA APROVAÇÃO DO PLANO ESPECIAL

          Não é necessária deliberação para aprovação do plano especial de recuperação das ME e EPP. A análise de mérito cabe exclusivamente ao juiz.

          A LFR, no entanto, prevê a possibilidade dos credores se posicionarem contrariamente ao plano. Nesse andar, está legislado que o juiz julgará improcedente o pedido de recuperação com base em plano especial, e conseqüentemente, decretará a falência do devedor, se houver objeções de credores cujos créditos correspondam a mais da metade dos créditos quirografários sujeitos à recuperação.

          Ante o exposto, e pelo que se nota ab initio, o processo de apreciação do plano especial é bem simplório: diante da apresentação da estratégia planificada, caso haja objeção dos credores no número exigido legalmente, o juiz rejeitará a recuperação e decretará a falência do devedor; em caso contrário, decretará a recuperação.

          Assim sendo, resta-nos problematizar acerca de situação susceptível de ocorrer na apreciação do pleito de recuperação em evidência, qual seja: diante de um requerimento que atenda formalmente os requisitos da recuperação, e não havendo objeções suficientes nos termos da Lei, pode o juiz indeferir o benefício postulado pelo devedor se entender que ele não está em crise?

          Acreditamos que sim, pois o artigo 47, que enuncia os objetivos da recuperação judicial é muito claro no sentido de que ela visa viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor a fim de garantir os interesses coletivos lá declinados.

          Ora, se um devedor se dirige ao Judiciário com um requerimento de recuperação judicial, mas não está em crise econômico-financeira, acreditamos que deve o juiz repelir tal conduta, mesmo que a maioria dos credores não tenha apresentado objeção à medida requerida; pois, segundo pensamos, há um interesse público em jogo, de sorte que não se justifica um sacrifício coletivo para beneficiar uma única pessoa (jurídica ou física) que age de má-fé.


Notas da Segunda Parte

          1 Que tem o objetivo primordial de identificar os legitimados para deliberarem na assembléia-geral de credores sobre o plano de recuperação judicial a ser apresentado pelo devedor, aprovando-o ou rejeitando-o.

          2 Relação esta, elaborada após o recebimento e apreciação das habilitações de crédito.

          3 Estas três classes são as seguintes: I) titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; II) titulares de créditos com garantia real; III) titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.

          4 O quorum para aprovação deve ser aferido isoladamente em cada classe, visto que a deliberação ocorre em cada uma das classes.

          5 Entendemos, não obstante, que o bem vinculado em garantia real somente pode ser alienado se houver autorização do credor privilegiado, pois nesse sentido dispõe o art. 50, §1º. Contudo, se mesmo diante da proibição da Lei, for alienado bem com garantia real nos termos do art. 60, §único, pensamos que este dispositivo deve prevalecer, na medida em que foi intenção do legislador dar extrema segurança ao adquirente em tal situação.

          6 Considerando que tal Registro é público.

          7 Entenda-se como impontualidade o ato pelo qual o devedor "sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência" (art. 94, I, LFR).

          8 Entenda-se como atos de falência aqueles referidos no art. 94, II e II, da LFR.

          9 Dizemos atualmente porquê o Poder Executivo pode, periodicamente, conforme art. 2º, §3º, da Lei 9.841/99, corrigir os valores fixados legalmente que servem de balizas para enquadramento como ME e EPP.

          10 Valores fixados pelo Decreto nº 5.028, de 31/03/2004.

          11 Faz-se esta colocação porque impõe a Lei a necessidade de autorização judicial, após ouvidos o administrador judicial e o Comitê de Credores, para poder o recuperando aumentar suas despesas ou contratar empregados.

 

 

* Professor de Direito Comercial das Faculdades Integradas do Tapajós, em Santarém (PA), advogado do Banco da Amazônia S/A, pós-graduando em Direito Processual Civil e Trabalhista pelas Faculdades Integradas do Tapajós.

 

 

 

Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6632 >. Acesso em: 06/12/06.