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A falsa ilusão do sentimento de impunidade no ECA

 

André Saddy
acadêmico de Direito na Universidade Estácio de Sá, conciliador de Juizado Especial Criminal

 

 

1 - Introdução

            Direito da criança e do adolescente é o complexo de normas jurídicas aplicáveis às crianças e adolescentes, em razão da condição peculiar de sua formação.

            Esse novo direito trouxe consigo uma legislação que visou conferir direitos a população conhecida antigamente como "menor". Trazendo consigo questões que levam a polêmicas.

            Mesmo depois de quase 12 anos do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, se constatam algumas situações ainda inusitadas.

            E é com a preocupação de que tais situações se disseminem em nosso meio social, passando a ser tomada como verdade que se faz necessário traçar algumas linhas de esclarecimento e alerta sobre o aspecto jurídico e social do menor infrator, enfocando a questão do aprisionamento e de seu tempo de duração, verificando a falsa ilusão do sentimento de impunidade que se observa na Lei nº 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (1), para que com isso possamos incentivar a conjugação de esforços para manutenção da norma e sua exata aplicação e implementação.


2 – A pratica de ato infracional

            Segundo o próprio ECA, considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Com o advento desse estatuto, os adolescentes infratores passaram a configurar como sujeitos passivos da ação sócio-educativa proposta exclusivamente pelo Ministério Público, quando da prática de atos infracionais. Esta ação assegura ao adolescente infrator diversas garantias advindas dos princípios do contraditório e da imparcialidade do Juiz. Entre elas, o pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; igualdade na relação processual; defesa técnica por advogado; assistência judiciária gratuita aos necessitados; direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente e direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.

            Verificando a prática deste ato a autoridade competente que seria o Ministério Público, poderá aplicar ao adolescente seis tipos de medidas sócios-educativas (2), escalonadamente. São elas:

            1-Advertência

            2-Reparação do dano

            3-Prestação de serviços à comunidade

            4-Liberdade Assistida

            5-Semiliberdade

            6-Internação

            Dessas medidas a advertência é a única que não pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração.

            Frise-se que a única medida que priva totalmente o adolescente de sua liberdade é a internação; as outras cinco primam pela ressocialização do jovem infrator em meio aberto, sem prejuízo para o controle externo por parte do Judiciário.


3 – A apuração de ato infracional atribuído a Adolescente

            A apuração de qualquer ato infracional possui duas fases a chamada fase policial e a judicial. Esta primeira fase inicia-se a partir do momento em que o adolescente é apreendido (não preso) ou por força de ordem judicial ou em flagrante (3).

            Se o ato infracional tiver sido praticado mediante violência ou grave ameaça deverá a autoridade policial lavrar o Auto de Investigação de Ato Infracional (AIAI) (4), que consiste num procedimento policial, de natureza administrativa, que visa apurar a prática do ato infracional, suas circunstâncias e autores, de modo a possibilitar o exercício da ação pelo Ministério Público, com a conseqüente aplicação da medida sócio-educativa adequada à ressocialização do adolescente infrator, isto no caso em apreensão em flagrante. Se, porém não tiver o ato infracional sido realizado mediante violência ou grave ameaça a lavratura o AIAI poderá ser substituída pelo Boletim de Ocorrência Circunstanciada.

            A propositura da ação sócio-educativa independe de prova pré-constituída da autoria e materialidade, o que torna a justa causa bastante ininimizada, já que as provas são colhidas sobremaneira na fase judicial. Todos os atos infracionais são de natureza pública incondicionada, ou seja, a instauração do AIAI, assim como a propositura da ação sócio-educativa independem da vontade do ofendido ou de seu representante legal. Na esfera infanto juvenil prevalece o interesse do Estado na ressocialização do adolescente, a fim de alcançar a imputabilidade sem delinqüir novamente, o que torna pública a ação sócio-educativa, independentemente da natureza do ato praticado.

            A fase policial finda a partir do momento em que, estando ou não apreendido o adolescente, a autoridade policial deve encaminhar o procedimento ao Ministério Público imediatamente, para fins de oitiva (5).

