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O RESTABELECIMENTO DO ALIENANTE APÓS A TRANSFERÊNCIA
                                   DO ESTABELECIMENTO
 
                                    Luiz Alberto Gurgel de Faria

 Juiz Federal, Professor da Escola da
 Magistratura/RN e Professor da UFRN

 

 SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ESTABELECIMENTO
 COMERCIAL. 2.1. Conceito. 2.2. Natureza jurídica. 2.3.
 Aviamento. 2.4. Clientela. 3. O RESTABELECIMENTO
 DO ALIENANTE APÓS O TRESPASSE DO
 COMÉRCIO. 3.1. A alienação do fundo de comércio da
 Fábrica de Juta de Santana. 3.2. A tese de Rui Barbosa. 3.3.
 A Doutrina de Carvalho de Mendonça. 3.4. A Teoria
 atualmente aceita. 3.5. O restabelecimento do alienante e a
 responsabilidade tributária. 3.6. Jurisprudência. 4.
 CONCLUSÃO. 5. BIBLIOGRAFIA.

 

    1.INTRODUÇÃO

 Nos últimos tempos, o mundo vem atravessando um processo
 que se resolveu denominar "globalização", com importantes
 conseqüências para a economia dos países.

 Um dos seus principais efeitos foi a formação de grandes
 blocos econômicos, em face da associação das nações,
 objetivando a derrubada das barreiras alfandegárias e a
 criação de uma área comum de livre comércio, como já se
 observa na Europa e nos países signatários do Nafta e do
 Mercosul.

 Outro resultado desse fenômeno foi uma onda de fusões,
 incorporações e vendas de empresas e de estabelecimentos
 comerciais, principalmente nos casos das firmas que chegam
 para se instalar em outros países, normalmente optando por
 ingressar no novo mercado através de empreendimentos já
 estabelecidos.

 Assim, o momento é propício para se reestudar a questão do
 restabelecimento do alienante após a transferência do fundo
 de comércio. Pode haver o retorno ao exercício da mesma
 atividade em um curto espaço de tempo?

 As respostas a esta e a outras indagações constituem, pois, a
 finalidade do presente trabalho.

 Há de se registrar que, não obstante dirigido de forma mais
 específica à análise da interdição da concorrência, o ensaio
 tem início com algumas noções básicas acerca do tema central
 do qual deriva - estabelecimento comercial -, de forma a
 facilitar a sua compreensão, destacando-se, ainda, institutos
 por vezes suscitados junto à questão do restabelecimento - o
 aviamento e a clientela -, o que justifica a explanação, ainda
 que célere.

    2.ESTABELECIMENTO COMERCIAL

    1.Conceito

 Não se pode começar a desenvolver um tema sem traçar os
 seus contornos, daí porque a preocupação inicial em elucidar
 a definição de estabelecimento comercial, também conhecido
 pelas expressões fundo de comércio, utilizada pelos franceses
 (fonds de commerce) ou azienda, esta última em face da
 influência do direito italiano no estudo do instituto.

 Analisando a posição dos doutrinadores acerca da matéria,
 observa-se que a mesma não comporta maiores
 controvérsias.

 Para o Professor Alfredo de Assis Gonçalves Neto
 (Estabelecimento Comercial, divulgado no Curso de
 Mestrado em Direito ministrado na UFRN, Natal/RN,
 março/98), "o estabelecimento comercial é, assim, o conjunto
 de bens (elementos) de que se utiliza o empresário para o
 exercício de sua atividade ou, mais precisamente, o complexo
 de bens utilizados pelo empresário como instrumento de sua
 atividade empresarial; é, em resumo, sua ferramenta de
 trabalho".

 Já Rubens Requião (Curso de Direito Comercial, 1º volume,
 21ª edição, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 203/4), assim
 leciona: "O fundo de comércio ou estabelecimento comercial é
 o instrumento da atividade do empresário. Com ele o
 empresário comercial aparelha-se para exercer sua atividade.
 Forma o fundo de comércio a base física da empresa,
 constituindo um instrumento da atividade empresarial. O
 Código italiano o define como o complexo dos bens
 organizados pelo empresário, para o exercício da empresa".

