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O ESTATUTO, NOVO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

ANTONIO F. DO AMARAL E SILVA

Desembargador
 
 
 
 

1. Introdução

O presente trabalho objetiva expor em linhas gerais o sistema de justiça preconizado a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Uma nova Justiça e um novo Direito são apresentados com base na doutrina da "Proteção Integral".

A explanação inclui crítica ao antigo modelo e à doutrina da "situação irregular", enfatizando o papel de cada um dos integrantes do sistema: Juiz, Promotor, Advogado, Autoridade Policial, Técnicos.

Valoriza-se o Juiz como figura central do processo que age dentro dos princípios da legalidade estrita. Salienta-se a importância do Ministério Público, defensor dos direitos indisponíveis, da ordem jurídica, do "justo", distinguindo-se as funções do advogado como indispensáveis à administração da justiça.

Cada personagem com o seu papel. Nada de eufemismos ou mitos capazes de desvirtuar institutos ou órgão já consolidados no Direito.

O Direito das Crianças e Adolescentes, como os demais, está preso aos princípios, às normas, às regras da ciência jurídica.

A Justiça da Infância e da Juventude, seus integrantes, o sistema estão jungidos ao Direito Judiciário.

O processo surge como elemento de garantia e segurança da liberdade jurídica, dos direitos de crianças e adolescentes, cujo sistema de justiça, como os demais, busca a prevenção e a composição dos litígios.

2. Generalidades

2.1. Direito do menor: perplexidades

Segundo os defensores da doutrina Cavallieri, há que se limitar o alcance do Direito do Menor; o ramo não se ocupa de toda a menoridade, mas dos menores de dezoito anos que se encontrem em situação irregular, e, excepcionalmente, nos casos previstos em lei, entre 18 e 21 anos. Ora, não é possível cogitar de um ramo do Direito cuja denominação não corresponda ao conteúdo principal da matéria por ele tratada. Cuidando essa parte da ciência jurídica apenas de uma parcela dos menores, daqueles que tenham menos de 18 anos e, assim mesmo, estejam numa situação de "patologia jurídico-social, definida legalmente, a crítica pode começar pela impropriedade da denominação.

Para ser adequado à denominação, o Direito do Menor teria de se dirigir a todos os menores de 21 anos e não apenas aos de 18 e, ainda assim, em "situação irregular".

A nominação é sempre pelo conteúdo, pela regra de incidência. Aqui se nominou pela exceção.

Cavallieri define Direito do Menor como "o conjunto de normas jurídicas relativas à definição dá situação irregular do menor, seu tratamento e prevenção".

O Direito do Menor é comparado à Medicina. Diz-se serem suas medidas terapêuticas. Há um diagnóstico que identifica a "patologia social".

O Juiz, à semelhança do médico, determina o tratamento, buscando no elenco do Código a medida terapêutica adequada.

O equívoco está em "diagnosticar" o menino, que é posto como mero objeto da intervenção estatal, quando, na realidade, se trata de sujeito ativo de direitos.

Entre as medidas, ditas "terapêuticas", o Juiz não encontrava uma única de apoio material ao jovem ou à família, restando na maioria dos casos a colocação em lar substituto ou internamente, como os únicos viáveis.

Os pobres podiam perder o pátrio poder e os filhos, por indigência, ser colocados sob tutela do Estado ou em família substituta.

2.2. Direito da criança e do adolescente: um novo Direito

Muito mais adequado falar-se em Direito da Criança e do Adolescente, um novo ramo mais científico, mais jurídico, dirigido a todas as crianças e adolescentes, com denominação correspondente ao conteúdo da matéria por ele tratada.

O novo Direito traz normas e institutos exclusivos, não de alguns, mas de todas as crianças e adolescentes. Consagra na ordem jurídica a doutrina da proteção integral; reúne, sistematiza e normatiza a proteção preconizada pelas Nações Unidas.

O Direito, caracterizado pela coercibilidade, passa a garantir às crianças e adolescentes "todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhes oportunidade e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições e dignidade" (Estatuto, artigo 3°.)

Não há mera carta de intenções, mas normas com direitos objetivamente colocados, capazes de possibilitar a invocação subjetiva para cumprimento coercitivo.

O novo Direito assegura às crianças e adolescentes medidas de proteção e ações de responsabilidade por ofensa aos seus direitos. Há no Direito-norma e no Direito-ciência institutos próprios e métodos inconfundíveis capazes, agora sim, de elevar o Direito da Criança e do Adolescente à categoria de Direito autônomo. Aí estão a autonomia científica baseada na doutrina da proteção integral, nos institutos do acolhimento, da adoção, da liberdade assistida, da internação, da remição, das ações de responsabilidade por ofensa aos direitos difusos e coletivos, entre outros; a autonomia legislativa com o Estatuto; e a didática, com a cadeira do Direito da Criança e do Adolescente, evolução do Direito do Menor.

Não mais um Direito-norma, como o Código de Menores, que não mencionava direitos, mas um novo ramo capaz de "assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária" (Estatuto, art. 4°.)

A "validade" da lei, categoria do "dever-se", e sua eficácia estão ligadas à "aceitação".

A origem do Estatuto do novo direito-norma baseado nos movimentos populares da sociedade civil organizada (Criança e Constituinte; Criança: Prioridade Nacional) garante "validade e eficácia" das novas disposições, cumprindo ao Juiz a interpretação do novo "comando" abstrato, de forma sociológica, atento à circunstância e ao princípio da "universalização" da proteção integral - uma nova ordem mais "justa".

O Direito do Menor não é o direito de todos os menores, mas apenas dos menores de 18 anos em situação irregular. Agora surge o Direito da Criança e do Adolescente, de todas as crianças e adolescentes. Não se cuida da situação irregular da criança, mas da situação irregular dos que violam os direitos de crianças e jovens.

Causava perplexidade que a lei considerasse em situação irregular o menino abandonado ou maltratado pelo pai, ou aquele privado da saúde ou da educação por incúria do Estado. Em situação irregular está o pai que descumpre os deveres inerentes ao pátrio poder, ou o Estado que negligencia as políticas sociais básicas.

Para esses, pouco ou quase nada havia no Direito anterior. A Justiça de Menores, "cuidando apenas dos efeitos", contentava-se com medidas dirigidas quase exclusivamente à criança. Ao Estado, nenhuma medida. Aos pais, a destituição do pátrio poder. Às crianças, colocação em lar substituto ou internamento. À família, nenhum apoio. A situação irregular era da criança e as medidas não passavam do "menor".

A nova doutrina evoluiu "da situação irregular do menor" para a situação irregular da família, da sociedade e do Estado, preconizando novas medidas, também para os responsáveis ativos da situação irregular.

"Irregular" é o mesmo que "estar contra o que é regular", conforme a regra. Estamos no campo semântico-jurídico. Aqui, as expressões têm significado próprio.

Segundo De Plácido e Silva "irregular: (contrário a regular) que sai da regra jurídica ou contravém à lei ou ao regulamento. Equivalente a ilegal."

Ora, a criança negligenciada pelo Estado ou abandonada pelo pai jamais estará em situação irregular, isto é, na ilegalidade. Na irregularidade incidirão o pai, a família ou o Estado.

2.3. A justiça de menores

Evidenciado o viés da situação irregular, pelo qual se fixava a competência do Juizado de Menores, cabem algumas observações a respeito da Justiça Especializada.

Wilson Barreira e Paulo Roberto G. Brazil expõem como característica do sistema: "Quando o menor é encontrado na flagrância da prática do ato infracional, não recebe voz de prisão. Conduzido à delegacia de polícia, não se lavra auto de prisão em flagrante, não se lhe entrega nota de culpa e nem fica preso em cela de adulto. Ao ser encaminhado ao Juizado de Menores não é interrogado pela autoridade judiciária, sendo ouvido por todos os interessados, mas principalmente pelos profissionais habilitados da área técnica do serviço social, psicológico, etc".

"O Juiz de menores não irá julgar o infrator, mas irá definir a situação irregular previamente decretada, enquanto o Curador de Menores, do Ministério Público, não promoverá nenhuma acusação, velando pelo respeito à Lei Tutelar, protegendo os interesses do menor."

O Direito do Menor com sua aplicação centrada em medidas "paternalistas" tem-se demonstrado antijurídico, repleto de mitos e eufemismos, claramente visualizados na argumentação da inexistência de "voz de prisão", falta de auto de prisão em flagrante, nota de culpa, inexistência de interrogatório, de acusação e de julgamento.

Voz de prisão, auto de prisão em flagrante, nota de culpa, interrogatório, acusação, julgamento são atos jurídicos-formais de garantia dos direitos da pessoa humana. Por si só não alteram a natureza da medida a que se referem, agravando-a. Ao contrário, tutelam a liberdade jurídica da pessoa, garantindo-a contra possíveis abusos de poder.

O "menor" não recebia voz de prisão e contra ele não se lavrava auto de prisão em flagrante. Não era "preso", mas internado na cela da Delegacia de Menores ou na cadeia pública, à disposição do Juiz, sem a garantia da formalidade do auto, da nota de culpa. Era internado, isto é, preso na penitenciária "sem julgamento", o que é pior, por tempo indeterminado, geralmente sem qualquer defesa. Tamanha antijuridicidade não cabe no Direito-ciência e, muito menos, no Direito das Crianças e Adolescentes.

Não se pode cogitar de um Direito do Menor baseado na lei "estranha, extravagante", de que nos fala Uchôa de Mendonça, "espanando princípios, abandonando regras fundamentais, princípios fundamentais do Direito, fixando que a iniciativa é informal, a presença do advogado é necessária só em grau de recurso; se a medida adequada ao caso não estiver prevista em lei, o Juiz decide livremente, e o que é mais sério, na aplicação desta lei, o interesse do menor se sobrepõe a qualquer bem ou interesse juridicamente tutelado. Fica inserido no Poder Judiciário um homem com superpoder, tendo que se autopoliciar para aplicá-lo com justiça, equilíbrio e eqüidade".

O novo ramo, criado a partir da Constituição de 88, inspirado na doutrina da proteção integral e regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, prende-se aos princípios gerais, às regras técnicas do Direito, aos conceitos da Ciência Jurídica, buscando a realização do justo, do bem comum, da eqüidade.

2.4. As novas tendências do Direito da Criança e do Adolescente

Existe em todos os países, qualquer que seja o modelo ou sistema que adotado ("do devido processo legal", do "bem-estar" ou do "participativo"), uma forte tendência no sentido de melhorar a posição do jovem quanto aos seus direitos processuais e materiais.

A inclinação é registrada por vários autores: Alenka Selih,6 Luiz Rodrigues Manzanera,7 Ubaldino Calvento Solari.8

Crianças e jovens gozam todos os direitos fundamentais da pessoa humana e, além disso, têm direito à proteção integral.

"As características próprias dos tribunais especializados são estabelecidas para a realização dos direitos da criança e do adolescente, sem olvidar os direitos fundamentais garantidos na Constituição", como, por exemplo, o devido processo legal, "evitando-se dessa forma que através do exercício de faculdades discricionárias e arbitrárias se convertam em centros de poder ilimitado." (Solari.)

No Brasil, versando a matéria, Grünspun diz que "a posição paternalista não está resolvendo porque é autoritária e antijurídica."9

Depois de analisar a questão detalhadamente, cientista faz interessante crítica:

"Criam-se então situações antijurídicas, modificando o transitado em julgado, com sentenças novas que, mesmo chamadas de medidas educativas ou de proteção, não mudam o aspecto do fato na prática: injustiças para os menores infratores são mais freqüentes do que as penas que na maioria das vezes são atenuadas para o adulto.

"Bom comportamento de maiores nas prisões pode abreviar o tempo para a liberdade de um adulto, mas o menor infrator, com sentença de medida corretiva até à maioridade, pode ficar confinado por muitos anos, sem mudanças por bom comportamento.

