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Leasing ou não Leasing ?
Descaracterização de
contratos de leasing em que se cobra o VRG (Valor Residual Garantido)
antecipadamente
André Alexandre Happke*
ÍNDICE
Resumo/introdução /
Palavras-chave / 1. Conceito do autor / 2. Estrutura e funcionamento do
contrato / 3. O momento crítico / 4. Situação atual do leasing / Conclusões /
Referências bibliográficas / Bibliografia.
RESUMO/INTRODUÇÃO
Antes de mais nada, cumpre
esclarecer que nem todo contrato de leasing padece do vício jurídico chamado
simulação, apesar de para alguns renomados juristas o leasing, da maneira como
vem sendo utilizado, ser um contrato absolutamente nulo.1
Este pequeno trabalho não
pretende generalizar, muito menos afirmar que a sociedade deve ser avessa à
“importação” de modelos de contratos como este.
O objetivo que se busca é
estabelecer alguns pontos de partida para uma posterior elaboração mais
detalhada sobre o assunto. É a visão inicial de um acadêmico que pensa o
leasing de maneira a tentar que seja utilizado também como incentivo à
produção, e não apenas para mascarar financiamentos com o intuito de aumentar
garantias, e de conseguir vantagens tributárias que no final das contas somente
revertem em benefício das instituições financeiras.
Como acima afirmei. A “versão”
que o leitor acompanhará a seguir pode não ser ainda a posição final deste que
escreve, na humildade dos primeiros passos no estudo do Direito, mas é fruto de
uma convivência com questões judiciais relativas a estes contratos.
PALAVRAS-CHAVE
Leasing – arrendamento mercantil
- simulação – usura financeira uso indevido de figura contratual
1. CONCEITO DO AUTOR
Leasing ou arrendamento
mercantil, no Brasil, deveria ser um contrato pelo qual uma determinada pessoa,
para quem não seja possível ou viável comprar um determinado equipamento no
mercado comum, opta por tomá-lo em arrendamento de uma instituição financeira,
durante um determinado período. O Objetivo do arrendatário é satisfazer sua
pretensão, que é de utilizar o objeto. O contrato ainda confere ao arrendatário
três opções ao final do arrendamento: a) ficar com o objeto; b) devolvê-lo e c)
prosseguir renovando o arrendamento.
2. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO
DO CONTRATO
O leasing é um contrato
complexo, em princípio se tem um arrendamento e uma opção de compra. Ao final
do arrendamento, se tem uma compra-e-venda e provavelmente um financiamento.
O arrendamento se opera pelo
pagamento periódico de parcelas (geralmente mensais). Concomitantemente, a
instituição financeira, confere, no contrato, uma opção de compra, onde se
propõe a vender o objeto ao final do contrato, por um preço previamente
pactuado, se assim desejar o arrendatário.
Na prática, o que se espera é
que uma EMPRESA X, precisando aumentar sua produção, e por conseqüência, seus
lucros, recorra à Y LEASING - ARRENDAMENTO MERCANTIL S.A. e indique o bem de
que necessita. Y então adquire tal bem e o arrenda para X por um período
determinado. Advindo o termo final do arrendamento, X, que teve sua produção
incrementada pode quem sabe ter possibilidade de adquirir o bem anteriormente
arrendado. Pode no entanto não ter alcançado o incremento necessário ou não
precisar mais da máquina e devolve-a. É possível ainda que naquele momento não
possa comprá-la, mas continua precisando dela, tendo a faculdade de renovar o
arrendamento.
3. O MOMENTO CRÍTICO
Se acontecesse na “vida real”
como no exemplo do item anterior não haveriam tantos problemas com o contrato
em si, seriam eles obviamente possíveis, mas relacionados a eventos outros que
não o contrato em si.
A instituição financeira
arrendadora não tem o objetivo de incentivar a produção e seria ingenuidade
esperar isso dela. Este objetivo era do legislador, quando trouxe o contrato
para o Brasil. Constata-se então que para que aquele objetivo do legislador se
concretize, a arrendadora terá de despender recursos e com isso visará lucro. É
o sistema capitalista (sem crítica).
O grande problema é que por decisões de tribunais superiores, puramente
políticas, permite-se que instituições financeiras cobrem juros, taxas,
acréscimos, multas e toda sorte de outros valores que se aglomeram-se tornando
o custo de utilizar-se do leasing (que é apenas um dos exemplos) muito elevado.