 Em sua obra Teoria do Estabelecimento Comercial (2ª
 edição, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 75), o Mestre Oscar
 Barreto Filho lança a seguinte definição: "complexo de bens,
 materiais e imateriais, que constituem o instrumento utilizado
 pelo comerciante para a exploração de determinada atividade
 mercantil."

 Em resumo, o estabelecimento comercial constitui o conjunto
 de bens empregados pelo empresário no exercício de sua
 atividade.

    2.Natureza jurídica

 Embora a questão tenha suscitado polêmicas, com o
 surgimento de várias teorias, hoje em dia já se encontra
 pacificada, no sentido de que o estabelecimento comercial
 deve ser compreendido como uma universalidade de fato, ou
 seja, um conjunto de bens reunidos pela vontade de seu
 proprietário, para a consecução de um objetivo.

 Não se pode, pois, confundir a azienda com uma universitas
 juris, como alguns já defenderam, tendo em vista que esta
 apenas se constitui, no direito brasileiro, por força de lei,
 como acontece com a herança, a massa falida etc.

 No estabelecimento comercial falta essa característica do
 surgimento por determinação legal, motivo pelo qual ele se
 insere no âmbito das universitas facti, assim como ocorre
 com o rebanho, a biblioteca, dentre outros, cujas unidades
 são reunidas pela vontade de seu proprietário, formando um
 todo, de modo a alcançar uma finalidade predefinida.

    3.Aviamento

 Diferentemente do que acontece com relação aos dois tópicos
 anteriormente expostos, o aviamento ainda vem levantando
 certos questionamentos.

 Fran Martins (Curso de Direito Comercial, 8ª edição, Rio de
 Janeiro, Forense, 1981, p. 513) o qualifica como um bem
 imaterial: "Também constitui elemento do fundo de comércio a
 propriedade imaterial, que se caracteriza pelo que se
 costumou chamar de aviamento e pela freguesia, elemento do
 aviamento que, pela sua importância na marcha dos negócios
 do comerciante, tem papel preponderante nos mesmos".

 Inobstante, como adverte Alfredo de Assis Gonçalves Neto
 (ob. cit.), a maioria dos doutrinadores repudia a tese de ser o
 aviamento um bem imaterial, pois nenhum texto legal daria
 apoio a essa concepção. No mesmo sentido, Oscar Barreto
 Filho (ob. cit., p. 171) afirma que seria "mera abstração falar
 do aviamento como coisa ou elemento existente por si
 próprio, independente do estabelecimento. O aviamento existe
 no estabelecimento, como a beleza, a saúde ou a honradez
 existem na pessoa humana, a velocidade no automóvel, a
 fertilidade no solo, constituindo qualidades incindíveis dos
 entes a que se referem. O aviamento não existe como
 elemento separado do estabelecimento, e, portanto, não pode
 constituir em si e por si objeto autônomo de direitos,
 suscetível de ser alienado, ou dado em garantia" (Grifos
 originais).

 Assim, afastada a idéia de ser o aviamento um bem imaterial,
 nem tampouco uma entidade independente do
 estabelecimento, há de se concebê-lo como uma qualidade ou
 atributo do estabelecimento, definindo-o, com apoio nos
 escólios dos mestres paranaense e paulista supracitados,
 como "o resultado de um conjunto de variados fatores
 pessoais, materiais e imateriais, que conferem a dado
 estabelecimento in concreto a aptidão de produzir lucros"
 (Oscar Barreto Filho, ob. cit., p. 169).

 Dessa forma, em face do aviamento, o estabelecimento
 comercial tem um valor próprio, que varia de acordo com a
 qualidade e a harmonia dos fatores mencionados, sendo
 superior à somatória de todos os bens que integram o fundo
 de comércio.

    4.Clientela

 O estudo da clientela muito se assemelha ao do aviamento,
 pois em ambos os institutos encontramos características
 semelhantes e controvérsias acerca de suas reais conotações.