"A proposição é de igualar os direitos, aceitar e compreender que existe crime infantil e juvenil, haver defesas pela patologia que pode existir e indicar a medida correta.

"O que deve preocupar é o reconhecimento da patologia da violência."

O que importa é conter o sistema de justiça e de atendimento do infrator nos limites da estrita legalidade. Tais marcos existem para assegurar os direitos fundamentais e não para punir, como equivocadamente se manifestam alguns defensores do sistema ab-rogado.

Não é a existência do processo que mudará a medida tutelar em repressiva. Processo é direito adjetivo; medida, substantivo. Processo é meio, caminho, percurso, é forma. Medida é substância, conteúdo. Como diz Pontes: "processo é função realizadora do direito objetivo... suas regras se referem à forma ou a prazos... dirigem-se ao Juiz, que preside o processo e vai entregar pelo Estado a prestação jurisdicional."10

Hélio Tornaghi11 ensina:

"A lei de processo é o prolongamento e a efetivação do capítulo constitucional sobre os direitos e garantias individuais. De nada valeria que uma Constituição dissesse ser a casa o asilo inviolável do indivíduo, no qual ninguém pode entrar a não ser nos casos e pela forma previstos em lei, se uma lei não dispusesse sobre os casos e as formas. Seria inútil estabelecer que ninguém pode ser preso fora dos casos previstos em lei, se uma lei não previsse os casos de prisão. A Constituição ministra os princípios, mas nem pode nem lhe compete estar descendo a minúcias sobre procedimento. A lei processual vem assim complementá-la.

"A garantia individual está mais na forma que no conteúdo do Direito, mais na legalidade que na justiça. Por isso o cabimento, a configuração, o lugar, o tempo dos atos processuais, a competência para praticá-los, tudo é regulado em lei. A inobservância da norma legal respectiva constitui ilegalidade; a prática de qualquer ato fora dos casos ordenados ou admitidos em lei redunda em excesso de poder; e a execução de ato, ainda que permitido ou imposto por lei e embora com observância das normas relativas à forma, lugar e tempo, mas por motivo diverso do que fundamenta o preceito legal, acarreta abuso do poder. Em todas essas hipóteses o ato é arbitrário e o arbítrio só excepcionalissimamente é encampado pelo Direito positivo."

Sendo as normas processuais regras de forma, dirigidas ao Juiz, protegendo os jovens contra o possível arbítrio do Estado, não há por que negar aos adolescentes o direito ao devido processo legal.

3. O Sistema de Justiça da Infância e da Juventude

3.1. Histórico

Bulhões de Carvalho12 lembra que a Justiça de Menores nasceu da Justiça Criminal, decorrência da reação humanitária contra a "prisão-educação", que não passava de prisão.

"Surgiu, desde então, e desenvolveu-se a idéia de que se deveria atribuir a juízes especiais o encargo de submeter os menores infratores a medidas educativas, inteiramente alheias à pesquisa do discernimento e da aplicação de pena ou castigo."

"Instituído em Chicago pela Lei de 21 de junho de 1899, passou esse Tribunal Especial para a Inglaterra em 1905, com a criação do Tribunal de Birmingham, seguido do Children Act, em 1908. Em 1911, foi adotado em Portugal pela lei de proteção à infância, na Bélgica e na França, em 1912, na Espanha, em 1918, e no Brasil, em 1921."

Se a Justiça de Menores nasceu da indignação referida por Bulhões, citando o Juiz Magnaud que se recusava a mandar jovens para as escolas de preparação de crimes e criminosos, a Justiça da Infância e da Juventude surgiu da luta contra o sistema equivocado da "carrocinha de menores" exposto por Rivera13 durante o debate "Código/Estatuto":

"Constata-se hoje no Brasil um fenômeno análogo ao que ocorria no Rio de Janeiro em 1960, quando a hidrofobia matava muitas pessoas nesta cidade. O Rio de Janeiro era recordista mundial de mortes por hidrofobia, e morriam principalmente crianças. Ora, uma pesquisa provou que era o serviço de profilaxia da raiva que propagava a doença. Era o Estado que difundia a hidrofobia. Como? Cometia-se um erro técnico na captura de cães vadios, na apreensão e contenção dos cães. Até 48 horas após apreendidos, os cães podiam ser devolvidos aos donos. O cãozinho da madame de Copacabana, que fugia de casa quando ela saía para as compras, era preso pela carrocinha e levado para o hospital veterinário. Até 48 horas depois o dono ia lá pagar uma multa e retirar o seu cão. Inadvertidamente, o Serviço de Profilaxia da Raiva estava propiciando que esse cão, que saiu bom, mas não tinha sido vacinado, de sua casa, voltasse com a doença e mordesse o filho da madame e ele morresse de hidrofobia. Quando foi corrigido o sistema, a hidrofobia humana caiu a níveis residuais, no Rio de Janeiro. Não se fala quase mais disso. Era um escândalo em 1960, record mundial de morte por hidrofobia. Pois bem, constata-se hoje, no Brasil, um fenômeno que se pode chamar de ‘carrocinha de menores’, que é a indução da violência pelo Estado, através do contágio, do ‘pus benéfico’, da violência inoculada. Misturam-se nos camburões policiais - nossos irmãos policiais sabem bem disso -, misturam-se nas delegacias, especializadas ou não, nas penitenciárias, nas entidades de contenção de meninos, nas prisões de meninos, aqueles meninos já em estado de avançada destrutividade com meninos apenas pobres, meninos que estão apenas necessitando de apoio. Como na visão da situação irregular são todos ‘anormais’, eles são misturados, e esse contágio é altamente perigoso. O Estado está produzindo a violência. A penitenciária de Recife tem 85% de meninos que passaram pela carrocinha de menores: juizados, ruas ... Em Brasília, 80%. Aqui no Rio de Janeiro, só numa jaula, numa cela do Presídio de Água Santa existem 25 ex-egressos da FUNABEM. Em todo o Brasil se pode comprovar isso. O sistema penitenciário é alimentado diretamente pelo desatendimento e pelo mau atendimento de crianças pela ‘carrocinha de menores’. Esse é um dos principais defeitos desse paradigma. Então, o paradigma do Código de Menores, em primeiro lugar, é arcaico e inconstitucional. Ele foi superado pela Constituição."

A "carrocinha de menores" decorria da aplicação do artigo 94 do Código, que determinava às autoridades administrativas o encaminhamento à autoridade judiciária dos menores em situação irregular.

Ora, pelo artigo 2°, I, b, os meninos pobres, os meninos de rua, entre outros, eram apreendidos pela polícia ou ronda do comissariado, sem que nada estivessem fazendo além de exercitarem um direito fundamental de ir e vir, estar e permanecer nos logradouros públicos e espaços comunitários. Nessa "apreensão" indiscriminada misturavam-se meninos sem qualquer desvio de comportamento com adolescentes já "contaminados" pela patologia da violência. O resultado era evidente: mais destrutividade.

As Delegacias de Menores estavam "cheias" de meninos com pequenos furtos de sobrevivência, outros sem qualquer comportamento desviante, estes últimos, injustamente acusados de "vadiagem" ou "atitude suspeita" ou "perambulância", todos "misturados", inclusive com adolescentes envolvidos em infrações graves. Como no "Direito do Menor" não havia "acusação", muito menos "idéia de punição", aí permaneciam aguardando outro "encaminhamento", tudo em nome "do superior interesse do menor".

Essa antijuridicidade fez com que grupos da sociedade civil se organizassem iniciando campanha pela revogação do Código e dos princípios "autoritários e simplistas" do Direito do Menor. O detalhe é importante para fixar o espírito do novo "Direito da Criança e do Adolescente", cuja fonte é o fenômeno social já referido.

Costa,14 com rara acuidade, identificou o fenômeno do "ciclo perverso de violentação e degradação pessoal e social, assim esboçado:

"Apreensão: o menino é apreendido nas ruas pelo policiamento ostensivo ou ronda do comissariado de menores; triagem e investigação: realizadas em diversas fases que podem envolver a Delegacia de Menores, o Juizado e os Centros de Triagem da FEBEM; rotulação: como resultado do estudo social do caso, o menino é enquadrado em categorias sociais: abandonado, carente, desassistido ou nas categorias legais previstas no Código de Menores; deportação: por uma decisão judicial, o menino é arrancado do seu continente afetivo (família ou bando de rua) e das vinculações sociais e culturais com a sua comunidade de origem; confinamento: ao fim deste ciclo, ocorre o seu confinamento em internato que, paradoxalmente, passa a ter a missão de ressocializá-lo.

"É evidente que, quando o adolescente luta, valendo-se dos mais diversos meios, para escapar deste ciclo perverso, ele o faz, acima de tudo, pelo que ainda lhe resta de saúde mental e de senso de dignidade humana."

Para coibir essa degradação, o novo Direito, seguindo as diretrizes das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil, introduziu na ordem jurídica interna as garantias do devido processo legal, inclusive, quanto aos requisitos formais e pressupostos da privação da liberdade. Confiram-se as Regras 7.1 10, 13 e 15.1 e o Estatuto, artigos 106 a 111 e 207.

3.2. Características

Será a Justiça da Infância e da Juventude um sistema de justiça parcial? A especialização do Juiz, do Promotor de Justiça, do Advogado e dos demais integrantes do sistema não torna a justiça "parcial" como queriam Wilson Barreira e Paulo Brazil.15

O sistema, como a legislação correspondente, é "tutelar", protetor, tuitivo, mas isto não o torna parcial.

A interpretação mais favorável aos interesses da criança e do adolescente obedece princípios da orientação zetética preconizada pela hermenêutica jurídica.

O descumprimento por parte da família, ou do Estado, do direito objetivo (normas estatutárias da proteção integral) cria para a criança ou adolescente o direito subjetivo de invocar a aplicação coercitiva da norma, o que só pode ser feito jurisdicionalmente. Isto não quer dizer que a jurisdição, por ser tutelar, deixe de ser jurisdição. É especializada, mas é jurisdição. Participa da "justiça ordinária".

Não se trata de jurisdição especial que, no nosso ordenamento, limita-se a militar, eleitoral e do trabalho. Vide Carta de 88, capítulo III, do Titulo IV, "Da Organização dos Poderes".

Não se cogita da chamada jurisdição anômala ou administrativa.

Há na Justiça da Infância e da Juventude a jurisdição administrativa, também chamada de "graciosa" ou "voluntária", que não se confunde com o "contencioso administrativo". São coisas bem diversas.

A jurisdição administrativa, exercida na área da Infância e Juventude (especialização dentro da jurisdição ordinária) é exercida sobre fatos ou direitos a serem protegidos contra a formação de futuro litígio. Apenas isso.

Juiz não é administrador, é Juiz! Julga conflitos de interesses, lides, litígios. Julga o mérito ou, quando muito, previne litígios (jurisdição graciosa). Seus atos se exteriorizam, em qualquer caso, por meio do processo.

Sem processo não há Juiz muito menos função jurisdicional.

O Juiz da Infância e da Juventude, como todo Juiz, só atua no processo, seja administrativo ou contencioso.

Se a característica mais importante da justiça especializada é a tutela dos direitos da criança e do adolescente, isto não implica que o Juiz e demais integrantes do sistema atuem extraprocessualmente, mesmo quanto a medidas próprias da "prevenção especial": diversões, espetáculos, autorizações de viagem.

Em todos os casos, mesmo na fiscalização das entidades de atendimento, a atuação será processual, isto é, formal ou formalizada.

Como diz Marques, "o que assinala, especificamente, a atividade jurisdicional, é a aplicação processual da lei do direito objetivo em geral."16

Para se estabelecerem as características do novo sistema é preciso recorrer-se à interpretação histórica do Estatuto da Criança e do Adolescente.

As fontes materiais do novo Direito e da nova Justiça encontram bases nos movimentos populares da sociedade civil organizada que introduziram no país a "doutrina da proteção integral", recomendada nos documentos das Nações Unidas.

