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A falsa ilusão do
sentimento de impunidade no ECA
André Saddy
acadêmico de Direito na Universidade
Estácio de Sá, conciliador de Juizado Especial Criminal
1 - Introdução
Direito
da criança e do adolescente é o complexo de normas jurídicas aplicáveis às
crianças e adolescentes, em razão da condição peculiar de sua formação.
Esse
novo direito trouxe consigo uma legislação que visou conferir direitos a
população conhecida antigamente como "menor". Trazendo consigo
questões que levam a polêmicas.
Mesmo
depois de quase 12 anos do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, se
constatam algumas situações ainda inusitadas.
E
é com a preocupação de que tais situações se disseminem em nosso meio social,
passando a ser tomada como verdade que se faz necessário traçar algumas linhas
de esclarecimento e alerta sobre o aspecto jurídico e social do menor infrator,
enfocando a questão do aprisionamento e de seu tempo de duração, verificando a
falsa ilusão do sentimento de impunidade que se observa na Lei nº 8069/90 –
Estatuto da Criança e do Adolescente (1), para que com isso possamos
incentivar a conjugação de esforços para manutenção da norma e sua exata
aplicação e implementação.
2 – A pratica de ato infracional
Segundo
o próprio ECA, considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou
contravenção penal. Com o advento desse estatuto, os adolescentes infratores
passaram a configurar como sujeitos passivos da ação sócio-educativa proposta
exclusivamente pelo Ministério Público, quando da prática de atos infracionais.
Esta ação assegura ao adolescente infrator diversas garantias advindas dos
princípios do contraditório e da imparcialidade do Juiz. Entre elas, o pleno e
formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio
equivalente; igualdade na relação processual; defesa técnica por advogado;
assistência judiciária gratuita aos necessitados; direito de ser ouvido
pessoalmente pela autoridade competente e direito de solicitar a presença de
seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.
Verificando
a prática deste ato a autoridade competente que seria o Ministério Público,
poderá aplicar ao adolescente seis tipos de medidas sócios-educativas (2),
escalonadamente. São elas:
1-Advertência
2-Reparação
do dano
3-Prestação
de serviços à comunidade
4-Liberdade
Assistida
5-Semiliberdade
6-Internação
Dessas
medidas a advertência é a única que não pressupõe a existência de provas
suficientes da autoria e da materialidade da infração.
Frise-se
que a única medida que priva totalmente o adolescente de sua liberdade é a
internação; as outras cinco primam pela ressocialização do jovem infrator em
meio aberto, sem prejuízo para o controle externo por parte do Judiciário.
3 – A apuração de ato infracional
atribuído a Adolescente
A
apuração de qualquer ato infracional possui duas fases a chamada fase policial
e a judicial. Esta primeira fase inicia-se a partir do momento em que o
adolescente é apreendido (não preso) ou por força de ordem judicial ou em
flagrante (3).
Se
o ato infracional tiver sido praticado mediante violência ou grave ameaça
deverá a autoridade policial lavrar o Auto de Investigação de Ato Infracional
(AIAI) (4), que consiste num procedimento policial, de natureza
administrativa, que visa apurar a prática do ato infracional, suas
circunstâncias e autores, de modo a possibilitar o exercício da ação pelo
Ministério Público, com a conseqüente aplicação da medida sócio-educativa
adequada à ressocialização do adolescente infrator, isto no caso em apreensão
em flagrante. Se, porém não tiver o ato infracional sido realizado mediante
violência ou grave ameaça a lavratura o AIAI poderá ser substituída pelo
Boletim de Ocorrência Circunstanciada.
A
propositura da ação sócio-educativa independe de prova pré-constituída da
autoria e materialidade, o que torna a justa causa bastante ininimizada, já que
as provas são colhidas sobremaneira na fase judicial. Todos os atos
infracionais são de natureza pública incondicionada, ou seja, a instauração do
AIAI, assim como a propositura da ação sócio-educativa independem da vontade do
ofendido ou de seu representante legal. Na esfera infanto juvenil prevalece o
interesse do Estado na ressocialização do adolescente, a fim de alcançar a
imputabilidade sem delinqüir novamente, o que torna pública a ação
sócio-educativa, independentemente da natureza do ato praticado.