            Adotadas estas providências, o Ministério Público poderá ter três reações. Ou promove o arquivamento dos autos, ou concede a remissão (6) ou representa à autoridade judiciária para aplicação de medida sócio-educativa.

            Decidindo o MP pela ação sócio-educativa, esta segue as condições genéricas da ação, a saber: possibilidade jurídica do pedido, interesse em agir e legitimatio ad causam. O pedido será juridicamente possível se não houver nenhuma vedação contra ele no ordenamento jurídico. Ademais, a, ação somente poderá ser proposta quando houver um mínimo de convicção quanto à prática infracional e sua autoria. Por fim, somente o Ministério Público possui legitimidade para propor ações sócio-educativas, independentemente da vontade de quem quer que seja.

            A condução coercitiva do adolescente, seus pais ou responsável, bem como da vítima e das testemunhas, pode ser determinada pelo Ministério Público, consoante o disposto no art. 179, parágrafo único, do ECA, e art. 26, I, "a", da Lei nº 8.625/93. Não há que se falar, neste caso, em privação de liberdade, pois aquelas pessoas serão liberadas logo após a consecução do ato.

            No procedimento infanto juvenil, o representante do Ministério Público é a primeira autoridade a ouvir o adolescente infrator. Portanto, a ele caberá a primeira decisão, inclusive quanto à liberação do adolescente apreendido indevidamente, sob pena de crime previsto no art. 234 do ECA.

            Embora a Lei não fixe prazo, a representação deve ser proposta em cinco dias, com a aplicação subsidiária do art. 46 do CPP, na forma do art. 152 do ECA. E tem como prazo máximo e improrrogável para a conclusão do procedimento, estando o adolescente internado provisoriamente, será de 45 dias.

            A prescrição dos atos infracionais não segue as regras impostas na Lei Penal e não comporta prazos determinados. Independentemente da época em que foi praticado o ato infracional, a prescrição da pretensão sócioeducativa somente se dá aos dezoito anos, quando o infrator alcança a imputabilidade penal e o Estado perde o interesse em processá-lo. Ressalva-se, todavia, a possibilidade da execução da medida até os vinte e um anos, quando ocorre a prescrição da pretensão executória.


4 – Falência da internação ou prisão

            De acordo com Santiago (2002, p. 2) "a idéia da readaptação/ressocialização está plenamente atrelada a idéia da pena, haja vista a notória falência do sistema correicional ora utilizado". Toda sociedade sabe dos malefícios causados pelo enclausuramento. Segundo Bittencourt (In: Santiago, p. 2), "o ambiente carcerário, em razão de sua antítese com a comunidade livre, converte-se em meio artificial, antinatural, que não permite realizar nenhum trabalho reabilitador sobre o recluso".

            Kaufmann (In: Santiago, p. 2) analisa bem os males que o encarceramento provoca no preso e as dificuldades de um retorno à vida social, afirmando que "o preso é incapaz de viver em sociedade com outros indivíduos, por se compenetrar profundamente da cultura carcerária, o que ocorre após longo período de reclusão. A prisionização constitui grave problema que aprofunda as tendências criminais e anti-sociais."

            No entanto, a sociedade, erroneamente, tenta se acautelar, retirando do convívio social os delinqüentes, excluindo-os e colocando-os nas prisões fazendo com que prospere o sentimento de vingança e de punição, aspirando com isso, que o sentenciado não venha novamente a delinqüir.

            Entretanto, deve-se lembrar que as penas não são perpétuas, ainda mais na esfera menorista, pois a medida extrema de internação não pode exceder a três anos (artigo 121,§3ºdo ECA).

            Assim, fatalmente, o delinqüente não curado e não readaptado voltará a liberdade um dia e se no período em que esteve cumprindo sua reprimenda não fora bem trabalhado e tratado, fatalmente irá rescindir nos erros do passado, voltando a causar danos a sociedade. Assim, não pode, nem deve o Poder Público ignorar por completo o fato de que, uma vez recolhido ao presídio e exposto à contaminação carcerária sem possuir o necessário desenvolvimento físico e psíquico para tanto, por certo o adolescente não terá qualquer chance de recuperação e, obviamente, voltará a delinqüir.


