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Trabalho Infanto - Juvenil no Brasil dos Anos 90

Caderno de Políticas Sociais

 

 
 

SÉRIE DOCUMENTOS PARADISCUSSÃO

NÚMERO 3

João Saboia (1)
Outubro de1996
(1) PhD, ProfessorTitular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Riode Janeiro.

Participaram naelaboração e organização deste caderno: Manuel Rojas Buvinich(Coordenador) e Silvio Manoug Kaloustian do UNICEF, Freda Burger(Consultora), Adriana Maia, (Secretária), Carla Perdiz(Estagiária) e Isis Kallfelz (Revisão e Edição de texto).

As opiniões contidasno presente documento são da exclusiva responsabilidade doautor, podendo ou não coincidir com as do UNICEF.
 
 

APRESENTAÇÃO

O presente documento TrabalhoInfanto-Juvenil no Brasil dos Anos 90 representa uma primeiraversão de um conjunto de textos que integrarão a publicação"A Infância Brasileira na Década dos 90", que estásendo preparada em conjunto com Instituto Brasileiro de Geografiae Estatística (IBGE). Essa publicação é uma edição especialda série "Indicadores Sociais - Crianças eAdolescentes", em comemoração aos 50 anos do UNICEF e 60anos do IBGE.

Sendo um documento paradiscussão, agradecemos todas as observações, críticas esugestões pertinentes que possam ser incorporados ao mesmo.

Agop Kayayan

Representante
 
 
 

Introdução

A questão do trabalho decrianças e adolescentes no Brasil está na ordem do dia. O paíscontinua na contra-mão das práticas recomendáveis em relaçãoao tratamento dispensado à sua população jovem. Enquanto nospaíses mais desenvolvidos o trabalho de crianças épraticamente inexistente e o de adolescentes é pouco frequente,a exploração do trabalho infanto-juvenil é uma práticadisseminada nos países menos desenvolvidos. Para combater essaprática, as Nações Unidas aprovaram nas últimas décadasalgumas regras destinadas a minimizar o problema.

A Convenção 138 (de 1973) daOrganização Internacional do Trabalho propõe, em seu primeiroartigo, a abolição do trabalho infantil. Mais adiante, defineque a idade mínima para o trabalho infantil "não seráinferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou,em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos".Reconhecendo as dificuldades para a implementação de tal idademínima para o trabalho, a Convenção abre a possibilidade desua redução para quatorze anos nos países "cuja economiae condições de ensino não estiverem suficientementedesenvolvidas". A Recomendação 146 da OIT, do mesmo ano,sugere que "os países-membros devem ter como objetivo aelevação progressiva para dezesseis anos. (...) Onde a idademínima para emprego ou trabalho estiver abaixo de quinze anos,urgentes providências devem ser tomadas para elevá-la a essenível".

O Estatuto da Criança e doAdolescente, de 1990, fixou no país o nível mais baixo admitidopela Convenção 138, afirmando que "é proibido qualquertrabalho a menores de 14 anos de idade, salvo na condição deaprendiz, considerando aprendizagem a formaçãotécnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases dalegislação de educação em vigor".

Passado quase um quarto de séculodesde a ratificação da Convenção 138 da OIT pelo Brasil,milhões de crianças continuam trabalhando em condiçõesextremamente adversas, executando tarefas incompatíveis com suafaixa etária, recebendo rendimentos insignificantes,comprometendo sua escolarização e seu futuro. Em outraspalavras, tanto a Convenção 138 da OIT quanto o Estatuto daCriança e do Adolescente são sistematicamente ignorados nopaís.

Segundo a quase totalidade dosestudiosos, a causa básica para o trabalho infanto-juvenil noBrasil é a pobreza. Portanto, sua redução passaobrigatoriamente pela redução da pobreza. Infelizmente, muitopouco se avançou em termos de combate à pobreza nos últimosanos. Como consequência, o trabalho de crianças e adolescentespermanece sendo encontrado em grande escala, tanto nas regiõesurbanas quanto nas rurais.

Na próxima seção será feitauma breve caracterização do trabalho de crianças e adolescenteno Brasil a partir de sua evolução no passado recente. Emseguida, será dada ênfase especial à situação observada naprimeira metade dos anos noventa, apresentando os principaismovimentos do mercado de trabalho urbano e da inserção dapopulação infanto-juvenil.
 