 Há quem defenda a posição de que a clientela se confunde
 com o próprio fundo de comércio, como Rubens Requião
 (ob. cit., p. 205): "O direito sobre o fundo de comércio é,
 como todas as propriedades incorpóreas, um direito à
 clientela, que é assegurado por certos elementos de
 exploração. A clientela não é, como se diz, um elemento
 do fundo, é o próprio fundo. Essa clientela pode ser
 conquistada ou retida por elementos diversos: a situação do
 local, o nome comercial ou a insígnia, a qualidade do material
 ou das mercadorias. Eis porque seguidamente é um ou outro
 desses elementos que é o elemento do fundo". (Grifei).

 Na verdade, assim como o aviamento, a clientela não constitui
 um elemento do fundo de comércio, mas sim um atributo ou
 qualidade desse, podendo ser compreendida como um
 conjunto de pessoas que, eventualmente ou com
 habitualidade, realiza negócios no estabelecimento.

 Com propriedade, assevera Alfredo de Assis Gonçalves Neto
 (ob. cit.): "É certo que a clientela, sob o ponto de vista
 econômico, representa um valor que, em certos casos, pode
 ser até superior ao do resultante da somatória dos bens do
 estabelecimento. Mas, assim como ocorre no aviamento, esse
 valor não existe sozinho, senão agregado ao próprio
 estabelecimento. Esse paralelo da clientela com o aviamento
 fez com que surgissem opiniões identificando-os. Todavia,
 embora ambos possam ser considerados como qualidades ou
 atributos do estabelecimento, não há como confundi-los. O
 aviamento advém de vários fatores, dentre eles o movimento
 dos negócios causado pelas pessoas que acorrem ao
 estabelecimento. Do mesmo modo, a clientela surge pela
 combinação de fatores semelhantes, podendo ser um deles o
 aviamento. Assim, ora prepondera um, ora outro: a clientela
 pode ser resultado do aviamento, da mesma forma que o
 aviamento pode resultar da clientela... não é possível falar
 em tutela jurídica do aviamento ou da clientela; eles são
 protegidos não em si mesmos, mas através das normas
 que incidem sobre o estabelecimento - isto é, sobre o
 bem que, em expressão proposital, enaltecem ou
 qualificam". (Grifei).

    3.O RESTABELECIMENTO DO ALIENANTE
      APÓS O TRESPASSE DO FUNDO DE
      COMÉRCIO

 3.1. A alienação do fundo de comércio da Fábrica de Juta
 de Santana

 O tema pertinente ao restabelecimento do alienante de um
 fundo de comércio ganhou relevo a partir de uma questão
 judicial envolvendo a Companhia Nacional de Tecidos de
 Juta, de um lado, como autora, e, do outro, o Conde Álvares
 Penteado e a Companhia Paulista de Aniagem, aforada em
 São Paulo, no ano de 1913.

 Os advogados das partes, por si sós, já garantiam a
 excelência dos debates, pois a ação foi patrocinada por José
 Xavier Carvalho de Mendonça, sendo que Rui Barbosa
 assumiu a defesa dos réus junto ao Pretório Excelso.

 À época, o Conde Álvares Penteado havia constituído a
 Companhia Nacional de Tecidos de Juta, proprietária da
 Fábrica de Juta Santana, transferindo, em seguida, o fundo de
 comércio. Cerca de um ano depois, o Conde fundou nova
 fábrica no mesmo bairro em que funcionava a anterior. Assim,
 sob o argumento de que a venda do estabelecimento
 comercial importava em considerar implícita a transferência da
 clientela, a ação foi promovida requerendo a condenação em
 indenização.

 A defesa concentrou-se na tese de que a renúncia ao direito
 ao exercício de certo ramo de negócio teria que ser expressa,
 o que não ocorrera, restando vencedora, em sede de
 embargos, no Supremo Tribunal Federal.

 As teses defendidas pelos notáveis causídicos, pelas suas
 importâncias, merecem, ainda que de forma sintética, ser
 elucidadas em tópicos destacados.