A
fase policial finda a partir do momento em que, estando ou não apreendido o
adolescente, a autoridade policial deve encaminhar o procedimento ao Ministério
Público imediatamente, para fins de oitiva (5).
Adotadas
estas providências, o Ministério Público poderá ter três reações. Ou promove o
arquivamento dos autos, ou concede a remissão (6) ou representa à
autoridade judiciária para aplicação de medida sócio-educativa.
Decidindo
o MP pela ação sócio-educativa, esta segue as condições genéricas da ação, a
saber: possibilidade jurídica do pedido, interesse em agir e legitimatio ad
causam. O pedido será juridicamente possível se não houver nenhuma vedação
contra ele no ordenamento jurídico. Ademais, a, ação somente poderá ser
proposta quando houver um mínimo de convicção quanto à prática infracional e
sua autoria. Por fim, somente o Ministério Público possui legitimidade para
propor ações sócio-educativas, independentemente da vontade de quem quer que
seja.
A
condução coercitiva do adolescente, seus pais ou responsável, bem como da
vítima e das testemunhas, pode ser determinada pelo Ministério Público,
consoante o disposto no art. 179, parágrafo único, do ECA, e art. 26, I,
"a", da Lei nº 8.625/93. Não há que se falar, neste caso, em privação
de liberdade, pois aquelas pessoas serão liberadas logo após a consecução do
ato.
No
procedimento infanto juvenil, o representante do Ministério Público é a
primeira autoridade a ouvir o adolescente infrator. Portanto, a ele caberá a
primeira decisão, inclusive quanto à liberação do adolescente apreendido
indevidamente, sob pena de crime previsto no art. 234 do ECA.
Embora
a Lei não fixe prazo, a representação deve ser proposta em cinco dias, com a
aplicação subsidiária do art. 46 do CPP, na forma do art. 152 do ECA. E tem
como prazo máximo e improrrogável para a conclusão do procedimento, estando o
adolescente internado provisoriamente, será de 45 dias.
A
prescrição dos atos infracionais não segue as regras impostas na Lei Penal e
não comporta prazos determinados. Independentemente da época em que foi
praticado o ato infracional, a prescrição da pretensão sócioeducativa somente
se dá aos dezoito anos, quando o infrator alcança a imputabilidade penal e o
Estado perde o interesse em processá-lo. Ressalva-se, todavia, a possibilidade
da execução da medida até os vinte e um anos, quando ocorre a prescrição da
pretensão executória.
4 – Falência da internação ou prisão
De
acordo com Santiago (2002, p. 2) "a idéia da
readaptação/ressocialização está plenamente atrelada a idéia da pena, haja
vista a notória falência do sistema correicional ora utilizado". Toda
sociedade sabe dos malefícios causados pelo enclausuramento. Segundo
Bittencourt (In: Santiago, p. 2), "o ambiente carcerário, em razão de
sua antítese com a comunidade livre, converte-se em meio artificial,
antinatural, que não permite realizar nenhum trabalho reabilitador sobre o
recluso".
Kaufmann
(In: Santiago, p. 2) analisa bem os males que o encarceramento provoca no preso
e as dificuldades de um retorno à vida social, afirmando que "o preso é
incapaz de viver em sociedade com outros indivíduos, por se compenetrar
profundamente da cultura carcerária, o que ocorre após longo período de
reclusão. A prisionização constitui grave problema que aprofunda as tendências
criminais e anti-sociais."
No
entanto, a sociedade, erroneamente, tenta se acautelar, retirando do convívio
social os delinqüentes, excluindo-os e colocando-os nas prisões fazendo com que
prospere o sentimento de vingança e de punição, aspirando com isso, que o
sentenciado não venha novamente a delinqüir.
Entretanto,
deve-se lembrar que as penas não são perpétuas, ainda mais na esfera menorista,
pois a medida extrema de internação não pode exceder a três anos (artigo
121,§3ºdo ECA).
Assim,
fatalmente, o delinqüente não curado e não readaptado voltará a liberdade um
dia e se no período em que esteve cumprindo sua reprimenda não fora bem
trabalhado e tratado, fatalmente irá rescindir nos erros do passado, voltando a
causar danos a sociedade. Assim, não pode, nem deve o Poder Público ignorar por
completo o fato de que, uma vez recolhido ao presídio e exposto à contaminação
carcerária sem possuir o necessário desenvolvimento físico e psíquico para
tanto, por certo o adolescente não terá qualquer chance de recuperação e,
obviamente, voltará a delinqüir.