 
 

Características do Trabalho Infanto-Juvenil no PassadoRecente

O fenômeno do trabalhoinfanto-juvenil é muito antigo na sociedade brasileira. Em 1920,já se podia encontrar registro do trabalho de cerca de 30 milcrianças e adolescentes abaixo dos 18 anos de idade, contingentenada desprezível e que equivalia a 13% da força de trabalho naindústria. Em 1950, este número crescia em ritmo intenso,atingindo 180 mil trabalhadores industriais. Foi em função daConsolidação da Leis do Trabalho (CLT), que impunharestrições ao trabalho infantil - limite da idade mínima de 14anos para o ingresso no mercado de trabalho, entre outras - quecomeçou a haver uma redução da participação de crianças nomercado de trabalho.

Durante a década de 80, a taxa deatividade das crianças entre 10 e 14 anos sofreu pequenasflutuações atingindo, em 1990, 17%, ou seja, um nívelligeiramente inferior aos 18% do início da década. A taxa dosadolescentes experimentou um pequeno crescimento, passando de 48%para 50% entre 1981 e 1990. A taxa de atividade rural é bem maiselevada do que a urbana. Em 1990 atingia 11% para a populaçãourbana de 10 a 14 anos e 32% para a população rural na mesmafaixa etária. Para os adolescentes a taxa era, respectivamente,de 45% e 63%.

Ao se considerar apenas asregiões urbanas, surge uma certa surpresa. As taxas de atividadedas crianças entre 10 e 14 anos são muito próximas quandocomparado o Nordeste ao Sudeste - 12% e 10% respectivamente, em1990. Tendo em vista o nível de pobreza mais elevado doNordeste, era de se esperar uma diferença maior entre as duasregiões. No caso dos adolescentes entre 15 e 17 anos, as taxasde atividade nordestinas são consideravelmente inferiores àsencontradas no Sudeste - 38% e 59% respectivamente, no mesmo ano.Portanto, o trabalho de crianças e adolescentes não deve serencarado apenas como um fenômeno de oferta, sendo tambémnecessária a existência de um mercado de trabalho que absorvaas pessoas interessadas em trabalhar. Em outras palavras, como omercado de trabalho é bem mais desenvolvido nas regiões urbanasdo Sudeste do que no Nordeste, é natural que as taxas deatividade infanto-juvenis sejam mais altas na primeira região,embora a segunda seja bem mais pobre. Comparação semelhantepode ser feita entre as regiões metropolitanas. A taxa deatividade para a faixa de 15 a 17 anos atingia 51% na regiãometropolitana de São Paulo, não passando de 28% em Recife.

O trabalho de crianças eadolescentes está intimamente associado à renda de suasfamílias. Basta relacionar sua taxa de atividade com sua rendafamiliar. Em 1990, a taxa de atividade do grupo de crianças quevivia em famílias consideradas pobres (até ½ salário mínimoper capita) era de 23%, enquanto para aquelas com rendimentofamiliar per capita acima de 2 SM a taxa baixava para 5%. Estediferencial permanecia elevado para os adolescentes. A taxa deatividade dos mais pobres (até ½ SM per capita) atingia 54%,enquanto a dos não pobres (acima de 2 SM) caía para 30%.

As condições em que ocorre otrabalho infanto-juvenil são muito precárias. Apesar detrabalharem muito, as crianças e os adolescentes ganham pouco eraramente têm a proteção da legislação trabalhista. Chama aatenção o excessivo número de horas trabalhadas pelosadolescentes. Para a grande maioria desses trabalhadores - 77% -a jornada de trabalho era superior a 40 horas semanais em 1990.Para agravar ainda mais a sua situação, 81% tinham rendimentomensal de até 1 salário mínimo. Os salários baixos sãoconsequência da pouca qualificação das ocupaçõesdesempenhadas. Do contingente de crianças e adolescentestrabalhadores, 46% tinham menos de 4 anos de instrução e 48%assumiam ocupações não qualificadas na agricultura outrabalhavam como empregados domésticos.