5 - Imputabilidade penal

            Hoje a impunidade penal (7) é de 18 anos (8) conforme prevista nos artigos 228 da CF, 104 do ECA e 27 do CP (9). Há algum tempo tem-se discutido a respeito da redução desta idade a 16 anos (ou até mesmo a 14 anos). Alguns setores dão tanta ênfase a esta proposta que induzem a opinião pública a crer que seria a solução na problemática da segurança pública, capaz de devolver a paz social tão almejada por todos, insistindo assim em ignorar as verdadeiras causas que levam o menor a praticar infrações, bem como todos os avanços conquistados com o advento do ECA, que em poucos anos de vigência tem proporcionado resultados positivos nunca antes alcançados.

            A linha principal do argumento é de que cada vez mais adultos se servem de adolescentes como "longa manus" de suas ações criminosas, e que isso impede a efetiva e eficaz ação policial. Outros retomam o argumento do discernimento, que o jovem pode votar aos 16 anos e que hoje tem acesso a um sem número de informações que precipitam seu precoce amadurecimento, também dizem que a malícia supre a idade, entre outras.

            A primeira distinção nesse amontanhado de argumentos que é preciso estabelecer é a distinção entre inimputablidade penal e impunidade.

            A inimputabilidade - causa de exclusão da responsabilidade penal - não significa, absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social.

            O clamor social em relação ao jovem infrator - menor de 18 anos - surge da equivocada sensação de que nada lhe acontece quando autor de infração penal. Seguramente a noção errônea de impunidade se tem revelado no maior obstáculo à plena efetivação do ECA, principalmente diante da crescente onda de violência, em níveis alarmantes.

            A circunstância de o adolescente não responder por seus atos delituosos perante a Corte Penal não o faz irresponsável. Ao contrário do que sofismática e erroneamente se propala, o sistema legal implantado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente faz estes jovens, entre l2 e l8 anos, sujeitos de direitos e de responsabilidades e, em caso de infração, prevê medidas sócio-educativas, inclusive com privação de liberdade, como já vimos.

            O Estatuto prevê e sanciona medidas sócio-educativas eficazes, reconhece a possibilidade de privação provisória de liberdade ao infrator, não sentenciado - inclusive em parâmetros mais abrangentes que o CPP destina aos imputáveis na prisão preventiva - e oferece uma gama larga da alternativas de responsabilização, cuja mais grave impõe o internamento sem atividades externas.

            Desse modo podemos dizer que o Estatuto até inova quando permite a punição do adolescente infrator a partir dos 12 anos, idade esta muito inferior aos 16 anos defendidos por alguns. Só que o faz de forma responsável, seguindo os caminhos de uma lei antes de tudo pedagógica, que visa a proteção integral da criança e do adolescente e não apenas sua irresponsável punição. Busca-se a recuperação daquele que errou levado por inúmeros fatores sociais, ou até mesmo por sua imaturidade, reintegrando-o à sociedade com o regate de sua cidadania.


6 - Privação de liberdade do infrator

            A medida privativa de liberdade, internação na linguagem do ECA, distingue da pena imposta ao maior de l8 anos. Enquanto aquela é cumprida no sistema penitenciário - que todos sabem o que é, nada mais fazendo além do encarcerar - onde se misturam criminosos de toda espécie e graus de comprometimento - aquela há que ser cumprida em um estabelecimento próprio para adolescentes infratores, que se propõe a oferecer educação escolar, profissionalização, dentro de uma proposta de atendimento pedagógico e psicoterápico, adequados a sua condição de pessoas em desenvolvimento. Daí não se cogitar de pena, mas sim, medida sócio-educativa, que não pode se constituir em um simples recurso eufêmico da legislação.

            Porém, objetivamente nada diferem penas e medidas sócio-educativas. Ambas só podem ser impostas em decorrência da prática de fatos definidos como infrações penais, comprovadas autoria, materialidade e responsabilidade.

            A diferença reside apenas no sistema, no caso dos jovens, mais pedagógico e flexível, permitindo maiores alternativas na execução das sentenças com medidas de apoio, auxílio e orientação, inclusive aos familiares.