Para que seja viável para o
arrendatário, é essencial que aquele bem arrendado lhe traga uma certa renda,
ajudando a “se pagar”, do contrário, arcando a arrendadora com todo o custo sem
nenhum retorno do bem, o preço do contrato torna-se, na maioria esmagadora dos
casos, exorbitante.
Por esta razão é que se defende
que somente empresas podem contratar leasing, o particular precisa de bens
apenas para o uso, e este uso dele não traz renda.
4. SITUAÇÃO ATUAL DO LEASING
Com os olhos sobressaltados
diante de possibilidades de lucro, que conforme demonstrarei, são praticamente
infinitas, as instituições arrendadoras têm utilizado do contrato de leasing de
forma cada vez mais alastrada, tendo conseguido estender seus tentáculos até os
particulares (pessoas físicas), e quem sabe o que mais está por vir.
Para vocês leitores desta
revista, não é novidade que apesar de a constituição vedar juros reais maiores
do que 12% ao ano, o mercado financeiro (no qual se incluem as arrendadoras)
chega a cobrar isto por mês, com a inflação mensal atual flutuando em 1%. Além
disso, prevêem em seus contratos várias formas outras de “correção” das
parcelas mensais, inclusive com cumulação de índices.
Com o inadimplemento
praticamente certo, nestas circunstâncias, não poderiam deixar de prever multas
astronômicas, garantias de legalidade duvidosa e toda sorte de outros ônus.
Há que se esclarecer ainda, que
o leasing oferece ainda mais dois atrativos para estas instituições: a) não
incide o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre o contrato de leasing,
b) o bem objeto do contrato pode ser reavido através de medida de reintegração
de posse em caso de inadimplemento, deixando o bem quase que imediatamente
disponível para uma nova vítima contratual.
Com vistas a tudo isto e a muito
mais que ainda escapa ao conhecimento deste que vos escreve, buscaram as
arrendadoras abrir cada vez mais as possibilidades de firmar tal contrato.
Com isto, começaram a contratar
leasing com quem queria, de pronto, comprar o bem. Chegam a anunciar a “venda
do bem através de leasing” ! Uma impropriedade, no mínimo. Se o indivíduo quer,
desde já comprar um bem, então a figura contratual a ser utilizada não é o
arrendamento mercantil.
O problema é que as vítimas não
sabem disso, que podem comprar melhor fazendo reserva de domínio para o
vendedor, com cláusula de alienação em garantia, e acabam se submetendo a
contratos de leasing sem saber, na maioria das vezes, seus efeitos, acreditando
mesmo estarem financiando seus bens.
Neste caso, o que ocorre é uma
simulação, eis que a falsa arrendadora está mascarando o financiamento e a
compra-e-venda utilizando-se de leasing, evitando assim algumas incidências
tributárias e munindo-se de garantias outras a que teria direito.
Tanto isto é verdade que
simplesmente deixaram de existir (de fato) duas das opções que devem existir no
leasing. Não deixaram de ser incluídas no contrato (aquele simulado), mas seu
exercício é praticamente impossível tamanho o prejuízo que adviria ao
arrendatário.
Veremos então, a seguir, como
estas opções se comportam com o uso generalizado atual do leasing:
4.1 A devolução do bem: por
razões das mais diversas o até então arrendatário resolve devolver o bem. Na
atual situação econômica e uso do contrato de maneira errônea, geralmente
quando se opta por devolver o bem é porque não mais tem condições financeiras o
arrendante de permanecer locando o bem.
As parcelas que vinham sendo
pagas pelo arrendatário eram verdadeiros aluguéis. Considerando que a
instituição financeira não terá de devolvê-los, e, ainda terá o bem objeto do
arrendamento de volta, podendo fazer o que bem entender dele, o valor desses
aluguéis não pode ser tão alto a ponto de se ter pago mais do que vale naquele
momento o bem, seria um contra-senso, uma imoralidade.
Esta, porém é a opção, na
verdade é bastante conveniente para a arrendadora que cobra aluguel alto, eis
que já recebeu mais do que se vendesse o bem naquele momento e ainda pode
vendê-lo novamente, ou seja, receber mais que o dobro do que vale o bem.
Ou melhor ainda, pode arrendá-lo
novamente, com um pouco de sorte aliada às taxas extorsivas, o novo arrendador
não terá condições de pagar novamente e terá a instituição recebido pela
segunda vez mais do que o bem vale e ainda o poderá vender, ou quem sabe,
arrendar de novo numa cadeia sem fim.
