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DA PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL
 
 
 
 
 

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS


 
 

Não há como negar a repercussão das condutas revestidas de ilicitude da criança e do adolescente no contexto social em que vive. Tais praticas assumem, nos dias atuais, proporções alarmantes principalmente nos grandes centros urbanos, não só pelas dificuldades de sobrevivência como, também, pela ausência do Estado nas áreas da educação, da saúde, da habitação e, enfim, da assistência social.

A incidência de tais dispositivos poderá ter origem na violação de norma criminal ou contravencional. O seu agente responderá segundo as regras do Direito repressivo e , se for o caso, também do Direito Civil, pelo fato cuja ilicitude seja objeto de consideração, ao mesmo tempo, desses dois ramos doa Ciência Jurídica. Mas, se for menor de 18 anos , a punibilidade cede passo à aplicação de medidas sócio-educativas e o dano deverá ser apurado, para efeito de imputação e responsabilização, segundo a disciplina própria do Código Civil e do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 116).

A delinqüência, no seu sentido amplo, que tenha como protagonista a criança ou o adolescente vem alargando seus limites, sem a possibilidade de um pronto estancamento, e tem merecido tratamento diferenciado em relação às infrações praticadas por agentes capazes e imputáveis. Daí porque o estabelecimento, pelo legislador, de critérios e princípios acerca dos atos infracionais e bem assim sobre as medidas a serem aplicadas aos menores de 18 anos.

Entretanto, no plano do ato infracional, as medidas a serem ministradas à criança são, em regra, diversas daquelas destinadas a o adolescente. Para este existem as denominadas medidas sócio-educativas arroladas no art. 112. Já, para a primeira, por expressa determinação do art. 105, quando configura sua conduta ato infracional, incumbe ao Conselho Tutelar (art. 136, I ), antes de tudo, mediante termo de responsabilidade, colocá-la sob a guarda de seus pais. Estes devem ser os primeiros responsáveis pela sua formação moral e social. Se estes não possuírem condições para tal , aí então devem ser tomadas novas medidas previstas nesse Estatuto.
 
 


CAPÍTULO II

DOS DIREITOS INDIVIDUAIS


 
 

Faz parte da essência de qualquer regime democrático a garantia dos direitos da liberdade física de todos os indivíduos. Esses direitos são declarados pela Constituição, que define o seu conteúdo, especifica as limitações que convêm aos interesses sociais e estimula os meios de garantia do seu exercício. Assim é, pois, o princípio da legalidade da prisão.

Sahid Maluf explica que " o princípio da legalidade da prisão tem suas raízes na Magna Carta dos ingleses, do século XIII. "Ninguém poderá ser acusado, preso ou detido, senão nos casos previstos pela lei, e segundo as formas por ela prescritas... A lei só deve estabelecer penas estritas e evidentemente necessárias, e ninguém poderá ser punido senão em virtude de disposição de lei promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada... Todo homem é suposto inocente enquanto não for declarado culpado; se for indispensável detê-lo, todo o rigor que não seja necessário para lançar mão de sua pessoa deve ser severamente coibido por lei" (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão adotada pela Assembléia Constituinte Francesa, em agosto de 1879, Arts. 7º a 9º - Maluf Sahid, Direito Constitucional, 1982, p. 417)

Sendo efetuada a prisão em flagrante, a autoridade judiciária deverá ser comunicada imediatamente. Será relaxada a prisão que não for legal. Deixará de ser legal, também, a prisão em flagrante que não estiver constituída com seus pressupostos subjetivos ou objetivos; é preciso que a ação seja prevista na lei como crime, ou contravenção, e que não pairem dúvidas sobre a autoria e a materialidade da infração.

Fora dos casos típicos de flagrante, a prisão será legal quando for determinada, por escrito e fundamentadamente, pela autoridade judiciária competente.

Deverá, também, a ordem de prisão ser emanada de autoridade competente, que, na matéria pertinente à criança e ao adolescente, é o Juiz da Infância e da Juventude (Art. 146).

Se outro Magistrado, que não o da Vara Especializada citada, decretar a prisão de adolescente, tal decreto será considerado ilegal e, embora deva ser imediatamente executado e cumprido, poderá ser revogado pela autoridade superior, em recurso ordinário ou em processo de habeas corpus.

De resto, a prisão em flagrante delito e o auto de apreensão em flagrante do adolescente receberam, pelo Estatuto e pela Constituição, as mesmas regras, devendo, cada um, ser processado de acordo com a legislação pertinente.

O parágrafo único do Art. 106 determina que o adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos.

Portanto, toda apreensão de adolescente, quer em flagrante delito, quer por ordem escrita do Juiz competente, deve ser comunicada, imediatamente, ao Juiz da Infância e da Juventude ou ao Magistrado indicado pela Lei de Organização Judiciária local.