Essa doutrina preconiza que crianças e jovens são sujeitos de direito, gozam de todos os direitos fundamentais da pessoa humana relacionados na Constituição, nos tratados, convenções internacionais e leis e, além disso, desfrutam de proteção especial, um plus decorrente da "condição peculiar de pessoa em desenvolvimento".

Sistema de justiça não faz assistência social, administra justiça.

Não se confundem jurisdição e atribuição. A primeira é própria dos Juízes (o poder de julgar), a última (prerrogativa, competência) peculiar às autoridades administrativas.

O novo sistema se caracteriza pela jurisdicionalização dos atos, ou seja, pela atuação processual. Essa particularidade está adequada aos princípios da proteção integral.

Processo e procedimento são formas de declaração e realização do direito subjetivo. São garantias contra o possível arbítrio do Estado.

Caracterizam, ainda, a Justiça da Infância e da Juventude a gratuidade dos atos processuais, o segredo de justiça e a celeridade da prestação jurisdicional.

Salvo a litigância de má-fé, os atos processuais são isentos de custas, taxas e emolumentos.

Não teria sentido fosse onerosa a justiça, onde se questiona e decide a respeito de direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

A celeridade decorre da simplificação dos atos processuais, com ritos próprios e exclusivos, como o procedimento para a perda ou suspensão do pátrio poder, a apuração do ato infracional, a apuração de irregularidades em entidades de atendimento e os recursos.

3.3. O juiz

O Juiz da Infância e da Juventude é o Juiz de Direito que exerce essa função na forma da lei de organização judiciária local.

Compete à União legislar sobre processo (Carta 88, art. 22, I), cabendo aos Estados dispor sobre organização judiciária (art. l25, § 1º).

O Direito processual regulamenta o exercício da jurisdição (o poder de julgar) que vem instituído na Constituição.

Em que pese à zona cinzenta, é possível distinguir Direito processual e organização judiciária.

A União estabelece normas processuais, disciplinando a forma de desenvolvimento da prestação jurisdicional. O Estado organiza sistema de justiça, criando tribunais, juízes e serviços auxiliares.

A organização judiciária é sempre dependente, subordinada, regulamentadora dos órgãos necessários à prestação jurisdicional.

O Estatuto regulamenta a proteção integral preconizada no artigo 227 da Carta Republicana, explicitando os direitos de crianças e adolescentes e a forma da realização coercitiva desses direitos por meio do processo judiciário (competência da União).

As normas processuais estão no título VI que trata do acesso à Justiça, cabendo aos Estados, através das leis locais de organização judiciária, criar os órgãos necessários à prestação jurisdicional prevista no Estatuto.

A União diz como se desenvolve o processo, quem são seus atores.

O Estado organiza o sistema.

O Juiz da Infância e da Juventude deverá ser especializado, necessidade reconhecida unanimemente. D'Antônio afirma ser tão prejudicial o sistema que submete o menor a um Juizado leigo como aquele que concede jurisdição a magistrados sem especialização.17 Solari 18 defende a necessidade, lembrando que isto já acontece com o Direito Administrativo e com o Direito do Trabalho. Bulhões de Carvalho 19 sustenta que a especificidade da jurisdição exige formação especializada.

O comentário às "Regras de Beijing", tratando do profissionalismo, enfatiza a imperiosa necessidade de formação mínima em direito, sociologia, psicologia, criminologia e ciências do comportamento, dizendo ser esta questão tão importante como a especialização organizacional e a independência da autoridade competente.

3.3.1. As Funções do juiz

O processo visa à realização da justiça. As funções do Juiz são processuais.

O Juiz é juiz no processo. O fenômeno se repete na Justiça da Infância e da Juventude onde há processo simplificado, célere, mas processo, mesmo na jurisdição voluntária.

Guimarães,20 referindo-se às três fases da marcha processual, a da instrução, a decisiva e a executiva, explica: "As duas primeiras correspondem aos elementos de que se compõe a jurisdição: a notio, ou o poder de conhecer das questões; e o judicium, o poder de julgá-las. A terceira deflui das precedentes. Na primeira, tem o Juiz por objetivo a verdade. Na segunda, a declaração do direito. Na terceira, a efetivação."

Nos processos do Estatuto, que têm por normas subsidiárias, conforme a hipótese, o Código de Processo Civil ou Penal, o Juiz exerce a jurisdição nas três fases: instrução, julgamento e execução.

Na instrução, o Juiz assegurará às Partes "igualdade de tratamento, velará pela rápida solução do litígio, prevenindo ou reprimindo atos contrários à dignidade da Justiça." (CPC, 125.)

Barbi 21 explica: "As formas adotadas pela lei para processar as causas são, com freqüência, criticadas pelos menos avisados, como se fossem escolhidas pelo simples gosto pela formalidade. Todavia, são elas prescritas para garantir aos indivíduos maior segurança na discussão e defesa de seus direitos."

A prevalência dos interesses da criança e do adolescente nas questões de família não quebra a igualdade de tratamento das partes.

Situações desiguais não podem ter tratamento idêntico. A preeminência dos interesses não é formal (processual), mas substantiva; não se refere à instrução, mas ao julgamento.

Na fase decisória prevalece o princípio da livre convicção, todavia "o Juiz deverá indicar os motivos que lhe formaram o convencimento." (CPC, 131.)

Não basta tomar os direitos com base, por exemplo, no "melhor interesse da criança"; é preciso fundamentar, isto é, justificar a decisão.

Um dos "pecados" do Direito Processual de menores repousava no processo inquisitorial e na freqüente falta de fundamentação das decisões.

A motivação, ou seja, a explicitação dos motivos, constitui garantia das partes, sendo indispensável ao controle dos órgãos recursais.

No novo Direito da Criança e do Adolescente a fundamentação é pressuposto de validade e legitimidade mesmo das decisões interlocutórias.

A exigência vem claramente posta no Estatuto, por exemplo, para privação provisória da liberdade (arts. 106, 108 e 174). Ou para os alvarás e portarias (art. l49. § 2°).

Sendo o Código de Processo subsidiário, a sentença terá que se ater aos requisitos objetivos e subjetivos de validade. Quanto às medidas de proteção ou às ações em torno dos interesses difusos e coletivos, a sentença, conforme o caso, atenderá às exigências do art. 1.109 ou 458 do CPC.

Tratando-se de ato infracional, o magistrado observará o disposto no art. 381 do CPP.

O Estatuto é claro: "A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça na sentença: estar provada a inexistência do fato; não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional" (art. 189).

A aplicação da medida socioeducativa pressupõe a existência de prova da autoria e da materialidade do ato (art. 114).

Na jurisdição voluntária, cabe ao Juiz disciplinar através de portaria, ou autorizar mediante alvará a entrada de criança ou adolescente desacompanhado dos pais ou responsáveis em diversão pública. A competência não inclui poder normativo de caráter geral.

O antigo poder normativo foi extinto. O Estatuto, na matéria, foi mais jurídico.

Não é próprio do Poder Judiciário ditar normas de caráter geral, mas decidir, em caso concreto, a aplicação do direito objetivo.

Juiz não é legislador, não elabora normas de comportamento social. Julga os comportamentos frente às regras de conduta da vida social. Essas geralmente decorrem do processo legislativo reservado pela Constituição a outra órbita.

3.4. Competência

A competência da Justiça Especializada era determinada pela "situação irregular do menor". O viés surge já na própria nomenclatura que tecnicamente equivale a ilegal, contrária à lei.

Abandonado, maltratado, ou negligenciado, o menino não está em situação irregular. Quem se encontra nessa situação, isto é, na ilegalidade, é quem abandona, maltrata ou negligencia.

O novo Direito da Proteção é invocado aplicando-se subjetivamente suas normas na hipótese de situação irregular do Estado, da família ou da sociedade.

O menino e o jovem não são mais vistos em posição passiva, como objetos da intervenção estatal, e sim como sujeitos ativos de direito na relação jurídica em que figuram no pólo passivo aqueles que ameaçarem ou violarem seus direitos.

A competência da Justiça da Infância e da Juventude e a incidência do Direito da Criança e do Adolescente se fixam, como nos demais ramos, pela ameaça ou violação do Direito objetivo.

Se alguém ameaça ou esbulha a posse de outrem, a incidência do ramo do Direito é encontrado na norma de Direito privado (Código Civil), caracterizando-se em "situação irregular" (contrária à lei) o turbador ou o esbulhador, nunca o possuidor. Do mesmo modo, a incidência das normas protetoras do Estatuto é invocável sempre que os direitos da criança ou do adolescente, reconhecidos naquela lei, forem ameaçados ou violados.

Não havia nenhuma necessidade de se estabelecer a competência pela "situação de risco". Em boa hora o grupo de redatores acolheu nossa sugestão, eliminando o viés que se pretendia reproduzir.

O Estatuto é claro: "As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados:

"I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

"II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis;

"III – em razão de sua conduta" (art. 98).

Aplica-se o Estatuto e é competente a Justiça da Infância e da Juventude sempre que alguém ameaçar ou violar os direitos: à vida e à saúde; à liberdade, ao respeito e à dignidade; à convivência familiar e comunitária; à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; à profissionalização, à proteção no trabalho. Esses direitos vêm expressos nos diversos títulos da "Parte Geral", encontrando-se na "Parte Especial" a forma, o processo para torná-los efetivos. Com esse desiderato o Estatuto disciplina a política de atendimento, as medidas de proteção socioeducativas, os procedimentos, as ações de responsabilidades por ofensa aos direitos individuais, difusos e coletivos, e as sanções administrativas e criminais.

A competência da Justiça da Infância e da Juventude também se fixa pela prática do ato infracional.

Às leis locais de organização judiciária competirá "criar varas especializadas e exclusivas da infância e da juventude, cabendo ao Poder Judiciário estabelecer a sua proporcionalidade por número de habitantes, dotá-las de infra-estrutura e dispor sobre o atendimento, inclusive em plantões" (Estatuto, art. 145).

As regras de processo e de organização judiciária se completam e se integram.

O Direito Federal regula as normas de processo. A Lei do Estado disciplina a criação dos tribunais, juízes e respectivos serviços auxiliares.

A União (Estatuto) diz como se fixa a competência (matéria processual), o Estado (Organização Judiciária) determina qual, dentre os Juízes é o competente em razão da matéria e do território.

Segundo o art. 147 da Lei Tutelar, a competência será determinada pelo domicílio dos pais ou responsável; à falta de pais ou responsável, será competente o do lugar onde se encontre a criança ou o adolescente.

O domicílio tem dois pressupostos, um objetivo e outro subjetivo. O objetivo é a fixação, a residência, num determinado lugar. O subjetivo caracteriza-se pela intenção de permanência definitiva naquele lugar. Assim para dirimir conflitos de interesse decorrentes do Estatuto, será competente o Juiz do local de residência permanente dos pais ou responsáveis.

Se estes não tiverem residência fixa, habitual, mas estejam sempre em contínua mudança, a competência será do Juiz do lugar onde se encontrarem.

A falta dos pais ou responsável, por não existirem, ou por serem desconhecidos ou estarem ausentes, desaparecidos, fixará competência para o Juiz do lugar onde se encontra a criança ou o adolescente (art. 147, II).

Os Códigos de Processo são invocáveis: o Civil, quanto às medidas de proteção, e o Penal, nas hipóteses de ato infracional.

Cabe ainda à Justiça da Infância e da Juventude (art. 148):

"Conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando medidas cabíveis; conceder a remissão, como forma de suspensão ou extinção do processo; conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes; conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209; conhecer de ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento, aplicando as medidas cabíveis: aplicar penalidades administrativas nos casos de infração contra norma de proteção a criança ou adolescentes: conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis."

Quando se tratar de criança ou adolescente que tenha os direitos reconhecidos no Estatuto violados ou ameaçados, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de:

"Conhecer de pedido de guarda e tutela; conhecer de ações de destituição do pátrio poder, perda ou modificação da tutela ou guarda; suprir a capacidade ou o consentimento para o casamento; conhecer dos pedidos baseados em discordância paterna ou materna, em relação ao exercício do pátrio poder; conceder a emancipação, nos termos da lei civil, quando faltarem os pais; designar curador especial em caso de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses da criança ou adolescente; conhecer de ações de alimentos; determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimentos e óbitos."