    2.A tese de Rui Barbosa

 As lições de Rui Barbosa acerca da matéria se encontram
 esboçadas no memorial que apresentou na Corte Suprema,
 intitulado As cessões de Clientela e a Interdição de
 Concorrência nas Alienações de Estabelecimentos
 Comerciais e Industriais, publicado na coleção "Obras
 Completas de Rui Barbosa", Vol. XL, Tomo I, Rio de
 Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1948.

 Dentre os vários argumentos que formaram a doutrina
 defendida, constata-se que o principal deles se concentra no
 fato de que a vedação ao restabelecimento do alienante é
 conseqüência da cláusula expressa da cessão de clientela, de
 maneira que, inexistindo tal convenção, permite-se o retorno
 ao mesmo ramo do negócio. Do extenso e minucioso texto
 acerca do assunto, pode-se extrair a seguinte passagem, que
 bem revela tal ilação: "124. Discutindo, na parte antecedente
 destas razões, a jurisprudência indicada como favorável à
 teoria que combatemos, deixamos evidenciado que a
 interdição, ao cedente, de se reestabelecer, nas
 alienações de casas de comércio, não se verifica, onde
 não existir cessão da clientela. Outrossim, pari passu,
 mostramos que a cessão da clientela, expressão habitual
 da renúncia ao direito de se reestabelecer o cedente num
 comércio igual ao cedido, não emana ipso jure da natureza
 destas cessões, pela regra da obrigação geral da garantia na
 compra e venda, mas de uma convenção especial entre o
 negociante, que aliena o seu negócio, e o que o adquire."
 (p. 135 - grifei).

 Com base em tais considerações, verifica-se que o grande
 mestre considerava o fundo de comércio e a clientela como
 coisas distintas, que podiam, pois, cindir-se, conforme
 ressaltou: "125. Se a clientela fôsse parte inseparável do fonds
 de commerce, claro está que da cessão da casa de comércio
 resultaria, necessàriamente, a da clientela. Esta seria, então,
 cláusula inerente e subentendida nesses contratos... Acontece,
 porém, que a clientela não constitui parte inseparável da
 exploração comercial". (p. 136).

    3.A Doutrina de Carvalho de Mendonça

 A corrente capitaneada por Carvalho de Mendonça é
 formulada no sentido de que o alienante tem a obrigação legal
 de fazer boa ao adquirente a coisa vendida, o que acarreta a
 proibição de se restabelecer no mesmo ramo.

 Tal posição se encontra demonstrada em sua obra Tratado de
 Direito Commercial Brasileiro, Volume VI, Livro IV, 2ª
 edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1934, p. 157/8: "Uma
 das garantias devidas pelo vendedor é fazer boa ao
 comprador a cousa vendida, e não inquietá-lo na sua posse e
 domínio (Cod. Commercial, arts. 214 e 215).
 Conseguintemente, ao vendedor não é lícito, sem
 autorização do comprador, fundar estabelecimento em
 que lhe possa retirar toda ou parte da clientela. Esta
 turbação por parte do vendedor importaria privar o
 comprador, no todo ou em parte, da cousa vendida." (Grifei).

    4.A Teoria atualmente aceita

 No ordenamento jurídico brasileiro, não há norma expressa e
 específica disciplinando o restabelecimento do alienante após
 a transferência do fundo de comércio, razão pela qual a
 matéria ficou completamente entregue ao estudo dos
 doutrinadores e à construção jurisprudencial.

 Apesar da conotação que a ação envolvendo a venda do
 fundo de comércio da Companhia Nacional de Tecidos de
 Juta teve para o tema, no longínquo ano de 1913, com a
 vitória da tese defendida por Rui Barbosa, não se pode deixar
 de considerar que logo depois a corrente abraçada por
 Carvalho de Mendonça foi ganhando força nos Tribunais, de
 modo que, nos dias atuais, vem prevalecendo.

 A questão é mais simples quando há cláusula expressa
 tratando da interdição da concorrência. Na verdade, tal
 disposição é plenamente válida, não violando o princípio da
 liberdade do comércio, devendo, inobstante, ser analisado o
 período da interdição e a sua abrangência quanto ao local e
 ao ramo de atividade.