Com propriedade, Sahid Maluf ensina que, "se não foi feita a comunicação imediata, a prisão é ilegal, sem sombra de dúvida. Mas o fato de ter sido feita a comunicação imediata não dá à prisão o caráter de legalidade. A comunicação não é requisito de legalidade da prisão, mas um meio de se evitarem prisões ilegais" .

Ao ser efetuada a apreensão do adolescente, examinar-se-á possibilidade de sua liberação imediata, sob pena de responsabilidade (Art. 107, parágrafo único).

Caso compareça qualquer dos pais ou responsável, o adolescente deverá ser liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao Ministério Público (Art. 174)."

O art.108 contemplou a internação "provisória", apesar de a Constituição proclamar no Art. 52, LXVI, que "ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança".

Entretanto, não se pode equiparar a internação com a prisão. Apesar de as medidas serem idênticas na privação da liberdade, são opostas na oportunidade da aplicação e no conteúdo programático de recuperação. A internação é medida sócio-educativa que deve ser cumprida em estabelecimento especializado, observando o disposto no Art. 94. A prisão é pena retributiva, é castigo e pagamento pelo mal praticado (teoria absoluta), embora já se vislumbrem algumas opiniões de que é necessária a humanização do preso através de políticas de educação e de assistência.

A delimitação de 45 dias imposta pela lei servirá para determinar a conclusão do procedimento, com o julgamento da representação feita pelo Ministério Público, que poderá requerer a medida sócio-educativa da internação (Art. 183).

A não identificação compulsória, salvo para efeitos de confrontação, trata-se de garantia constitucional dos direitos individuais de todo cidadão, mormente da criança e do adolescente, nos termos do inciso LVIII, do Art. 52 da Constituição Federal.

A moderna jurisprudência tem reconhecido, inclusive a do Supremo Tribunal Federal, que a identificação datiloscópica do indiciado civilmente não pode mais ser exigida em virtude do novo mandamento constitucional (RT. 6351290; 6351300; 6381290; 6471301 e 6471351).

Todavia, a identificação datiloscópica poderá ser exigida quando houver a necessidade de confrontação com outra, quando houver dúvida ou rasura na identidade apresentada ou existirem fundados motivos da autoridade competente na identificação do infrator.
 
 

CAPÍTULO III

DAS GARANTIAS PROCESSUAIS


 
 

A partir do artigo 110, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece quais são as garantias processuais que dispõe o adolescente a partir do momento que lhe é imputado a prática do ato infracional.

A primeira delas é garantia do devido processo legal, também assegurada pela Constituição Federal no seu art. 5°, inciso LIV. A partir deste princípio fica estabelecido que não poderá o adolescente sofrer restrições sem que lhe seja dado todas as prerrogativas inerentes ao processo, como por exemplo o direito ao contraditório ou a ampla defesa. O objetivo do devido processo legal é justamente o de propiciar um tratamento igualitário a todos os acusados de terem praticado o ato infracional, uma vez que a lei determinará como deve ser o procedimento, e este deve atingir a todos os casos concretos uniformemente. A expressão "devido" aqui eqüivale a "corretamente aplicado", de forma e procedimento previsto em lei, que deve ser impreterivelmente observado, sob pena de nulidade.

Como conseqüência do devido processo legal o artigo 111 do presente estatuto enumera as demais prerrogativas de matéria processual: I) O conhecimento formal por parte do adolescente a respeito do que lhe é imputado; II) Igualdade processual; III) Direito a advogado; IV) Assistência gratuita aqueles incapacitados financeiramente; V) Direito a ser ouvido e, finalmente, VII) Possibilidade de requisitar a presença dos pais ou responsáveis em qualquer fase do procedimento.
 
 

CAPÍTULO IV

DAS MEDIDAS SÓCIO - EDUCATIVAS


 
 

O principal objetivo das medidas sócio-educativas, como o próprio nome já esclarece, é o de possibilitar que o adolescente aprenda com o seu próprio erro, ou seja não existe o caráter punitivo da responsabilização, como ocorre no Direito Penal, a intenção do legislador ao escrever o Estatuto era a de educar o adolescente para que seja possível seu convívio social, sem que para isso fosse privada a sua liberdade, não que não exista a privação de liberdade no estatuto, mas esta só se impõe em casos extremos, por tempo máximo determinado, sendo que as próprias atividades realizadas na instituição não visam afastar o adolescente responsabilizado do convívio social, mas propiciar um tratamento que o faça adquirir um maior conhecimento e educação, tornando-o apto para voltar a viver em sociedade. Por isso tal medida não pode de maneira alguma ser considerada como uma pena, mas sim como uma tentativa de resocialização.