Na hipótese de adoção, a competência é exclusiva da Justiça da Infância e da Juventude. Da mesma forma com relação às ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, ressalvada apenas a competência da Justiça Federal e dos Tribunais Superiores.

A tutela, a destituição do pátrio poder, o suprimento da capacidade ou do consentimento para o casamento; os pedidos baseados em discordância paterna ou materna, em relação ao exercício do pátrio poder; a emancipação e a nomeação de curador especial, que antes corriam na Vara da Família, agora só se processam na da Infância e da Juventude.

Não fazia sentido duas jurisdições: uma da família e outra do "menor em situação irregular".

Os filhos das "boas famílias" tinham tutor nomeado na Vara da Família. Os filhos da pobreza, da miséria, da indigência eram postos em tutela na Justiça de Menores. A dicotomia entre "menor" e "criança" acabou: todos são sujeitos ativos de direito e uma única jurisdição os protege.

As ações de alimentos só se processam na Justiça da Infância e da Juventude quando devidos exclusivamente à criança ou ao adolescente; se houver cumulação de pedidos para os pais, a competência será da Vara da Família. A questão não é só da criança ou do adolescente; é da família, portanto, a jurisdição é outra, mais abrangente.

Na jurisdição voluntária persiste a competência para regular diversões públicas. A inovação é que a portaria e o alvará serão concedidos caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral. O que é mais jurídico e se coaduna com o princípio da jurisdicionalização.

Jurisdição se exerce por meio do processo, caso a caso. Só excepcionalmente há jurisdição normativa e, mesmo assim, na hipótese de conflito de interesses.

Nos casos de ato infracional atribuído a adolescente "será competente a autoridade do lugar da ação ou omissão, observadas as regras de conexão, continência e prevenção" (Estatuto, § 1º do art. 147). Sobre conexão, continência e prevenção, ver Código de Processo Penal, arts. 76 a 83.

Nas infrações pelo rádio e televisão, no que tange ao direito à informação, às diversões e espetáculos, a competência é do Juiz do local da sede estadual da emissora ou rede, tendo eficácia a sentença para todas as transmissoras ou retransmissoras do respectivo Estado (art.147, § 3º).

Quanto aos casos de inexistência de conflitos de interesses, mas de mera assistência social, a competência é do Conselho Tutelar.

3.5. Medidas

Entende-se, genericamente, por medidas de proteção as decorrentes do Estatuto, aplicadas no interesse da criança e do adolescente, mesmo que aos pais, responsáveis ou terceiros.

3.5.1. Medidas de proteção

A penalização ao médico que deixa de identificar corretamente o neonato e o encaminhamento do pai ou responsável a programa de auxílio e promoção à família são exemplos de medidas genéricas de proteção.

As medidas específicas dirigidas exclusivamente à criança e ao adolescente vêm no capítulo II do título II do Estatuto e são as seguintes:

"Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico-psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; abrigo em entidades, colocação em família substituta."

Tais medidas não podem ser aplicadas sem que se observe o respectivo processo. Só há intervenção judicial por meio da jurisdição voluntária ou contenciosa.

Não havendo conflito instalado ou conflito a prevenir, não há atuação jurisdicional.

Se a criança, o adolescente, os pais ou responsáveis aceitam a proteção da assistência social, se não há resistência ao cumprimento dos deveres pela família, sociedade ou Estado, mas exercício do pátrio poder, a questão não é judicial, litigiosa; é de assistência e a medida de proteção cabe à autoridade administrativa, o Conselho Tutelar. Vide arts. 131 a 137 do Estatuto.

3.5.1.1. Colocação em família substituta: A crítica ao ab-rogado Código residia na falta de menção aos direitos da criança e do adolescente e na ausência de medidas de apoio à família. A lacuna foi suprida.

Tínhamos um código de controle social da pobreza, agora temos uma lei tutelar.

Via de regra, a privatização de direitos, os conflitos do pátrio poder decorrem da pobreza, da indigência. Em muitos casos a proteção à criança e ao adolescente só será proteção se envolver auxílio material, inclusive à família.

A assistência educativa de que nos fala Bulhões22 passa a integrar a ordem jurídica interna (vide art. 129, I do Estatuto).

O jurista, depois de fazer o histórico do instituto, nascido para "a proteção dos filhos maltratados ou moralmente abandonados", explica:

"Presentemente tem-se em vista unicamente a situação de perigo do menor em sua saúde, segurança, moralidade ou educação, independentemente de investigação sobre a má conduta do pai.

"Atualmente também as medidas necessárias a serem tomadas pelo Tribunal tomaram a forma de assistência educativa, extensiva ao próprio pai e podem ser requeridas pelo próprio pai."

Depois de criticar o Direito brasileiro, que desconhecia a assistência educativa, fala da Lei Francesa:

"Sempre que for possível (diz o art. 372-2 do Código Civil francês, atualizado pela Lei nº 70.459, de 4 de junho de 1970), o menor deve ser mantido no seu meio atual. Nesse caso, o Juiz designa ou uma pessoa qualificada, ou um serviço de observação, de educação ou de reeducação em meio aberto, dando-lhe a missão de levar ajuda e conselho à família, a fim de sobrepujar as dificuldades materiais ou morais que ela encontre. Essa pessoa ou esse serviço é encarregado de seguir o desenvolvimento do menor e de fazer relatório a esse respeito ao juiz, periodicamente. O juiz pode, também, subordinar a manutenção do menor no seu meio a obrigações particulares, tais como a de freqüentar regularmente um estabelecimento de saúde ou de educação, ordinário ou especializado, ou exercer uma atividade profissional.

"Pode também o juiz confiar diretamente o menor a outra família ou a um serviço ou estabelecimento de saúde ou de educação, ordinário ou especializado, ou, ainda, ao Serviço Departamental de ajuda social ao menor, para dele obter auxílio econômico (art. 375-3 do Código Civil).

"Nos dois primeiros casos acima, o juiz pode estabelecer a existência educativa análoga à anteriormente descrita como aplicável ao caso em que o menor é conservado em seu próprio meio atual, devendo ser apresentado ao juiz um relatório periódico sobre a situação do menor (art. 375-4)."

Pelo Estatuto, colocação em família substituta só se realizará sendo inviável a manutenção da criança na família de origem. Tenha-se presente o disposto no art. 23 e no parágrafo único: "A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder."

Não existindo outro motivo que, por si só, autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, o qual deverá obrigatoriamente ser incluído em programas oficiais de auxílio.

Inovação importante vem no § 1º do art. 28: "Sempre que possível, a criança ou o adolescente deverá ser previamente ouvido e sua opinião devidamente considerada."

Adolescentes e até crianças, em muito casos, revelam maior maturidade do que adultos, principalmente quando ocorrem conflitos familiares.

Grünspun23 explica:

"O desafio é sobre a presunção tradicional sobre a incompetência do menor.

"Segundo Eppel (34), a maturidade intelectual e moral de um adolescente de 14 anos de idade é semelhante à do adulto. Schetki e Benedek (91) ainda reduzem a idade, mostrando que crianças de 9 anos de idade podem não compreender informações precisas sobre uma doença, mas fazem decisões na escolha dos tratamentos propostos iguais às dos adultos.

"O argumento é de que a idade da competência é variável e depende além do menor dos procedimentos usados."

A postura que considera a criança e o adolescente sujeito de direitos implica necessariamente o reconhecimento ao direito de opinião e expressão (art. 16, I).

O Juiz, sempre que possível, ouvirá a criança e o adolescente, levando em consideração o grau de desenvolvimento da personalidade, o controle sobre as reações instintivas e passionais e o desenvolvimento emocional e intelectual.

O artigo 12 da Convenção sobre os direitos da criança garante "o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre questões que lhe respeitam, assegurada a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos".

No que tange à adoção, as mudanças são radicais. O adotado rompe os laços com a família biológica, sendo a adoção irrevogável, reduz-se a idade dos adotantes para 21 anos; proíbe-se a adoção de descendentes e irmãos; exige-se o consentimento do adotado maior de 12 anos e permite-se a adoção pelos concubinos.

A colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade de adoção (art. 31).

Mazzilli24 , com propriedade, insiste em que a adoção deve ser facilitada:

"Bem se vê que a própria evolução do Instituto e a tendência liberalizante da jurisprudência são uma mostra de como se deve interpretar a matéria: sempre num sentido mais flexível, para aprimorar a adoção, que até aqui não tem sido mais amplamente usada, porque ainda poderia e deveria ser mais simplificada. Nem se diga que as conquistas do filho adotado reverteriam em prejuízo aos legítimos (na parte sucessória, p. ex.), ou em equiparação cada vez maior entre adoção simples e plena (a figura dos avós adotivos, p. ex.). Igualmente, não podemos admitir posições simplistas como a do Código Civil de 1916, que no seu artigo 358 fechou os olhos para a realidade, vedando o reconhecimento dos filhos incestuosos ou adulterinos, como se com isso eles deixassem de existir ou de serem procriados, e protegida ficasse a família! Como se incestuosos e adulterinos fossem os filhos e não os seus pais! A se prestigiar o formalismo em tal matéria, o que se continuará a ver será infelizmente o estiolamento do instituto da adoção, mantendo-se o atual estado de coisas: poucas adoções; muitos registros de nascimento atribuindo filiação falsa; muitos menores abandonados; muitas guardas de fato, de pessoas que não querem, nem podem se sujeitar às inúmeras exigências para obterem uma correta adoção, que faça o menor, que já têm como filho, realmente integrado e amparado na sua família".

3.5.2. Medidas socioeducativas

O Estatuto, responsabilizante e garantista, muito acertadamente distinguiu as hipóteses da conduta reprovada penalmente, da privação de direitos e das medidas de proteção.

Não se olvide o intérprete: As medidas socioeducativas, em que pese o caráter predominantemente pedagógico, são impostas e implicando restrições, inclusive em privação de liberdade, têm inescondível caráter penal. Só podem ser impostas dentro dos princípios da estrita legalidade e da proporcionalidade.

O infrator pode receber qualquer das medidas específicas de proteção (art. 112, VII), mas o abandonado negligenciado, vítima, será sempre alvo de medidas específicas de proteção, jamais se sujeitando a qualquer medida socioeducativa.

As crianças menores de 12 anos, envolvidas em atos infracionais, não se sujeitam às mesmas medidas impostas aos adolescentes. Vide art. 105.

Quando uma criança pratica uma conduta típica prevista na legislação penal, o caso é exclusivamente de educação ou saúde. A hipótese impõe, pela sua peculiaridade, tratamento educacional exclusivo, ou pertence à psicologia, à psiquiatria, ou a outra área da saúde.

O Estatuto, nos casos de infrações penais cometidas por adolescentes, preconiza medidas de proteção; advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional.

As necessidades pedagógicas, o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários devem ser levados em conta na escolha da medida aplicável.

A imposição de medida socioeducativa pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade, salvo a hipótese de remissão, que não incluirá o internamento e o regime de semiliberdade. Confiram-se os arts. 112, § 1º, 114 e 127.

Imputabilidade e responsabilidade são coisas diferentes.
Sendo a imputabilidade (derivado de imputare) a possibilidade de atribuir responsabilidade pela violação de determinada lei, seja ela penal, civil, comercial, administrativa ou juvenil, não se confunde com a responsabilidade, da qual é pressuposto. (Ver De Plácido e Silva – VOCABULÁRIO JURÍDICO, Rio, Forense, 1982, p. 435).
Há no Estatuto verdadeiro sistema de responsabilidade penal especial, juvenil.
Os adolescentes inimputáveis frente ao Código Penal são imputáveis e respondem diante do Estatuto próprio.