            Se pelo Código Penal um sentenciado por homicídio pode ser privado de liberdade por seis anos, pelo Estatuto, o adolescente pode ficar privado da liberdade por três anos.

            Se o caso é tão grave que a sociedade antes do julgamento precisa segregar, conter, limitar, defender-se preventivamente, da mesma forma e nas mesmas circunstâncias que o adulto, o jovem infrator pode também ser privado de liberdade. O que o Estatuto exige, como o faz o Código de Processo Penal, é que a decisão seja fundamentada em indícios suficientes da autoria, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.

            O que precisa ficar claro, de uma vez por todas, é que o Estatuto não compactua com a delinqüência, com a impunidade. É um sistema justo (científico e jurídico) em que jovens só podem ser responsabilizados com observância das garantias constitucionais e do devido processo legal, o que ninguém recusa ao pior e mais perigoso dos delinqüentes adultos.


7 – Parâmetros etários

            Outro argumento utilizado na justificação da redução da idade diz respeito ao fato de o jovem poder uma serie de atos importantes antes dos 18 anos.

            A legislação brasileira fixa diversos parâmetros etários, não existindo uma única idade em que se atingiria, no mesmo momento, a "maioridade absoluta".

            Um adolescente pode trabalhar a partir dos 14 anos e, no plano eleitoral, estabelece que o cidadão para concorrer a vereador deve ter idade mínima de 18 anos; 21 anos para Deputado, Prefeito ou Juiz de Paz; 30 anos para Governador, e 35 anos para Presidente, Senador ou Ministro do STF ou STJ. Possui a faculdade do vota a partir dos 16 anos. Quanto a capacidade civil esta é atingida em sua plenitude aos 21 anos (10). A Carteira de Motorista (11), tão reclamada pelos jovens filhos da burguesia, pode ser retirada a partir dos 18 anos.

            A questão de fixação de idade determinada para o exercício de certos atos da cidadania decorre de uma decisão política e não guarda relações entre si, de forma que a capacidade eleitoral do jovem aos 16 anos, do que trabalha aos 14 e do motorista aos 18 é facultativa, enquanto a imputabilidade é compulsória, fazendo-se assim mitigada.

            Assim, mesmo sendo discutível a decisão constituinte de outorgar o voto facultativo aos 16 anos, do trabalho aos 14 etc... o fato de per se não leva à conclusão que o adolescente nesta idade deva ser submetido a outro tratamento que não aquele que o Estatuto lhe reserva em caso de crime.


8 - O discernimento

            Outro objeto da argumentação pelo rebaixamento diz respeito ao discernimento. De que o jovem de hoje, mais informado, amadurece mais cedo.

            Ninguém discute a maior gama de informações ao alcance dos jovens. A televisão hoje invade todos os lares com suas informações e desinformações, trazendo formação e deformação.

            Considerando o desenvolvimento intelectual e o acesso médio à informação, é evidente que qualquer jovem, aos 16, l4 ou 12 anos de idade é capaz de compreender a natureza ilícita de determinados atos. Aliás, até mesmo crianças pequenas sabem p que é feio e o que não é.

            Segundo Saraiva (2002, p. 4) "o velho Catecismo Romano já considerava os sete anos como a ‘idade da razão’, a partir da qual é possível ‘cometer um pecado mortal’".

            Esse raciocínio sobre o discernimento, levado às últimas conseqüências, pode chegar à conclusão de que uma criança, independentemente da idade que possua, deva ser submetida ao processo penal e, eventualmente, recolhida a um presídio, desde que seja capaz de distinguir o "bem" do "mal".

            O que cabe aqui examinar é a modificabilidade do comportamento do adolescente, e sua potencialidade para beneficiar-se dos processos pedagógicos, dada sua condição de pessoa em desenvolvimento.


9 – Ilusão do sentimento de impunidade

            Como já explicitado, o Estatuto da Criança e do Adolescente, reserva aos que não completaram 18 anos, pela prática de ato considerado infração penal, um procedimento próprio e especial, além de várias medidas sócio-educativas que podem atingir, conforme o caso, a própria privação da liberdade, respeitando o limite de três anos.

