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Juros no contrato de Leasing
- Da existência e localização dos juros nos contratos de leasing.
André Alexandre Happke*
TERMOS-CHAVE
Arrendamento mercantil – leasing – juros – existência/inexistência
RESUMO INTRODUTÓRIO
O leasing erigiu-se a uma das mais utilizadas figuras contratuais da
atualidade, no seu campo de atuação. É verdade que seu uso já esteve até mesmo
mais difundido, notando-se um certo retraimento nos últimos tempos, talvez em
virtude das novas interpretações do instituto feitas pelos tribunais.
Tendo sido importado do direito americano sem maiores cuidados quanto à
compatibilidade com os tradicionais e novéis princípios latinos que norteiam o
ordenamento jurídico pátrio, tornou-se também uma das mais controvertidas
formas contratuais.
Inúmeras são as questões que lhe cercam, algumas já com solução
relativamente definida na doutrina, na jurisprudência, outras cada vez mais
conturbadas.
Prendem-se estas linhas à discussão da existência ou inexistência da
cobrança de juros no contrato de leasing, matéria muitas vezes alegada pelos
procuradores das instituições financeiras.
LEASING – O CONCEITO
O Ministro Cláudio Santos, do Superior Tribunal de Justiça, em seu
artigo " LEASING - QUESTÕES CONTROVERTIDAS" RJ Síntese - nº 223 -
MAI/96, p. 5), traçou o seguinte conceito :
"Basicamente, no contrato de leasing, alguém titular da propriedade
plena de uma coisa, móvel ou imóvel, cede a outrem, pessoa jurídica ou natural,
o uso do bem, mediante a transferência de sua posse direta, que assim poderá
utilizar-se dele ou explorá-lo economicamente, sendo assegurado ao final do
prazo do contrato a simples devolução da coisa, a renovação do contrato ou a
sua aquisição pelo preço residual avençado, tudo contra o pagamento periódico
ou simplesmente mensal de valor fixado no contrato."
Na Revista Jurídica dos Acadêmicos de Direito da Universidade Regional de
Blumenau, nº 3 (primeiro semestre de 1998), para a qual tivemos a oportunidade
de contribuir, defendemos que as financeiras que se utilizam da figura
contratual leasing o fazem de maneira incorreta e abusiva - opinião que
mantemos ainda. A par da discussão que envolverá este trabalho,
fundamentamo-nos no fato de não colocarem realmente à disposição do
pseudo-arrendatário as três opções que caracterizam o leasing antes referidas.
LEASING – A DISCUSSÃO INSTALADA
Na esteira da honrosa minoria (mas de evolução constante) que defende a
vigência plena do § 3o do art. 192 da Constituição Federal, que garante que os
juros reais cobrados não podem ser superiores a 12% ao ano, muitos consumidores
insurgem-se contra a abusividade dos juros cobrados nos contratos de leasing
que firmam.
Como já sustentamos no artigo anterior, a maioria daqueles contratos não
são em verdade leasings, mas sim, compra-e-venda financiada dissimulada, com o
intuito de utilização abusiva das proteções contratuais conferidas aos
verdadeiros contratos de arrendamento mercantil.
Porém, considerando-se estar diante de um verdadeiro contrato de leasing
pergunta-se: são cobrados juros ? As empresas de arrendamento mercantil têm insistido
que não. Que em tal operação não há cobrança de juros.
LEASING – O PROBLEMA
Inicialmente, necessário conceituar juro: é a remuneração do capital, o
aluguel do dinheiro. Para Iêdo Batista Neves é o "prêmio de dinheiro
emprestado" (In: Vocabulário Prático de Tecnologia Jurídica e Brocardos
Latinos, ed. Fase).
Será possível crer que uma entidade financeira, como é a empresa de
arrendamento mercantil, trabalhe sem almejar cobrar pelo capital emprestado,
cobrar juro, lucrar ? Não.
Pode pensar então o leitor que a resposta à questão está dada, mas não
está. O leasing remunera o capital de quem empresta, e a remuneração do capital
é o juro, mas onde está este juro ?
Para o eminente Athos Gusmão Carneiro (In: Leasing: O contrato de
leasing financeiro e as ações revisionais, publicada na RJ no 237, p. 5) é
essencial ao leasing financeiro que "os valores das contraprestações, mais
o valor residual, necessariamente incluam, como de fato incluem: a) o custo do
dinheiro ... b) o spread, porquanto a empresa de leasing necessita cobrir seus
encargos operacionais e precisa, naturalmente, auferir lucro na operação",
concorda, pois que é cobrado juro e o localiza no local correto, no chamado
spread.
Invocam então os competentes procuradores das companhias financeiras que
quando alguém faz o leasing deles, adquirindo uma máquina de R$ 100.000,00 e
paga vinte e quatro parcelas de R$ 7.500,00 - considerando parcela realmente
fixa – ao final terá pago R$ 180.000,00.