3.5.2.1 Remissão:

Na remissão, se a conduta infracional teve origem na pobreza, pode ser aplicada a advertência e o encaminhamento ao Conselho Tutelar para inclusão do adolescente em programa oficial ou comunitário de auxílio. Nesse caso, bastam prova da materialidade e indícios suficientes da autoria. Vide art. 114.

Vale transcrever o comentário traduzido por Maria Josefina Becker:

"A remissão, que envolve a supressão do procedimento ante a justiça e, com freqüência, o encaminhamento a serviços apoiados pela comunidade, é praticada habitualmente em muitos sistemas jurídicos, oficial ou oficiosamente. Essa prática serve para atenuar os efeitos negativos da continuação do procedimento na administração da justiça de menores (por exemplo, o estigma da sentença). Em muitos casos, a não-intervenção seria a melhor resposta. Por isso, a remissão desde o início e sem formalização a serviços alternativos (sociais) pode constituir a resposta ótima. Este é especialmente o caso, quando a infração não tem um caráter grave e quando a família, a escola ou outras instituições de controle social não institucional já tiverem reagido de forma adequada e construtiva ou seja provável que venham a reagir desse modo.

"Como se prevê na regra 11.2, a remissão pode ser utilizada em qualquer momento do processo de tomada de decisões ¾ pela polícia, ministério público ou outros órgãos como juizados, juntas ou conselhos. Podem se utilizar de remissão uma, várias ou todas autoridades, de acordo com as regras e normas dos respectivos sistemas e em consonância com as presentes regras. Não precisa necessariamente limitar-se a casos menores, tornando-se, assim, a remissão um instrumento importante.

"A regra 11.3 salienta o requisito primordial de assegurar o consentimento do menor infrator (ou de seus pais ou tutores) quanto às medidas de remissão recomendadas. (A remissão que consistir na prestação de serviços à comunidade sem tal consentimento constituiria uma infração à Convenção relativa à abolição do trabalho forçado). Não obstante, é necessário que a validade do consentimento possa ser objeto de impugnação, pois algumas vezes o menor poderia concordar por puro desespero.

"A regra sublinha que devem ser tomadas precauções para diminuir ao mínimo a possibilidade de coerção e intimidação de todos os níveis do processo de remissão. Os menores não deverão sentir-se pressionados (por exemplo, para evitar o comparecimento ao juizado) nem induzidos a aceitar os programas de remissão. Por isso, preconiza-se que se faça uma avaliação objetiva da conveniência da intervenção de uma ‘autoridade competente, se assim for solicitado’ (a ‘autoridade competente’ pode ser diferente da mencionada na regra 14).

"A regra 11.4 recomenda que se prevejam alternativas viáveis ao processo perante a justiça na forma de uma remissão baseada na comunidade. Recomenda-se especialmente os programas que incluam a indenização da vítima e os que procurem evitar futuras transgressões da lei mediante a supervisão e orientação temporárias. As características dos casos particulares determinarão o caráter adequado da remissão, mesmo quando tenham sido cometidos delitos mais graves (por exemplo, a primeira infração, o fato de ter sido praticada sob pressão de companheiro, etc.)."

Se houver sentença e nada se apurar da participação do adolescente, mas surgir como necessário o apoio e o auxílio, inclusive à família, nada obsta o encaminhamento do caso ao Conselho Tutelar.

O Conselho não é órgão jurisdicional, mas de assistência e, assim, providenciará o necessário para garantir os direitos do adolescente.

3.5.2.2. A proporcionalidade: Novidade importante vem consignada no § 1º do art. 112 do Estatuto e se dirige ao Juiz.

A medida socioeducativa terá em conta a capacidade do adolescente de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

Causava perplexidade que o "Direito do Menor" e o Código não se preocupassem com as circunstâncias do fato e do infrator. As medidas nada tinham com a gravidade da infração.

O autor do furto de laranjas podia ser internado, isto é, preso, enquanto o autor do latrocínio ficava em liberdade assistida. O que furtava um pacote de cigarros permanecia internado mais tempo que o homicida.

Tudo dependia da avaliação subjetiva do Juiz que se baseava na periculosidade. Critério a cargo do diretor do estabelecimento ou de uma equipe técnico-administrativa e, o que é mais antijurídico, não se observava o devido processo legal.

A proporcionalidade foi trasladada das "Regras de Beijing" e não introduzida como critério de agravamento da situação do infrator para aplicação de medida mais severa. Subsiste como limite, garantia do direito de o adolescente não se sujeitar à medida severa por infração leve.

Está na regra 5.1 e no respectivo comentário traduzido por Maria Josefina Becker:

"5.l O sistema de justiça de menores enfatizará o bem-estar do menor e garantirá que qualquer decisão em relação aos menores infratores será proporcional às circunstâncias do infrator e da infração.

"A regra 5 se refere a dois dos mais importantes objetivos da justiça juvenil. O primeiro objetivo é a promoção do bem-estar do menor. Este é o enfoque principal dos sistemas jurídicos em que os menores infratores são processados por tribunais de família ou autoridades administrativas, mas também deve-se enfatizar o bem-estar dos jovens, temas judiciais que seguem o modelo do tribunal penal, contribuindo, assim, para evitar sanções meramente punitivas (veja-se também a regra 14).

"O segundo objetivo é o ‘princípio da proporcionalidade’. Este princípio é conhecido como um instrumento para restringir as sanções punitivas, e se expressa principalmente em receber a pena de acordo com a gravidade do delito. A resposta aos jovens infratores não só deverá basear-se no exame da gravidade do delito, mas também em circunstâncias pessoais. As circunstâncias individuais do infrator (por exemplo, sua condição social, sua situação familiar, o dano causado pelo delito ou outros fatores em que intervenham circunstâncias pessoais) têm de influir na proporcionalidade da reação (levando em consideração os esforços do infrator para indenizar a vítima ou sua boa disposição para começar uma vida saudável e útil).

"Pelo mesmo motivo, as respostas destinadas a assegurar o bem-estar do jovem infrator podem exceder o necessário e, por conseguinte, infringir os direitos fundamentais do jovem, como tem ocorrido em alguns sistemas de justiça de menores. Neste aspecto também deve-se salvaguardar a proporcionalidade da resposta em relação às circunstâncias do infrator e da infração, bem como da vítima.

"Em suma, a regra 5 só exige que a resposta nos casos concretos de delinqüência e criminalidade de jovem seja adequada, nem mais nem menos; os temas que as regras vinculam entre si podem contribuir para estimular avanços em ambos os sentidos: os tipos de respostas novos e inovadores são tão necessários como as precauções para evitar qualquer ampliação indevida da rede de controle social oficial sobre os jovens."

A falta de critérios objetivos do Direito do Menor ensejou em muitos casos a aplicação antijurídica da lei. Jovens e até crianças sofreram privação da liberdade em casos nos quais adultos jamais seriam submetidos à mesma restrição. Contravenções, furtos de pequeno valor resultaram em internamentos por prazo superior à pena criminal e sem direito à suspensão da medida - Benefício este que teriam direito se fossem adultos.

A antijuridicidade era tamanha que por um simples desvio de conduta, fato atípico, o "menor" podia ser internado anos a fio na penitenciária de adultos. Confira-se Código, art. 41, § 2º.

Grünspun25 relata caso ocorrido nos Estados Unidos.

"É a ilustração de Bersoff que confirma o caso de Gerald Gault, um menino de 15 anos que fazia telefonemas obscenos para uma senhora do Arizona na década de 60. Por sua conduta foi levado à Corte, considerada de menores, como não criminal e reabilitadora, portanto, sem processo formal, sem gravação, sem proteção para auto-incriminação e sem assistência de defesa. Nestas condições Gault foi sentenciado para uma detenção juvenil num centro até seu 21º aniversário. Uma sentença de seis anos para um crime que levaria um adulto a pagar 50 dólares de multa, e, no máximo, com muitas provas de dolo e maus advogados de defesa, prisão de dois meses. Levada só atualmente à Corte Suprema dos EUA a condenação foi revertida, sugerindo que o processo de menores deva seguir os passos do adulto na persecutio criminis. Pela primeira vez, em 1980, o caso Gault levantou de modo direto a idéia de que os menores têm direitos constitucionais."

3.5.2.3. Liberdade assistida: Na liberdade assistida, o orientador se obriga "a promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social."

A liberdade assistida, segundo Bulhões, é o "instrumento fundamental" para o direito do menor: "Com ela foi criado, em 1869, o juizado de menores, como forma de evitar o internamento e auxiliar os menores infratores, passando a seguir a ser aplicada também aos menores chamados menores abandonados, e em geral sempre que a saúde, segurança, moralidade ou educação do menor estiver em perigo e sempre que o juiz entender necessário à proteção do menor, aproximando-se então das normas da assistência educativa."

Martins26 fundamenta o instituto:

"As vantagens da liberdade assistida são irretorquíveis e incalculáveis, evitando que o menor seja afastado da sua família, submetido ao vexame da internação na Delegacia de Menores ou em Instituto de Menores, correndo o risco de maior deformação moral na promiscuidade com outros menores mais experientes na senda do crime. Dá-se a oportunidade, agora com apoio da Justiça, a que a família reconduza um seu membro extraviado a uma conduta condigna."

Garrido de Paula,27 comentando o ab-rogado Código, diz que a medida só deve ser aplicada aos reincidentes:

"A opção pela imposição do regime de liberdade assistida deverá ser reservada aos infratores reincidentes, porquanto carecedores de um acompanhamento bem próximo, capaz de contribuir para reversão do quadro de vivência infracional. Entendemos que apenas excepcionalmente a medida em questão deverá ser aplicada a menores primários, porquanto a estes o mais adequado seria a advertência ou a entrega mediante termo de responsabilidade."

Tenha-se presente que a liberdade assistida é medida socioeducativa de apoio e também de restrições à liberdade. Só pode ser imposta nos casos previstos em lei. Não havendo prova da existência do ato infracional e da autoria, não cabe a liberdade assistida. Se o adolescente ou sua família necessitam apoio, devem ser encaminhados ao Conselho Tutelar. As medidas específicas de proteção normalmente cabem à assistência social. Há a medida do art. 101, IV.

As medidas específicas de proteção são aplicáveis (Estatuto, título II, capítulo II) e nos casos de infração cuja etiologia não seja a miséria, a pobreza, a falência das políticas públicas, e seja necessário, poderá ocorrer, inclusive, a privação de liberdade, mas sempre precedida do devido processo legal.

3.5.2.4. Internação: Quanto à internação, fica claro tratar-se de medida "privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento" (art. 121).

Embora o internamento seja em estabelecimento educacional, afastou-se o discurso "tutelar" que equiparava o internamento do abandonado ao do infrator, do de conduta desviante atípica ao envolvido em infrações gravíssimas. Ficou clara a dicotomia entre infração e privação de direitos, situação anti-social passiva e ativa, só podendo haver internamento nos casos expressamente mencionados: ato cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; reiteração no cometimento de outras infrações graves ou descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta (art.122).

O Estatuto segue a regra 17.l.C das "Regras de Beijing".

O adolescente em situação passiva de abandono ou negligência sofrerá privação de liberdade; será abrigado. O abrigo em entidade (antiga internação em meio aberto) é caracterizado pela preparação gradativa para o desligamento; preservação dos vínculos familiares; atendimento personalizado em pequenos grupos; desenvolvimento de atividade em regime de co-educação; participação na vida da comunidade local (art. 92).

A internação tem, entre outras, as seguintes características: "observância dos direitos e garantias de que são titulares os adolescentes; atendimento personalizado em pequenos grupos; preservação da identidade em ambiente de respeito e dignidade; restabelecimento e preservação dos vínculos familiares; escolarização e profissionalização; apoio e acompanhamento de egressos; participação comunitária" (art. 94).

A internação é sempre medida excepcional, não pode ser imposta, havendo outra medida adequada, o Juiz só a decretará em último caso.