            Em comparação a um réu adulto, primário e de bons antecedentes, para que o mesmo permanecesse três anos recluso em estabelecimento prisional fechado, teria que ter sido condenado à pena de dezoito anos, cumprindo somente a sexta parte, segundo a progressão da pena, ou seja, para um adulto permanecer três anos "fechado", sem perspectiva de alguma atividade externa, sua pena deverá situar-se em um módulo não inferior a dezoito anos de reclusão, eis que cumpridos 1/6 da pena (que são os mesmos três anos a que se sujeita o adolescente) terá direito a benefício. Não se pode desconsiderar, no caso do adolescente, que três anos na vida de um jovem de 16 anos representa cerca de 1/5 de sua existência, em uma fase vital, de transformações, na complementação da formação de sua personalidade, onde se faz possível a fixação de limites e valores.

            Com efeito, verifica-se uma discrepância grande, pois muitas vezes o adolescente primário condenado por roubo qualificado fica recluso em uma Unidade "Educacional" por mais de dois anos, enquanto que o condenado na esfera penal comum, pelo mesmo crime, com as mesmas circunstâncias pessoais, via de regra, não excede a 6 anos e, portanto, pode iniciar o cumprimento da pena diretamente em regime semi-aberto (artigo 33, §2º, alínea "b" do Código Penal). Na pior da hipóteses, se condenado em regime fechado, cumprirá apenas 1 ano (1/6 da pena - Instituto da Progressão da Pena), contrariamente ao adolescente, que amargará cerca de dois anos em regime totalmente fechado.

            Isso tudo ocorre por que, ao primeiro aplicam-se os benefícios do artigo 112 da LEP (progressão após cumprir um sexto da pena), o que não ocorre com o menor de 18 anos. Tal condenação ocorrerá? Por certo que não, levando-se em conta todos os requisitos exigidos pela lei (artigo 59 do CP), e a amplitude da defesa garantida pelo Código de Processo Penal brasileiro. O adolescente, por sua vez, após cumprido o prazo total da internação, poderá ser submetido à medida sócio-educativa de semiliberdade e, após, sendo o caso, à de Liberdade Assistida, todas por igual período.

            Observa-se assim que o discurso daqueles que afirmar que o adolescente infrator ficaria impune, nada mais representa que sua ignorância jurídica aliada à uma cegueira total que os impede de ver e constatar a realidade.


10 - Considerações finais

            Observou-se neste trabalho que reformar a Constituição Federal para reduzir a idade de imputabilidade penal, hoje fixada em 18 anos, significa um retrocesso. A criminalidade juvenil crescente há de ser combatida de outras formas, afinal não será colocando jovens de 16 anos no falido sistema penitenciário que se poderá recuperá-los. Ficou claro também que a inimputabilidade penal não é sinônimo de impunidade ou irresponsabilidade.

            Verificou-se também que a idade é critério adotado para melhor execução de política criminal, pois a criminologia concluiu resultar por demais danoso aos próprios fins de prevenção e repressão da criminalidade, submeter crianças e jovens ao sistema carcerário comum destinado aos adultos, sendo que isto não implica impunidade aos jovens, mas tão-somente que aos adolescentes (12 a 18 anos) não se pode imputar responsabilidade frente à legislação comum, mas pode-se atribuir responsabilidade com base nas normas do Estatuto, respondendo pelos delitos que praticarem e submetendo-se às medidas sócio-educativas (de caráter penal especial), que têm caráter pedagógico apresentando-se como respostas justas e adequadas, de boa política criminal, à prática de crimes por jovens.

            O Estatuto da Criança e do Adolescente oferece uma resposta aos justos anseios da sociedade por segurança e, ao mesmo tempo, busca devolver a esta mesma sociedade pessoas capazes de exercer adequadamente seus direitos e deveres de cidadania. Cabendo a sociedade e ao Estado o compromisso com a efetivação plena do Estatuto da Criança e do Adolescente, fazendo valer este que é um instrumento de cidadania e responsabilização - de adultos e jovens.