Um fato que merece destaque é ainserção das meninas no mercado de trabalho. Em 1990, aocupação de empregada doméstica empregava no país quase 35%das meninas de 10 a 17 anos, com um salário médio de apenas 0,6SM. Durante toda a década de 80 essa ocupação manteve oprimeiro lugar no ranking das ocupações entre ascrianças e adolescentes do sexo feminino. No Nordeste urbano,por exemplo, o emprego doméstico ocupava mais da metade dapopulação de meninas trabalhadoras - 57% das crianças e 52%das adolescentes. Na região metropolitana de Fortaleza estespercentuais atingiam 77% e 55%, respectivamente.

Talvez o principal agravante dotrabalho infanto-juvenil seja a dificuldade de se associar otrabalho à frequência escolar. Em 1990, apenas 60% dascrianças pertencentes às famílias com redimento per capitainferior a ¼ SM dedicavam-se exclusivamente ao estudo, enquanto14% trabalhavam e estudavam e 12% somente trabalhavam, já tendo,portanto, abandonado os estudos. Em contrapartida, 92% dascrianças pertencentes às famílias com rendimento per capitasuperior a 2 SM dedicavam-se exclusivamente ao estudo. Osdiferenciais entre os adolescente também são marcantes.

Em suma, o trabalho de crianças eadolescentes durante os anos 80 pode ser caracterizado comopredominantemente urbano, ocorrendo em condições bastanteprecárias pelas longas jornadas, baixos salários e baixaqualificação. Parte substancial dos trabalhadoresinfanto-juvenis já havia abandonado a escola. Nessa medida, estecontingente de trabalhadores ingressa nos anos 90 com uma bagagemnada animadora.
 

Os Anos Noventa

Principaismovimentosdo mercado de trabalho

O Brasil entra na década denoventa sob nova recessão econômica. No triênio do governoCollor há uma queda acumulada de 5% do PIB. A recuperaçãoocorrida a partir de 1993 foi parcialmente abortada em 1995,quando os desequilíbrios resultantes da reativação da economialevaram o governo à contenção do consumo através de umasérie de medidas. Consequentemente, o mercado de trabalho sofreuforte retrocesso. Um dos sinais das dificuldades enfrentadas podeser visto pela queda verificada na taxa de atividade do conjuntoda população metropolitana, reduzindo-se de 63,8% em 1990 para59,4% em 1995. A leitura desses dados indica que, com a reduçãodas oportunidades de emprego, parte da população deixou dedirigir-se ao mercado de trabalho. Não é por outra razão que ataxa de desemprego manteve-se relativamente baixa ao longo dadécada. A taxa média anual de desemprego aberto do IBGE,levantada nas regiões metropolitanas, não passou de 6% durantea primeira metade da década de noventa.

Ao analisar a queda da taxa deatividade nas regiões metropolitanas, nota-se que esta pode serexplicada basicamente pela redução entre os trabalhadores maisjovens (até 24 anos). No caso daqueles entre 15 e 17 anos houve,inclusive, queda do número absoluto de pessoas no mercado detrabalho. Cabe, entretanto, mencionar que estes trabalhadoressão os mais atingidos pelo desemprego, na medida em queapresentam as taxas de desemprego mais elevadas entre as diversasfaixas etárias. Em 1992, por exemplo, a taxa de desemprego nafaixa de 15/17 anos atingia mais de 14%, i.e., mais que o dobroda taxa média de desemprego. Em 1995 baixou para 11%, mas aindapermanecia relativamente elevada. Embora os trabalhadores entre15 e 17 anos representassem menos de 4% da PEA metropolitana,atingiam quase 10% da população desempregada. Tudo leva a crerque, dadas as dificuldades encontradas pelos mais jovens na buscapor um emprego, sua reação foi retirar-se parcialmente domercado de trabalho.

As dificuldades do mercado detrabalho na década de noventa podem ser vistas através deoutros indicadores. Entre 1989 e 1995, o percentual de empregadosde 15 anos ou mais com carteira assinada, nas regiõesmetropolitanas, caiu de 58% para 48%. Em contrapartida, houveaumento dos empregados sem carteira assinada e dos trabalhadorespor conta própria. A indústria de transformação - setor quetradicionalmente paga os melhores salários - foi muito atingidapela crise econômica. Enquanto em 1989 um de cada quatrotrabalhadores das regiões metropolitanas encontrava-se naindústria de transformação, em 1995 a relação não passavade um para cada cinco trabalhadores. O comércio e o setor deserviços, que oferecem piores condições de trabalho, tiveramsua participação consideravelmente aumentada no período.Quanto à evolução dos rendimentos dos trabalhadores, seguiramliteralmente o comportamento da economia, reduzindo-se até 1992e recuperando-se em seguida. De qualquer forma, o nível médiode rendimento nas regiões metropolitanas em 1995 ainda erainferior ao encontrado em 1989.
 