Comprovada a infração, atenderá o Magistrado ao elemento subjetivo; à conduta social, à personalidade do adolescente; aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do ato infracional; ao comportamento da vítima, e estabelecerá, consoante entenda necessária à reprovação do ato, a medida aplicável.

A internação será a última, reservada aos casos de extrema gravidade. Assim mesmo, não terá prazo determinado e não poderá exceder, em caso algum, a três anos. Atingindo o limite, o adolescente deverá ser liberado e colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida (art.121).

Aboliu-se a possibilidade de internação em estabelecimento de adultos, salvo a internação provisória pelo prazo de cinco dias (art. 185).

Cabe ao Juiz providenciar estabelecimento adequado na comarca mais próxima, na mesma ou até em outras unidades da Federação. Decorrido o prazo de 5 dias sem a transferência, há direito ao habeas corpus.

A internação, embora diversa da pena de prisão, objetivamente, nada difere daquela; é um "mal necessário". Só deve ser aplicada em último caso e, assim mesmo, por prazo estritamente necessário ao afastamento do ambiente delinqüencial e criminógeno, com educação, profissionalização, progressiva semi-liberdade e liberdade assistida.

Tenha-se presente: É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor" (art. 18).

No regime do Código de Menores permitia-se a privação da liberdade em cadeias ou penitenciárias, por motivos indiferentes ao Direito penal, o que provocou justas e fundadas críticas.

O novo sistema tem de estar atento para não repetir os equívocos do antigo modelo, identificados no relatório Rivera,28 e cujas conclusões vaie transcrever:

"Do ângulo científico, a situação de confinamento cruel e animalizante caracteriza uma programação para a desestruturação mental e para a morte, porque provoca distúrbios de tal gravidade que favorece a exacerbação ou a inoculação do ódio, do ressentimento social, da anomia individual, conduzindo à delinqüência violenta em muitos casos pela perda de identidade e aquisição de um falso "eu", em situações traumáticas e aceleradas de aprendizagem do mal ¾ em condições de contágio e de privações sensoriais e emocionais que, sabemos hoje, estão na gênese de inúmeras pautas de condutas autodestrutivas e antisociais.

"Conhecimentos produzidos em várias disciplinas científicas ¾ a partir de novo saber sobre o cérebro humano e de experiências traumáticas de prisioneiros dos mais diversos sistemas políticos e "programas" de manipulação do psiquismo e do comportamento através do condicionamento ambiental perverso ¾ comprovam que as condições patogênicas de confinamento de seres humanos dão origem a transformações de personalidade e as pautas de conduta altamente perniciosa para as vítimas, seus familiares e a sociedade em geral.

"Do ponto de vista da segurança pública, os procedimentos atuais de atendimento a crianças e adolescentes vulneráveis no Distrito Federal transformam-se em mecanismos produtores ou reprodutores de marginalidade e de delinqüência violenta, alimentando, em vez de debelar, o ciclo perverso da violência criminal.

"Finalmente, do ponto de vista pedagógico, a ineficácia do sistema atual é completa. Seu objetivo nominal é um, mas o resultado é o oposto, e isso porque o programa traz implícito um objetivo antipedagógico, qual seja, destruir a autoconfiança, o autoconceito, a auto-estima, a capacidade de arrependimento e reorientação de vida de crianças e jovens vulnerabilizados socialmente, conduzindo-os ao "funil sacrificial" de difícil retorno e de trágico final pré-programado ¾ à miséria física e mental, à loucura, ao suicídio, à destrutividade cega e aos jogos da morte.

"Como falar então de educação e recuperação se há um programa que prepara o inverso? Como fazer dos enjaulados, infratores ou não, ‘cidadãos prestantes e homens e mulheres úteis ao Brasil’, se, quando essas crianças e jovens apenas incomodam, nas ruas ou nas lojas, ou quando cometem infrações leves típicas da infância e da adolescência, são tratados de maneira cruel e degradante, tão contrária àquela ‘solidariedade humana, patriótica e cristã que recomendava Tancredo Neves?"

3.6 Os procedimentos

3.6.1 Generalidades

Conjunto de regras para a administração da Justiça, o processo é o instrumento por excelência do poder jurisdicional.

Não se confundem processo e procedimento. O primeiro é o conjunto de atos, a instrução da causa, enquanto o segundo é a forma de que se reveste o processo.

Os atos processuais previstos no Estatuto são eminentemente teleológicos, finalísticos, visam à administração da justiça com a prevenção ou composição dos litígios em que sejam invocáveis os direitos da criança e do adolescente.

É a aplicação das normas estatutárias que fixa a competência da Justiça da Infância e da Juventude.

Os procedimentos especiais vêm regulados no título VI, capítulo III e VII: perda e suspensão do pátrio poder, colocação em família substituta, apuração de irregularidades em entidades de atendimento, apuração de infração administrativa, ações civis e torno de direitos difusos e coletivos e apuração de ato infracional atribuído a adolescente.

O Código de Processo Civil é genericamente subsidiário. O processo penal só subsidia no procedimento de apuração do ato infracional.

O processo de perda do pátrio poder é litigioso, enquanto a colocação em família substituta é de jurisdição voluntária.

A diferença entre os procedimentos é importante pelas conseqüências decorrentes do efeito da coisa julgada. Num caso há coisa julgada material e no outro, somente formal.

A destituição pode ser proposta pelo Ministério Público ou por quem tenha legítimo interesse. Cabe ao Conselho Tutelar representar ao Ministério Público os casos que entender necessária a medida: abandono, maus tratos, atos contrários à moral ou aos bons costumes.

Não se confunda destituição com suspensão do pátrio poder. A destituição é permanente. A suspensão, temporária, e pode se referir a certo e determinado filho. A destituição atinge a todos o filhos. Sobre a matéria ver Código Civil arts. 394 e 395, Consolidação das Leis do Trabalho, art. 437 e Estatuto arts. 21 a 24 e 155 a 163.

A grande inovação estatutária reside no art. 23: "A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder."

O processo resguarda os direitos das pessoas sem recursos, pois, "se o requerido não tiver possibilidade de constituir advogado, sem prejuízo do próprio sustento e da família, poderá requerer, em cartório, que lhe seja nomeado dativo, ao qual incumbirá a apresentação de resposta, contando-se o prazo a partir da intimação do despacho de nomeação".

3.6.2 Colocação em família substituta

A colocação em família substituta na forma de guarda e responsabilidade, tutela e adoção, é de jurisdição voluntária, sendo subsidiárias as disposições do procedimento respectivo, previsto no Código de Processo Civil.

Permite-se pedido formulado diretamente em cartório, se os pais forem falecidos, destituídos ou suspensos do pátrio poder ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta.

Mesmo já tendo concordado, os pais deverão ser ouvidos pelo Juiz, cautela que melhor assegura o direito à convivência familiar. Também, sempre que possível, deve ser ouvida a criança e o adolescente e sua opinião devidamente considerada. Não esqueçamos: criança e jovem são sujeitos de direito e não meros objetos do direito da família, da sociedade ou do Estado.

Tratando-se de perda ou modificação da guarda em que haja controvérsia, o procedimento será o do Estatuto, art. 155 a 163. Se for destituição da tutela, o prazo para responder e o desenvolvimento do processo será o previsto no Código de Processo Civil, arts. I.194 a I.197. Em se tratando de requerido sem recursos, cabe a providência do art. 159 do Estatuto.

São invocáveis as disposições a respeito da realização do estudo social e da perícia, bem como da oitiva da criança e do adolescente.

Há cuidados especiais no sentido de resguardar os direitos das partes: assim, "deverão ser esgotados todos os meios para citação pessoal" (art. 158, parágrafo único).

Esgotar todos os expedientes para a localização do citando é procurá-lo na rua onde resida, no local de trabalho; é pesquisar, indagar sobre o seu paradeiro. É fazer pesquisa no cartório para ver se tem domicílio eleitoral no município e que endereço forneceu.

3.6.3 Processo de apuração de infração penal

3.6.3.1 Generalidades: Se o Estatuto representa extraordinário avanço no campo dos direitos fundamentais, reconhecendo que crianças e adolescentes são sujeitos de direito, foi no processo de apuração de ato infracional que a nova lei deixou bem clara essa posição.

Foram inseridos na ordem jurídica interna os princípios das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Juventude. Reconheceu-se expressamente, entre outros, o direito à liberdade de ir e vir em logradouros públicos e espaços comunitários; o direito de não ser privado de liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade competente; sendo privado de liberdade, examina-se, desde logo, a possibilidade de liberação imediata; não ser privado de liberdade sem o devido processo legal; garantia do pleno e formal conhecimento do ato infracional; igualdade na relação processual; defesa técnica por advogado; direito de ser ouvido pessoalmente e de solicitar a presença de seus pais ou responsável. Confiram-se arts. 15-18, 106-1 I 1.

Freqüentemente tem-se apresentado o Juiz de Menores como um juiz tutelar, protetor, mesmo do jovem em conflito com a sociedade.

Segundo os menoristas, a tutela seria incompatível com a função jurisdicional através do processo contraditório. O processo seria prejudicial à educação do "menor" que não deve ser acusado, muito menos condenado. Em nome desta pseudo-proteção, os "menores" eram "encaminhados" às Delegacias de Menores, aos "estabelecimentos adequados", à "internação", vale dizer, prisão, detenção, reclusão, medida de segurança, sem determinação de tempo e, o que é pior, sem qualquer observância dos princípios e limites da estrita legalidade observados na jurisdição comum.

Tamanha antijuridicidade não podia continuar, como diz Solari:29 "os tribunais de menores" foram criados para "subtrair o menor do Direito Penal e colocá-lo sob a proteção de normas tutelares, estabelecendo se em seu favor mecanismos de garantia dos seus direitos frente a jurisdição ordinária, embora diferentes, quanto aos princípios filosóficos e objetivos, se sujeitam às mesmas limitações e princípios aceitos tradicionalmente para a jurisdição ordinária".

O professor insiste em que as características diferenciadas dos tribunais especializadas foram estabelecidas "para facilitar o cumprimento de seus objetivos, quais sejam, a realização dos direitos do jovem, mas, sem que isso implique a perda de certos direitos superiores garantidos na Constituição, como as regras do devido processo legal, evitando-se, dessa forma, que através do exercício de faculdades discricionárias e arbitrárias se convertam em centros de poder ilimitado".

O caráter tutelar do Tribunal melhor se afina com as garantias processuais. Processo nada tem com a natureza da medida resultante da aplicação de suas normas que são sempre formais. Processo é forma, direito adjetivo. Medida é conteúdo, direito substantivo. Processo é garantia, segurança da liberdade jurídica, nada tem com punição, repressão. Ao contrário, é forma de segurança para aplicação da justiça, é limite ao arbítrio do Estado. Processo não é sinônimo de complicação, demora, sofrimento, penalização. Exprime "o conjunto de princípios e de regras para que se administre justiça",30 caracteriza-se como forma de garantia dos direitos do cidadão.

Para ser mesmo tutelar, a justiça especializada tem de se submeter às regras do devido processo legal, que, no caso, é caracterizado pela remissão, celeridade e simplificação dos atos processuais.

Remissão de casos, simplificação e celeridade sem sacrificar os direitos do jovem à presunção de inocência; direito de conhecer as acusações; de não responder; de ter advogado; direito à presença dos pais ou responsável, à confrontação com testemunhas e a interrogá-las, e à apelação a um tribunal superior. Confiram-se Regras 7.1 e 11, das "Regras de Beijing."

Como diz Noronha 31 "as leis de processo, mais do que quaisquer outras, protegem e tutelam o direito de defesa de todos os direitos de que o homem goza na vida em sociedade".

O processo de apuração de ato infracional visa não só averiguar a existência e a autoria do ato para aplicação de uma medida socioeducativa, mas surge como garantia da liberdade jurídica do adolescente e segurança contra o possível arbítrio do Estado.