 Com efeito, os fatores acima elencados são por demais
 importantes para se apurar a regularidade da avença. In casu,
 o princípio da razoabilidade tem que ser corretamente
 aplicado, investigando-se se as restrições foram
 moderadamente impostas. A jurisprudência vem se
 posicionando na direção de fixar o lapso de cinco anos como
 tempo adequado para o não restabelecimento, bem como em
 que as demais limitações sejam compatíveis com a extensão
 dos lugares e do ramo em que havia a atuação do
 estabelecimento comercial.

 Ajustes em que tais parâmetros não sejam respeitados, de
 modo a impedir por completo a possibilidade do alienante
 voltar, um dia, a comerciar, podem, destarte, serem
 invalidados.

 Por sua vez, ainda quando não haja acordo explícito,
 igualmente há de se vedar o retorno do alienante ao mesmo
 tipo de negócio, nos locais em que havia a atuação do
 comerciante e durante um certo tempo - um quinquênio -,
 podendo o adquirente promover ações, nos casos de violação
 da regra, que visem à interdição do novo comércio e à
 indenização por perdas e danos, diante da perda da clientela e
 da redução do aviamento.

 O restabelecimento indireto, ou seja, aquele realizado através
 de pessoas interpostas ou ainda como sócio ou empregado de
 empresa concorrente também é proibido.

 As opiniões dos doutos confirmam a correção das
 considerações supra destacadas:

 Alfredo de Assis Gonçalves Neto (ob. cit.): "Todavia, mesmo
 na falta de estipulação expressa, deve-se entender que o
 vendedor, ao celebrar o negócio de venda do
 estabelecimento, assume a obrigação de não se restabelecer,
 salvo se a alienação foi para diverso ramo de atividade."

 Carlos Alberto Bittar (Teoria e Prática da Concorrência
 Desleal, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 64/5): "Em função do
 princípio da boa fé, a melhor doutrina tem assentado, no
 entanto, que a cláusula de cessão de clientela está implícita na
 alienação do estabelecimento, razão pela qual, com o
 trespasse, não pode o vendedor montar negócio que venha a
 absorver a antiga clientela."

 Fábio Ulhoa Coelho (Manual de Direito Comercial, 9ª
 edição, São Paulo, Saraiva, 1997, p. 51): "Finalmente,
 lembre-se de que a cláusula de não-restabelecimento é
 implícita em qualquer contrato de alienação de
 estabelecimento comercial. O alienante não poderá, na mesma
 praça, em lapso temporal breve, restabelecer-se em idêntico
 ramo de atividade comercial, salvo devida autorização do
 contrato."

 Raúl Aníbal Etchverry (Derecho Comercial y Económico -
 Parte General, Buenos Aires, Editorial Astrea de Alfredo y
 Ricardo Depalma, 1987, p. 539), Professor Titular de Direito
 Comercial da Universidade de Buenos Aires, após lançar
 críticas à legislação de seu país, conclui: "En efecto, la ley
 actual no incluye el pacto de no volver a establecerse, por
 parte del vendedor, haciendo competencia desleal com el
 nuevo titular del fondo. En tal sentido, deblen establecerse en
 el contrato cláusulas expresas, para que esta obligación, que
 debiera entenderse incluida - sea operativa". (Grifei).

 O magistério do Professor Oscar Barreto Filho (ob. cit., p.
 252) reflete, em poucas e precisas palavras, a posição
 atualmente acatada : "Para atingir esse objetivo normal e
 desejado pelas partes, entende-se que, implicitamente, o
 alienante se obriga a não abrir concorrência ao adquirente, em
 circunstâncias que ensejem o desvio da clientela do
 estabelecimento transferido. Não se argumente que a
 liberdade do exercício profissional obsta à interdição de
 concorrência, pois o exercício dos direitos individuais pode
 perfeitamente ser condicionado e admite as limitações
 impostas pela lei. A proibição absoluta de restabelecimento
 do alienante do fundo, sem quaisquer restrições, seria, à
 evidência, incompatível com a Constituição e, por
 conseguinte, nula... Cremos, portanto que o trespasse do
 estabelecimento comercial implica, virtualmente, para o
 alienante a proibição de se restabelecer com o mesmo
 gênero de negócio, em circunstâncias de tempo e de
 lugar que possibilitem o desvio da clientela do fundo
 objeto da alienação." (Grifei).