5 - Imputabilidade penal
Hoje
a impunidade penal (7) é de 18 anos (8) conforme prevista
nos artigos 228 da CF, 104 do ECA e 27 do CP (9). Há algum tempo
tem-se discutido a respeito da redução desta idade a 16 anos (ou até mesmo a 14
anos). Alguns setores dão tanta ênfase a esta proposta que induzem a opinião
pública a crer que seria a solução na problemática da segurança pública, capaz
de devolver a paz social tão almejada por todos, insistindo assim em ignorar as
verdadeiras causas que levam o menor a praticar infrações, bem como todos os
avanços conquistados com o advento do ECA, que em poucos anos de vigência tem
proporcionado resultados positivos nunca antes alcançados.
A
linha principal do argumento é de que cada vez mais adultos se servem de
adolescentes como "longa manus" de suas ações criminosas, e que isso
impede a efetiva e eficaz ação policial. Outros retomam o argumento do discernimento,
que o jovem pode votar aos 16 anos e que hoje tem acesso a um sem número de
informações que precipitam seu precoce amadurecimento, também dizem que a
malícia supre a idade, entre outras.
A
primeira distinção nesse amontanhado de argumentos que é preciso estabelecer é
a distinção entre inimputablidade penal e impunidade.
A
inimputabilidade - causa de exclusão da responsabilidade penal - não significa,
absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social.
O
clamor social em relação ao jovem infrator - menor de 18 anos - surge da
equivocada sensação de que nada lhe acontece quando autor de infração penal.
Seguramente a noção errônea de impunidade se tem revelado no maior obstáculo à
plena efetivação do ECA, principalmente diante da crescente onda de violência,
em níveis alarmantes.
A
circunstância de o adolescente não responder por seus atos delituosos perante a
Corte Penal não o faz irresponsável. Ao contrário do que sofismática e
erroneamente se propala, o sistema legal implantado pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente faz estes jovens, entre l2 e l8 anos, sujeitos de direitos e de
responsabilidades e, em caso de infração, prevê medidas sócio-educativas,
inclusive com privação de liberdade, como já vimos.
O
Estatuto prevê e sanciona medidas sócio-educativas eficazes, reconhece a
possibilidade de privação provisória de liberdade ao infrator, não sentenciado
- inclusive em parâmetros mais abrangentes que o CPP destina aos imputáveis na
prisão preventiva - e oferece uma gama larga da alternativas de
responsabilização, cuja mais grave impõe o internamento sem atividades
externas.
Desse
modo podemos dizer que o Estatuto até inova quando permite a punição do
adolescente infrator a partir dos 12 anos, idade esta muito inferior aos 16
anos defendidos por alguns. Só que o faz de forma responsável, seguindo os
caminhos de uma lei antes de tudo pedagógica, que visa a proteção integral da
criança e do adolescente e não apenas sua irresponsável punição. Busca-se a
recuperação daquele que errou levado por inúmeros fatores sociais, ou até mesmo
por sua imaturidade, reintegrando-o à sociedade com o regate de sua cidadania.
6 - Privação de liberdade do infrator
A
medida privativa de liberdade, internação na linguagem do ECA, distingue da
pena imposta ao maior de l8 anos. Enquanto aquela é cumprida no sistema
penitenciário - que todos sabem o que é, nada mais fazendo além do encarcerar -
onde se misturam criminosos de toda espécie e graus de comprometimento - aquela
há que ser cumprida em um estabelecimento próprio para adolescentes infratores,
que se propõe a oferecer educação escolar, profissionalização, dentro de uma
proposta de atendimento pedagógico e psicoterápico, adequados a sua condição de
pessoas em desenvolvimento. Daí não se cogitar de pena, mas sim, medida
sócio-educativa, que não pode se constituir em um simples recurso eufêmico da
legislação.
Porém,
objetivamente nada diferem penas e medidas sócio-educativas. Ambas só podem ser
impostas em decorrência da prática de fatos definidos como infrações penais,
comprovadas autoria, materialidade e responsabilidade.
A
diferença reside apenas no sistema, no caso dos jovens, mais pedagógico e
flexível, permitindo maiores alternativas na execução das sentenças com medidas
de apoio, auxílio e orientação, inclusive aos familiares.