3.6.3.2 Privação da liberdade. Caráter tutelar do processo: As normas procedimentais são eminentemente tutelares, porquanto resguardam os direitos do jovem através de formalidades essenciais à validade da atuação dos agentes do Estado, principalmente no que tange às restrições à liberdade pessoal.

O estatuto só admite privação de liberdade em caso de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa por reiteração no cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento outras medidas anteriormente impostas (art. 122).

Para a internação provisória (processual), ou aquela decorrente de flagrante, exigem se os pressupostos da "gravidade do ato, repercussão social, garantia da segurança do adolescente ou manutenção da ordem pública". Confira-se artigo 174.

O processo é formal e as formalidades indispensáveis à validade da medida provisória. Assim, não preenchidos os requisitos subjetivos e objetivos de validade do internamento, a privação da liberdade do adolescente será ilegal, passível de habeas corpus.

Os pressupostos da medida da extrema estão no Estatuto e no Código de Processo Penal, que é subsidiário: prova da existência de fato definido como infração penal cometido com grave ameaça ou violência à pessoa; indícios do ato infracional; repercussão social; garantia da segurança pessoal ou manutenção da ordem pública.

A prova do ato infracional implica a certeza de que houve, mesmo, um fato definido como infração penal "pesada", envolvendo grave ameaça ou violência à pessoa.

A certeza do fato se fundamentará em declarações, auto de exame de corpo de delito e outros elementos indispensáveis à convicção do Juiz.

A autoria não precisa ser indubitável, bastando indícios suficientes, provas menos robustas, mas capazes de ensejar convicção provisória.

Tenha-se presente a subsidiariedade da lei processual comum. Não cabe internamento provisório nos fatos definidos como infrações penais punidas com detenção.

O pressuposto da gravidade da infração tem de ser atendido. Lesões corporais leves, culposas, infanticídio, aborto, rixa, embora envolvam violência à pessoa, não comportam a medida extrema.

A repercussão social está ligada ao "alarme", ao "clamor" ao "abalo" no meio social, decorrente da gravidade do fato. A gravidade há de ser tal a impor a medida extrema.

Se o fato não tem grande repercussão, se não causa revolta, não cabe internamente.

Garantia da segurança pessoal do adolescente ou da ordem pública são pressupostos alternativos.

Há necessidade de contenção para segurança pessoal, quando o jovem corre perigo iminente por ameaças concretas de familiares, amigos da vítima, grupos de extermínio, etc.

O conceito de garantia da ordem pública está sedimentado, corresponde ao caso daquele que cometeu, está cometendo ou ameaça cometer, novos crimes. As hipóteses devem traduzir ameaça concreta à ordem pública, não bastando simples maus antecedentes.

Há ainda a tutela da fundamentação do despacho que ordena o internamento provisório (art. 106 e 108 parágrafo único).

Os pressupostos subjetivos e objetivos devem estar satisfatoriamente demonstrados, não bastando mencionar que o internamento se impõe para garantia da ordem pública. É preciso explicitar os motivos e a conveniência da medida extrema, que é violenta e excepcional.

Tenha-se presente a presunção de inocência que beneficia adultos e é extensiva aos adolescentes. Fundamentar é dizer os motivos, os fundamentos, as razões da decisão.

Se o despacho não estiver fundamentado haverá ilegalidade remediável através de habeas corpus.

Quanto ao flagrante, só há necessidade da lavratura do auto nas hipóteses de violência ou grave ameaça à pessoa; nos demais casos, o auto poderá ser substituído por boletim de ocorrência circunstanciado (art. 173, parágrafo único).

Mesmo nos casos graves, desde que compareçam os pais ou responsável, o adolescente será prontamente liberado, sob compromisso de responsabilidade de apresentação ao Ministério Público. Aqui o Estatuto art. 174 — cumpre a regra 10.2 das "Regras de Beijing".

O flagrante de ato infracional se submete às exigências do Código de Processo, que é subsidiário. São invocáveis os arts. 301 a 310 com as modificações estatutárias. De qualquer modo, tenha-se presente, o auto deve se revestir das formalidades intrínsecas e extrínsecas de validade, caso contrário não prevalecerá, cabendo habeas corpus.

Em caso de internação com auto de flagrante, impõe-se a apresentação imediata ao Órgão do Ministério Público. Só na impossibilidade, que deverá ser justificada, o jovem será encaminhado à entidade de atendimento ou à delegacia especializada, mas o prazo de 24 horas não poderá ser ultrapassado.

O descumprimento do prazo do art. 175 pode ensejar crime sujeito à detenção de seis meses a dois anos (art.235).

Não se olvide o caráter tutelar do processo, principalmente como forma de garantia da efetividade dos direitos constitucionais.

O Ministério Público, titular da ação de pretensão de socioeducativa pública de que nos fala Garrido de Paula32, passa a desempenhar importante papel no processo, colocado na posição de defensor dos direitos individuais indisponíveis.

Não, como no Código, o curador de menores "paternalista", mas o órgão da justiça, defensor da ordem jurídica, e, assim, da "proteção integral", que inclui o devido processo. Como diz Garrido de Paula.33

Quem apregoa que com o contraditório e a ampla defesa o curador de menores deixará de ser um defensor do adolescente parte de premissa — não verdadeira — de que nesse tipo de processo inexistente lide. Ora é inconcebível que profissionais do Direito, desprezando lições de propedêutica jurídica, deixem de reconhecer a existência de um conflito de interesses, olvidem a realidade da pretensão e fechem os olhos à necessidade de resistência. Evidente que existe um conflito entre o Estado e o adolescente, estabelecido pela prática do ato infracional. O Estado tem a pretensão de reeducar ou ressocializar o adolescente e de prevenir a ocorrência de atos infracionais, inclusive através da privação da liberdade; o adolescente, de seu turno, resiste à pretensão estatal, porquanto não quer ser contemplado com reeducação ou ressocialização através de perda da liberdade. Se a resistência não se efetiva na prática é porque o Código de Menores, discriminatório e opressivo em relação às classes populares, tratou do menor como mero objeto de intervenção estatal, facultando a defesa técnica apenas àqueles cujos pais pudessem, às próprias expensas, constituir um advogado. O legislador do Código de Menores virou as costas aos infratores abandonados e às famílias de baixa renda, excluindo, pelo fator econômico, a possibilidade de defesa.

"Reducionismo exagerado é afirmar que, com o contraditório e a ampla defesa, o curador de Menores será transformado em órgão de acusação.

"Ínsita em tal assertiva encontra-se a detração da figura do promotor criminal, reduzido a acusador implacável, perseguidor de inocentes e empedernido aplicador de leis. O promotor criminal promove o justo, limitando seu interesse às conseqüências legais ante a apuração da verdade real. Tem compromisso com a justiça; jamais com a condenação. Tem o dever de pleitear a absolvição do inocente, sob pena de fraudar suas funções institucionais.

"Assim também com o curador de menores. O fato de em face da proposta constante do Estatuto da Criança e do Adolescente oferecer representação do ato infracional, relatando suas circunstâncias e indicando seu provável autor, representa instrumento de efetivação da garantia do pleno e formal conhecimento da atribuição, de sorte a levar ao adolescente os motivos pelos quais pretende o Estado, eventualmente, privá-lo de liberdade. Tem o adolescente o incontestável direito de saber por que está sendo processado, quais os motivos que o Estado alega em favor de sua intervenção. A representação é garantia; não é acusação.

"Mais uma vez, ardilosamente, pretendem alguns relacionar a representação à denúncia do processo criminal, realçando o sentido leigo e desprezando o sentido técnico desta última locução. Utilizam-se da expressão denúncia como se fosse um instrumento de violência do Estado, alegação secreta de um procedimento inquisitorial, olvidando que juridicamente representa, exclusivamente, a peça vestibular da ação penal, tendo por objetivos deduzir a pretensão da Justiça Pública o propiciar o conhecimento dos fatos imputados, constituindo-se em instrumento possibilitador de defesa. A representação como peça inaugural da ação socioeducativa pública tem as mesmas finalidades, maneira de efetivação do princípio constitucional do pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional e instrumento de controle do respeito aos princípios de tipicidade e da anterioridade.

"Finalizando, entendemos que a posição do promotor de justiça curador de Menores no procedimento de apuração de ato infracional é de parte impessoal, atuando com absoluta impessoalidade, de modo a materializar as garantias constitucionais e defender os interesses sociais e individuais indisponíveis, notadamente dando vida à proteção especial devida a crianças e adolescentes ante a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento."

3 - Apuração de ato infracional

O Estatuto segue a moderna tendência do Direito relativamente às infrações penais atribuídas aos jovens, submetidos à jurisdição tutelar. Processo simples, célere, mas contraditório.

A simplificação dos atos processuais é claramente visualizada nos arts. 171 a 189, onde são resguardados os direitos fundamentais. As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça, Juvenil estão presentes, disciplinando o procedimento. Os respectivos comentários são invocáveis.

O procedimento de apuração de infração penal previsto no Estatuto pode ser complementado (Constituição, art. 24, XI). Os Estados poderão legislar adaptando as regras gerais à realidade local. Não será o mesmo o procedimento nos grandes centros urbanos, Rio, São Paulo, e nas cidades menores, Porto Velho ou Macapá, A cada realidade o seu procedimento.

O Estatuto não foi lacunoso. Deixou espaço para o legislador estadual.

O procedimento tem fase prévia na polícia seguindo-se a apresentação ao Ministério Público. Não havendo flagrante, a autoridade policial notificará o adolescente e seus pais para a apresentação ao órgão do Ministério Público, durante o expediente forense, no dia útil imediato à remessa das investigações (art. 177). Em caso de não comparecimento, o Ministério Público notificará os pais ou responsável para a apresentação, podendo requisitar o concurso da polícia (art. 179, parágrafo único).

Com a apresentação do adolescente, o Ministério Público, no mesmo dia, poderá promover o arquivamento dos autos, conceder a remissão ou representar para a aplicação de medida socioeducativa (vide art. 180).

A remissão, introduzida a partir da regra 11, das Regras Mínimas, constitui extraordinário avanço no campo do Direito positivo porquanto minimiza o efeito do contato do jovem com o sistema e simplifica a aplicação de medidas socioeducativas.

Podendo ser revista a qualquer tempo, a remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou a comprovação da responsabilidade nem prevalece para efeitos de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semi-liberdade e a internação (arts. l27-128)

Não havia por que instaurar o contraditório para uma simples advertência, acompanhada do "encaminhamento" a programa de auxílio.

Oferecida a representação, na audiência, ou em qualquer fase, o Juiz poderá conceder a remissão suspendendo ou extinguindo o processo. A decisão será fundamentada.

Na hipótese de fato grave, onde não caiba remissão, não tendo o adolescente advogado, o Juiz lhe nomeará defensor que, no prazo de três dias, apresentará defesa prévia e rol de testemunhas (art.186). Segue se a instrução e julgamento em dia e hora previamente designados. As partes podem requerer diligências, perícias, etc.

A sentença pode ser condenatória ou absolutória. Sendo subsidiário o Código de Processo Penal, há que se observar os arts. 381 a 384 e art. 189 do Estatuto.

Há que se ter em conta os princípios já sedimentados no Direito Processual, onde as sentenças têm classificação própria. São declaratórias, condenatórias, constitutivas, mandamentais.

Quando o juiz impõe uma medida socioeducativa, claramente condena. A sentença é, pois, condenatória.

A regra 17 das Regras Mínimas e o respectivo comentário são aplicáveis.

A sentença passa a ter requisitos extrínsecos e intrínsecos de validade, destacando-se a indicação dos motivos de fato e de direito em que se funda a decisão, bem como os artigos de lei aplicados.

A fundamentação é requisito indispensável; sem ela a sentença é nula.

Tenha-se presente: "A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça na sentença: não estar provada a existência do fato; não haver prova da existência do fato; não constituir o fatio ato infracional; não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional" (art. 189).