 
 
 

O trabalho das crianças de 5 a 9 anos de idade

A PNAD fornece dados bem maiscompletos do que a PME. Os dados disponíveis mais recentes,entretanto, encerram-se em 1993. De qualquer forma, eles permitema montagem de um quadro relativamente atualizado do mercado detrabalho infanto-juvenil. Há, inclusive, informações sobre otrabalho de crianças com menos de 10 anos. Segundo essa fonte,havia no país, em 1993, 529 mil crianças trabalhadoras na faixade 5/9 anos, representando 3,2% das crianças naquela faixaetária. O Nordeste é responsável por pouco menos da metadedesses trabalhadores infantis. Em valores absolutos, os estadosque mais os empregam são Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sule Pernambuco. Juntos, eles respondem por quase metade do trabalhoentre 5 e 9 anos. Portanto, o trabalho dessas crianças nãoestá restrito apenas às regiões mais pobres do país. Cabesalientar que, embora tais crianças trabalhadoras sejam bastantevisíveis nas grandes metrópoles, é nas atividades agrícolasque elas são encontradas majoritariamente. Mais de três em cadaquatro crianças com menos de 10 anos que trabalham encontram-seno campo. São Paulo é o único estado onde a maior parte dostrabalhadores mirins localiza-se em atividades não agrícolas.
 
 
 
 
 
 

c)A taxa de atividadeinfanto-juvenil

O número de trabalhadoreseleva-se bastante quando consideradas as crianças mais velhas. APEA atinge 3,8 milhões de crianças entre 10 e 14 anos,representando uma taxa de atividade de 21,6%. Em outras palavras,mais de uma de cada cinco crianças dessa faixa etária é umtrabalhador.
 
 
 
 

Dois terços dessas crianças sãodo sexo masculino. Mais uma vez, é o Nordeste que possui o maiorcontingente de crianças trabalhadoras nessa faixa de idade,representando 42,8% do total do país. A taxa de atividade decrianças do Nordeste é a mais alta (27,8%), enquanto a regiãoSudeste apresenta o menor valor (15,1%). A taxa de atividade dasregiões rurais é o triplo da encontrada nas regiões urbanas,deixando claro que, nas faixas etárias mais jovens, o trabalhoem atividades agrícolas permanece sendo o mais importante.

O total de trabalhadores na faixade 15/17 anos é ainda mais numeroso. A PEA atinge 5 milhões depessoas, significando uma taxa de atividade de 53,3%. Em outraspalavras, de cada dois adolescentes nessa faixa etária, umtrabalha ou está procurando emprego. A taxa de atividade é bemmais elevada para o sexo masculino do que para o feminino - 65,8%e 40,5% - e mais nas regiões rurais que nas urbanas - 71,5% e47,8%, respectivamente. O quadro regional também apresentavariações. A região Sul destaca-se com a maior taxa deatividade entre adolescentes (62,5%). Em termos absolutos,entretanto, o Sudeste possui o maior número de trabalhadoresadolescentes, representando 38,1% do total do país.

Osramos de atividadee o trabalho doméstico

O trabalho infanto-juvenilconcentra-se em grande parte na agricultura - mais da metade dascrianças trabalhadoras entre 10 e 14 anos, e mais da terçaparte dos adolescentes trabalhadores entre 15 e 17 anos sãoencontrados na agricultura. No Nordeste, a importância dotrabalho agrícola é ainda maior, atingindo dois terços dascrianças e metade dos adolescentes trabalhadores. O segundosetor em importância corresponde aos serviços, com cerca de 20%de participação total. Seguem-se o comércio e a indústria detransformação. Os demais setores têm menor importância(quadro 5).
 