Se
pelo Código Penal um sentenciado por homicídio pode ser privado de liberdade
por seis anos, pelo Estatuto, o adolescente pode ficar privado da liberdade por
três anos.
Se
o caso é tão grave que a sociedade antes do julgamento precisa segregar,
conter, limitar, defender-se preventivamente, da mesma forma e nas mesmas
circunstâncias que o adulto, o jovem infrator pode também ser privado de
liberdade. O que o Estatuto exige, como o faz o Código de Processo Penal, é que
a decisão seja fundamentada em indícios suficientes da autoria, demonstrada a
necessidade imperiosa da medida.
O
que precisa ficar claro, de uma vez por todas, é que o Estatuto não compactua
com a delinqüência, com a impunidade. É um sistema justo (científico e
jurídico) em que jovens só podem ser responsabilizados com observância das
garantias constitucionais e do devido processo legal, o que ninguém recusa ao
pior e mais perigoso dos delinqüentes adultos.
7 – Parâmetros etários
Outro
argumento utilizado na justificação da redução da idade diz respeito ao fato de
o jovem poder uma serie de atos importantes antes dos 18 anos.
A
legislação brasileira fixa diversos parâmetros etários, não existindo uma única
idade em que se atingiria, no mesmo momento, a "maioridade absoluta".
Um
adolescente pode trabalhar a partir dos 14 anos e, no plano eleitoral,
estabelece que o cidadão para concorrer a vereador deve ter idade mínima de 18
anos; 21 anos para Deputado, Prefeito ou Juiz de Paz; 30 anos para Governador,
e 35 anos para Presidente, Senador ou Ministro do STF ou STJ. Possui a faculdade
do vota a partir dos 16 anos. Quanto a capacidade civil esta é atingida em sua
plenitude aos 21 anos (10). A Carteira de Motorista (11),
tão reclamada pelos jovens filhos da burguesia, pode ser retirada a partir dos
18 anos.
A
questão de fixação de idade determinada para o exercício de certos atos da
cidadania decorre de uma decisão política e não guarda relações entre si, de
forma que a capacidade eleitoral do jovem aos 16 anos, do que trabalha aos 14 e
do motorista aos 18 é facultativa, enquanto a imputabilidade é compulsória,
fazendo-se assim mitigada.
Assim,
mesmo sendo discutível a decisão constituinte de outorgar o voto facultativo
aos 16 anos, do trabalho aos 14 etc... o fato de per se não leva à conclusão
que o adolescente nesta idade deva ser submetido a outro tratamento que não
aquele que o Estatuto lhe reserva em caso de crime.
8 - O discernimento
Outro
objeto da argumentação pelo rebaixamento diz respeito ao discernimento. De que
o jovem de hoje, mais informado, amadurece mais cedo.
Ninguém
discute a maior gama de informações ao alcance dos jovens. A televisão hoje
invade todos os lares com suas informações e desinformações, trazendo formação
e deformação.
Considerando
o desenvolvimento intelectual e o acesso médio à informação, é evidente que
qualquer jovem, aos 16, l4 ou 12 anos de idade é capaz de compreender a
natureza ilícita de determinados atos. Aliás, até mesmo crianças pequenas sabem
p que é feio e o que não é.
Segundo
Saraiva (2002, p. 4) "o velho Catecismo Romano já considerava os sete
anos como a ‘idade da razão’, a partir da qual é possível ‘cometer um pecado
mortal’".
Esse
raciocínio sobre o discernimento, levado às últimas conseqüências, pode chegar
à conclusão de que uma criança, independentemente da idade que possua, deva ser
submetida ao processo penal e, eventualmente, recolhida a um presídio, desde
que seja capaz de distinguir o "bem" do "mal".
O
que cabe aqui examinar é a modificabilidade do comportamento do adolescente, e
sua potencialidade para beneficiar-se dos processos pedagógicos, dada sua
condição de pessoa em desenvolvimento.
9 – Ilusão do sentimento de impunidade
Como
já explicitado, o Estatuto da Criança e do Adolescente, reserva aos que não
completaram 18 anos, pela prática de ato considerado infração penal, um
procedimento próprio e especial, além de várias medidas sócio-educativas que
podem atingir, conforme o caso, a própria privação da liberdade, respeitando o
limite de três anos.