A mesma característica tem as demais medidas previstas no artigo 112, todas visam possibilitar um maior aprendizado por parte do adolescente, uma vez verificada a autoria e a prática do ato infracional a este lhe será imposta a medida de acordo com a gravidade do ato, as circunstancias(art.112, parág. 1°) e as características do infrator, como por exemplo se este apresentar doença mental terá tratamento especializado e individual, em local propício para tal(art.112, parág. 3°).

A advertência corresponde a medida para as infrações de menor poder ofensivo, tanto que a materialidade ou indícios da autoria, não se refere a prova certa e cabal como se exige as demais, já são suficientes para que seja imposta a medida(art. 114, parág. único e art. 115).

A obrigação de reparar o dano refere-se aquelas infrações que apresentem danos patrimoniais as vítimas, porém só são aplicadas no caso do adolescente infrator tiver a possibilidade de restituir os prejuízos por ele causados (art. 116).

Outra importante medida para reeducar o adolescente é a prestação de serviços a comunidade, que corresponderá a tarefas que deverão ser cumpridas durante a jornada máxima de 8 horas, em qualquer dia. desde que não prejudiquem a escola ou trabalho do responsabilizado (art. 117).

A liberdade assistida se aplica quando for a melhor maneira de auxiliar o adolescente para que seja reeducado, corresponde grande avanço no campo do direito, pois faz com que ocorra a orientação do adolescente sem que este deixe de freqüentar o meio social, a liberdade assistida será fixada de maneira não inferior a seis meses, podendo ser revogada, prorrogada ou substituída por outra medida, sempre a partir da ouvida do orientador responsável, que deverá supervisionar os atos do infrator assim como prestar pleno auxílio social ao mesmo(art. 118 e 1 19).

No estatuto também existe o sistema de transição entre os regimes, de modo que o aprendizado possa se dar de maneira mais gradual, como por exemplo o regime de semi liberdade pode ser aplicado logo de inicio ou pode ser um meio intermediário do regime fechado para o regime aberto, aplica-se a esta no que couber as disposições relativas as internações (art. 120)

Da Internação

Constitui medida de privação de liberdade, sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição particular de cada ser humano, isto é dizer, deve ser o mais breve possível, aplicada somente em último caso e deve respeitar as diferenças (idade, gravidade da infração, etc.) entre os indivíduos.

Não possui prazo determinado, não podendo exceder a três anos. Para se atender ao principio da brevidade e da excepcionalidade a medida de internação deve ser revista a cada seis meses. Aos vinte e um anos a liberdade é compulsória. A progressão das medidas é recomendada para que o adolescente melhor se adapte à vida em sociedade (internação: semi-liberdade: liberdade assistida: liberdade total).

São requisitos para a internação (art. 122): que o ato infracional tenha sido cometido com violência ou grave ameaça a pessoa, ou que haja reiteração no cometimento de outras infrações graves, ou que haja descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta. O parágrafo segundo do artigo 122 reforça o princípio da excepcionalidade.

O artigo 123 traz expressamente o princípio do respeito à pessoa humana, estabelecendo que os adolescentes deve ser divididos de acordo com a idade, compleição física bem como pela gravidade da infração.

No artigo 124 traz um rol de direitos inerentes ao adolescente internado, dos quais destacam-se o de entrevistar-se pessoalmente com o Promotor de Justiça, peticionar diretamente junto a autoridade judiciária e o de permanece internado na localidade mais próxima possível à residência dos pais ou responsáveis. Por fim, o artigo 125 reforça o dever do estado de zelar pela integridade física do adolescente privado de liberdade.

Da Remissão

Trata-se do instituto pelo qual o Promotor de Justiça pode oferecer perdão ao menor antes de representar contra o mesmo no Juizado da Infância e da Juventude. A remissão exclui o processo' quando oferecido e aceito pelo adolescente. Há também a hipótese da remissão oferecida pela autoridade judiciária (parágrafo único do artigo 126 - ECA). Neste caso a remissão importará na suspensão ou extinção do processo. A remissão não importa no reconhecimento da responsabilidade pelo ato infracional, assim como não acarreta em reincidência ou antecedentes.
 
 
 

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO

Equipe:

Gustavo Henrique Cerpa

Gustavo Wiggers

Luciana Carvalho

Marcos Vinícius de Camilo
 
 

FLORIANÓPOLIS, NOVEMBRO DE 1997.
 
 
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
 

ALBERGARIA, Jason. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente : Lei n.º 8069, Rio de Janeiro, ed. AIDE, 1991, 297 p.

CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários Jurídicos e Sociais. São Paulo: Malheiros Editores, 1992.

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: ed. Saraiva, 1996, p.149 a 205.
 

Retirado de: http://www.ccj.ufsc.br/~nejusca/trabalhos/atoinfacional.htm