Com a percepção de que não pode
perder tamanho investimento, geralmente não é esta a opção desejada pelo
arrendatário.
Esclareça-se ainda que, segundo
a lei, cabe demanda por perdas e danos decorrentes da deterioração do bem objeto
contra o arrendante.
Na prática, o leitor adquire um
veículo de R$ 12.000,00, dentro de algum tempo já pagou R$ 15.000,00 para a
instituição financeira. Não tendo mais como pagar, devolve o bem, não recebe
nada, ainda pagará alguns milhares de reais a título de perdas e danos pela
deterioração e desvalorização do bem. Enquanto isto, a instituição financeira
arrenda novamente este bem que agora vale R$ 8.000,00, e poderá receber
novamente mais uns R$ 13.000,00, ao final do contrato, de uma nova “vítima”.
4.2. A renovação da locação: ter
um leasing renovado é, na maioria dos casos atuais, um péssimo negócio, pois,
não raras vezes, ao pagar menos da metade do contrato, já se pagou mais do que
vale o bem arrendado, e alugá-lo novamente eqüivale a pagar de novo mais do que
ele vale com o risco de não vir a ser proprietário dele se não conseguir
pagá-lo novamente.
Note o leitor que trabalha-se
muito com a hipótese de não se ter condições de continuar pagando pois é a
possibilidade mais concreta atualmente, devido às altas taxas, correções,
multas e acréscimos utilizados pelas instituições de leasing e a própria
situação da economia.
Das duas hipóteses tratadas,
tira-se a conclusão de que o aluguel pago não pode suplantar o valor do bem
arrendado, pois, implicitamente estar-se-ía tornando inviável
(impossibilitando) as opções por devolver e por renovar a locação. E, segundo a
lei, para ser um leasing, dever ter o arrendatário estas três opções.
4.3 A compra do bem,
terminada a locação. Exercendo esta opção o arrendatário passa a ser
adquirente e o contrato de leasing deixa de existir, dando lugar a uma
compra-e-venda.
Considerando que tudo o que se
pagou antes de se optar pela compra é aluguel, e que o valor não deve atingir o
valor do bem, como antes se argumentou, existirá um valor com o qual se
completa a aquisição do bem. Este valor chama-se “valor residual”. É a
diferença de valores que paga quem vai ficar com o bem, daquele que locou e
devolveu o bem.
A lei prevê que este valor será
pago no final da locação, pois aquele é o momento para se exercer a opção de
compra.
Pagando antes do término da
locação o valor residual, o arrendatário exerce antecipadamente a opção de
compra que deixa de existir, dando lugar à uma compra-e-venda, deixando de
existir o leasing.
Devido ao considerável
(considerável é diferente de exorbitante) valor residual que se espera de um
leasing, este resíduo geralmente é pago em parcelas. Considerando ainda que não
há mais uma opção de compra, este parcelamento é um financiamento, que é
acessório à compra-e-venda que já é perfeita e acabada.
Neste momento, serão pagos os
impostos relativos àquela circulação de bens, e o bem arrendado será integrado
no patrimônio do adquirente.
Na prática ocorre diferente,
algumas instituições cobram junto com a locação, o valor residual. Agindo desta
maneira dissimulam a compra-e-venda financiada, o que afeta a incidência
tributária e os municia de remédios jurídicos e da estrutura de um contrato de
leasing.
Há ainda aquelas instituições
que afirmam que aquele contrato de leasing não tem valor residual ! Salta aos
olhos que, se não se paga resíduo, o tempo todo se paga aluguel. E quem é que
vai poder optar por devolver o bem findo o contrato, ou renovar o arrendamento,
se sem pagar mais um tostão pode ficar com o bem ? Novamente se tiram duas das
opções de existência obrigatória no leasing.
Desejando esconder tal
obviedade, passou-se a adjetivar o valor residual de “garantido”, sustentando
que tal montante seria devido para o caso de o arrendatário devolver o bem, o
que faria com que a instituição “sofresse” com a deterioração e desvalorização
do mesmo. Da maneira como utilizam o leasing isto é impossível ocorrer pois:
Por antecipação, o arrendatário
já optou por ficar com o bem, pois está pagando o valor residual, desta forma,
a instituição não arcará com a desvalorização e com a deterioração.
Como já foi dito anteriormente,
geralmente o que se paga a título de locação é mais do que vale o bem, e
portanto, recebendo o bem, e parcelas que somadas suplantam seu valor, qualquer
dano ou desvalorização já estariam compostos.