Em uma operação normal de financiamento, os juros reais aplicados seriam
facilmente identificáveis deflacionando-se o capital. Ou seja, daqueles R$
80.000,00 a mais, o que não é correção monetária, inflação, é juro.
(Curiosamente é isto – juro real - que o STF diz que precisa ser regulamentado
quando deixa de aplicar o art. 192 §3o da Constituição)
Em um leasing, no entanto, o que as empresas financeiras afirmam que se
está pagando é o aluguel mensal e um valor residual, não há juro, portanto –
concluem alguns.
Como demonstrado no início, há sim o juro. No verdadeiro leasing ele
está compreendido na estimativa dos aluguéis ou quem sabe no valor residual
"garantido", este último a quem as arrendadoras atribuem tantas
finalidades.
Ocorre então que é impossível verificar o consumidor quanto é afinal que
está sendo cobrado de juro (em quanto a arrendadora está remunerando seu
capital), o que prejudica o controle sobre a abusividade de sua cobrança e
inclusive fere o Código do Consumidor, quando este afirma que as ofertas de
serviços, como este de leasing, têm de trazer informações "corretas,
claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características,
qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e
origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e
segurança dos consumidores." (art. 31 da Lei 8.078/90)
Ora, se o consumidor não sabe de quanto é o juro da operação que está
contratando, está faltando clareza e precisão nas cláusulas do negócio.
Tamanha é a confusão criada pelos entes financeiros que quando for então
mesmo eficaz um limite de cobrança de juros, poderão dele fugir pois para
averiguar qual é o juro mesmo cobrado nesta operação, tirando da diferença
entre a dívida final a correção monetária e inflação, para saber o que é custo
(do dinheiro e operacional) e o que é juro será necessária uma perícia – o que
é incompatível com um contrato que se presta a relações de consumo.
LEASING – O VERDADEIRO JURO
Numa operação de leasing, portanto, o juro não é fácil de quantificar,
mas pelo menos já se sabe onde ele está.
O problema é quando se considera – como consideramos – que para a
maioria dos contratos que circulam no mercado, a palavra leasing ou
arrendamento mercantil é apenas um adorno no contrato (partindo-se da boa-fé) e
não guarda relação com a verdadeira natureza daquela relação jurídica.
Para esclarecer os que pensam que a discussão está superada, no dia
5/4/99, precisamente às 12h 22min, nas Notícias do Superior Tribunal de Justiça
(http://www.stj.gov.br) veiculou-se que a Quarta Turma daquele pretório, no
julgamento do REsp 178.272, onde foi relator o eminente Ministro Ruy Rosado de
Aguiar e restou decidido que a cobrança antecipada do valor residual dito
"garantido" descaracteriza o leasing.
Oportunamente, verifica-se naquela mesma notícia que os Ministros
entenderam que quando se paga o valor residual juntamente com as parcelas de
arrendamento causam prejuízo "na medida em que tal parcela serve para
compor o valor da prestação mensal, sobre a qual incidirão juros e outros
acréscimos". (cit.)
Portanto, no momento em que se considera que tal contrato não é
realmente um arrendamento mercantil, tem-se aquela hipótese da operação normal
de financiamento antes referida e então discute-se sobre a abusividade dos
juros cobrados, coloca-se em questão, principalmente, a excessiva onerosidade
impingida ao consumidor. Onerosidade esta decorrente da aplicação de
"regalias" do contrato de leasing em favor das arrendadoras e em
prejuízo dos consumidores.
Por fim, nunca é demais sustentar que a relação entre as arrendadoras e
os arrendatários (ou pseudo-arrendatários) é de consumo sem dúvida. Entre
outros motivos, afinal, porque quem está fornecendo o bem em arrendamento, é a
arrendadora. Isto é um serviço e bem tipificado no artigo 3o, §2o do CDC.
LEASING – A CONCLUSÃO
Nesse contexto, conclui-se que existem sim juros no contrato de leasing,
e que a noção de seu quantum, da maneira como vem sendo utilizada a figura
atualmente, não é passível de claro conhecimento e entendimento pelos
consumidores, de sorte que mostra-se figura contratual, no mínimo, inadequada
ao uso no ordenamento pátrio atual.
Necessário, para que seu emprego não constitua abuso, a clara e correta
informação do consumidor, demonstrando-se a formação do preço do contrato, com
especificação do principal, custos e despesas operacionais, margem de lucro e
previsão de correção monetária (quando for o caso).
*Bacharel em Direito pela Universidade Regional
de Blumenau, em 11/2/200. Aluno da Escola Superior da Magistratura do Estado de
Santa Catarina
Assessor no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Em Blumenau (SC), maio de
1999; atualizado em novembro de 2000, Florianópolis (SC).
HAPPKE, André Alexandre. Juros no contrato de Leasing - Da existência e localização dos juros nos contratos de leasing. Disponível em: < http://www.tj.sc.gov.br/cejur/doutrina/leasingjuros.htm>. Acesso em: 11 nov 2006.