 Embora existam vozes abalizadas em contrário, como a do
 Professor Rubens Requião (ob. cit., p. 254), pugnando pela
 necessidade de cláusula expressa, o Direito Brasileiro vem,
 pois, trilhando o caminho do reconhecimento implícito do
 ajuste do não restabelecimento.

 O Projeto de lei do Código Civil, em tramitação no
 Congresso Nacional, prevê, em seu art. 1.337, que "salvo
 convenção expressa a respeito, o alienante do
 estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente
 durante o período dos cinco anos subseqüentes à
 transferência".

 Caso o novo Estatuto venha a ser aprovado com tal
 dispositivo, haverá não só o suprimento da omissão legislativa,
 o que ocorre há décadas, como também a matéria deixará de
 suscitar maiores controvérsias, passando a se adotar, sem
 maiores problemas, a solução atualmente mais aceita pela
 doutrina e jurisprudência.

    5.O restabelecimento do alienante e a
      responsabilidade tributária

 Em seu art. 133, o Código Tributário Nacional disciplina a
 situação da responsabilidade tributária no caso da alienação
 do estabelecimento comercial, prevendo, no inciso II, a
 possibilidade do alienante arcar com os tributos devidos até a
 data do trespasse, se continuar na exploração do ramo ou
 iniciar, no prazo de seis meses, nova atividade.

 Obviamente que tal preceito regula questão de ordem
 tributária, não tendo o condão de autorizar o
 restabelecimento, devendo ser compreendido em consonância
 com a tese acolhida no Direito Comercial, de modo que terá
 aplicação nas hipóteses daqueles que desrespeitarem a
 proibição de interdição, como também nos casos em que as
 partes expressamente convencionarem a possibilidade da
 concorrência.

 3.6. Jurisprudência

 Conforme já mencionado, a tese da impossibilidade do
 restabelecimento do alienante não logrou aceitação apenas na
 doutrina, mas também junto às Cortes de Justiça.

 Ainda na década do famoso caso da Companhia Nacional de
 Tecidos de Juta, foram proferidas decisões contrárias à
 corrente abraçada pelo Pretório Excelso, o que se multiplicou
 nos anos seguintes. Em fevereiro de 1929, a "Revista dos
 Tribunaes", publicação oficial dos trabalhos do Tribunal de
 Justiça de São Paulo, divulgou um aresto que bem revela a
 nova posição que se formava:
 "CONCORRENCIA DESLEAL - Venda de
 pharmacia - Reestabelecimento do vendedor
 - Perdas e damnos.

 Faz concorrencia desleal o pharmaceutico que,
 vendendo o seu estabelecimento em pequena
 cidade do interior, embora sem a obrigação ou o
 compromisso de se não estabelecer, adquire, não
 longe, novo estabelecimento, explorando o
 mesmo ramo de comercio." (RT 69/70). (Grifos
 originais).
 Os julgados em destaque bem demonstram a
 sedimentação do entendimento exposto:
 "CONCORRÊNCIA DESLEAL. CLÁUSULA DE NÃO
 CONCORRÊNCIA.

 - A cláusula de proibição, segundo a qual o
 alienante de estabelecimento comercial se obriga
 a não se estabelecer com o mesmo ramo de
 comércio, impede também que êle se associe a
 terceiro para exercer a antiga profissão no local.

 - A sociedade comercial, embora diversa, na sua
 constituição original da que adquiriu o
 estabelecimento comercial, pode demandar, de
 quem lhe vendeu o fundo de comércio, qualquer
 direito decorrente da cláusula proibitiva de
 estabelecimento com o mesmo ramo, porque a
 garantia é instituída em favor do negócio
 comercial, que não se alterou nos seus elementos
 constitutivos, a despeito de serem outros os
 sócios componentes da firma.

