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TRABALHO INFANTIL NA AGRICULTURA



Luiz Carlos de Araújo
 
 
 
 

Juiz Togado do TRT/15ª Região

O trabalho infantil na agricultura é tema de alta relevância e o espaço de tempo destinado à exposição da matéria obriga-nos a resumir, ao máximo, o nosso ponto de vista.

Sem embargo, todos sabem que a crinça e o adolescente, desde o princípio da civilização, sempre trabalharam. Submetidos aos chamados aprendizados, durante o período das corporações, quando tinham um teto e um prato de comida  como pagamento de seus préstimos, enfrentaram, logo a seguir, o selvagem liberalismo, mas somente a partir da revolução industrial, no século XIX, passaram a ser destaques, isto porque, reconhecia e abertamente, preferiam os detentores do capital utilizar do trabalho da mulher e do menor por tratar-se de mão-de-obra mais barata. Notícias há de que existem registros de exploração do trabalho de crianças, entre 5, 8 ou 10 anos de idade, na Inglaterra e em outros países considerados do Primeiro Mundo.

Movimentos seguidos de movimentos fizeram, ainda que com muita dificuldade, tramitar perante os parlamentos, leis de proteção ao menor. Tem-se conhecimento, também, de que, de 1802 a 1867 foram editadas nada menos do que dezessete leis de proteção aos menores, na Inglaterra.
Vejam os senhores que o privilégio de exploração de menores não é só do Brasil. Porém, muitos países da Europa se deram conta desta barbaridade e erradicaram o trabalho executado por crianças entre 8 a 14 anos, permitindo-o somente a partir dos 14 anos, como orienta a OIT.

No Brasil, a história nos conta que, no século XVI, os colonizadores portugueses, na extração do pau-brasil tentaram escravizar os indígenas, aí incluindo também as mulheres e as crianças, porém, diante da forte resistência e da indolência, por natureza, dos nativos, viram-se obrigados a socorrerem-se dos escravos negros oriundos da África, já explorados na Europa, principalmente em terras portuguesas como nos Açores, Ilha da Madeira, etc.

Ultrapassados os ciclos da extração do pau-brasil e da cultura da cana-de-açúcar, já no século XVII e início do século XVIII, totalmente sustentados pela mão-de-obra escrava, chega-se ao ciclo da mineração, onde, também predominou a escravatura, ainda que as grandes jazidas auríferas enriquecessem muitos dos colonizadores que tinham suas grandes extensões de terras, agora, já cortadas pelos Bandeirantes.

A mineração, no início do século XVIII, perdeu campo para a pecuária, que se estendeu por todo o Nordeste, sendo que depois, já descendo para o centro-oeste, voltaria a dar lugar à agricultura.

Imaginem, senhores congressistas, que esta longa caminhada, conhecida como desenvolvimento econômico, nela se incluindo o ciclo do algodão e, posteriormente, a do café, que resultou no acúmulo de fortunas nas mãos de poucos, que exploravam muitos, estes, escravos.

Não obstante a proibição da escravatura em 1888, a exploração humana continuava, mas, durante o auge do ciclo do café, houve uma maciça imigração européia, que não supria a mão-de-obra escrava, diante de uma nova cultura que se implantava, mas assim mesmo, o poder do capital fez com que muitos fazendeiros se tornassem mais poderosos, financeira e economicamente.

Agora, já no século XX, com o declínio do café, a partir da década de 50, enfrentamos outra realidade. Realidade esta assim explicada pelo professor Francisco José da Costa Alves, no 3º Congresso Brasileiro de Direito Rural, realizado em Ribeirão Preto, nos dias 21, 22 e 23 de setembro de 1995, desta forma:

Os principais problemas da agricultura brasileira são decorrentes de um modelo de desenvolvimento agrícola. São decorrentes, fundamentalmente, da ausência política agrícola e agrária, da ausência de política industrial, da ausência de política de desenvolvimento. Estamos vivendo uma nova etapa do desenvolvimento do capitalismo, na qual o que vale é a capacidade dos agentes econômicos e atores sociais lograrem vantagens da concorrência em escala internacional. Esta etapa está sendo chamada de globalização da economia. Onde se acredita que o mercado global dê conta de satisfazer os interesses dos diferentes agentes e ao mesmo tempo promova o bem-estar social. É por isso que ela é chamada de neoliberal. Nela, o Estado deve ser o mínimo, com menor capacidade de interferir na dinâmica capitalista, para não obstaculizar a concorrência e a capacidade do mercado em promover o bem-estar social.
Continua o conhecido e carinhosamente chamado de professor Chiquinho:

Em outras palavras, a regra do jogo que se quer imputar é a regra do cada um por si, no livre jogo das forças de mercado. É o mercado que regula as possibilidades de sobrevivência dos agentes econômicos e atores sociais. Cabe ao Estado interferir o mínimo possível, daí o Estado mínimo e a ausência de política agrícola, agrária, industrial, de saúde, de educação, etc."
e mais adiante a lição conclui:

Em decorrência deste modelo, a propriedade da terra também se concentra. Os estabelecimentos com menos de 50 hectares detinham 3% da área agriculturável na década de 70, na década de 80 detinham apenas 2,4%.

Os estabelecimentos com mais de 5.000 hectares detinham 67% na década de 70, na de 80, 69,7%.

A verdade a que se chega é que se mudam os tempos, mas as riquezas sempre se concentram nas mãos de poucos, que não se interessam pela verdadeira libertação da exploração humana, principalmente das crianças e mulheres, parte mais fraca no relacionamento capital e trabalho.
Esta realidade é muito triste, mas existe.

Pesquisadores dão notícias que, já nos fins do século passado, havia uma preocupação com o homem do campo, mas nossa Carta Magna de 1891, promulgada logo após a Lei Áurea e a Proclamação da República, omitiu-se a respeito do trabalho do menor. Já a de 1934, que foi a primeira a tratar especificamente do Direito do Trabalho, tratou da proteção do menor, em seus arts. 121, § 1º, 139 e 150. Proibia o trabalho do menor de 14 anos e garantia-lhe ensino obrigatório por parte da União. A Carta de 1937 reiterou a proibição do trabalho por menor de 14 anos e menteve a garantia do ensino primário gratuito.

Ainda que pareça um paradoxo, pois, nos Estados Unidos, a notícia é de que houve exploração de menores até de 5 ou 6 anos, foi sob a inspiração do modelo daquele país que foi promulgada a Constituição Federal de 1946, que, em vários dispositivos, tratou da proteção do menor em relação ao trabalho.

Como não poderia deixar de ser, o regime militar, tanto na Carta de 1967, como na Emenda Constitucional de 1969, aboliu a discriminação salarial em relação à idade e reduziu a idade mínima para o trabalho, de 14 para 12 anos.

Com estas rápidas pinceladas, chegamos aos nossos dias.

A nossa Carta Federal de 1988, no entender de alguns, é tida como uma das mais modernas do mundo e, por outros, uma das mais retrógradas, tanto que hoje é alvo de seguidas críticas e discussões no Congresso Nacional, antecipando-se, como é de conhecimento de todos, inclusive à Convenção Internacional dos Direitos da Criança, vetou em relação aos menores:

a) o trabalho noturno;

b) o trabalho perigoso a ser realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;

d) o trabalho realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola;
e) o trabalho para menores de 14 anos, estabelecendo, em seu arts. 227, que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão e no art. 214, assegura que:

A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à:

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - melhoria da qualidade do ensino;

IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

A Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, que substituiu o Estatuto do Trabalhador Rural, muito pouco trata do trabalho do menor, porém o seu art. 1º prevê a possibilidade de socorrer-se das disposições da Consolidação das Leis do Trabalho, que destinou todo o seu capítulo IV, com nada menos de 40 artigos, à proteção do trabalhador menor.

Convenções e Resoluções da Organização Internacional do Trabalho sugerem e estabelecem regras disciplinadoras aplicáveis ao trabalho da criança e do adolescente, o mesmo acontecendo com os Estatutos destes.

Leis ordinárias, Decretos, Decretos-lei, Regulamentos, Portarias, etc., tratam do assunto, como no caso da formação técnico-profissional, trabalho em órgão da administração pública e tantos outros.

Não obstante essa enormidade de regras protetoras do menor, constato a preocupação de nossos doutrinadores em discutir a conceituação dos termos menor escrito em alguns dispositivos e criança e adolescente escrito em outros, mas o fundamental fica como antes, e continuo a deparar com manchetes de jornais, como algumas, das quais passo a transcrever alguns trechos:

Há algumas semanas, a  polícia de Rio Pardo, Minas, abriu um inquérito para analisar as denúncias de que o gato Gildásio de Souza submetia um grupo de carvoeiros ao regime de escravidão. Uma das vítimas é José Germano dos Santos, que com a ajuda de três filhos, produzia cerca de 350 metros cúbicos de carvão por mês, o suficiente para encher seis ou sete caminhões.

