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IBICARÉ: um panorama do trabalho infantil.
André Viana Custódio
Josiane Rose Petry Veronese
A polêmica levantada quanto ao
projeto desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Ibicaré levou-nos
a desenvolver uma dedicada pesquisa acerca do tema. O referido projeto
envolve cerca de 90 crianças, com idades entre sete a quatorze anos,
na fabricação de prendedores de roupa para uma empresa do
município de Lages. Nosso questionamento inicial seria ao que tange
a legalidade de tal projeto. Isso porque a Constituição proíbe
expressamente o trabalho a menores de 14 anos, por entender que criança
é pessoa em processo de desenvolvimento devendo-se resguardar prioritariamente
sua formação física, moral e intelectual. O trabalho
infantil é uma mazela social a ser erradicada em virtude das graves
conseqüências a que pode levar. A sujeição de
crianças ao trabalho é uma ilegalidade grave que deve ter
a atenção das autoridades competentes. Na fabricação
de prendedores em Ibicaré 93,51% das crianças são
menores de 14 anos, sendo que 54,82% ainda não concluíram
a 4ª série primária. O Estatuto da Criança e
do Adolescente - Lei 8.069/90 -, garante a proteção integral
a crianças e adolescentes, entre estas garantias está a do
não trabalho. Dizer que o não trabalho é uma garantia
significa compreender a infância como um período muito especial
da existência humana, que deve ser preenchido com a escola, o esporte,
a cultura e o brincar, jamais com o trabalho. É o direito de ser
criança que deve ser respeitado, em benefício da formação
moral, intelectual e física dos futuros adultos. Preocupa-nos, também,
o desempenho escolar dessas crianças, pois sabe-se que uma criança
mal alfabetizada terá o resto da vida marcada pela dificuldade no
aprendizado, na integração social e profissional. Nossa pesquisa
constatou que cerca de 80,64% das crianças envolvidas fazem suas
tarefas escolares no período noturno, dedicando geralmente menos
de 30 minutos para estas atividades. O resultado não poderia ser
outro: 25,80% apresentam pelo menos um ano de atraso escolar. Submeter
crianças ao trabalho é comprometer-lhes o seu futuro e em
momento algum o voto popular destinou aos governantes municipais o poder
de prejudicar o desenvolvimento de seus cidadãos. Outro dado constatado
indica que 67,7% dos pais estão ligados a profissões de baixa
qualificação e, consequentemente, baixa remuneração.
Se o poder público está realmente preocupado com a carência
econômica destas famílias, não é explorando
crianças no trabalho que solucionará a questão, já
que dificuldades financeiras não se constituem elementos justificativos
para a violação da lei. O poder público deve definir
projetos adequados a estas famílias visando o aumento da renda familiar.
Vários municípios já implantaram os programas de renda
mínima garantindo a economia familiar e a integração
das crianças na escola. O governo federal tem o PROGER - Programa
de Geração de Renda e os Programas de Qualificação
Profissional que através dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador
podem contribuir para o aumento da renda familiar. A utilização
da mão-de-obra infantil tem impacto direto nos índices de
oferta de emprego, prejudicando a reinserção no mercado dos
trabalhadores desempregrados. Se nos dias de hoje o desemprego aumenta
assustadoramente, porque não oferecer os poucos empregos disponíveis
aos adultos, ao invés de recrutar crianças para ocuparem
os espaços produtivos? Não se justifica, por outro lado,
colocar os meninos e meninas para trabalharem sob o argumento de que esta
é uma atividade educativa, já que o educativo envolve o complexo
ato/processo de aprendizagem, contrapondo-se ao produtivo que é
a mera repetição de uma mesma atividade. Montar prendedores
de roupa rotineiramente nunca será caracterizado como educativo,
mas sim produtivo. Tanto é produtivo que mais da metade das crianças
recebem de 15 a 30 reais por mês, ressaltando um dos indicadores
mais cruéis da exploração do trabalho infantil: a
necessidade de utilização de mão-de-obra barata. Se
o trabalho fosse desenvolvido por adultos, seria facilmente caracterizável
como trabalho ilegal e escravo; sendo executado por crianças, consideramos,
também, imoral, cruel e desumano. Devemos pensar, imediatamente,
em políticas públicas condizentes com a realidade, que se
preocupem em garantir a proteção e a educação
infantil dissociadas de interesses econômicos e produtivos. Senão,
ficaremos, para sempre, gastando tempo, energia e muito dinheiro em projetos
filantrópicos e assistencialistas que tentam recuperar a cidadania
da população carente ratificando apenas a sua situação
de exclusão. O poder público, enquanto instituição,
deve respeitar os direitos humanos e garantias fundamentais que estruturam
a base de um Estado que se propõe ser democrático e de direito.
Devemos, acima de tudo, ter uma responsabilidade social efetiva com nossos
meninos e meninas, garantindo-lhes uma infância saudável e
eliminando desmandos e iniciativas maléficas contra nossas crianças
que entristecem todo o Estado de Santa Catarina.
Retirado de: www.ccj.ufsc.br/~a9612212/crianca/ibicare.txt