NOTAS

            01. Segundo Santiago (2002, p. 1), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA-Lei 8069/90) foi fruto da necessidade da criação de uma Justiça especializada, diferenciada daquela utilizada para adultos, haja vista, suas diferenças. Como seres especiais, as crianças e os adolescentes, cuja personalidade, intelecto, caráter estão ainda em formação a tarefa de redirecioná-los e reeducá-los é mais branda e menos trabalhosa, pois são mais suscetíveis em assimilar as ditas orientações.

            02. A política criminal (técnica), encarando a delinqüência juvenil, propõe como alternativa ao método rígido das penas criminais um sistema flexível de medidas protetivas e/ou socioeducativas, capazes, conforme o caso, de proteger, educar, e até punir, melhor prevenindo práticas anti-sociais.

            Enquanto os maiores de 18 anos têm responsabilidade penal, os adolescentes têm responsabilidade estatutária juvenil.

            03. Havendo repartição policial especializada para atendimento de adolescente e em se tratando de ato infracional praticado em co-autoria com maior, prevalecerá a atribuição da repartição especializada, que, após as providências necessárias e conforme o caso, encaminhará o adulto à repartição policial própria.

            04. Além de lavrar o auto deverá a autoridade policial também apreender o produto e os instrumentos da infração e requisitar os exames ou perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria da infração.

            05. No caso de adolescente apreendido em flagrante, a não remessa imediata dos autos ao Parquet pode configurar crime tipificado no art. 235 do ECA.

            06. A concessão de remissão pelo Ministério Público é perfeitamente constitucional, pois trata-se de um acordo firmado entre as partes, posteriormente homologado pela autoridade judiciária, a quem compete executar as medidas porventura aplicadas.

            07. A imputabilidade penal, normalmente de todos, não incide em duas hipóteses: em razão (exclusivamente) da idade (menos de dezoito anos) ou por ausência da capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se segundo este entendimento.

            08. Minahim (1992) destaca que a inimputabilidade dos menores de 18 anos é uma conquista que cumpre ser defendida, citando Bento Faria, ao comentar o Código Penal pátrio de 1890, em seu art. 30 (onde se fixa a inimputabilidade dos jovens até 14 anos).

            09. A inimputabilidade ao menor de 18 anos foi justificada na exposição de motivos da lei nº 7.209/84 como "opção apoiada em critérios de Política Criminal". Segundo Silva (2002, p. 2) tal critério nada tem a ver com a capacidade ou incapacidade de entendimento. A criminologia (ciência), com base em dados, decorrentes da análise da prática do sistema penitenciário, concluiu resultar inconveniente aos próprios fins de prevenção e repressão da criminalidade submeter crianças e jovens ao sistema reservado aos adultos.

            Leal (1983, p. 87), assim resume a idade da responsabilidade penal na legislação comparada:

            "...14 anos (0,5%), 15 anos (8,0%), 16 anos (13,0%), 17 anos (19,0%), 18 anos (55,0%), 19 anos (0,5%) e 21 anos (4,0%). Vê-se que a idade mais baixa é de 14 anos (Haiti) e a mais alta vem a ser de 21 anos (Chile, Suécia, etc.). Na América Latina, nos EUA e na Europa, a medida é de 18 anos, sendo que essa uniformidade relativa se deve, em boa parte, ao Seminário Europeu das Nações Unidas sobre Bem-Estar Social (Paris, 1949), onde se expressou que nos países europeus, ou ao menos em países de civilização ocidental, é desejável que, para efeitos penais, a idade da responsabilidade não seja fixada abaixo dos dezoito anos."

            10. Pelo Novo Código Civil a maioridade civil se dará aos 18 anos, ou seja, a partir dos 18 anos a pessoa terá a chamada capacidade de fato, sendo portanto apto para praticar pessoalmente os atos da vida civil.

            11. O que há a ser dito é que as medidas sócio-educativas do ECA são tão ou mais eficazes e rigorosas que as penas que o atual sistema penal reserva aos autores de crimes culposos no trânsito maiores de l8 anos. Não há necessidade de redução da imputabilidade penal para responsabilizá-los, como sustentam alguns, que postulam, como condição à redução de idade para concessão da CNH, o rebaixamento de idade de imputabilidade penal.


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