Em
comparação a um réu adulto, primário e de bons antecedentes, para que o mesmo
permanecesse três anos recluso em estabelecimento prisional fechado, teria que
ter sido condenado à pena de dezoito anos, cumprindo somente a sexta parte,
segundo a progressão da pena, ou seja, para um adulto permanecer três anos
"fechado", sem perspectiva de alguma atividade externa, sua pena
deverá situar-se em um módulo não inferior a dezoito anos de reclusão, eis que
cumpridos 1/6 da pena (que são os mesmos três anos a que se sujeita o
adolescente) terá direito a benefício. Não se pode desconsiderar, no caso do
adolescente, que três anos na vida de um jovem de 16 anos representa cerca de
1/5 de sua existência, em uma fase vital, de transformações, na complementação
da formação de sua personalidade, onde se faz possível a fixação de limites e
valores.
Com
efeito, verifica-se uma discrepância grande, pois muitas vezes o adolescente
primário condenado por roubo qualificado fica recluso em uma Unidade
"Educacional" por mais de dois anos, enquanto que o condenado na
esfera penal comum, pelo mesmo crime, com as mesmas circunstâncias pessoais,
via de regra, não excede a 6 anos e, portanto, pode iniciar o cumprimento da
pena diretamente em regime semi-aberto (artigo 33, §2º, alínea "b" do
Código Penal). Na pior da hipóteses, se condenado em regime fechado, cumprirá
apenas 1 ano (1/6 da pena - Instituto da Progressão da Pena), contrariamente ao
adolescente, que amargará cerca de dois anos em regime totalmente fechado.
Isso
tudo ocorre por que, ao primeiro aplicam-se os benefícios do artigo 112 da LEP
(progressão após cumprir um sexto da pena), o que não ocorre com o menor de 18
anos. Tal condenação ocorrerá? Por certo que não, levando-se em conta todos os
requisitos exigidos pela lei (artigo 59 do CP), e a amplitude da defesa
garantida pelo Código de Processo Penal brasileiro. O adolescente, por sua vez,
após cumprido o prazo total da internação, poderá ser submetido à medida
sócio-educativa de semiliberdade e, após, sendo o caso, à de Liberdade
Assistida, todas por igual período.
Observa-se
assim que o discurso daqueles que afirmar que o adolescente infrator ficaria
impune, nada mais representa que sua ignorância jurídica aliada à uma cegueira
total que os impede de ver e constatar a realidade.
10 - Considerações finais
Observou-se
neste trabalho que reformar a Constituição Federal para reduzir a idade de
imputabilidade penal, hoje fixada em 18 anos, significa um retrocesso. A
criminalidade juvenil crescente há de ser combatida de outras formas, afinal
não será colocando jovens de 16 anos no falido sistema penitenciário que se
poderá recuperá-los. Ficou claro também que a inimputabilidade penal não é
sinônimo de impunidade ou irresponsabilidade.
Verificou-se
também que a idade é critério adotado para melhor execução de política
criminal, pois a criminologia concluiu resultar por demais danoso aos próprios
fins de prevenção e repressão da criminalidade, submeter crianças e jovens ao
sistema carcerário comum destinado aos adultos, sendo que isto não implica
impunidade aos jovens, mas tão-somente que aos adolescentes (12 a 18 anos) não
se pode imputar responsabilidade frente à legislação comum, mas pode-se
atribuir responsabilidade com base nas normas do Estatuto, respondendo pelos
delitos que praticarem e submetendo-se às medidas sócio-educativas (de caráter
penal especial), que têm caráter pedagógico apresentando-se como respostas
justas e adequadas, de boa política criminal, à prática de crimes por jovens.
O
Estatuto da Criança e do Adolescente oferece uma resposta aos justos anseios da
sociedade por segurança e, ao mesmo tempo, busca devolver a esta mesma
sociedade pessoas capazes de exercer adequadamente seus direitos e deveres de
cidadania. Cabendo a sociedade e ao Estado o compromisso com a efetivação plena
do Estatuto da Criança e do Adolescente, fazendo valer este que é um
instrumento de cidadania e responsabilização - de adultos e jovens.
NOTAS
01.