Se realmente o valor residual
fosse para “garantir” a deterioração e a desvalorização que “eventualmente” a
instituição sofreria, findo o contrato, e feita a opção de compra, o “valor
residual garantido” deveria ser devolvido ao arrendante. Tendo esta finalidade,
o valor residual não seria a diferença pela opção de compra, ficando-se,
portanto, sem previsão legal de como exercer a opção de compra.
CONCLUSÕES
Com todo este circo armado, as
arrendadoras, a pouco tempo em maior número, financiavam ( através de leasing !
), por exemplo, um veículo que, zero quilômetro, valia R$ 12.000,00,
emprestando na verdade R$ 18.000,00. Pagava-se o valor residual juntamente com
as vinte e quatro parcelas do arrendamento. Com o pagamento da décima segunda
prestação, com todos seus acréscimos, a arrendadora já tinha embolsado R$
22.000,00 e ainda acenava com uma saldo devedor de R$ 26.000,00. Enquanto isto,
o veículo do inadimplente, que então valia R$ 8.000,00, é apreendido e
devolvido à arrendadora, que sem demora o arrendava a outro, recebendo outras
tantas vezes o valor dele e ainda com a esperança de cobrar daquele primeiro
desgraçado as perdas e danos decorrentes do desvalorização e deterioração.
Somente será possível moralizar
esta situação vedando a prática de usura pelas instituições financeiras (o que
hoje é permitido, desde que não se chame de usura), senão sempre aparecerá
outro contrato para ser imposto àqueles que precisam de incentivos financeiros
para crescer.
A última novidade, é o leasing
de parcelas fixas (algumas fixas com variação cambial [sic] ), onde afirmam os
arrendadores que aquele é um leasing que não é aluguel, que não tem valor
residual garantido. Tudo isto somado àquela isenção de IOF. Tenta-se
demonstrar, em princípio, que é uma das formas mais baratas de “comprar” um
veículo (ou outro bem) atualmente. Tamanha é a excrescência jurídica que
comparável a isso somente se o leitor comprasse um apartamento e em cima do
contrato viesse escrito “LOCAÇÃO”, aplicando-se à sua aquisição a lei de
locações e não as disposições acerca de compra-e-venda.
Por derradeiro, fechem os
ouvidos para os argumentos de que “contrata quem quer”, “está-se ajudando os
caloteiros”. Ou a nação toda virou vigarista ou apelos como “R$ 1,00 de
entrada” (isto mesmo um real) para sair da loja com seu veículo zero quilômetro
e com um contrato de leasing apontado como uma arma para sua cabeça, equivalem
a praticamente obrigar aqueles de consumo reprimido (a grande maioria) a
sujeitarem-se a tais contratos sem conhecer seus efeitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ROSA, Pedro Valls Feu.
Leasing no Direito Brasileiro. In.: Revista Jurídica CONSULEX. Editora
Consulex: Brasília, 30 de abril de 1.997, ano I, nº 4, p.47-52.
BIBLIOGRAFIA
1. DELGADO, José Augusto.
Leasing – Doutrina e Jurisprudência. Juruá: Curitiba, 1.997.
2. ZENI, Fernando César e DIAS
Caroline Said. O Contrato de Leasing e a discussão judicial de abusividade de
juros. In.: Síntese Jornal. Editora Síntese: Porto Alegre, abril de 98, p.6.
3. GAZENTA MERCANTIL. Juíza
limita taxa de juros no leasing. SS: , edição de 31 de julho de 1.997, p. A-12.
4. FORTUNA, Eduardo. Mercado
Financeiro: Produtos e Serviços. Sub. Operações de Leasing. Qualitymark: Rio de
Janeiro, 10ª ed. p. 164-175.
* Bacharel em
Direito pela Universidade Regional de Blumenau, em 11.02.2000, Assessor no
Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Trabalho apresentado no III Concurso de Trabalhos Artigos Jurídicos
do
Diretório Acadêmico Clóvis Beviláqüa,
em maio de 1998. Publicado na Revista Jurídica dos Acadêmicos
de Direito Da
Universidade Regional de Bluemau, n. 3, de 1998.
HAPPKE, André Alexandre. Leasing ou não Leasing ? - Descaracterização de contratos de leasing em que se cobra o VRG (Valor Residual Garantido) antecipadamente. Disponível em: < http://www.tj.sc.gov.br/cejur/doutrina/leasingleasing.htm>. Acesso em: 10 nov 2006.