 

Uma das ocupações maisfrequentes na faixa de 10/14 anos é o trabalho doméstico,absorvendo mais de 300 mil crianças. Trata-se de uma ocupaçãotipicamente feminina. Uma de cada três crianças dessa faixaetária, ocupadas no trabalho doméstico, é encontrada noNordeste e outra no Sudeste. Também entre as adolescentes dosexo feminino o emprego doméstico é muito comum. Das 1585 milmulheres ocupadas, nessa faixa etária, nada menos que 565 mil,ou seja 35,6%, eram empregadas domésticas. Da mesma forma que nafaixa mais jovem, um terço dos adolescentes no empregodoméstico encontra-se no Nordeste e outro terço no Sudeste.
 
 
 
 
 
 

Aposse da carteira detrabalho

Menos de 2% (62 mil) do total decrianças ocupadas, entre 10 e 14 anos, possuíam carteira detrabalho assinada. Apesar de diminuto, tal percentual não chegaa surpreender, na medida em que o próprio Estatuto da Criança edo Adolescente proíbe o emprego da maior parte dessas crianças.Por outro lado, a maioria delas encontra-se ocupada em atividadesagrícolas, onde a carteira de trabalho é uma raridade atémesmo para os adultos.

Embora a legislação permita otrabalho de adolescentes, ainda é relativamente raro encontrartrabalhadores entre 15 e 17 anos com carteira assinada. Apenas659 mil (ou 15,2%) dos adolescentes ocupados no mercado detrabalho em 1993 possuíam carteira assinada. Nota-se, portanto,um total desrespeito à legislação trabalhista quandoconsiderado o trabalho de adolescentes no país.

O nível de rendimentos

É muito comum a prática dotrabalho infanto-juvenil sem remuneração - 54,7% das criançase 28,6% dos adolescentes que trabalhavam em 1993 não recebiamqualquer rendimento. A situação é muito diferenciada,dependendo da faixa etária e da região considerada. Entre ascrianças, os maiores percentuais são encontrados no Piauí eParaíba, onde quase 80% trabalham sem rendimento. Emcontrapartida, os percentuais encontrados no Rio de Janeiro eSão Paulo não passam de 30%. As taxas de trabalho semrendimento entre os adolescentes variam entre 60% no Piauí e 10%no Rio de Janeiro e São Paulo. O trabalho não remunerado écaracterístico das atividades agrícolas. Sua incidênciareflete a maior ou menor participação no trabalho agrícola e onível de desenvolvimento econômico das diversas regiões.

O nível de rendimento médio éextremamente baixo - 0,2 SM para as crianças e 0,7 SM para osadolescentes trabalhadores. Há grandes desníveis entre asregiões e os ramos de atividade. Os extremos regionais sãoencontrados no Nordeste e no Sudeste. Enquanto o rendimentomédio das crianças trabalhadoras do Nordeste não passa de 0,1SM, para os adolescentes do Sudeste atinge 0,9 SM. A indústriade transformação é responsável pelos melhores e a agriculturapelos piores rendimentos. Os níveis médios variam entre 0,1 SMpara as crianças na agricultura e 1,1 SM para os adolescentes naindústria de transformação.
 
 

As horas trabalhadase a frequência à escola

Um dos aspectos mais negativos dotrabalho infanto-juvenil é o abandono da escola pelos jovenstrabalhadores. Isso ocorre, em grande parte, pela impossibilidadede conciliar os horários de trabalho e de estudo. Esse fato ficaclaro quando verificadas as longas jornadas de trabalho a que sesubmetem tais trabalhadores. Nada menos que 31% dos trabalhadoresentre 10 e 14 anos e 68% entre 15 e 17 anos possuem jornadas de40 horas semanais ou mais. Apenas 14% dos adolescentes e 40% dascrianças que trabalham possuem jornadas de 20 horas ou menos porsemana.
 

Tomando como ilustração asregiões Nordeste e Sudeste, pode-se verificar a situaçãodesfavorável de frequência à escola para as crianças eadolescentes brasileiros. Apenas duas de cada três criançasnordestinas entre 10 e 14 anos têm como atividade exclusiva oestudo. Entre os adolescentes, a relação é aproximadamente deum para cada três em situação semelhante. Embora maisfavorável, o quadro do Sudeste também apresenta sériosproblemas. Entre os adolescentes, por exemplo, menos da metadeestuda e não trabalha. Quando considerados aqueles quetrabalham, fica clara a dificuldade de permanência na escola.Tanto no Nordeste quanto no Sudeste, há mais adolescentestrabalhando sem estudar do que trabalhando e estudando.
 