Segundo Santiago (2002, p. 1), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA-Lei
8069/90) foi fruto da necessidade da criação de uma Justiça especializada,
diferenciada daquela utilizada para adultos, haja vista, suas diferenças. Como
seres especiais, as crianças e os adolescentes, cuja personalidade, intelecto,
caráter estão ainda em formação a tarefa de redirecioná-los e reeducá-los é
mais branda e menos trabalhosa, pois são mais suscetíveis em assimilar as ditas
orientações.
02.
A política criminal (técnica), encarando a delinqüência juvenil, propõe como
alternativa ao método rígido das penas criminais um sistema flexível de medidas
protetivas e/ou socioeducativas, capazes, conforme o caso, de proteger, educar,
e até punir, melhor prevenindo práticas anti-sociais.
Enquanto
os maiores de 18 anos têm responsabilidade penal, os adolescentes têm
responsabilidade estatutária juvenil.
03.
Havendo repartição policial especializada para atendimento de adolescente e em
se tratando de ato infracional praticado em co-autoria com maior, prevalecerá a
atribuição da repartição especializada, que, após as providências necessárias e
conforme o caso, encaminhará o adulto à repartição policial própria.
04.
Além de lavrar o auto deverá a autoridade policial também apreender o produto e
os instrumentos da infração e requisitar os exames ou perícias necessários à
comprovação da materialidade e autoria da infração.
05.
No caso de adolescente apreendido em flagrante, a não remessa imediata dos
autos ao Parquet pode configurar crime tipificado no art. 235 do ECA.
06.
A concessão de remissão pelo Ministério Público é perfeitamente constitucional,
pois trata-se de um acordo firmado entre as partes, posteriormente homologado
pela autoridade judiciária, a quem compete executar as medidas porventura
aplicadas.
07.
A imputabilidade penal, normalmente de todos, não incide em duas hipóteses: em
razão (exclusivamente) da idade (menos de dezoito anos) ou por ausência da
capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se segundo este
entendimento.
08.
Minahim (1992) destaca que a inimputabilidade dos menores de 18 anos é uma
conquista que cumpre ser defendida, citando Bento Faria, ao comentar o Código
Penal pátrio de 1890, em seu art. 30 (onde se fixa a inimputabilidade dos
jovens até 14 anos).
09.
A inimputabilidade ao menor de 18 anos foi justificada na exposição de motivos
da lei nº 7.209/84 como "opção apoiada em critérios de Política
Criminal". Segundo Silva (2002, p. 2) tal critério nada tem a ver com a
capacidade ou incapacidade de entendimento. A criminologia (ciência), com base
em dados, decorrentes da análise da prática do sistema penitenciário, concluiu
resultar inconveniente aos próprios fins de prevenção e repressão da
criminalidade submeter crianças e jovens ao sistema reservado aos adultos.
Leal
(1983, p. 87), assim resume a idade da responsabilidade penal na legislação
comparada:
"...14
anos (0,5%), 15 anos (8,0%), 16 anos (13,0%), 17 anos (19,0%), 18 anos (55,0%),
19 anos (0,5%) e 21 anos (4,0%). Vê-se que a idade mais baixa é de 14 anos
(Haiti) e a mais alta vem a ser de 21 anos (Chile, Suécia, etc.). Na América
Latina, nos EUA e na Europa, a medida é de 18 anos, sendo que essa uniformidade
relativa se deve, em boa parte, ao Seminário Europeu das Nações Unidas sobre Bem-Estar
Social (Paris, 1949), onde se expressou que nos países europeus, ou ao menos em
países de civilização ocidental, é desejável que, para efeitos penais, a idade
da responsabilidade não seja fixada abaixo dos dezoito anos."
10.
Pelo Novo Código Civil a maioridade civil se dará aos 18 anos, ou seja, a
partir dos 18 anos a pessoa terá a chamada capacidade de fato, sendo portanto
apto para praticar pessoalmente os atos da vida civil.
11.
O que há a ser dito é que as medidas sócio-educativas do ECA são tão ou mais
eficazes e rigorosas que as penas que o atual sistema penal reserva aos autores
de crimes culposos no trânsito maiores de l8 anos. Não há necessidade de
redução da imputabilidade penal para responsabilizá-los, como sustentam alguns,
que postulam, como condição à redução de idade para concessão da CNH, o
rebaixamento de idade de imputabilidade penal.
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