 - Não há transgressão ao princípio da liberdade de
 comércio na cláusula proibitiva de concorrência,
 restrita quanto ao espaço e ao objeto, não
 obstante a falta de limitação no tempo, pois essa
 falta não traduz prazo indefinido.

 - É desnecessária a cláusula expressa da
 não-concorrência, pois tal obrigação decorre
 do próprio dever que ao vendedor incumbe de
 não perturbar o uso e gôzo do
 estabelecimento comercial pelo comprador."
 (RT 151/280-1). (Grifei).

 "CONCORRENCIA DESLEAL - PEQUENA
 INDÚSTRIA.

 - Em regra, quem vende estabelecimento
 comercial não está proibido de instalar ou adquirir
 outro. Mas, se se trata de pequena indústria, há
 concorrência desleal se depois de alienar o
 estabelecimento, instale outro a pequena
 distância" (RT 157/190).

 "CONCORRÊNCIA DESLEAL - VENDA DE
 ESTABELECIMENTO COMERCIAL - ABERTURA DE
 NOVO NEGÓCIO - COMPROMISSO EXPRESSO DO
 VENDEDOR.

 - Ao vendedor não é lícito, sem autorização do
 comprador, fundar estabelecimento em que lhe
 fôsse retirar tôda ou parte da clientela Essa
 turbação por parte do vendedor importaria privar
 o comprador no todo ou em parte da coisa
 vendida.

 - Não há, em face do que determina o art.
 214 do Cód. Comercial, necessidade de
 estipulação formal, expressa, pela qual o
 vendedor se obrigue a não se estabelecer."
 (RT 167/ 237).

 "CONCORRÊNCIA DESLEAL - Oficina gráfica em
 pequena cidade - Sociedade formada por dois
 sócios - Desavença entre êstes - Cota de um
 alienada a terceiro com o objetivo de não ser
 liquidada a oficina - Nôvo estabelecimento
 montado pelo ex-sócio nas proximidades do
 antigo - Circunstâncias que demonstram malícia
 no negócio - Ação de indenização procedente -
 Apelação provida.

 - Não é da liberdade de comerciar que nasce a
 concorrência desleal mas da má-fé alimentada
 pelo alienante. No caso de alienação de fundo de
 comércio, o contrato pode ser omisso quanto à
 vedação do alienante de regressar ao mesmo
 ramo, sob as mesmas condições." (RT 325/226).

 "CONCORRÊNCIA DESLEAL - Serviço funerário -
 Direitos comprados ao concessionário -
 Instalação da mesma indústria pelo vendedor com
 licença precária da Prefeitura - Ação de
 indenização contra esta e o vendedor -
 Procedência em face das provas - Recurso
 provido em parte - Voto vencido." (RT 342/203).

 
 4. CONCLUSÃO

 De acordo com o estudo realizado, pode-se afirmar que o
 estabelecimento comercial consiste num conjunto de bens
 empregados pelo empresário no exercício de sua atividade,
 constituindo uma universalidade de fato, uma vez que a
 reunião de tais bens ocorre pela vontade de seu proprietário,
 para a consecução de um objetivo .

 Por sua vez, o aviamento e a clientela não são elementos do
 estabelecimento comercial, nem podem ser tutelados de forma
 independente dele, sendo, na verdade, verdadeiros atributos
 ou qualidades do fundo de comércio e como tal protegidos.

 Não obstante a vitória da tese defendida por Rui Barbosa, no
 Supremo Tribunal Federal, acerca da possibilidade do
 alienante voltar a atuar no mesmo ramo, em face da ausência
 de cláusula proibitiva, hoje predomina a corrente que, já
 naquela época, era defendida por Carvalho de Mendonça, no
 sentido de que a vedação ao restabelecimento não precisa ser
 expressa, entendendo-se implícita no trespasse, em
 decorrência da garantia de que o vendedor precisar fazer boa
 a coisa vendida (art. 214, Código Comercial).

*retirado de: http://www.teiajuridica.com/mz/restabel.htm