 

O mercado formal detrabalho

A RAIS complementa os dados daPNAD, apresentando informações sobre o mercado formal detrabalho infanto-juvenil. Da mesma forma que na PNAD, asinformações mais recentes correspondem a 1993. A análise doperíodo 1989/93 mostra como o mercado formal de trabalhoacompanhou o ciclo econômico. O total de empregos com carteiraassinada para todas as faixas etárias reduziu-seconsideravelmente entre 1989 e 1992, baixando de 36 milhões para31,6 milhões. Em 1993, na medida em que a economia serecuperava, o número de empregos voltava a crescer, atingindo32,2 milhões. A redução atingiu principalmente os empregadosmais jovens, confirmando os dados da PME apresentadosanteriormente. Os 133 mil empregos encontrados em 1989 na faixaetária de 10/14 anos baixaram para apenas 48 mil em 1993.Analogamente, havia 1,5 milhão na faixa de 15/17 anos em 1989,caindo para 825 mil em 1993.

De cada três empregos decrianças e adolescentes até 17 anos, levantados pela RAIS em1993, dois eram ocupados por pessoas do sexo masculino. Dascrianças entre 10 e 14 anos, apenas 15,5% haviam completado aoitava série, podendo ser consideradas com escolaridade adequadaà idade. Na faixa de 15/17 anos, apenas 16,4% possuíam osegundo grau completo ou incompleto. O tempo de serviço noemprego não passava de um ano para 68,2% dos adolescentes.

Quase metade dos empregos decrianças e adolescentes no setor formal é encontrada em SãoPaulo, sendo 60% no conjunto da região Sudeste. A regiãoNordeste não absorve mais que 4% do total de empregos levantadospela RAIS para esta faixa etária. As três regiõesmetropolitanas do Nordeste não chegam a oferecer 10 mil empregoscom carteira assinada para crianças e adolescentes - 3% do totalencontrado nas nove regiões metropolitanas do país - enquanto aregião metropolitana de São Paulo é responsável por mais dametade daquele mesmo total - 175 mil empregos.

Os setores que mais empregampessoas entre 10 e 17 anos com carteira assinada são aindústria de transformação (31,2%), o comércio (24,4%) e osserviços (21,8%). No interior da indústria de transformaçãocabe destacar a participação da indústria têxtil, decalçados e de produtos alimentares e bebidas, representando maisda metade do total do emprego industrial. Os estabelecimentosempregadores de crianças e adolescentes possuem os mais diversosportes. Até mesmo aqueles com mais de mil empregados absorvem osjovens trabalhadores. Portanto, diferentemente do que se poderiaimaginar, o emprego infanto-juvenil não está limitado àspequenas empresas. Cerca de 15% são encontrados emestabelecimentos com quinhentos empregados ou mais.

As ocupações das crianças eadolescentes no mercado formal de trabalho são relativamentesimples, exigindo baixo nível de qualificação - vendedores,trabalhadores administrativos, auxiliares de escritório,trabalhadores agropecuários, trabalhadores braçais, etc. Emgrande parte, são ocupações do setor terciário. Entre asocupações industriais, destacam-se os trabalhadores emcalçados, costureiros, ceramistas, e trabalhadoresmetalúrgicos. De forma até certo ponto surpreendente, surgemtambém entre as ocupações mais frequentes no setor formalalgumas associadas à agricultura - trabalhadores agropecuários,da fruticultura, da cultura de gramíneas (ex: trigo e soja),etc. Embora mais elevados que os levantados pela PNAD, ossalários pagos pelo setor formal a esses jovens trabalhadoressão relativamente baixos. Quatro de cada cinco trabalhadoresrecebem entre meio e dois salários mínimos mensais.
 
