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 Estatuto, uma Lei
que tem que "pegar"
Paulo Gusmão
 

        No Brasil, costuma-se dizer que algumas lei "pegam" e outras não. Com isto se quer explicar que algumas destas leis são cumpridas, enquanto outras caem no esquecimento ou são vítimas de todo o tipo de críticas, algumas feitas com objetivos bem marotos. No caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, infelizmente, o conteúdo das críticas revela, na melhor das hipóteses, desconhecimento.

        Em vigor desde 1990, a Lei 8069, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, foi saudada como uma das legislações para a infância e juventude mais modernas e abrangentes de todo o mundo. Para começar o Estatuto bania o termo "menor", em que se colocava no mesmo "saco", crianças de oito e adolescentes de 17 anos. A antiga legislação, cujo cumprimento era fiscalizado pelos Juizados de Menores, era rica em estabelecer penas e determinar formas de comportamento convenientes aos denominados "menores". Em suma, era uma lei que falava muito dos deveres, mas esquecia dos direitos dos jovens.

        O Estatuto corrigiu esta distorção, dando às crianças e aos adolescentes a oportunidade de se tornarem cidadãos. Antes do ECA, por exemplo, os jovens não tinham o direito de questionar os critérios de avaliação das provas nas escolas. Ao precisarem de atendimento hospitalar público, as crianças eram privadas da companhia dos pais, o que tornava uma simples consulta em ambulatórios médicos uma tortura para a garotada.

        Mais do que criar cidadãos de luxo, que só têm direitos, mas nenhum dever, o ECA estabelece uma série de medidas sócio-punitivas, prevendo a criação de instituições que deixariam de ser os "campos de concentração" em que os meninos e meninas eram, literalmente, abandonados à própria sorte.

        O ECA também determina as obrigações dos pais e as metas a serem atingidas pelos governos, nas esferas municipais, estaduais e federal com relação a matrícula de alunos na rede pública, combate a mortalidade infantil, entre outros assuntos. Para cumprir estas metas e acompanhar o pleno cumprimento das normas contidas no Estatuto, devem ser criados Conselhos Tutelares, com membros de cada bairro e/ou cidade.

        Tudo muito bonito, mas da letra da lei à realização eficaz de políticas públicas vai um longo caminho que tropeça na irresponsabilidade e má vontade de alguns administradores.

        Uma pesquisa revela que mais da metade dos municípios brasileiros ainda não tem Conselhos Tutelares instalados. E o pior, em algumas cidades onde eles já foram empossados, como São Paulo, seus membros convivem com situações críticas de trabalho, faltando carros, material de escritório e até linhas telefônicas.

        Existem, no entanto, órgãos governamentais e não governamentais que lutam pela plena efetivação do Estatuto. São instituições que acreditam no futuro representado pelas crianças do país e não se comprometem com um passado ainda presente no discurso de políticos e cidadãos que preferem criticar uma lei, única e exclusivamente porque não tem competência para colocá-la em prática.
 

Algumas Mentiras

        Dentre as mentiras que são contadas a respeito do Estatuto, uma das mais verificadas é a de que crianças e adolescentes infratores ficam invariavelmente impunes. Pura cascata!!!

        O Estatuto prevê sete níveis de punições, desde a pura e simples repreensão, para quem dá uma "leve pisada na bola", até o internamento em instituições sócio-educativas, para os casos mais graves.

        Por que instituições sócio-educativas?

        Porque é senso comum na sociedade que crianças e adolescentes ainda não têm a capacidade de entendimento dos adultos, estando mais sujeitos a adotar o comportamento de pessoas mais velhas, tanto no que estas tem de bom, quanto de ruim. Nestas instituições, os jovens cumprem pena sim, inclusive com privação de liberdade, mas aprendem ofícios e são orientados a ter comportamentos diferentes ao ganharem a liberdade. Pela lógica dos que criticam o ECA, os adolescentes e crianças deveriam ser jogados em celas junto a todo tipo de marginais e delinqüentes. Em vez de escola, os que criticam o Estatuto gostariam que os jovens adquirissem experiências com a nata da criminalidade.

        Nos Estados Unidos, onde cada unidade da federação tem a liberdade de aplicar leis próprias, desde que não entrem em conflito com os princípios contidos na constituição do país, há uma experiência interessante. No estado de Nova Iorque, os menores infratores são conduzidos a instituições específicas. Já em Michigan, os adolescentes são levados para prisões comuns. O resultado: mais de 70% dos menores infratores que são presos em instituições comuns acabam cometendo novos delitos, enquanto em Nova Iorque, este número cai para menos de 20%

        O problema no Brasil é que muitas destas instituições ainda funcionam como verdadeiras prisões onde, ao invés de recuperar, se aprimoram futuros criminosos. São estas instituições que não cumprem o ECA que servem de apoio aos que querem que a idade para responsabilidade penal seja diminuída. Será que resolve?

        O que os defensores do Estatuto querem é que as crianças sejam tiradas das ruas e colocadas em escolas. Longe da influência dos traficantes, elas se tornariam cidadãs e não soldados do crime. Atacando-se os efeitos e não a causa, como querem os críticos do ECA, a violência continuará existindo. Tanto fará se a idade penal for 18, 16, 10 ou até mesmo que se decretem prisões preventivas para recém-nascidos.
 

Retirado de: http://www.olhonofuturo.com.br/