À Justiça da Infância e da Juventude está reservado importante papel no combate à violência e à privação indevida de liberdade, fatores produtores e reprodutores da delinqüência.

O sistema existe para proteger e restabelecer os direitos de crianças e adolescentes.

Não se trata de uma "Justiça Parcial", mas de um sistema de interpretação e aplicação de lei responsabilizante, protetora, tutelar, tuitiva.

Se o Juiz criminal deve estar atento aos direitos fundamentais, à liberdade jurídica do acusado, impedindo o arbítrio, o Juiz da Infância e da Juventude deverá agir com redobrada cautela, tendo presente que "a lei do processo é o prolongamento e a efetivação do capítulo constitucional sobre os direitos e as garantias constitucionais".34

É seu dever expedir ex ofício ordem de habeas corpus quando verificar, no curso do processo, que criança ou adolescente sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal (CPP, 654, § 2º).

No processo penal juvenil há redobrada preocupação com a liberdade jurídica, os direitos fundamentais. Assim, os prazos para a apresentação (art. 174); para o encaminhamento a estabelecimento (art. 175), para a remissão (art. 179); para a conclusão do processo (art. 183); para a permanência em estabelecimento de adultos (art. 185) têm de ser atendidos. Ultrapassados, deve o Juiz imediatamente determinar a liberação do adolescente.

A perda do prazo enseja habeas corpus e responsabilidade das autoridades processantes. Havendo, inclusive, responsabilidade penal. Confiram-se artigos 234 e 235.

Se a Constituição e as leis processuais garantem o direito das pessoas privadas de liberdade, assegurando que a medida extrema só pode persistir nos casos expressos, a excepcionalidade da restrição relativamente aos adolescentes é ainda maior.

Não se podia compreender e aceitar que relativamente aos adultos só se admitisse a privação da liberdade em certos casos, cercada de formalidades e requisitos intrínsecos e extrínsecos, e que os "menores" fossem "internados", isto é, presos em cadeias e penitenciárias, sem que se atendesse a qualquer formalidade, como por exemplo o auto de flagrante ou a ordem escrita e fundamentada. A injustiça foi corrigida, cabendo ao Juiz, ao Promotor, ao Advogado zelarem para que jovens não se submetam a um processo mais rígido do que o adulto e menos preocupado com as garantias constitucionais.

Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, "gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana" (art. 3º). Não são meros objetos do direito de intervenção dos pais, da família ou do Estado.

3.7 Ações cíveis em torno de direitos coletivos ou difusos

Avanço extraordinário no Direito positivo a introdução das ações cíveis em torno de direitos coletivos ou difusos.

Com o Estatuto, a negligência do Estado no cumprimento de políticas públicas básicas pode ensejar o recurso à via judicial.

Cabe a ação, havendo não-oferecimento ou oferta irregular do ensino obrigatório, de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, de atendimento em creche e pré-escola a criança de zero a seis anos de idade; de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; de programas suplementares de oferta de material didático escolar transporte e assistência à saúde do educando do assino fundamental; assistência social visando à proteção à família, à maternidade, a infância e à adolescência bem como ao amparo às crianças e adolescentes que dele necessitem; de acesso às ações e serviços de saúde; de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade.

As hipóteses previstas não excluem da proteção judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, contidos na Constituição e pela lei (parágrafo único do art. 208).

Direitos coletivos são aqueles pertencentes a determinados grupos, enquanto os difusos tocam à categoria dos que não podem ser fruídos com exclusividade. Há, no direito difuso, uma indeterminação de pessoas titulares do direito.

Direito coletivo à educação: determinado grupo de meninos de rua fora da escola, inexistindo turno compatível com seu interesse.

Direito difuso: inexistência de ações e serviços de saúde.

A descrição dos casos do artigo 208 do Estatuto não é taxativa, mas, meramente enumerativa porquanto não exclui da proteção judicial outros interesses individuais difusos ou coletivos.

Não só a falta de oferecimento ou a oferta irregular das políticas públicas de saúde, educação, assistência social, mencionado no Estatuto, ensejam o direito às ações cíveis, mas outras ações poderão ser propostas.

A competência é do Juízo da Infância e da Juventude do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão da política básica. Há que se atender à hierarquia das leis. Sendo o Estatuto lei federal, prevalece sobre a lei local que atribua privilégio de foro (vide art. 209).

A legitimação é concorrente do Ministério Público, da União, dos Estados, Municípios, Distrito Federal, Territórios e das Associações de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente. Quanto às associações, dispensar-se-á autorização dos associados, havendo prévia autorização estatutária.

Importante dispositivo: "Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigência legais, o qual terá eficácia do título extrajudicial" (art. 211).

Não há necessidade de adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas. Só há sucumbência com a responsabilidade pelas despesas processuais, em caso de litigância de má-fé.

Cabe a instauração de inquérito civil pelo Ministério Público, o que facilitará a propositura da demanda.

É subsidiária a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que tutela o valor ambiental.

3.8 Os recursos

Recurso, segundo Lima, "é o meio dentro da mesma relação processual, de que se pode servir a parte vencida ou quem se julgue prejudicado, para obter, total ou parcialmente, a anulação ou reforma de uma sentença".35 Marques, em feliz síntese conceitua: "recurso é um procedimento que se forma para que seja revisto pronunciamento jurisdicional contido em sentença, decisão interlocutória, ou acórdão".36

No seu sentido amplo, recurso é o procedimento para revisão das decisões e, em sentido restrito, refere-se à pretensão de anulação ou reforma da sentença.

Na Justiça da Infância e da Juventude é adotado o sistema recursal do Código de Processo Civil (art. 198). Como em matéria de recurso, a interpretação é restritiva. Tem-se que, no processo de apuração de ato infracional, o recurso é o Estatuto, com as alterações ali consignadas, e não o do Código de Processo Penal.

Não há preparo; o prazo para interpor e responder à apelação é de dez dias. Há preferência de julgamento e dispensa de revisor.

No agravo, é de cinco dias o prazo para interpor e responder.

O efeito da apelação é sempre devolutivo, salvo; quando interposta contra sentença que deferir adoção por estrangeiro e a Juízo da autoridade judiciária, sempre que houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 198, VI).

Relativamente à adoção por estrangeiro, a cautela é percebida à primeira vista. O envio da criança para o exterior dificultaria o regresso, face aos transtornos do cumprimento do acórdão que teria de ser homologado na Justiça alienígena.

Dano irreparável é o insuscetível de reparação civil. Há uma impossibilidade material de ressarcimento.

O conceito serve para a difícil reparação, aduzindo-se que a hipótese é a mesma que a da incerta reparação, duvidosa, melhor dizendo.

Em qualquer caso, antes de determinar a remessa dos autos à instância superior, o Juiz proferirá despacho fundamentado, mantendo o reformando a decisão.

Fundamentar é motivar, alicerçar. É dizer dos motivos em que se funda a mudança do julgado.

Os fundamentos são os motivos determinantes da nova decisão.

Um dos postulados da justiça da Infância e da Juventude reside na fundamentação todas as decisões. Trata-se de princípios processual importantíssimo de garantia das partes que têm direito de saber o motivo das decisões.

Mantida a decisão, os autos sobem. No caso de reforma, a parte vencida terá de pedir expressamente a remessa à superior instância. A falta de pedido expressa torna deserta a apelação ou o agravo pelo abandono do recurso.

3.9 O Ministério Público

O Ministério Público, na Justiça da Infância e da Juventude, atua como parte processual ou custos legis.

Embora atue como parte, não é órgão de acusação e nem simples defensor dos direitos individuais de cada criança e/ou adolescente em conflito com a sociedade, mas, o responsável pela ordem jurídica, pelos direitos sociais e individuais indisponíveis.

Não cabe discutir a vexata quaestio relativa às funções do Ministério Público, nem seria próprio examinar se se trata de "função integradora da função do Juiz" (Zanolini, of. Carnelutti),37 ou se "parte instrumental", "parte imparcial", etc. O que importa é destacar o órgão como Promotor de Justiça, da eqüidade, defensor dos direitos sociais e individuais indisponíveis.

Quando atua como parte, propondo a "ação socioeducativa pública", não age de forma parcial contra o adolescente; promove justiça. Trata-se de parte sui generis, apenas interessada em realizar justiça, tanto que pode pedir o arquivamento das peças informativas ou a improcedência da ação por ele mesmo proposta.

Se na área criminal o Ministério Público é o órgão estatal da pretensão punitiva, surge aqui como órgão estatal da pretensão socioeducativa, tanto que concede a remissão como forma de exclusão do processo (art. 126).

Como parte ou em posição assemelhada, pouco importa: a verdade é que, na Justiça da Infância e da juventude, as funções do Ministério Público crescem de importância.

Cabe ao Ministério Público, entre outras atribuições, promover e acompanhar a ação de alimentos, de suspensão e destituição do pátrio poder; de nomeação e destituição de tutores e guardiães; promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos; instaurar procedimentos administrativos e impetrar mandado de segurança, injunção e habeas corpus.

Como promotor de justiça, o órgão do Ministério Público atua na defesa da ordem jurídica, sempre atento às ameaças ou violações dos direitos fundamentais de crianças e jovens, cabendo-lhes propor as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.

3.10 O advogado

No Direito do menor existem três correntes a respeito da participação do advogado: uma entendendo que se deve proibir, outra pela facultatividade, só permitindo a intervenção quando constituído pela família, e a última entende ser obrigatória em todos os casos.

O ab-rogado Código, chamando o causídico de "procurador", inclinou-se pela intervenção facultativa, caracterizada pelo contraditório quando houvesse procuração outorgada pelos pais ou responsável. É sabido, os meninos de rua, as crianças pobres que não tinham família ou não podiam constituir advogado, ficavam indefesas. Negava-se aos pobres o direito ao contraditório, enquanto os "maus filhos" das "boas famílias" eram amplamente defendidos. Tamanha injustiça raiava à inconstitucionalidade.

O Estatuto, regulamentando a Constituição, assegura as garantias processuais e a participação obrigatória do advogado (vide arts. 110-111 e 206-207).

O advogado é figura indispensável à administração da justiça, sendo inaceitável qualquer restrição a sua participação em processo administrativo, civil ou penal.

Na área penal da infância e da juventude, as funções crescem de importância na medida em que a atuação do advogado exsurge como importante elemento de controle da prestação jurisdicional. Controle das informações levadas ao Juiz, das declarações das testemunhas, dos laudos técnicos, dos prazos, das decisões, recorrendo à instância superior que entender necessário.

Se o mais perigoso dos delinqüentes tem direito à presunção de inocência, de não ser preso a não ser, em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada do Juiz; se dispõe obrigatoriamente, de advogado e de ampla defesa com recursos ela inerentes, causa perplexidade que, no Direito, dito tutelar, os "menores" fossem privados de liberdade sem os mesmos direitos, argumentando-se que eram defendidos pelo Ministério Público e que as medidas eram sempre protetoras.

3.11 Serviços auxiliares

Os serviços são organizados de acordo com as leis locais de organização judiciária.

Não há mais a figura do comissário de menores. As leis judiciária. poderão criar cargos de agentes de proteção. Tais servidores não são policiais, órgão de repressão de meninos. São agentes de proteção, cumprem diligências necessárias, assegurando que os adultos não ameacem ou violem os direitos assegurados no Estatuto. Velam pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (Estatuto, art. 18).

A equipe técnica, composta de assistente social, psicólogo, educador, faz os estudos de caso, subministrando ao Juiz os elementos necessários à convicção. É invocável a legislação processual, subsidiária respectiva. Cabem as mesmas regras de quesitos, assistentes incompatibilidade e impedimentos do direito comum.

O escrivão, o oficial de justiça também estão sujeitos às normas do direito judiciário e da organização judiciária.

Relativamente aos serviços auxiliares, cabem as recomendações das "Regras de Beijing". Vide regra 22 e respectivo comentário.
 
 

Retirado de: http://www.abmp.org.br/forumx/fx_ecanovo.htm