O acerto feito com o gato previa o recebimento de R$ 0,50 por metro cúbico, mas José Germano ficou meses sem ver a cor do dinheiro. O Gildásio falava que eu é que devia para ele. Digo e atesto, seu moço: eu era um escravo (grifos nossos). (Folha de São Paulo, 11-8-95).

Uma pesquisa concluída no ano passado revelou que 91,27% das crianças de áreas dominadas pela cana-de-açúcar começam no serviço entre os 7 e 13 anos. O levantamento foi feito pelo Centro Josué de Castro, especializado no estuto da fonte do Nordeste, em convênio com Save Children Fund., uma entidade inglesa de pesquisas sobre crianças e adolescentes em todo o mundo. A região pesquisada foi a Zona da Mata (PE), uma das áreas de domínio das usinas do Nordeste.

Ali, pelo menos 60 mil crianças estão entregues às atividades de corte de cana. Correspondem a 25% da mão-de-obra das usinas e engenhos.

O mais terrível é que pelo menos 57% dos meninos já se acidentaram. Cortam-se com o próprio instrumento de trabalho: a foice, de golpes profundos, é perigosa até mesmo quando manejadas por hábeis adultos.

As crianças repetem a mesma trajetória de seus antepassados.

A maioria (56%) começa a trabalhar aos 7 anos, quando poderia estar iniciando a fase escolar.
A exploração infantil, segundo a pesquisa, é considerada pelos próprios pais, como coisa normal. Precisam das crianças para completar o salário em casa.

Numa região onde a renda familiar não passa de US$ 23, as crianças tornam-se importantes na constituição deste ganho. (Folha de São Paulo, 19-3-95).

Senhor Presidente dos Trabalhos, demais componentes da mesa, senhores congressistas, poderia dissertar uma infinidade de reportagens como estas, porém reservo-me no direito de me reportar apenas a mais uma, intitulada FHC ataca trabalho e prostituição infantis. Iniciou o discurso, o Sociólogo Fernando Henrique Cardoso, utilizando-se do programa de rádio Palavra do Presidente, no dia 04.10.95, desta maneira:

O que vou falar hoje me entristece, me deixa indignado e até revoltado. Eu vou falar de uma dura realidade, que afeta a vida de milhões de brasileiros: a prostituição infantil e o trabalho infantil..."
citando as estatísticas que todos nós conhecemos, e tudo continua da mesma forma que antes, isto porque, após seis meses do discurso acima referido, deparo com nova manchete:
Marco Maciel levará idéia ao presidente; proposta estabelece idade mínima de 15 anos para trabalhar (O Estado de São Paulo, 13-3-96).

demonstrando que a sensibilidade do sociólogo não mexeu com o coração do político-presidente, e assim, com razão está a Procuradora-Chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª Região, em artigo publicado na Revista do TRT daquela Região, (ano 2/número 3), às páginas 54, quando afirma:

Como se vê, não faltam normas legais de proteção ao trabalho infanto-juvenil no Brasil, o que falta é vontade política, no sentido de torná-las efetivas, revertendo-se o caráter perverso do modelo de desenvolvimento adotado.(destaque nosso).

Concluindo, Senhores, não se pode esquecer que hoje se gasta com a escola básica, que atinge 28 milhões de alunos, 0,8% do PIB, em todas as esferas administrativas. Com as instituições federais de ensino superior, para 300.000 alunos, gasta-se 0,6% do PIB. Pode-se até considerar aceitável que a educação superior custe US$ 8.000,00 por aluno/ano, mas é inaceitável que se destine à escola básica apenas recursos que correspondam a setenta vezes menos.
Diante desta realidade:

Tem-se que exigir do Poder Executivo que se liberte de normas programáticas e que parta para o positivismo, promovendo uma efetiva política agrária e educando o jovem, pois, só assim, acredito, extirpar-se-á a escravidão que ainda, nos dias de hoje, existe. O trabalhador culto saberá se defender, exigir seus direitos, e lembrar-se-á do poeta Jósimo Morais Tavares, que pregava em seu poema Desafio:

Como se escamam o peixe, e com sal se lhe devolve o gosto ardente, que sacia a fome aguda de quem navega a liberdade, assim os pequenos oprimidos, em passos de esperança, arrancarão da nossa história, o Medo, e com palavras vivas de quem luta e canta, e clama, nutrirão as entranhas do tempo com sangue do Direito e da Justiça.

Retirado de:  http://www.ite.com.br/REVISTA/rev_17/rev_17_4.htm