 

Comentários Gerais

O Brasil possui um grande númerode trabalhadores infanto-juvenis. Trata-se de uma característicaantiga que permanece presente nos anos noventa. A taxa deatividade de crianças e adolescentes é alta e bastantediferenciada, dependendo de tratar-se de populações rurais ouurbanas. Nas primeiras, o trabalho infantil é tradicionalmenteuma atividade familiar, sendo realizada em conjunto com osdiversos componentes da família. Nas regiões urbanas, otrabalho infanto-juvenil representa um complemento da rendafamiliar, concentrando-se nas famílias mais pobres.

Quanto mais jovem, maior é aprobabilidade do trabalhador ser encontrado em atividadesagrícolas. Quando considerados os adolescentes, aumentasignificativamente a proporção ocupada em atividades nãoagrícolas. Simultaneamente, a taxa de atividade cresce com aidade: enquanto o trabalho abaixo de 10 anos é um fenômenorelativamente pouco frequente, mais da metade dos adolescentesjá se transformou em trabalhador.

Embora a pobreza sejainequivocamente o principal elemento indutor ao trabalho precoce,não resta dúvida de que as condições do mercado de trabalholocal são fundamentais para transformar uma criança emtrabalhador. Não se trata apenas de uma questão de oferta demão-de-obra barata. Para que a criança ou o adolescenteparticipe do mercado de trabalho, é necessário que haja demandapor seu trabalho. Este fato é refletido claramente nas taxas deatividade dos adolescentes, mais elevadas nas regiões maisdesenvolvidas do país, onde o mercado de trabalho é maisorganizado.

O trabalho infanto-juvenil éabsorvido através de ocupações pouco qualificadas, com baixaremuneração. Para os mais jovens, a atividade mais comum aindaé o trabalho agrícola. Entre as meninas, predomina o empregodoméstico, inclusive para as adolescentes. Uma das principaisconsequências do trabalho precoce é o atraso escolar ou oabandono puro e simples da escola. Na medida em que as jornadasde trabalho são elevadas, torna-se difícil conciliar o trabalhocom o estudo. As consequências para o futuro dos jovenstrabalhadores são óbvias.

O trabalho abaixo de quatorze anosé proibido pela legislação brasileira. Não obstante, ele éencontrado em todo o país, inclusive nas regiões urbanas. Atémesmo crianças com menos de 10 anos se iniciam no mundo dotrabalho. A PNAD contabilizou mais de 500 mil crianças nessasituação em 1993. Na faixa etária em que a lei permite otrabalho, as condições de sua inserção são bastanteprecárias, sendo ainda pouco frequentes os casos de adolescentescom carteira de trabalho assinada.

O mercado formal de trabalho paraos adolescentes está concentrado nas regiões mais desenvolvidasdo país, especialmente no Sudeste e, em seu interior, no estadode São Paulo. Os mais distintos setores e empresas dos maisdiferentes portes absorvem trabalhadores adolescentes, pagandobaixos salários. As ocupações desses trabalhadores são, viade regra, pouco qualificadas, dificilmente podendo serinterpretadas como um aprendizado favorável para seudesenvolvimento futuro.

A principal modificaçãoobservada na primeira metade dos anos noventa foi uma grandequeda na taxa de atividade dos adolescentes nas regiõesmetropolitanas, que possivelmente pode ser estendida às demaisregiões urbanas. Este fato parece estar associado às própriasdificuldades enfrentadas pelo mercado de trabalho urbano, ondefica cada vez mais difícil a entrada de novas pessoas, atingindoem cheio os mais jovens. Tal queda poderia ser tomada como umelemento positivo, desde que aproveitada para a elevação donível de escolaridade dos adolescentes que, por opção ouimpossibilidade, deixarem de se dirigir ao mercado de trabalho.Caso contrário, significa simplesmente o adiamento da entrada dejovens mal preparados no mercado de trabalho, cujo futurocontinuará tão incerto quanto antes.

Em resumo, a análise dos dados daprimeira metade da década de noventa mostra que ainda permaneceextremamente precária e elevada a participação de crianças eadolescentes no mercado de trabalho brasileiro. Em outraspalavras, a legislação referente ao trabalho infanto-juvenilcontinua sendo desrespeitada, encontrando-se o país muitodistante do texto da Convenção 138 e da Recomendação 146 daOIT e, mais grave ainda, do próprio Estatuto da Criança e doAdolescente.
 

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Retirado de: http://www.unicef.org.br/socpol/trabinfa/